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Tut 16 - C&b&G 1 💕 Tut 16 - C&b&G O libertarismo - Kymlicka 1- Os direitos de propriedade e o mercado livre (a) A diversidade da teoria política de direita Libertários: defendem as liberdade de mercado e exigem limitações ao uso do Estado para a política social. Se opõe ao uso de esquemas de tributação redistributiva para implementar uma teoria liberal de igualdade. Nem todos os que preferem o mercado livre são libertários, pois nem todos compartilham a visão libertária de que o mercado livre é inerentemente justo (capitalismo irrestrito) Ex: utilitários (até um certo ponto, acham que maximiza a produtividade), outras doutrinas acreditam que minimiza os perigos de tirania (dar muito poder ao governo sob as trocas econômicas os torna capaz de controlar todos os aspectos da nossa vida) Defesa contingente: a defesa do mercado livre deve ser incerta, pois a história não revela nenhum vínculo invariável entre capitalismo e liberdades civis. Assim, elas apenas nos dizem que os mercados livres são um meio de promover a utilizada máxima ou de proteger as liberdades políticas e civis. Diferença do libertarismo com as outras teorias de direita: parra ele, a tributação redistributiva é inerentemente errada (uma violação dos direitos dos povos). Nesse sentido, o governo não tem nenhum direito de interferir no mercado, mesmo que aumente a eficiência → como as pessoas têm direito de dispor de suas posses como julgarem melhor, a interferência governamental é equivalente ao trabalho forçado (b) A "teoria da titularidade" de Nozick Teoria de titularidade de Nozick: se supusermos que todos são titulares dos bens que possuem atualmente, então, uma distribuição justa é simplesmente qualquer distribuição que resulte das trocas livres das pessoas → qualquer troca que resulte de uma situação justa por meio de transferências livres é, por sua vez, justa. A tributação das trocas pelo governo é injusta. A única tributação legítima é a que se destina a manter as instituições que protegem o sistema de livre trocas. Tut 16 - C&b&G 2 "De casa um, como escolher, para cada um, como escolhido" Princípios fundamentais na teoria da titularidade: 1 Um princípio de transferência: qualquer coisa que seja adquirida justamente poderá ser transferidas livremente 2 Um princípio de aquisição inicial justa: uma descrição de como as pessoas podem vir inicialmente a possuir coisas que podem ser transferidas em conformidade com 1 3 Um princípio de retificação da injustiça: como lidar com as posses se forem injustamente adquiridas ou transferidas Conclusão da teoria de titularidade: um Estado mínimo, limitado às funções estritas de proteção contra força, roubo, fraude etc. é justificado; qualquer Estado mais amplo violará os direitos das pessoas de não serem forçadas a fazer certas coisas e é injustificado → defende o Estado mínimo. Não pode existir educação pública, assistência média pública... tudo vem da tributação, que é ilegítima → os igualitários liberais dão preferências à tributação das trocas livres para compensar os desfavorecidos natural e socialmente Nozick acha isso injusto). Para Nozick, apesar de existir alguns limites do que posso fazer com a minha pose (ter uma faca me permite fazer o que eu quiser com ela, menos depositá-la nas costas de outra pessoa, já que as costas não são suas), você é livre para fazer o que quiser - até mesmos dá para os menos favorecidos. Porém, ninguém tem o direito de tirá-la de você, mesmo que por causas "nobres" (c) O argumento intuitivo: o exemplo de Wilt Chamberlain Princípio de transferência de Nozick 1 se adquirirmos legitimamente alguma coisa, temos direitos de propriedade absolutos sobre ela. Desigualdade do princípio 1 é provável que o efeito dessa transferência seja uma distribuição muito desigual de renda e oportunidade. Dado que as pessoas nascem com talentos naturais diferentes, algumas pessoas serão amplamente recompensadas, enquanto as que carecem de habilidades comerciáveis conseguirão menos recompensas → surgem as desigualdades Nozick reconhece essas desigualdades como possíveis resultados do capitalismo sem restrições (fonte de nossas objeções intuitivas ao libertarismo) Defesa intuitiva dos direitos: ele pede que especifiquemos uma distribuição inicial que consideramos legítima e argumenta que preferimos intuitivamente seu princípio de transferência aos princípios liberais de redistribuição (de Rawls) Ele