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Tratado de Medicina de Família e Comunidade (Gusso) 2012 Vol 1 (1)

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~ CAPÍTULO 74 
SAÚDE DA CRIANÇA 
Ana Cecilia Silveira Lins Sucupira 
Aspectos-chave 
..,. A mortalidade infantil diminuiu muito nas últ imas décadas, tendo 
maior queda a mortalidade pós-neonatal. 
..,. A obesidade infantil e a má qualidade da alimentação superou a 
desnutrição como problema de saúde das crianças . 
..,. É preciso superar a visão da puericultura tradicional, restrita à crian-
ça menor de 2 anos e limitada às orientações de alimentação, higie-
ne, vacinas e controle do crescimento e do desenvolvimento para 
uma puericultura que incorpore conceitos de risco e vulnerabilidade 
A atenção à saúde da criança na atenção primária à saúde 
(APS) pelo médico de família e comunidade (MFC) é dife-
rente do que se entende por atenção pediátrica - esta última 
específica do atendimento do pediatra. Ambas especialidades 
médicas podem ter uma compreensão integral do contexto da 
criança. Entretanto, a atenção à criança pelo MFC, por aten-
der todos os membros da família e ter instrumentos de tra-
balho específicos para intervir na família e na comunidade, 
amplia suas possibilidades de intervenção na APS. 
A estratégia de saúde da família (ESF), com o MFC inse-
rido em equipe multiprofissional, diversifica os olhares sobre 
a criança e diferencia o potencial de atuação desse profissional 
em relação ao trabalho do pediatra na Unidade Básica tradi-
cional. Entretanto, a atuação do pediatra é fundamental na 
retaguarda especializada no nível secundário ou mesmo na 
APS, por meio de sua inserção nos Núcleos de Apoio à Saúde 
da Família (NASF). Nesse caso, o pediatra colabora na elabo-
ração dos planos terapêuticos singulares de casos específicos 
e na organização de projetos e programas de atenção à saúde 
das crianças dessa comunidade. 
Este capítulo pretende delinear os princípios que orientam 
a atenção à saúde da criança na APS pelo MFC no estabeleci-
mento de prioridades, na gestão de recursos e na elaboração 
de estratégias de atuação. 
e entenda a criança na sua dimensão psíquica e nas suas relações 
com a família e com a comunidade que a cerca. 
..,. As primeiras consultas devem ser feitas preferencialmente pelo mé-
dico, mas as demais podem ser feitas exclusivamente por enfermei-
ros para crianças de baixo risco . 
..,. A frequência das visitas deve acompanhar os riscos para cada pe-
ríodo de desenvolvimento. 
..,. Devem ser observados riscos nutricionais (obesidade) e sociais nas 
crianças das fases pré-escolar e escolar . 
.,_ A TRAJETÓRIA DAS MORTES INFANTIS 
A taxa de mortalidade infantil (TMI) é ainda considerada 
como um dos indicadores bastante sensíveis do grau de desen-
volvimento de uma sociedade e do cuidado que é dispensado 
à criança. No Brasil, esse indicador até a década de 1990 era 
muito elevado, com desigualdades regionais importantes. As 
pressões para a redução dessa taxa e os compromissos interna-
cionais assumidos pelo Brasil promoveram o desenvolvimento 
de várias políticas e estratégias que resultaram na redução sig-
nificativa da mortalidade infantil. Na década de 1970, a TMI 
era de 115 óbitos por mil nascidos vivos e, em 1980, reduziu-se 
para 83 óbitos por mil nascidos vivos, com taxa de queda de 
3,2% ao ano. Esse decréscimo na TMI acentuou-se nas déca-
das de 1980 e 1990 com uma redução anual de 5,5% e valores 
de 47 e 27 óbitos por mil nascidos vivos respectivamente nos 
anos de 1990 e de 2000. Já na última década, o decréscimo 
foi menor, com uma taxa de 4,4%, atingindo em 2008 a taxa 
de 20 óbitos por mil nascidos vivos.1 A redução da mortalida-
de infantil foi bem mais acentuada nos óbitos pós-neonatais, 
principalmente graças à diminuição das mortes por diarreia 
e pneumonia. A participação dos óbitos neonatais cresceu 
proporcionalmente representando atualmente 68% da morta-
lidade infantil. Um dos fatores que contribuíram para a menor 
redução da mortalidade neonatal foi o aumento da prematuri-
dade que passou de 4% na década 1990 para mais de 10% nos 
anos 2000.1 De acordo com Victora e colaboradores, "a pre-
maturidade é a principal causa de mortes infantis no Brasil, e 
seu aumento tem anulado os avanços conseguidos na sobrevi-
da de recém-nascidos de baixo peso por conta das melhorias 
na atenção neonatal".1 Além do aumento do número de pre-
maturos em função dos avanços tecnológicos que permitem 
que gestantes de alto risco possam engravidar e ter seus filhos, 
há de se considerar o aumento das cesáreas programadas que 
levam ao nascimento de recém-nascidos nem sempre a termo. 
A mortalidade de crianças de 1 a 4 anos foi reduzida pela 
metade entre 1980 e 2000, estando desde então em torno de 
3 óbitos por mil nascidos vivos.1 Após grande diminuição das 
doenças infecciosas, as principais causas de morte nessa idade 
são os acidentes e as neoplasias, havendo grande diminuição 
das doenças infecciosas. 
.- O PANORAMA ATUAL DA SAÚDE DA 
CRIANÇA BRASILEIRA 
Victora e colaboradores, na série de artigos publicados no 
Lancet (2011) sobre a saúde no Brasil, apontam as mudanças 
ocorridas nas últimas décadas que levaram à redução da mor-
talidade e à melhoria das condições de saúde da criança.1 As 
modificações socioeconômicas e demográficas foram conside-
radas fatores determinantes para o atual perfil de saúde da 
criança brasileira. Essas mudanças ocorreram devido ao cres-
cimento econômico, à redução das desigualdades de renda, à 
urbanização, à melhoria no grau de instrução das mulheres e 
diminuição da fecundidade, ao aumento da rede de saneamen-, 
to básico, além da criação do Sistema Unico de Saúde (SUS) e 
da ESF, ampliando o acesso aos cuidados de saúde. 
A situação da saúde da criança apresenta, portanto, mu-
danças significativas com redução das doenças infecciosas e 
surgimento de novas morbidades que requerem abordagens 
diferentes. O aumento da prematuridade e o desenvolvimento 
de tecnologias sofisticadas para o cuidado com o recém-nasci-
do possibilitaram a sobrevida de muitas crianças, aumentando 
o número de bebês de alto risco que demandam estratégias 
diferenciadas de seguimento, também na APS.2 
O estado nutricional da criança brasileira apresentou me-
lhora importante, sendo a desnutrição praticamente virtual. 
De acordo com a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde 
das Crianças e da Mulher (PNDS-2006), comparações quan-
to à prevalência de déficits de peso para altura confirmam a 
reduzida exposição da população a formas agudas de desnu-
trição (3% em 1996 e 2% em 2006). Nesse mesmo período, 
avaliações da prevalência dos déficits de altura mostram re-
dução de cerca de 50% (de 13 para 7%) na prevalência da 
desnutrição na infância no Brasil. Na região Nordeste, houve 
a maior queda da desnutrição de 22,1para5,9% (redução de 
67%).3Atualmente, a maior preocupação é o aumento da obe-
sidade, atingindo atualmente 6 a 7% das crianças.1 
A redução da mortalidade por pneumonias e a introdução 
da terapêutica inalatória na APS tiveram como efeito uma mu-
dança no perfil da demanda por doenças respiratórias, com 
expressiva redução das internações e maiores possibilidades 
de controle dessas queixas. 
O Brasil vive hoje uma situação de transição epidemiológi-
ca, na qual se observa a convivência de doenças infecciosas em 
declínio e doenças crônicas em ascensão.O desenvolvimento 
de novos antibióticos mais efetivos e os avanços na cirurgia pe-
diátrica e nas terapias intensivas têm possibilitado a melhora 
no cuidado pediátrico, permitindo que crianças com doenças, 
antes de alta letalidade, estejam vivendo mais tempo e com 
qualidade de vida melhor. As doenças que outrora exigiam 
tratamentos exclusivamente hospitalares, hoje são tratadas 
em ambulatórios de especialidades, e as crianças portadoras 
dessas condições podem e devem ser acompanhadas conjunta-
mente na APS. No Brasil, não estão disponíveis dados precisos 
sobre a prevalência dessas doenças. Nos Estados Unidos, em 
1962, 2% das crianças americanas tiveram uma doença crô-
nica com limitação de atividades e, em 2003, já eram 8% das 
crianças. Outrodado importante, 12 a 16% das crianças ame-
ricanas têm necessidades de cuidados especiais. 4 
Evidencia-se a necessidade dos cuidados com a saúde ocu-
lar, bucal e auditiva e as queixas referentes à escolarização, 
ao comportamento e à saúde mental. Surge, assim, uma nova 
morbidade, determinada pelo modo como a criança vivencia 
seu processo de socialização na família, nos bairros, na cre-
che, na escola e nos demais espaços coletivos. O uso abusivo 
de computadores e de jogos eletrônicos começa a trazer para 
as crianças problemas como lesões por esforço repetitivo, an-
tes exclusivos dos adultos. 5 
A violência urbana já faz vítimas também entre as crianças. 