ignora nossa intuição sobre como lidar justamente com circunstâncias desiguais. Quando lida com esse problema, ele reconhece a força intuitiva da posição liberal, Tut 16 - C&b&G 3 mas continua defendendo que não podemos redistribuir os bens pois as pessoas têm direitos absolutos sobre eles. Exemplo de Wilt Chamberlain: A tentativa de oferecer uma defesa intuitiva por meio do exemplo é enganosa. Para perceber isso com mais clareza, podemos separar as teorias de justiça distributiva em três elementos: 1 Princípios morais (definem as regras de justiça ⤵) 2 As regras de justiça que governam a estrutura básica da sociedade (definem a distribuição específica ⤵) 3 Uma distribuição específica de posses em dado tempo e lugar (vou pular essa parte porque realmente é bem inútil) :: O exemplo revela a implausibilidade de defender o libertarimo simplesmente recorrendo a nossas instituições sobre a justiça. 2 - O argumento da posse de si mesmo (a) O princípio da posse de si mesmo Uma defesa bem sucedida terá de demonstrar que o libertarismo é a consequência inevitável de algum princípio mais profundo com o qual estamos profundamente comprometidos → entra o princípio de posse de si mesmo Princípio de posse de si mesmo: uma interpretação do princípio de tratar as pessoas como fins em si mesmas (um princípio que estamos fortemente comprometidos, então se Nozick provar: fim em si mesmo → posse de si mesmo → libertarismo, ele fornece uma forte defesa do libertarismo) Kymlicka argumenta que Nozick não consegue fazer isso Reconhecer as pessoas como possuidoras de si mesmas é crucial para tratar as pessoas como iguais Tut 16 - C&b&G 4 Argumento de Nozick: como somos indivíduos distintos, há limites para os sacrifícios que podem ser pedidos a uma pessoa em benefício de outras. O utilitarismo nega esses limites, algo inaceitável para Nozick → respeitar esses direitos é um aspecto necessário de respeitar o direito das pessoas de serem tratadas como fins em si mesmas, não como meio para outros. Assim, tratar com respeito a nós e a nossos direitos permite que escolhamos nossa vida e concretizemos nossos fins e nossa concepção de nós mesmos, auxiliados pela cooperação voluntária de outros indivíduos que possuem a mesma dignidade. Há continuidade aqui com Rawls contra o utilitarismo: os dois concordam que tratar as pessoas como iguais requer limites quanto aos modos como uma pessoa pode ser usada para o benefício de outras ou para o benefício da sociedade em geral. Diferença entre Rawls e Nozick: Rawls e Nozick divergem sobre quais direitos são mais importantes ao tratar as pessoas como fins de si mesmas. Para Rawls, um dos direitos mais importantes é o direito de certa parcela dos recursos da sociedade. Já para Nozick, os direitos mais importantes são os direitos sobre si próprio (o que a pessoa possui e o que é possuído são a mesma coisa, a saber, a pessoa inteira) Por que não podemos aceitar ambas as posições? Para Nozick, a noção de Rawls que os bens produzidos pelos talentos sejam usados para aumentar o bem-estar dos desfavorecidos é incompatível com o reconhecimento da posse de si mesmo → se possuo a mim mesmo, então possuo os meus talentos, e, por isso, possuo qualquer coisa produzida pelos meus talentos → a exigência da tributação redistributiva dos talentos viola a posse de si mesmo (não se pode dizer que possuo meus talentos se outros têm direitos legítimos sobre os frutos desses talentos) Os liberais aceitam que a pessoa possui legitimamente seustalentos e que é livre para usá-los, porém, também argumentam que, por ser uma questão de sorte, seus direitos a seus talentos não incluem o direito de auferir recompensas desiguais (talentosos têm uma obrigação moral com os desfavorecidos). Assim, na teoria de Dworkin, os talentosos devem prêmios de seguro que são pagos aos desfavorecidos (b) A posse de si mesmo e a posse de propriedade Como a posse de si mesmo resulta em posse de propriedade? - Nozick afirma que as trocas de mercado envolvem o exercício dos poderes dos indivíduos e, como os indivíduos possuem seus poderes, eles também possuem qualquer coisa que provenha do exercício desses poderes no mercado. No entanto, as trocas de mercado envolvem muito mais do que o exercício dos poderes de posse própria. Também envolvem direitos jurídicos sobre coisas, sobre bens exteriores, e estas coisas não são simplesmente criadas a partir do nada pelos nossos poderes de posse própria. Nozick reconhece que as transações de mercado envolvem mais do que o exercício de poderes de posse própria. Tut 16 - C&b&G 5 Na sua teoria, meu direito a bens exteriores, como a terra, provém do fato de que outros transferiram esse direito para mim, em conformidade com o princípio da transferência. Isso supõe que o possuidor anterior tinha um direito legítimo. Mas, se a validade de meus direitos de propriedade depende da validade de direitos de propriedade anteriores, então, determinar a validade de meu direito a bens externos exige o retorno ao começo da corrente de transferências. O começo da série de transferências não é considerado a partir de quando a terra foi criada, mas de quando foi, pela primeira vez, apropriada por um indivíduo como sua propriedade privada. Portanto, para ter direitos a todas as recompensas que me são conferidas pelas trocas de mercado devo ser o possuidor legítimo não apenas de meus poderes, mas também de recursos externos inicialmente não possuídos. Se não houve nenhuma aquisição inicial legítima, então, não pode haver nenhuma transferência legítima. Nozick deve-nos uma descrição de como os recursos externos vieram a ser inicialmente adquiridos por um individuo para o seu próprio uso. (i) A aquisição inicial A resposta histórica é, muitas vezes, que os recursos naturais vieram a ser propriedade de alguém pela força. Ou o uso da força tornou ilegítima a aquisição inicial, caso em que o direito presente é ilegítimo e não há nenhuma razão moral para que os governos não devam confiscar a riqueza e distribuí-la, ou o uso inicial da força não tornou a aquisição ilegítima, caso em que podemos, com igual justificativa, usar a força para tomá-la de seus atuais proprietários e redistribuí-la. - De qualquer maneira, o fato de que a aquisição inicial muitas vezes envolveu a força significa que não há nenhuma objeção moral à redistribuição da riqueza existente. A resposta de Nozick a este problema é a primeira. O uso da força torna a aquisição ilegítima; logo, o direito atual é ilegítimo. - Idealmente, os efeitos da aquisição ilegítima devem ser retificados e os recursos restaurados ao seu proprietário legítimo. - Contudo, muitas vezes é impossível saber quem são os proprietários legítimos. Nozick sugere que poderíamos retificar a ilegitimidade do direito existente por meio de uma redistribuição única e geral de recursos, em conformidade com o princípio da diferença de Rawls. - Só após esta redistribuição o princípio libertário de transferência se afirmará. Tut 16 - C&b&G 6 Como a maior parte da aquisição inicial foi realmente ilegítima, a teoria de Nozick não pode proteger da redistribuição as posses existentes. Porém, ainda precisamos saber como a aquisição poderia ter surgido legitimamente. Se não pudermos responder a esta pergunta, então, devemos rejeitá-lo. Se, de nenhuma maneira, as pessoas puderem se apropriar de recursos não possuídos sem negar o direito de outras pessoas a igual consideração, então, o direito de transferência de Nozick nunca chegará a funcionar. Que tipo de aquisição inicial de direitos absolutos a recursos não possuídos é compatível com a ideia de tratar as pessoas como iguais? - Nozick vale-se da resposta de John Locke para solucioná-lo. A resposta de Locke foi que temos o direito de nos apropriar de pedaços do mundo externo se deixarmos aos outros “o suficiente e igualmente bom”. - Um ato de apropriação que satisfaz este critério é compatível com a igualdade dos outros indivíduos, já que eles não são desfavorecidos por esta apropriação. Locke percebeu que a maioria dos atos de apropriação não deixa o suficiente e igualmente bom do objeto que está sendo apropriado. Locke, porém, diz que a apropriação é aceitável se deixa as pessoas em situação tão boa ou melhor de modo geral. - Embora eu tenha menos terra disponível para mim, o resultado de cercar as terras comuns pode ser o barateamento dos bens que compro, o que deixa minha situação geral melhor. Portanto, o requisito para que a apropriação seja legítima é que ela não piore a condição geral de ninguém. Nozick chama isso “cláusula lockiana”. Enfatizar a questão de ser ou não piorada a condição dos outros é adequado porque reforça o princípio da igual consideração dos interesses das pessoas. A aquisição não violará a igual consideração se não piorar a situação de ninguém. A apropriação de um objeto específico é legítima se a sua subtração ao uso geral não deixa as pessoas em situação pior, em