A violência doméstica contra crianças vem crescendo, principal-
mente na periferia das grandes cidades, com manifestações que 
vão desde a negligência aos maus-tratos e abusos sexuais. Pro-
blemas na relação pais/filhos, separação dos pais e dificuldades 
com crianças adotadas são queixas frequentes na APS. Aciden-
tes, atropelamentos e mesmo homicídios são novos problemas 
de saúde da criança nas cidades de grande e médio porte. 
Essas demandas exigem ações bem diferentes daquelas 
tradicionalmente propostas nos programas de atenção à crian-
ça e para as quais, muitas vezes, os profissionais de saúde não 
receberam uma formação adequada. 
.- PUERICULTURA E PROPOSTAS DE 
ATENÇÃO À SAÚDE DA CRIANÇA 
Historicamente, o perfil de morbimortalidade no Brasil defi-
niu a população infantil como prioritária para as ações de saú-
de. As altas taxas de mortalidade infantil e de prevalência de 
doenças infectocontagiosas exigiram ações especificamente 
dirigidas à criança de O a 5 anos. 
Nos anos de 1970, a emergência do Programa Materno-
-Infantil (PMI) foi uma das tentativas para racionalizar e 
implementar políticas sociais em resposta aos movimentos 
populares por saúde. Uma das propostas desse programa era 
alternar consultas mensais entre médicos e enfermeiros para 
racionalizar o atendimento e aumentar a cobertura diante de 
uma demanda de crianças bastante elevada naquela época. 6 
Apesar da mudança nas condições de saúde da criança e da 
diminuição da demanda infantil, permanece a mesma lógica 
de orientação da atenção à criança. 
O PMI tinha como proposta intervenções padronizadas 
para os problemas mais frequentes da população, sem levar 
em conta as especificidades de cada local. Os pontos fortes 
eram as orientações alimentares (principalmente a amamen-
tação para reduzir a desnutrição e a ocorrência de infecções 
intestinais) e a terapia de reidratação oral para o tratamento 
de doenças diarreicas. 
No início dos anos de 1980, o Programa de Assistência 
Integral à Saúde da Criança (PAISC), na mesma linha, pro-
punha a normatização das cinco ações básicas de saúde: acom-
panhamento do crescimento e do desenvolvimento; promoção 
do aleitamento materno; controle das doenças diarreicas; con-
trole das doenças respiratórias; e controle das doenças imuno-
, . 
preven1ve1s. 
Durante todo esse período, pode-se notar a influência 
do discurso da puericultura, no qual a educação era a base 
da ação sanitária. As orientações incorporavam os modernos 
preceitos científicos, entretanto, a solução dos problemas ain-
da estava na educação da população mais pobre.7 
De acordo com Novaes, "a puericultura se propunha a 
normatizar todos os aspectos que dizem respeito à melhor 
forma de se cuidar de crianças, tendo em vista a obtenção de 
uma saúde perfeita". Embora se dirigisse a todas as crianças 
indistintamente, o alvo principal eram as crianças pobres que 
apresentavam inúmeros riscos à saúde. E, acrescenta, "parte 
de uma situação que é resultado e a transforma em causa: pen-
sa as más condições de saúde da criança como consequência 
da falta de informação das pessoas e não como reflexo de uma 
situação de vida em que a má saúde e a ignorância fazem parte 
de uma condição social desfavorável".7 
As propostas de atenção à criança caracterizavam-se por 
uma padronização que não considerava a diversidade e a espe-
cificidade da população infantil e, principalmente, as relações 
da criança com sua família e seu meio social. 
Atualmente, embora o discurso da puericultura como uma 
proposta estruturada que visava à educação em saúde e à nor-
matização da vida não esteja tão forte nas diretrizes de aten-
dimento à criança na APS, ainda se podem identificar muitos 
dos seus princípios que direcionam o acompanhamento da 
criança nos 2 primeiros anos de vida. Após essa idade, embora 
novas demandas comecem a se tornar mais presentes, como já 
visto no panorama atual da saúde da criança, ela só será vista 
nos momentos em que adoece, com um atendimento dirigido 
especificamente ao agravo. A criança acima de 2 anos e as 
morbidades que acometem crianças maiores ainda não foram 
incorporadas como propostas sistematizadas pela APS. 
Muitos programas de atenção à saúde da criança ainda es-
tão norteados por problemas prevalentes em outras décadas, 
como a desnutrição (as orientações alimentares e a vigilância 
da curva de ganho de peso para que não se horizontalize ou 
apresente tendência de queda) quando os maiores problemas 
atualmente são a obesidade e a má qualidade da alimentação 
da criança. Mais do que nunca, as curvas de crescimento são 
importantes (principalmente a curva de índice de massa cor-
poral), mas, agora, para prevenir e tratar a obesidade. 
Realizar ações que garantissem a sobrevivência das crian-
ças foi o objetivo maior das últimas décadas. Atualmente, não 
basta sobreviver, é preciso dar condições para a criança viver 
com qualidade. Ou seja, permitir que a criança desenvolva o 
seu potencial e usufrua dos bens que a sociedade produz. 
IJJi. UM NOVO OLHAR PARA A 
SAÚDE DA CRIANÇA 
, 
E preciso mudar o modelo de atendimento à criança na APS, 
que ainda mantém as diretrizes da década de 1970, respaldado 
na puericultura tradicional, restrito à criança menor de 2 anos 
e limitado às orientações de alimentação, higiene, vacinas e 
controle do crescimento e do desenvolvimento. A puericultura 
baseada em propostas comportamentais precisa se atualizar 
incorporando conceitos de risco e vulnerabilidade e entenden-
do a criança na sua dimensão psíquica e nas suas relações com 
a família e a comunidade que a cerca. A criança na sociedade 
atual adquiriu novos contornos, ganhando uma complexidade 
que demanda um olhar mais ampliado, que a enxergue como 
um sujeito social com vivências diversas. 
Faz-se necessário incorporar a nova realidade da saúde in-
fantil e os avanços no conhecimento científico que deve orien-
tar as estratégias no cuidado com a criança. A APS tem de in-
cluir o escolar e o adolescente, bem como a dinâmica familiar 
e os espaços sociais onde convivem. O modelo biomédico é 
insuficiente para dar conta desse tipo de queixa. 
A inserção do MFC na equipe de saúde da família, respon-
sável por uma clientela adscrita, permite uma maior aproxi-
mação das realidades da criança, da família e da comunidade, 
possibilitando um maior vínculo com a criança e com a família, 
bem como o desenvolvimento de ações mais adequadas às ne-
cessidades da criança. O enfoque da promoção da saúde muda 
o eixo da simples orientação educativa e detecção precoce dos 
problemas para a intervenção nos determinantes da doença. 
Os olhares da ESF ampliam a percepção da criança e da fa-
mília. Em especial, o agente comunitário de saúde, por perten-
cer à mesma comunidade da família, pode trazer informações 
mais específicas que facilitam as propostas de intervenção. 
São necessários, portanto, novos olhares no cuidado com 
a saúde da criança. 
IJJi. METAS PRIORITÁRIAS 
A unidade de saúde deve definir suas metas em relação à 
criança para poder analisar seus resultados. As metas prio-
ritárias na atenção à saúde da criança devem ser decididas 
com a comunidade nos conselhos local e municipal de saúde. 
Embora as metas tenham que seguir aquelas definidas para o 
município, é possível acrescentar outras metas que atendam à 
realidade doterritório e da unidade. 
No Quadro 74.1, são apresentados exemplos de objetivos 
para definição de metas para a saúde da criança na APS. 