termos materiais, do que estavam quando ele era de uso geral. Desta maneira, o mundo não possuído vem a ser apropriado, com plenos direitos de propriedade, por pessoas com posse de si próprias. Portanto, a posse de si resulta em posse absoluta do mundo externo. Como a apropriação inicial inclui o direito de transferência, logo teremos um mercado desenvolvido para os recursos produtivos. E, como esta apropriação exclui algumas pessoas do acesso a esses recursos produtivos, logo teremos um mercado de trabalho desenvolvido. E, como as pessoas, então, possuirão legitimamente os poderes e a propriedade envolvidos na Tut 16 - C&b&G 7 troca de mercado, elas terão direito legítimo a todas as recompensas auferidas por estas tricas. E, como as pessoas terão direito a todas as suas recompensas de mercado, a redistribuição governamental para ajudar os desfavorecidos seria uma violação dos direitos das pessoas. ii) A cláusula lockiana Aquisição inicial justa: 1 as pessoas possuem a si mesmas; 2 o mundo inicialmente não pertence a ninguém; 3 você pode adquirir direitos absolutos sobre uma parcela desproporcional do mundo se não piorar a condição de outros; 4 é relativamente fácil adquirir direitos absolutos sobre uma parcela desproporcional do mundo e; 5 uma vez que as pessoas tenham se apropriado de propriedade privada, um mercado livre de capital e trabalho é moralmente exigido. Falando mais sobre a 3 para Nozick, piorar a condição do outro tem duas características importantes → "a pior situação" é definida em função do bem-estar material e ele define o uso comum de pré-apropriação como o padrão de comparação. Kymlicka vai discordar dessas ideias e argumentar contra Assim, o capitalismo como sistema contínuo é justo se ninguém ficar em situação pior do que aquela em que estaria sem a privatização do mundo exterior Bem estar material: a posse de si próprio protege nossa capacidade de perseguir nossos objetivos, já que permite que resistamos a tentativas de outros nos usarem meramente como meios para seus fins. Restrição arbitrária das opções: Nozick aceita uma doutrina de apropriação do tipo "quem chega primeiro leva". Para ele, não importa para a legitimidade de uma apropriação que alguma outra apropriação sirva melhor os interesses materiais das pessoas Capitalismo satisfaz a condição 3 o capitalismo irrestrito não deixa as pessoas em situação pior do que aquela em que estariam sem nenhuma apropriação privada (já que é aceitável que as pessoas que não possuam talentosmorram de fome) Para Kymlicka, é absurdo dizer que deixar uma pessoa morrer é justo, dado que existem outros sistemas que não permitiriam isso → as pessoas que carecem de habilidades comerciáveis estão em piores situações no capitalismo puro de Nozick do que em princípios diferentes de Rawls (e a pessoa com talentos comerciáveis está melhor em Nozick do que Rawls) A posse inicial do mundo: há outro problema de cláusula de Nozick que bloqueia a mudança de posse de si mesmo para o capitalismo irrestrito → por que aceitamos a condição 2? Poderíamos supor que o mundo é possuído conjuntamente, de tal modo que cada um tenha direito a opor um veto igual à alienação da terra Mundo possuído conjuntamente: nega as implicações inigualitárias da posso de si mesmo. Assim, os desprovidos de talentos podem vetar o uso da terra que Tut 16 - C&b&G 8 beneficiem os talentosos sem beneficiá-los também. (c) A posse de si mesmo e a igualdade O que Kymlicka está tentando fazer é mostrar que o princípio de posse de si mesmo não gera por si só uma defesa moral do capitalismo, já que um capitalista não exige apenas a posse de si mesmo, mas também a posse de recursos. Por que preferir regimes libertários a regimes igualitários liberais? Nozick pensa em 3 argumentos: consentimento, autodeterminação e dignidade Consentimento: Autodeterminação: devemos selecionar um regime que contenha não apenas a posse formal de si mesmo, mas também uma posse mais substantiva de si mesmo, que forneça um controle eficaz sobre nossa própria vida (direito de escolher quais das nossas capacidades desenvolver por exemplo) Dignidade: crucial para tratar as pessoas como iguais - a ideia é de que as outras pessoas têm direitos frutos de meus talentos fosse um assalta à dignidade esse restinho eu não entendi nada :( 3– O libertarismo como vantagem mútua O libertarismo não é visto adequadamente como uma teoria de se tratar as pessoas como iguais. É uma teoria de