IJJi. AGENDA DE COMPROMISSOS PARA O 
ATENDIMENTO À CRIANÇA 
Introduzir o conceito de responsabilidade social na atenção à 
saúde da criança implica definir uma agenda de compromis-
sos que deve ser pactuada com a comunidade nos conselhos 
locais de gestão e, inclusive, com o conselho municipal de saú-
de. Nessa perspectiva, é preciso construir essa agenda a partir 
do diagnóstico do território e da comunidade, identificando 
os principais problemas/necessidades de saúde e definindo 
compromissos que permitam alcançar as metas definidas pre-
Quadro 74.1 
EXEMPLOS DE OBJETIVOS PARA DEFINIÇÃO DE METAS 
- Garantir atenção integral e de qualidade à criança de O a 1 O anos. 
- Reduzir os óbitos evitáveis por condições sensíveis à APS. 
- Reduzir as internações por doenças diarreicas e respiratórias, por con-
dições sensíveis à APS. 
- Aumentar o aleitamento materno exclusivo. 
- Aumentar o número de crianças com vacinação em dia. 
- Reduzir a incidência de acidentes infantis. 
viamente. No Quadro 74.2, são listadas algumas ações que po-
dem fazer parte da agenda de compromissos. 
_.. PRINCÍPIOS DO ATENDIMENTO 
À SAÚDE DA CRIANÇA 
O processo saúde/doença da criança compreende um ser que 
vivencia os diferentes riscos de adoecer e morrer, conforme o 
momento do seu processo de crescimento e de desenvolvimen-
to e a sua inserção social. Assim, suas necessidades de saúde 
são decorrentes da condição de ser criança em uma determi-
nada sociedade e da sua vivência na família e nos diferentes 
equipamentos sociais. 
A criança, de um modo geral, é mais suscetível aos agravos 
infecciosos nos primeiros anos de vida. A medida que a crian-
ça cresce, diminui a vulnerabilidade biológica de tal forma 
que, na idade escolar, pode-se esperar uma verdadeira "cal-
maria biológica". Entretanto, isso se aplica aos agravos bioló-
gicos, já as situações de risco determinadas pelas condições de 
vida se mantêm e são determinantes dos principais problemas 
nessa faixa etária. Isso implica a necessidade de uma mudança 
de olhar da unidade, atualmente centrada na criança de O a 
2 anos para voltar-se também para o pré-escolar e o escolar. 
O desafio de abordar a saúde da criança aponta para a ne-
cessidade de priorizar os problemas/necessidades de saúde e 
as situações de risco mais importantes, entendendo-as no con-
texto de vida de cada uma e identificando as potencialidades 
de saúde da comunidade onde vive essa criança. 
O processo de crescimento e de desenvolvimento é um 
aspecto marcante da infância que deve nortear a atenção à 
saúde da criança, de tal forma que a vigilância dos fatores que 
podem interferir nesse processo constitui uma das bases da 
assistência. Busca-se manter o estado de saúde física e afetiva 
para que o crescimento e o desenvolvimento possam ocorrer 
adequadamente. As ações voltadas para o desenvolvimento da 
Quadro74.2 
AÇÕES QUE PODEM FAZER PARTE DA AGENDA DE 
COMPROMISSOS 
- Realizar o teste do pezinho, para rastreamento de anemia falciforme, 
hipotiroidismo e feni lcetonúria em todos os recém-nascidos. 
- Assegurar atenção diferenciada para o bebê de alto risco. 
- Garantir a realização da visita domiciliar após a alta do bebê. 
- Implantar ações voltadas para o desenvolvimento infantil. 
- Realizar teste de acuidade visual nas crianças de 4 e 7 anos de idade. 
- Garantir atenção integral às crianças com deficiências e com trans-
tornos globais do desenvolvimento, assim como garantir o apoio 
terapêutico para a inclusão dessas crianças nas unidades escolares. 
- Realizar os procedimentos odontológicos coletivos na faixa etária de 
O a 14 anos. 
- Implantar estratégias para garantir atenção integral à criança vítima 
de violência. 
- Desenvolver projetos de prevenção a doenças sexualmente transmis-
síveis (DST/Aids). 
- Desenvolver projetos de prevenção ao uso abusivo de drogas. 
criança na primeira infância (O a 6 anos) são importantes para 
o desempenho da criança na fase escolar. A observação do 
modo como a criança está se desenvolvendo, feita pelo agente 
comunitário de saúde (ACS) no domicílio, acrescenta dados 
importantes para a avaliação do desenvolvimento neuropsico-
motor realizada pelo MFC na consulta. 
O acompanhamento das crianças pela Unidade de Saúde 
constitui, portanto, um dos procedimentos importantes para 
a redução do coeficiente de mortalidade infantil e para que 
as crianças possam alcançar uma melhor qualidade de vida. 
Embora seja evidente que as condições de vida como mora-
dia, educação e saneamento têm impacto direto nesses indi-
cadores, o tipo de acompanhamento e as ofertas de serviços 
de saúde são também determinantes das condições de saúde 
das crianças. 
_.. PUERICULTURA E O CONCEITO DE 
RISCO E VULNERABILIDADE 
As transformações ocorridas com a implantação do SUS im-
plicaram a reorganização dos serviços de saúde. Na área da 
criança, o antigo "Posto de Puericultura" deixa de ser um ser-
viço cujo objetivo principal eram as orientações educativas, de 
acordo com os preceitos higienistas da Educação em Saúde, 
para se transformar em um serviço de atendimento ambula-
torial, com uma proposta de atenção integral que não dissocia 
a promoção da saúde e a prevenção de doenças das ações de 
assistência e de recuperação da saúde. 
As propostas na área da puericultura não mais orientadas 
com o objetivo de normatizar as condutas no cuidado com a 
criança, mas tendo como eixo principal o conceito de risco e 
vulnerabilidade, podem efetivamente mudar a condição de 
saúde das crianças. Os avanços nos conhecimentos sobre os 
fatores envolvidos na produção das doenças e, mais ampla-
mente, do sofrimento geraram um novo campo de atuação 
para o profissional de saúde. Assim, o conceito de risco e a 
identificação de situações e comportamentos de risco possi-
bilitam avanços na prática da puericultura, colocando-a como 
uma atividade que é parte da atenção à criança em qualquer 
nível de atendimento. 
O enfoque de risco consiste na constatação de que diferen-
tes grupos populacionais apresentam riscos diferenciados de 
danos à saúde, em decorrência de características individuais ou 
exposições ambientais ou circunstâncias sociais: os chamados 
fatores de risco. A identificação dos fatores de risco tem ampla 
operacionalidade pela sua capacidade preditiva e pela possi-
bilidade de controle ou de eliminação dos fatores de risco e 
consequente redução da probabilidade de ocorrência dos agra-
vos/danos. Além disso, permite a identificação dos grupos de 
maior risco que devem ser priorizados pelos serviços de saúde. 
A incorporação do conceito de vulnerabilidade amplia 
a compreensão da criança e da família ao considerar, como 
propõe Ayres, a dimensão individual (os aspectos biológicos, 
comportamentais e afetivos), que implica exposição e susceti-
bilidade; a social (o contexto e as relações sociais) e a progra-
mática (políticas, serviços e ações).8 Ou seja, as características 
e os comportamentos do indivíduo, as condições em que ele 
vive, as relações que estabelece nesse contexto e as oportuni-
dades de acesso aos serviços que são ofertados o tornam mais 
ou menos suscetível a determinados agravos. No caso da crian-
ça, pode-se entender as características individuais (baixo peso 
ao nascer, obesidade, deficiências imunológicas), a dinâmica 
familiar e o modo como a criança se expressa (agressividade, 
agitação, timidez) nos ambientes em que convive, a escola, os 
espaços de lazer e o acesso aos serviços de saúde. 
Outro fato importante que vem dando um novo direcio-
namento para a puericultura é a hipótese das origens desen-
volvimentistas da saúde e da doença do adulto. Estudos epi-
demiológicos e biológicos demonstraram que há uma relação 
entre agravos ocorridos em fases iniciais do desenvolvimento 
somático e a amplificação do risco para doenças crônicas ao 
longo da vida, tais como obesidade,diabetes e doenças car-
diovasculares. O retardo do crescimento intrauterino (RCIU) 
estaria associado ao aparecimento de fatores de risco para 
doenças cardiovasculares na idade adulta.9 Nessa perspectiva, 
o período do crescimento intrauterino e o acompanhamento 
da saúde da criança são, portanto, fundamentais para a vida 
futura do indivíduo. 