que, então? Há duas possibilidades: teoria de vantagem mútua (tratada nesta seção) e teoria de liberdade. As teorias de vantagem mútua do libertarismo são apresentadas em termos contratuais. Exporei algumas das diferenças entre a versão de contratualismo rawlsiana e a baseada na vantagem mútua. Para Rawls, o dispositivo do contrato está ligado ao nosso “dever natural de justiça”. Temos um dever natural de tratar os outros equitativamente, pois eles são “fontes de origem própria de reivindicações válidas”. - As pessoas têm importância, do ponto de vista moral, porque são “fins em si mesmas” e, portanto, têm direito à igual consideração. - Este é um dever “natural” porque não é derivado do consentimento ou da vantagem mútua, mas devido às pessoas como tais. - O contrato ajuda-nos a determinar o conteúdo deste dever natural, pois exige que cada parte leve em consideração as necessidades dos outros “como seres livres e iguais”. - Para assegurar que o contrato dá igual consideração a cada um dos contratantes, a posição original de Rawls abstrai das diferenças de talento e força. Tut 16 - C&b&G 9 - Ao remover estas diferenças, o contrato “substitui a desigualdade física por uma igualdade moral” e, com isso, representa a igualdade entre os seres humanos como pessoas morais. - Então, o contrato é um dispositivo útil para determinar o conteúdo de nosso dever natural de justiça porque representa adequadamente nossa igualdade moral. Para os teóricos da vantagem mútua não há nenhum dever natural nem reivindicações morais de origem própria. Exclui a ideia de que as pessoas e ações têm qualquer status moral inerente. O que as pessoas consideram ser valores morais objetivos são apenas as preferências subjetivas dos indivíduos. - Portanto, não há “certo” ou “errado” a respeito de nossas ações, mesmo que elas envolvam prejudicar os outros. - Contudo, embora não haja nada de errado em prejudicar você, eu estaria em melhor situação abstendo-me de fazê-lo se todos os outros se abstivessem de me prejudicar. Adotar uma convenção contra o dano é mutuamente vantajoso – não temos de desperdiçar recursos defendendo nossa pessoa e propriedade e isso nos capacita a entrar em cooperação estável. - Cada pessoa desejará que a convenção proteja seus interesses tanto quanto possível e, ao mesmo tempo, limite-os tão pouco quanto possível. - Embora este contrato, ao contrário do contrato de Rawls, não seja uma elaboração de nossas noções tradicionais de obrigação moral e política, ele incluirá algumas das limitações que Rawls considera ser “deveres naturais” – por exemplo, o dever de não roubar ou o dever de dividir equitativamente entre os contribuintes os benefícios da cooperação. - Se é vantajoso ou não seguir uma convenção específica, depende de nossas preferências e poderes. Os que são fortes e talentosos irão sair-se melhor do que os que são fracos e irresolutos, já que eles têm um poder de barganha menor. - Os fortes não ganham aceitando convenções que protejam os interesses dos irresolutos. É a isso que Rawls se opôs nos argumentos tradicionais do estado de natureza – eles permitem diferenças no poder de barganha que deviam ser irrelevantes na determinação dos princípios de justiça. - As convenções resultantes conferirão direitos a várias pessoas, mas, como estes direitos dependem do nosso poder de barganha, o contratualismo da vantagem mútua não proporciona a cada indivíduo um status moral inerente em relação a seus pares. Crítica: as teorias de vantagem mútua não oferecem às pessoas um “status moral inerente” e, se não há nenhum dever natural de respeitar os outros, então, não há nenhum dever natural de respeitar sua posse de si mesmos e, portanto, nenhum dever de tratá-los de maneiras que consentiriam voluntariamente ou que aceitariam em contrato. Tut 16 - C&b&G 10 Os libertários, porém, argumentam que respeitar a posse de si mesmo é mutuamente vantajoso – é do interesse de cada pessoa conferir aos outros direitos de posse de si mesmos e não tentar coagi-los a promover nosso bem, contanto que isso seja recíproco. A vantagem mútua não justifica direitos a certa parcela de recursos sob o princípio da diferença de Rawls. Os pobres ganhariam com tal direito, mas os ricos têm interesse em proteger seus recursos, e os pobres carecem de poder suficiente para tomar os recursos. A vantagem mútua produz o libertarismo, portanto, porque todos têm o interesse e a capacidade de insistir na posse de si mesmo, mas