A puericultura, além da criança de O a 2 anos, deve 
abranger o pré-escolar e o escolar, identificando grupos de 
risco por apresentarem características clínicas como obe-
sidade, doenças crônicas, mas, principalmente, condições 
emocionais ou sociais de risco. Não se pode pensar em aten-
dimentos sequenciais padronizados para o acompanhamento 
dessas crianças, mas a elaboração pela ESF de estratégias de 
abordagem e cronogramas de atendimento específicos que 
permitam dar conta das necessidades dessas crianças. Aten-
dimentos em grupos (não necessariamente organizadas pelo 
médico) e incorporação de atividades nos espaços de convi-
vência dessas crianças são atividades a serem consideradas 
para as crianças maiores. 
Impõe-se repensar a puericultura como um campo que 
permite atuação sobre condições que podem favorecer o 
aparecimento de determinados problemas de saúde, a partir 
do reconhecimento das condições concretas em que ocorre 
o processo saúde/doença, no contexto de vida de cada crian-
ça específica. 
"' ACOLHIMENTO DA DEMANDA, 
IDENTIFICANDO PROBLEMAS/ 
NECESSIDADES DE SAÚDE 
A atenção à criança deve ser orientada tanto para a demanda 
programática como para a demanda eventual. Assim, é impor-
tante atender os problemas de saúde referidos que constituem 
as queixas/sofrimentos e gerar demandas para o atendimento 
de necessidades de saúde não percebidas. É fundamental ir 
além da resolubilidade imediata da queixa trazida, reconhe-
cendo as condições e os fatores envolvidos na produção da 
queixa, do sofrimento e da saúde. 
Vigilância à saúde da criança 
O processo de vigilância à saúde não é restrito às ações do 
MFC, que deve contar com a participação de todos os pro-
fissionais da unidade, principalmente da equipe de saúde da 
família. A diversidade dos olhares permite o acúmulo de in-
formações necessárias para acompanhar os eventos que inter-
ferem no processo saúde/doença da criança. 
A vigilância à saúde da criança, como já foi apontado, não 
deve se restringir à criança menor de 2 anos, nem aos proble-
mas nutricionais. Os critérios definidos para a seleção das 
crianças que deverão ser priorizadas pela vigilância à saúde 
incluem tanto aspectos biológicos como situações de risco so-
cial. Esses critérios devem ser revistos à medida que a criança 
vai crescendo e suas vivências vão se modificando. 
Ênfase nas ações de promoção da saúde 
A atenção à criança não se restringe ao atendimento curativo 
ou mesmo a ações voltadas apenas à prevenção de doenças, 
mas deve se estruturar visando a ações sobre os determinantes 
dos agravos e à construção de ambientes e alternativas de vida 
mais saudáveis. Dessa forma, propostas dirigidas à aquisição 
de hábitos alimentares mais sadios, ao desenvolvimento de 
atividades físicas ou a ações que possibilitem a incorporação 
de conhecimentos sobre o processo saúde/doença constituem 
caminhos efetivos de promoção da saúde. Diante das evidên-
cias de que muitas doenças do adulto têm origem na infância, 
a promoção de um modo de vida saudável é considerada como 
meio para prevenir as doenças crônicas do adulto. 
A ampliação da anamnese 
Outro aspecto importante é que a atenção à saúde da criança 
não se resume ao atendimento do médico, nem ocorre de for-
ma isolada. O modo como se organizam os serviços de saúde, 
na perspectiva do SUS, e os novos modelos técnico-assisten-
ciais têm introduzido modificações significativas no trabalho 
dos profissionais de saúde dirigido à criança. A socialização 
do atendimento exige maior integração de todos aqueles que 
atuam nesse atendimento. 
O conceito de anamnese é ampliado, incorporando infor-
mações de toda a equipe de saúde. Ao olhar médico, somam-
-se os olhares de cada um da equipe de saúde e dos familiares. 
O ACS é fundamental no conhecimento da criança que traz 
uma queixa de sofrimento, porque amplia as informações que 
se podem obter sobre as relações familiares e as condições de 
vida, incluindo habitação, formas de lazer e socialização. O 
olhar do ACS é um olhar que se aproxima da família por se-
rem da mesma comunidade. As visitas domiciliares realizadas 
pela equipe de saúde estendem o olhar para além daquilo que 
é possível observar na Unidade de Saúde. 
A criança com condição crônica de saúde 
Em geral, quando se fala em doença crônica pensa-se logo no 
especialista e no atendimento hospitalar. A maioria dos textos 
faz referência à hospitalização da criança, o impacto dessas 
experiências e os recursos hospitalares necessários. Outra li-
nha de publicações aborda a criança dependente de tecnolo-
gia, ou seja, doenças crônicas que levam a criança a depender 
de aparelhos e equipamentos. 2• 4 
Pouco se escreve sobre as características do acompanha-
mento de crianças com condições crônicas de saúde na APS. 
O aumento das doenças crônicas na infância e o desenvolvi-
mento tecnológico que permite o tratamento dessas crianças 
em ambulatório coloca para a Unidade Básica de Saúde um 
novo desafio. O desafio de incluir a criança com uma condição 
crônica de saúde na APS. 
McMenamy e Perrin10 afirmam a necessidade de um pro-
fissional que coordene a atenção à criança com uma condi-
ção crônica de saúde, integrando o cuidado realizado na APS 
com o atendimento do pediatra especialista. A criança com 
síndrome de Down, artrite juvenil, lúpus ou nefropatias tam-
bém apresenta patologias frequentes e necessita de acompa-
nhamento de puericultura. É preciso estabelecer um plano de 
cuidados, incluindo a reabilitação ou habilitação em conjunto 
com os serviços especializados, que inclua um projeto de vida 
para a criança e a família. Esse é um aspecto importante para 
desfazer a imagem da criança doente construída, muitas vezes, 
pelos serviços de saúde e pela família e finalmente assumida 
pela própria criança. 
A integração entre os serviços de saúde, com um efetivo 
sistema de comunicação entre eles, é fundamental para que 
os dados da criança sejam conhecidos por todos os profissio-
nais que a atendem, nos diferentes locais do sistema de saú-
de. Essa integração repercute diretamente na qualidade da 
atenção, ao possibilitar a complementação das informações 
que permitem construir a história do sofrimento da criança 
e estabelecer as estratégias de abordagem dos problemas ou 
do sofrimento. 
Relações entre o atendimento do MFC 
e dos pediatras especialistas 
No contexto de um sistema hierarquizado, como deve ser o 
SUS, o médico generalista e o enfermeiro são competentes 
para o atendimento na atenção básica. O pediatra especiali-
zado deve lidar com as doenças cuja abordagem envolve uma 
densidade tecnológica maior (em equipamentos) e um acú-
mulo de experiência específica naquele tipo de doença que 
é menos frequente na população. O encaminhamento para 
os níveis mais complexos deve considerar, portanto, as carac-
terísticas do problema trazido, detectadas no atendimento 
inicial do MFC. Esse encaminhamento vai obedecer à neces-
sidade de utilização de tecnologias mais especializadas e de 
uso mais restrito. Assim, as infecções respiratórias, responsá-
veis pela grande maioria da demanda de crianças aos serviços 
de saúde, devem ser tratadas pelo MFC. Os casos em que é 
necessária uma investigação de outros fatores que poderiam 
estar interferindo na frequência e na gravidade dos episódios 
poderão contar com a ajuda do pediatra nos NASF, e somente 
alguns poucos casos, que requeiram tecnologias mais espe-
cializadas, como a realização de provas específicas de função 
pulmonar ou investigação de imunidade, deverão ser reme-
tidos aos níveis de atendimento mais complexos para serem 
vistos pelo especialista. 
.- O REGISTRO DO SEGUIMENTODA CRIANÇA 
O registro das informações obtidas pelos diferentes olha-
res no atendimento à criança tem importância fundamental, 
que deve ser vista sob diferentes ângulos. Primeiramente, 
a informação sistematizada da criança permite conhecê-la 
ao longo do tempo e saber todas as formas de manifestação 
de um ou vários dos seus problemas de saúde. Em segun-
do lugar, o registro dos dados obtidos no atendimento de 
cada profissional possibilita a socialização do conhecimento 
sobre o indivíduo, de modo que todos possam se apropriar 
desse conhecimento para subsidiar o planejamento de sua 
atuação. Por fim, o registro dos dados constitui a base epi-
demiológica para o planejamento das ações pela unidade, 
contribuindo para a eficiência e a racionalização do atendi-
mento à população. 11 
Dessa forma, é fundamental que as informações obtidas 
no atendimento de cada profissional sejam adequadamente 
registradas em um prontuário a que todos, inclusive a família, 
possam ter acesso. Em se tratando de uma criança, cuja prin-
cipal característica é o processo de crescimento e de desenvol-
vimento, a anotação dos dados em cada atendimento é funda-
mental para se ter uma noção da tendência desses processos, 
afastando ou confirmando problemas. 