os que têm um interesse na redistribuição não possuem a capacidade de insistir nela. Para os libertários as pessoas são, por natureza, mais ou menos iguais na sua capacidade de prejudicar os outros e na sua vulnerabilidade ao prejuízo – e esta igualdade factual fundamenta o igual respeito pela posse de si mesmo. - Isso não é realista. Muitas pessoa carecem do poder de se defenderem e, portanto, não podem reivindicar o direito de posse de si mesmas com base em fundamentos de vantagem mútua. A vantagem mútua não produz realmente libertarismo. Explorar os indefesos, na nossa visão cotidiana, é a pior injustiça, ao passo que os teóricos da vantagem mútua dizem que não temos nenhuma obrigação para com os indefesos. Embora a vantagem mútua possa gerar resultados justos sob as condições de igualdade natural e tecnológica, ela dá licença à exploração sempre que “as diferenças pessoais são suficientemente grandes” e não há nenhum fundamento na teoria para preferir a justiça à exploração. A vantagem mútua, portanto, fornece apenas uma defesa muito limitada dos direitos de propriedade, e a pouca defesa que fornece não é uma defesa reconhecidamente moral. O recurso de Nozick à igualdade não funcionou, mas ainda temos de examinar o recurso à liberdade. 4 – O libertarismo como liberdade Algumas pessoas argumentam que o libertarismo não é uma teoria da igualdade ou vantagem mútua. Antes, é uma teoria da liberdade. Nesta visão, a igualdade e a liberdade são rivais na disputa de nossa fidelidade moral eo que define o libertarismo é o seu reconhecimento da liberdade como premissa moral fundamental e sua recusa de comprometer a liberdade pela igualdade. Esta não é uma interpretação plausível da teoria de Nozick. Tut 16 - C&b&G 11 Nozick diz que somos livres, moralmente falando, para usar nossos poderes como desejarmos. Essa posse de nós mesmos não é derivada de nenhum princípio de liberdade. Ele não diz que a liberdade vem primeiro e que, para sermos livres, precisamos da posse de nós mesmos. Sua visão é que a abrangência e a natureza da liberdade que devemos usufruir são uma função da nossa posse de nós mesmos. Outros libertários, porém, dizem que o libertarismo baseia-se em um princípio de liberdade. O que significa uma teoria estar baseada em um princípio de liberdade e como tal princípio serve para defender o capitalismo? um mercado irrestrito envolve mais liberdade; a liberdade é o valor fundamental; portanto, o mercado livre é exigido moralmente. Argumentarei que as premissas 1 e 2 são enganosas e que qualquer tentativa de defender o capitalismo recorrendo a um princípio de liberdade encontrará problemas. (a)O valor da liberdade (i) O papel da liberdade nas teorias igualitárias Argumentei que o utilitarismo, o liberalismo e o libertarismo de Nozick são teorias igualitárias. Embora a liberdade não seja fundamental nestas teorias, isso não significa que não estejam interessadas na liberdade. Nozick enfatiza as liberdades formais da posse de si mesmo. Rawls atribui prioridade às liberdades civis e políticas básicas. Utilitários: utilidade é maximizada quando se concede às pessoas a liberdade de escolher seu próprio modo de vida. Defender uma liberdade específica envolve responder às duas questões seguintes: a) quais liberdades são importantes, quais liberdade interessam, dada a nossa descrição dos interesses das pessoas? b) que distribuição de liberdades importantes dá igual consideração aos interesses de cada pessoa? No caso de Rawls perguntaremos qual esquema de liberdades seria escolhido a partir de uma posição de contrato que represente uma preocupação imparcial com Tut 16 - C&b&G 12 os interesses das pessoas. Desta maneira, as liberdades particulares podem vir a desempenhar papel importante nas teorias igualitárias. Chamarei isso “abordagem rawlsiana” da avaliação de liberdades. As teorias de vantagem mútua avaliam a liberdade de maneira similar. - A única diferença é que, nas teorias de vantagem mútua, os interesses das pessoas são ponderados segundo seu poder de barganha, não segundo o interesse imparcial. O que significa para os libertários defender suas liberdades preferidas recorrendo ao princípio de liberdade? Há duas possibilidades. - Um princípio de liberdade é que a liberdade deve ser maximizada na sociedade. Defendem suas liberdades preferidas afirmando que o reconhecimento destas liberdades específicas maximiza a liberdade na sociedade. - O segundo princípio de liberdade