A ausência do prontuário, no qual se registram os dados 
importantes obtidos no atendimento, representa dupla nega-
ção por parte do profissional. Ele nega a existência da pes-
soa em tratamento, ao mesmo tempo em que faz a sua própria 
negação, a negação do seu trabalho. Anotar as informações 
sobre uma criança, colhidas tanto junto à mãe, quanto dire-
tamente com a criança, ou por meio de algum procedimen-
to, significa assumir a responsabilidade pela pessoa, o que se 
concretiza no momento em que se subscreve o atendimento 
realizado. Ao não haver um registro do atendimento, o profis-
sional isenta-se de "prestar contas" do seu trabalho, ao mesmo 
tempo em que inviabiliza a socialização das informações, em 
serviços nos quais vários profissionais podem prestar atendi-
. dº 'd 11 menta ao mesmo 1n 1v1 uo. 
Na proposta de registro para a consulta da criança, pro-
põe-se que se anotem os principais dados da anamnese que 
têm por finalidade conhecer a queixa e o sofrimento trazidos 
pela família, ao mesmo tempo em que as informações obtidas 
vão revelando essa criança. Assim, a queixa deve ser ampliada 
em uma história com início e fim. O passado da criança é recu-
perado pelos antecedentes pessoais que incluem os dados do 
pré-natal, do nascimento e do período neonatal, assim como 
das intercorrências mórbidas. A situação da criança no pre-
sente pode ser avaliada pelos dados de nutrição, crescimento, 
desenvolvimento e imunização. O conhecimento da criança 
completa-se com a descrição da família na sua composição, as 
condições de saúde e os antecedentes hereditários. Mas ain-
da é necessário identificar que família é essa, que começa a 
ser visualizada ao se saber o ambiente de vida, ou seja, onde 
mora e quais as condições dessa moradia, tanto no aspecto da 
salubridade como do conforto. Finalmente, esse conhecer fica 
completo ao se saber a escolaridade e a inserção social da fa-
mília, que determinam condições sociais de vida e de trabalho 
e de acesso às informações de saúde.12 
Em uma versão simplificada de anotação, não podem fal-
tar os dados de peso, altura, perímetro cefálico nos menores 
de 2 anos, informação sobre a amamentação e a alimentação, 
o desenvolvimento e a imunização. A utilização dos gráficos 
de peso e altura são fundamentais para o acompanhamento 
do crescimento. Atualmente, estão disponíveis as curvas de 
crescimento da OMS, que, pela metodologia adotada na sua 
construção, constituem o melhor instrumento para avaliar o 
crescimento pondoestatural da criança (ver Apêndice de Cur-
vas de crescimento e desenvolvimento da criança). 
Após a descrição do exame físico, anotam-se os diagnós-
ticos (usar Subjetivo, Objetivo, Avaliação e Plano [SOAP) ver 
capítulo Uso clínico do registro) que devem dar conta dos 
principais aspectos da vida da criança. Assim, propõe-se que, 
em toda consulta programática, sejam preenchidos pelo médi-
co ou pelo enfermeiro os seguintes diagnósticos: 
Além desses cinco diagnósticos básicos (Quadro 74.3), 
os outros problemas de saúde da criança também devem ser 
anotados, mesmo quando ainda não for possível enquadrá-
-los em um diagnóstico. Assim, muitas vezes, a queixa ou 
o sintoma aparece como diagnóstico como, por exemplo, 
"dor em membros" ou "problemas escolares". Vale ressaltar 
que também devem ser descritos problemas e condições que 
podem interferir na saúde da criança como conflitos fami-
liares, cuidador com transtorno mental incapacitante, entre 
outros problemas.11 
Uma prática interessante é convencionar que o último 
diagnóstico seja sempre o motivo principal que trouxe a crian-
ça ao atendimento e que precisa receber uma resposta, sendo 
que os 5 primeiros são sempre os mesmos do Quadro 74.3, e 
Quadro74.3 
REGISTRO DA AVALIAÇÃO (A DO SOAP) 
1. Estado nutricional: O eutrófico O distrófico 
2. Crescimento: O normal O baixa estatura 
3. Desenvolvimento: O normal O atrasado 
4. Alimentação: O adequada O inadequada 
5. Imunização: O completa O incompleta 
os demais vão sendo acrescentados a cada consulta e devem 
ser levados à lista de problemas quando relevantes. O regis-
tro da consulta completa-se pela construção de uma proposta 
terapêutica para cada diagnóstico. A perspectiva de um aten-
dimento sequencial da criança permite que os profissionais es-
tabeleçam um plano terapêutico que priorize, em cada atendi-
mento, os problemas mais importantes e considere o contexto 
de vida da criança e da família. 11 
A anotação dos diagnósticos na lista de problemas por 
número facilita ao profissional acompanhar os problemas 
da criança. Assim, por exemplo, para saber o que aconteceu 
com o diagnóstico de anemia é só verificar em cada consulta o 
número correspondente àquele diagnóstico. Ao ser resolvido 
um determinado problema, diante do número correspondente 
àquele problema, deve ser registrado na lista de problemas a 
data da resolução. 
"' ATENÇÃO À SAÚDE NO CONTEXTO 
ATUAL DA SITUAÇÃO DA CRIANÇA 
O acompanhamento da criança nos 2 primeiros 
anos de vida 
O predomínio da mortalidade neonatal e a importância de se 
evitar agravos na vida intrauterina e no início da vida pós-na-
tal, com o objetivo também de evitar doenças na idade adulta, 
demandam maior qualidade na assistência à gestante, ao par 
to e à criança no 1ª ano de vida. Nesse sentido, o MFC que tem 
a oportunidade de conhecer a família e atender a mãe durante 
o pré-natal e o puerpério terá mais informações para o atendi-
mento do recém-nascido. 
Atendimento diferenciado às crianças de acordo 
com o risco ao nascer 
A equidade pressupõe atendimento diferenciado de acordo , 
com as necessidades de cada criança. E preciso, portanto, 
diferenciar o atendimento adotando critérios de risco e vul-
nerabilidade.Considera-se aqui que todos os recém-nascidos 
vivenciam situações de vulnerabilidade que variam de acor-
do com o seu grau de risco. Assim, propõe-se a denominação 
de criança de baixo risco, em vez do termo criança normal e 
criança de alto risco, para aquela que apresenta maior vulne-
rabilidade diante das situações e dos fatores de risco. A iden-
tificação dos recém-nascidos de alto risco e de baixo risco ao 
nascer possibilita oferecer cuidados diferenciados para esses 
dois grupos de crianças. 
Critérios para identificar as crianças de 
alto risco ao nascimento 
O grupo de crianças consideradas de alto risco e, portanto, 
que precisam de um seguimento mais intenso, pode variar de 
uma região para outra, dependendo das características demo-
gráficas e socioeconômicas locais, bem como dos recursos hu-
manos disponíveis. No Quadro 74.4, são apresentados os crité-
rios de risco utilizados pelo Projeto Trevo de Quatro Folhas, 
de Sobral, no Ceará. 
A escolha dos critérios associados depende das condições 
locais.É preciso, contudo, considerar que os critérios sejam 
discriminativos, ou seja, incluam apenas aquelas crianças que 
realmente precisam de cuidados mais intensos. A inclusão de 
muitos critérios pode levar à seleção de um contingente muito 
grande de crianças, dificultando a priorização dos cuidados. 
O critério de morte de irmão menor de 5 anos depende das 
condições epidemiológicas do território da unidade. 
É importante lembrar que os recém-nascidos que apre-
sentam doenças genéticas, malformações múltiplas congêni-
tas, lesões neurológicas ou deficiências estabelecidas desde o 
nascimento também são considerados de alto risco, pois irão 
preencher o critério de internação após a alta materna. 
A identificação dos recém-nascidos de alto risco pode ser 
feita durante o pré-natal, na maternidade, ou ainda, pelo ACS 
no primeiro contato com a mãe em visita domiciliar, utilizan-
do os critérios obrigatórios, os quais são mais objetivos e fá-
ceis de identificar. Os critérios associados podem ser definidos 
tanto pela enfermeira na 1 ªvisita domiciliar como pelo médico 
na 1 ª consulta ou após discussão com a ESF. 