é que as pessoas têm direito à liberdade mais extensa compatível com uma liberdade igual para todos. Defendem suas liberdades preferidas afirmando que reconhecer estas liberdades específicas aumenta a liberdade geral de cada pessoa. Argumentarei que o primeiro princípio é absurdo e não é atraente nem para os libertários, e que o segundo princípio é uma maneira confusa de reafirmar o argumento igualitário. (ii) A liberdade teleológica O primeiro princípio de liberdade diz que devemos ter como objetivo maximizar a quantidade de liberdade na sociedade. Como as teorias teleológicas consideram o interesse pelo bem (por exemplo, a liberdade ou a utilidade) como fundamental e o interesse pelas pessoas como derivado, a promoção do bem torna-se desvinculada da promoção dos interesses das pessoas. - Por exemplo, poderíamos aumentar a quantidade de liberdade na sociedade aumentando o número de pessoas, mesmo que a liberdade de cada pessoa permanecesse a mesma. Na verdade, pode ser possível promover o bem sacrificando pessoas. Por exemplo, um princípio teleológico poderia exigir que coagíssemos as pessoas a criar crianças, e, com isso, aumentar a população. Isso priva as pessoas de uma liberdade, mas o resultado seria o aumento da quantidade geral de liberdade. O princípio também poderia justificar a distribuição desigual de liberdades. Nenhum libertário apoia tais políticas, pois elas violam os direitos fundamentais. Em um princípio teleológico, o objetivo não é respeitar as pessoas, para as quais certas liberdades são desejadas, mas respeitar a liberdade, para a qual certas pessoas podem ou não contribuir de maneira útil. O libertarismo, porém, respeita Tut 16 - C&b&G 13 primeiro as pessoas e respeita a liberdade como um componente do respeito pelas pessoas. Portanto, os libertários não dão preferência a maximizar a liberdade da sociedade. Contudo, é uma interpretação natural da afirmação de que a liberdade é o valor fundamental. (iii) A liberdade neutra O segundo princípio fundamental da liberdade diz que cada pessoa tem direito à liberdade mais extensa compatível com uma liberdade igual para todos. Este princípio funciona na estrutura geral de uma teoria igualitária, já que a liberdade igual não pode ser sacrificada por uma liberdade geral maior, mas é diferente da abordagem rawlsiana. A abordagem rawlsiana não dizia que nosso interesse por qualquer liberdade específica corresponde a quanta liberdade ela contém, nem que faz sentido comparar a quantidade de liberdade contida em diferentes liberdades. Ao contrário da abordagem rawlsiana, os julgamentos do valor das diferentes liberdades exigem julgamentos de maior ou menor liberdade e são derivados destes. Para medir a liberdade, precisamos defini-la. As definições de liberdade podem ser agrupadas em dois campos. - O campo “lockiano” define a liberdade em função do exercício de nossos direitos. Se uma restrição diminui ou não nossa liberdade depende de termos tido ou não o direito de fazer a coisa restringida. Por exemplo, impedir uma pessoa de roubar não é uma restrição de sua liberdade, já que ela não tinha nenhum direito de roubar. Esta é uma definição “moralizada” de liberdade, já que pressupõe uma teoria de direitos prévia. - O campo “spenceriano” define a liberdade de maneira não moralizada – como a presença de opções ou escolhas – sem supor que temos direito de exercer estas opções. Os spencerianos atribuem direitos de maneira que maximiza a liberdade de cada individuo que seja compatível com uma liberdade igual para todos. Portanto, para saber se as pessoas têm direito de apropriar-se de recursos naturais previamente não pertencentes a ninguém é preciso determinar se este direito aumenta ou diminui a liberdade de cada pessoa. Se o princípio da maior liberdade igual deve ser fundamentado, então, a definição lockiana está excluída. Portanto, a defesa libertária do capitalismo, para ser baseada na liberdade, deve usar uma definição spenceriana de liberdade. No campo spenceriano, há duas propostas principais de definição não moralizada de liberdade. Uma delas é uma definição “neutra”, a outra, “propositiva”. Tut 16 - C&b&G 14 - Na visão “neutra” somos livres na medida em que ninguém nos impede de atuar com base em nossos desejos. Esta é uma definição não moralizada, já que não pressupõe que temos direito de agir com base nestes desejos. Nesta definição, alguém pode ser mais ou menos livre, já que alguém pode ser livre para agir com base em alguns desejos, mas não em outros desejos. Se podemos fazer tais julgamentos quantitativos a respeito da quantidade de liberdade oferecida por diferentes direitos, então, podemos determinar quais direitos são mais valiosos. Se o princípio da maior liberdade igual emprega esta definição de liberdade, então, cada pessoa tem direto à maior quantidade de liberdade neutra compatível com uma liberdade igual para todos. Crítica: Se a liberdade puder ser quantificada neutramente, de modo quepossamos medir o número de vezes que, a cada dia, os semáforos impedem legalmente os londrinos de agir de certa maneira, não haverá nenhuma razão para dizer que estas irão superar as ocasiões em que os albaneses são legalmente impedidos de praticar a religião em público. Mas por que mesmo assim pensamos que londrinos têm mais liberdade que albaneses? Porque as restrições à liberdade civil e à liberdade política são mais importantes. Elas nos permitem ter um controle maior sobre os projetos centrais de nossa vida. (iv) A liberdade propositiva Como não cabe a maior liberdade neutra, a manobra para os defensores do princípio de maior liberdade igual, pe adotar uma definição “propositiva” de liberdade. A quantidade de liberdade contida em uma liberdade específica depende de quão importante é esta liberdade para nós, dados os nossos interesses e propósitos. Uma padrão “subjetivo” diz que o valor de uma liberdade específica depende de quanto um indivíduo a deseja; um padrão “objetivo” diz que certas liberdades são importantes quer uma pessoa deseje, quer não. Este é preferível porque evita o problema do “escravo satisfeito”, que não deseja direitos legais, e, portanto, em um padrão subjetivo, não carece de nenhuma liberdade importante. Como a abordagem rawsiana para avaliação das liberdades, este permite julgamentos qualitativos do valor de liberdades específicas, mas difere da abordagem rawlsiana ao supor que estas liberdades devem ser avaliadas em função de uma única escala de liberdade. A versão propositiva do princípio da maior liberdade igual é apenas uma maneira confusa de reformular a abordagem rawlsiana. Tut 16 - C&b&G 15 (b) A liberdade e o capitalismo Os libertários muitas vezes igualam o capitalismo à ausência de restrições de liberdade. Muitos dos que preferem a restrição do mercado concordam que, com isso, estão restringindo a liberdade. Diz-se que o seu endosso do capitalismo do Estado de bem-estar social é um consenso entre liberdade e igualdade, no qual a liberdade é compreendida como o mercado livre e igualdade, como as restrições ao mercado do Estado de bem-estar social. Esta equação de capitalismo e liberdade é parte do retrato cotidiano da paisagem política. O mercado livre envolve mais liberdade? Depende de como definimos liberdade. Flew parece estar supondo uma definição neutra de liberdade. Ao eliminar a redistribuição do Estado de bem-estar social, o mercado livre elimina algumas restrições legais ao emprego de nossos recursos e, com isso, cria certas liberdades neutras. Esta expansão da liberdade neutra é o sentido mais evidente no qual o capitalismo aumenta a liberdade, mas muitas destas liberdades neutras também serão valiosas liberdades propositivas. Então, o capitalismo proporciona certas liberdades neutras e propositivas não disponíveis sob um Estado de bem-estar social. Que os direitos de propriedade aumentam a liberdade de alguém restringindo a dos outros é evidente quando pensamos na origem da propriedade privada. Como a posse privada por uma pessoa pressupõe a não-posse de outros, o “mercado livre”, além de criar, restringe liberdades, assim como a redistribuição do Estado de bem-estar social tanto cria como restringe liberdades. Isso solapa uma importante afirmação que Nozick faz a respeito da superioridade de sua teoria de justiça ante as teorias redistributivas liberais. Ele diz que a teoria de Rawls não pode ser “continuamente realizada sem interferência contínua na vida das pessoas”. Isso porque as pessoas, se deixarmos que façam o que quiserem, participarão de trocas livres que violam o princípio da diferença, de modo que preservar o princípio da diferença exige a intervenção contínua nas trocas das pessoas. Nozick afirma que sua teoria evita a interferência contínua na vida das pessoas, mas o próprio sistema de troca de Nozick protege requer a interferência contínua na vida das pessoas.
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