Quadro 74.4 
CRlnRIOS PARA CLASSIFICAÇÃO DA CRIANÇA DE ALTO 
RISCO AO NASOMENTO 
Critérios obrigatórios: 
- Peso ao nascer< 2.500 g 
- Morte de irmão menor de 5 anos 
- Internação após a alta materna 
Critérios associados, presença de dois ou mais dos seguintes: 
- Mãe adolescente abaixo de 16 anos 
- Mãe analfabeta 
- Mãe sem suporte familiar 
- Mãe proveniente de área social de risco* 
Chefe da família sem fonte de renda 
- História de migração da família há menos de 2 anos 
- Mãe com história de problemas psiquiátricos (p. ex., depressão, 
psicose) 
- Mãe portadora de deficiência que impossibilite o cuidado da criança 
- Mãe dependente de álcool e/ou drogas 
- Criança manifestadamente indesejada 
* Area social de risco - definição de áreas homogêneas segundo o grau de 
risco, definidas no processo de territorialização no Distrito de Saúde. 
A visita na 1ª semana de vida 
A visita da equipe de saúde na 1 ª semana de vida após a alta 
hospitalar é de grande importância para a mulher ~ue,. naquele 
momento, vivencia a primeira ou uma nova exper1enc1a de ser 
mãe, que é sempre singular. O acolhimento por parte da ES~ 
permite identificar as inseguranças da família em relação ao cui-
dado com a criança, além de avaliar o estado de saúde da mãe e 
da criança. A classificação de risco feita inicialmente pelo ACS 
pode ser revista pela equipe. Para o recém-nascido de alto risco, 
é importante que a visita seja feita nos primeiros 3 dias após a 
alta hospitalar, enquanto para o recém-nascido de baixo risco, 
ela poderá ser feita até o final da 1 ªsemana após a alta hospitalar. 
Nessa visita, são de fundamental importância as orienta-
ções sobre a amamentação e o esquema vacinai. As inform~­
ções colhidas na visita permitem que as orientações sobre.º cui-
dado com o bebê sejam mais adequadas ao contexto de vida da 
família. Pode-se afirmar que essa visita é decisiva para a cons-
trução de uma proposta de cuidado para aquela criança que 
deverá servir de norte para todo o acompanhamento posterior. 
.. FUNDAMENTOS PARA O SEGUIMENTO 
DA CRIANÇA DE BAIXO RISCO 
Considerando as novas propostas do atendimento de puericul-
tura, que passa a ter como principal fundamento o conce~to de 
risco e vulnerabilidade, o planejamento das ações na unidade 
de saúde deve levar em conta as características da criança nas 
diferentes faixas etárias, a composição etária da população e 
as condições de vida da clientela, além da disponibilidade de 
recursos humanos da unidade. 
Para o planejamento do cronograma de consultas, é preci-
so ter como base os aspectos importantes a serem observados 
na criança e a vulnerabilidade que ela apresenta. Nos 2 pri-
meiros anos de vida, nos quais o processo de crescimento e 
de desenvolvimento é mais intenso, os olhares devem ser mais 
frequentes. Para a determinação da frequência e do espaça-
mento das consultas, é importante definir quais os riscos que 
se pretende avaliar, identificando os melhores momentos para 
essa avaliação (Quadro 74.5). Por exemplo: 
Risco de agravos existentes desde o nascimento _., con-
sultas no 1 º e no 2º mês, realizadas pelo médico em funçã9 
do conhecimento semiológico mais específico que detém. E 
importante avaliar as condições de vitalidade, a presença de 
malformações e de doenças congênitas. Além disso, o MF~ 
que acompanhou o pré-natal e atende a mulhe~ no puer~~rio 
tem condições de, na primeira consulta, reavaliar a classifica-
ção de risco feita inicialmente. 
Risco de agravos nutricionais _., nesse aspecto, é impor-
tante avaliar o risco de desmame. As consultas têm a finali-
dade de entender os fatores que naquela criança intervêm na 
amamentação e possibilitar o apoio para que a amamentação 
não seja interrompida. Nesse sentido, as visitas no 1º e no 2º 
mês são fundamentais. Na criança entre 4 e 6 meses, quan-
do ocorre o processo do desmame (dependendo do tempo de 
licença-gestante da mãe), caracterizado pela introdução pro-
gressiva de alimentos complementares, as orientações são im-
portantes para dar início à alimentação saudável. Entre 9 e 12 
meses, fase de aquisição dos hábitos alimentares familiares, as 
consultas terão como objetivo identificar problemas e orientar 
a nutrição adequada. 
Risco de comprometimento do desenvolvimento _., exis-
tem alguns marcos do desenvolvimento motor que podem in-
dicar o modo como a criança vem se desenvolvendo, alertando 
para a existência de possíveis problemas. Assim, toda criança, 
nascida a termo, aos 4 meses deve estar sustentando a cabeça, 
aos 9 meses deve sentar-se sem apoio e aos 18 meses deve an-
dar sem apoio. Um outro aspecto importante é avaliar, entre 
2 e 3 meses, a presença do sorriso social. As consultas aos 2, 
4, 9, e 18 meses permitem ter um bom acompanhamento do 
processo de desenvolvimento da criança. 
Risco de infecções _.,a imunização correta previne a ocor-
rência de doenças infecciosas imunopreveníveis. As vacinas 
são recomendadas nas seguintes idades: ao nascimento, com 
1 2 3 4 5 6 12 e 15 meses. A verificação do cartão de vaci-' ' ' ''' . nação com 1, 2, 4, 6 e 12 meses garante que a criança este1a 
sendo protegida desses agravos. A consulta aos 18 meses per-
mite ainda verificar se a criança fez a vacinação de reforço aos 
13 15 meses. 
As consultas aos 12 e 24 meses constituem marcos para 
o seguimento posterior nas datas do aniversário da crianç~. 
Outros momentos de avaliação ocorrerão conforme a necessi-
dade determinada por problemas de saúde. Vale lembrar que, 
em todas as consultas, são obrigatórios o preenchimento do 
gráfico de peso e altura e da medida do perímetro cefálico e a 
verificação da carteira de vacinação. 
Com exceção das consultas do 1 º e 22 meses que, prefe-
rencialmente, devem ser feitas pelo médico, os demais aten-
dimentos podem ser realizados pela enfermeira, liberando o 
médico para o atendimento das consultas com queixas e para 
o atendimento dos bebês de alto risco. Nos meses em que não 
há consultas marcadas, se há uma demanda da família para ve-
rificar peso e altura, essa avaliação pode ser feita pelo auxiliar 
de enfermagem. 
Essa é uma proposta mínima e suficiente de seguimento 
da criança de baixo risco. Para essas crianças, não há necessi-
dade de consultas mensais no 12 ano ou bimensais no 2º ano, 
como os antigos programas da criança prescreviam. O con-
trole rígido de peso e altura desses programas visava à iden-
tificação precoce da desnutrição. Atualmente, parece que o 
fantasma da desnutrição ainda orienta tais procedimentos, 
porque se esses controles fossem para a obesidade, deveriam 
ser também para crianças em idades maiores. O acúmulo de 
consultas mesmo com atendimentos alternados com a enfer-
magem, t~m levado ao preenchimento das vagas na unidade, 
de tal forma que não há espaço para as intercorrências. Dessa 
forma, a criança consultada mensalmente, enquanto sadia, na 
horaem que adoece, não é atendida, sendo encaminhada para 
Quadro74.5 
ESQUEMA MINIMO DE VISITAS NOS SEGUINTES MESES 
Risco de agravos: ,Q 2º 
Risco nutricional: 1º 2º 4º 6º 9º , 2" 
Risco no desenvolvimento: 2º 4" 9º 18° 
Risco de infecções: ,Q 2'1 411 611 1211 1811 
Total: , " 2º 4" 6" 9º 12" 18° 24" 
o pronto-atendimento para ser vista por médicos que não co-
nhecem sua história de saúde. No dizer de uma mãe, "quando 
não precisa tem consulta marcada, quando fica doente, não 
tem vaga".14 
É preciso refletir sobre qual o fundamento dessa proposta 
de alternar consultas médicas e de enfermagem mensalmente, 
a não ser por uma suposta intenção de racionalizar os recur-
sos, que foi uma alternativa encontrada nos tempos em que a 
população infantil era a principal demanda das unidades, e as 
taxas de mortalidade infantil eram muito elevadas. 
~ FUNDAMENTOS PARA O SEGUIMENTO 
DA CRIANÇA DE ALTO RISCO 
O seguimento do recém-nascido de alto risco, após a alta 
hospitalar, tem por objetivo acompanhar aquelas crianças 
com maior risco de morrer ou de apresentar distúrbios ca-
pazes de interferir na sua qualidade de vida. Esse acom-
panhamento permite a intervenção precoce nos problemas 
já identificados por ocasião da alta hospitalar, bem como~ 
prevenção de outros, passíveis de ocorrerem durante os pri-
meiros anos de vida. 
Acompanhamento do recém-nascido de alto risco 
Os recém-nascidos considerados de alto risco necessitam, 
muitas vezes, de acompanhamento com o pediatra especialista 
ou outro profissional em centros de referência. Entretanto, a 
ESF precisa acompanhar também essa criança, coordenando 
as necessidades específicas de atendimento que ela vai deman-
dar. Na unidade de saúde, o acompanhamento diferenciado 
segue o esquema definido pela ESF, o qual pode ser reava-
liado após o 6º mês de vida e depois dos 2 anos. Dessa forma, 
é possível obter uma avaliação confiável do desenvolvimento 
neuromotor, bem como intervir e tratar adequadamente as 
principais ocorrências capazes de causar o óbito nessa fase da 
vida. Estender o acompanhamento até os 4 a 5 anos permite 
uma melhor avaliação da função cognitiva e da linguagem. 
A sequência de consultas precisa ser estabelecida pela 
equipe em função das condições de saúde do recém-nascido. 
Entretanto, é importante que esses bebês sejam vistos mensal-
mente, pelo menos nos primeiros 6 meses. 
~ A CRIANÇA COM RISCO ADQUIRIDO 
Durante o acompanhamento na unidade de saúde, algumas 
crianças que não foram classificadas como de alto risco ao 
nascer podem passar a apresentar importantes fatores de ris-
co ou vivenciar situações de risco. Essas crianças precisam ser 
identificadas pela ESF e classificadas como crianças de alto 
risco adquirido. No Quadro 74.6, são apresentados exemplos 
de critérios para essa classificação.13 
O olhar sobre a criança nos 2 primeiros anos 
de vida 
Esse olhar está dirigido para o modo como se estabelecem e se 
desenvolvem as relações mãe/filho e pai/filho. A amamentação 
é o foco principal no atendimento à criança nos primeiros meses 
de vida. As orientações sobre as vacinas, a alimentação comple-
mentar, o desenvolvimento neuropsicomotor, os cuidado~ para 
a prevenção de acidentes e o acompanhamento do cresc1men-
Quadro 74.6 
CRlnRIOS PARA DERNIÇÃO DE CRIANÇA DE ALTO RISCO 
ADQUIRIDO 
- Obesidade 
- Após a segunda internação 
- Criança com 3 ou mais atendimentos em pronto-socorro em um pe-
ríodo de 3 meses 
- Criança manifestamente indesejada 
- Criança que sofre maus-tratos ou suspeita de abuso 
- Chefe da família sem fonte de renda 
- Situação familiar problemática com repercussões na relação com a 
criança 
A rotina de acompanhamento dessas crianças vai ser muito variável dependen-
do da situação apresentada. 
to por meio dos gráficos específicos são os pontos importantes 
para os quais esse olhar sobre a criança deve estar dirigido.* 
O acompanhamento do pré-escolar e do escolar 
{dos 2 aos 1 O anos) 
Uma das características da criança pré-escolar e escolar é a 
frequência aos centros de educação infantil, escolas e cen-
tros esportivos, experimentando uma convivência com outras 
crianças em um espaço que não é mais o do convívio da famí-
lia. O processo de escolarização implica separação dos pais e 
estabelecimento de novas relações que podem ocorrer de for-
ma tranquila ou já expressar problemas na relação mãe/filho 
ou pai/filho. Muitas vezes, essas situações podem se expressar 
por somatização com queixas de problemas orgânicos. 
O acompanhamento da criança pré-escolar e escolar de 
forma programática pode ser feito com consultas anuais, des-
de que as consultas eventuais por doenças sejam momentos 
em que um olhar mais atento possa indicar a necessidade de 
uma consulta de rotina para avaliação mais geral da criança. 
As necessidades de saúde da criança em idade pré-escolar 
e escolar podem ser entendidas sob dois aspectos: 
1. Problemas decorrentes da condição de ser criança em uma 
determinada sociedade 
• O modo como a criança experimenta os diferentes riscos 
de adoecer e morrer, conforme o momento do seu proces-
so de crescimento e de desenvolvimento serão singulares 
em função de sua inserção social e da sua vivência nos di-
ferentes territórios. 
2. Problemas decorrentes da vivência em espaços coletivos 
• Convivência em grupos 
Disseminação de doenças infectocontagiosas 
• Condições do ambiente físico 
- Acidentes 
• Relações que se produzem no ambiente escolar 
Problemas de comportamento 
* Ver os capítulos específicos sobre esses temas neste livro. 
Convivência em grupos 
A convivência em espaços coletivos, ou seja, em grupos de 
crianças, vai se caracterizar na fase pré-escolar pelos fre~uen­
tes episódios de doenças infecciosas, nos quais predominam 
as infecções respiratórias, as pediculoses e outras doenças de 
pele que se disseminam no espaço da escola. As infecções res-
piratórias assumem importância maior pelas características 
da árvore respiratória nessas crianças e pelo fato de o sistema 
imune ainda estar em desenvolvimento. A presença de crises 
de sibilância nessa fase é indicativa para que essas crianças, 
além do atendimento eventual, recebam um acompanhamen-
to com consultas mais frequentes para avaliar os fatores que 
intervêm no desencadeamento dos episódios de sibilância e 
acompanhar o efeito das intervenções terapêuticas. 
As crianças em idade escolar de 6 a lOanos tendem a 
apresentar menos episódios de infecções agudas, entretanto, 
aquelas nas quais já se definiu um quadro de asma necessitam 
também de acompanhamento mais frequente na APS. 
Condições do ambiente físico 
Os espaços em que a criança escolar e pré-escolar convivem 
podem propiciar tanto a frequência das doenças infectoconta-
giosas como a ocorrência de acidentes. As ações coletivas de 
saúde desenvolvidas pelo MFC no seu território são importan-
tes para orientar intervenções que minimizem esses eventos. 
Relações que se produzem no ambiente escolar 
A convivência nos espaços escolares ou de esportes implica 
novas relações da criança com colegas e professores. O modo 
como a criança vivencia essas relações pode desencadear si-
tuações de conflito que vão se expressar, muitas vezes, em 
queixas clínicas como enurese, cefaleia, dor abdominal, entre 
outras. É na escola que acontecem muitas situações de violên-
cia física ou emocional geradas entre as crianças ou na rela-
ção professor/aluno. As agressões denominadas de bullying* 
começam a ser queixas trazidas para o MFC. 
Um aspecto importante decorrente, muitas vezes, das re-
lações que se produzem na escola são as queixas referentes a 
problemas de comportamento e dificuldades na aprendiza-
gem. Queixas de que a abordagem no modelo biomédico não 
consegue dar conta terminam frequentemente transformadas 
em problemas médicos com intervenções medicamentosas. 
Esse é o caso principalmente de crianças com queixas de com-
portamento agitado ou distraído, que recebem diagnósticos de 
déficit de atenção e hiperatividadee medicamentos que apre-. , . 
sentam inumeros riscos. 
As avaliações de saúde da criança pré-escolar 
e escolar 
Nas consultas anuais da criança acima de 2 anos, o estado nu-
tricional passa a ser de grande importância em função da pre-
valência atual de obesidade. As avaliações do peso, da altura 
e do índice de massa corporal precisam ser registradas para 
acompanhamento da evolução nutricional. Em relação à nu-
trição, as informações sobre o padrão alimentar da criança e 
* Bullying é o fenômeno que se caracteriza pela violência física ou psicoló-
gica, intencional e repetida, praticada por um indivíduo ou grupo de indi-
víduos com o objetivo de intimidar ou agredir outro indivíduo (ou grupo de 
indivíduos) incapaz(es) de se defender. 
da família são importantes para as orientações visando a uma 
alimentação saudável com o objetivo de evitar a obesidade ou 
fundamentar o tratamento das crianças já obesas. 
No acompanhamento das crianças pré-escolares e esco-
lares é preciso incluir as crianças com doenças crônicas ou ' , 
com condição crônica de saúde como aquelas com sindrome 
de Down, as cardiopatas, entre outras, que são parte da clien-
tela infantil do território do MFC. O papel do MFC, na coor-
denação do cuidado a essas crianças e no apoio às famílias, é 
fundamental. 
Entre as demandas ao MFC nesse período da vida, desta-
cam-se as queixas na área da saúde mental. Frequentemente, 
• A • entretanto, as queixas aparecem como sintomas organicos, 
que, dependendo do olhar do profissional, podem gerar in-
vestigações e intervenções clínicas desnecessárias, quando 
na verdade uma atenção direcionada às relações familiares 
pode ajudar a entender essas queixas trazidas pela fam~ia. Da 
mesma forma, a suspeita de maus-tratos e abusos sexuais pode 
surgir na consulta a partir de queixas clínicas. Nesse sentido, 
os instrumentos que o MFC dispõe como o Apgar Familiar, 
o Familiograma (ou Genograma) e o Mapa de Rede Social 
(Ecomapa ou Mapa dos 5 Campos) podem ser úteis na detec-
ção inicial desses problemas como ferramentas diagnósticas e 
terapêuticas de abordagem familiar e comunitária. 
O MFC tem ainda condições de identificar situações de 
violência doméstica, que se expressam em queixas de saúde, a 
partir de visitas domiciliares ou por informações trazidas pe-
los demais profissionais da equipe de saúde da família. Nesse 
sentido, o papel do ACS, como já foi comentado, é fundamen-
tal para ampliar o alcance da anamnese das queixas trazidas. 
Ações coletivas de saúde 
Para a realização de avaliações específicas de saúde para os 
pré-escolares e escolares, as ações realizadas em espaços co-
letivos como creches ou escolas têm um efeito maior do que 
quando dirigidas individualmente às crianças. As ações de pro-
moção da saúde bucal, tais como a escovação supervisionada e 
as orientações de educação em saúde bucal e os testes de acui-
dade visual, apresentam resultados melhores quando são pre-
cedidas de preparo em grupo e realizadas pelos profissionais 
de saúde de forma integrada com os profissionais da educação. 
Entretanto, outras propostas de educação em saúde reali-
zadas pelo setor saúde nas escolas nem sempre alcançam bons 
resultados, na maioria das vezes, por serem pontuais e não en-
,, . - . 
volverem os professores. E importante que as açoes que visem 
à promoção da saúde sejam integradas à grade curricular e de-
senvolvidas em conjunto com os professores. 
Nos ambientes de convivência da criança, são importantes 
as ações que visem à promoção de um ambiente saudável. Para 
a conscientização dos alunos sobre a responsabilidade de toda 
a comunidade e a adoção de medidas de respeito ao ambiente, 
é importante que a escola ofereça um ambiente seguro e sau-
dável para seus alunos. Nesse ponto, o MFC precisa participar 
das ações de vigilância sanitária no que diz respeito às práticas 
educativas em relação ao ambiente. 
"" ATENDIMENTO EM GRUPO DE 
MÃES E CRIANÇAS 
Uma alternativa interessante, que caracteriza outro esque-
ma de visitas de acompanhamento das crianças na APS, é a 
realização de atendimentos em grupo de crianças. A seguir, 
descreve-se uma experiência de atendimento em "grupos de 
mães" realizada pela autora.15 
O atendimento de puericultura em grupo, no primeiro ano de vida, 
contou com a participação de dois profissionais, no caso, uma mé-
dica e uma enfermeira. Após a primeira consulta feita pela médica, 
as mães das crianças de baixo risco eram convidadas a participar do 
atendimento em grupo, que contava com, no máximo, 1 O crianças. 
Os grupos tinham encontros mensais e cada atendimento compre-
endia uma parte inicial individua/, na qual se indagava sobre possí-
veis queixas, avaliava-se o peso e a altura e era feito o exame físico 
com um olhar sobre o desenvolvimento. Esse momento, embora in-
dividua/, ocorria no mesmo ambiente onde estavam as outras mães 
e crianças. Em seguida, era feita a discussão em grupo, na qual se 
avaliavam coletivamente a imunização, a alimentação, o desenvol-
vimento e outras questões colocadas pelo grupo. No final, entre-
gavam-se as receitas com as prescrições medicamentosas, quando 
necessário. Havendo necessidade, era agendada uma consulta indi-
vidual, para avaliação de problemas específicos. Nessa experiência 
de atendimento em grupo de mães, durante 9 anos, os principais 
resultados foram o prolongamento do tempo de amamentação 
exclusiva e a diminuição dos atendimentos por intercorrências de 
doenças como expressão do empoderamento e autonomia das 
mães na resolução de problemas frequentes de saúde. 
Além do atendimento em grupos de mães, podem ser rea-
lizados grupos educativos, com temas transversais, que não 
precisam ser conduzidos pelo médico, sem haver necessaria-
mente uma vinculação com o atendimento clínico. Exemplos 
de grupos educativos com escolares são os grupos de educação 
alimentar ou mesmo de obesos, grupos de crianças com asma, 
grupos para discussão da violência, entre outros. 
Avaliações específicas de saúde 
Nos recém-nascidos 
• Programa Nacional de Triagem Neonatal16 
A Triagem Neonatal, conhecida como Teste de Pezinho, 
foi instituída como prática obrigatória no país desde 2001 e 
inclui os testes de rastreamento para anemia falciforme, hipo-
tiroidismo congênito, fenilcetonúria e fibrose cística. 
• Triagem auditiva 
Existe a recomendação para o rastreamento das perdas 
auditivas em todos os recém-nascidos antes de completarem 
1 mês de vida, com o teste da orelhinha, que inclui a emissão 
otoacústica seguida da resposta auditiva do tronco cerebral. 16 
• Teste do reflexo vermelho 
Essa avaliação da transparência e da integridade das câ-
maras oculares deve ser feita com o oftalmoscópio logo ao 
nascer e nas consultas subsequentes.16 
Nos pré-escolares e escolares 
• Triagem da acuidade visual 
A realização do teste de Snellen para avaliação da acuidade 
visual pode ser feita nas consultas de rotina da criança a partir 
dos 4 anos de vida. Entretanto, como já foi comentado, a opera-
cionalização desse exame feito nas escolas aos 4 anos apresenta 
melhores resultados, principalmente em função da participação 
dos professores no preparo das crianças para o teste. 
Recomenda-se também a realização desse teste aos 7 anos 
para abranger as crianças que não frequentaram pré-escola e, 
por isso, não tiveram acesso ao exame previamente. 
• Levantamento epidemiológico da cárie e de doença perio-
dontal 
Esses procedimentos fazem parte das ações dirigidas aos 
pré-escolares e escolares realizados nas escolas e são parte 
das ações coletivas em saúde bucal. 
Um costume frequente nas unidades de saúde é a solicita-
ção por parte dos pais da realização de check-up em crianças 
por meio de hemograma, exame de fezes e de urina. Essa prá-
tica não se justifica na rotina de saúde da criança, em função 
da ausência de suporte científico e da melhoria das condições 
de saúde da população em geral, principalmente nos grandes 
centros urbanos.16 Em condições específicas, o MFC deverá 
avaliara necessidade de solicitar cada um desses exames. 
Avaliação da saúde da criança 
Para avaliação da saúde da criança, estão disponíveis os in-
dicadores clássicos de morbidade e mortalidade. Entretanto, 
para avaliação da saúde do pré-escolar e do escolar, novos 
indicadores deverão ser construídos tanto para avaliar a qua-
lidade de saúde dessa população como o desempenho da ESF 
no cuidado com a criança (Quadro 74.7). 
.- ASPECTOS FUNDAMENTAIS 
NA SAÚDE DA CRIANÇA 
Essa nova morbidade exige uma mudança na atenção à crian-
ça, para que além da atenção ao recém-nascido e lactente, o 
pré-escolar e o escolar passem a receber os cuidados adequa-
dos às suas principais necessidades de saúde. Para isso, são 
necessárias novas modalidades de ações, com novos olhares 
que ampliem a abordagem centrada no modelo biomédico e 
incorporem outras áreas do conhecimento que permitam en-
tender a criança nas suas relações com a família em diferentes 
contextos sociais. 
Quadro 74.7 
POSSlvEIS INDICADORES A SEREM MONITORADOS 
- Redução da mortalidade infantil principalmente por causas infeccio-
sas (diarreia e pneumonias) 
- Aumento da sobrevida de recém-nascidos de alto risco 
- Associação entre agravos intraútero e no início da vida e doenças 
crônicas na vida adulta 
- lmportancia de cuidar do desenvolvimento da criança na primeira 
infancia 
- Aumento da morbimortalidade por causas externas 
- Redução da prevalência da desnutrição e aumento da obesidade 
- Aumento da ocorrência de doenças crônicas 
- Problemas sociais transformados em doenças 
- Aumento das queixas na área de saúde mental 
- Aumento da violência urbana e doméstica contra crianças 
REFERÊNCIAS 
1. Victora CG, Aquino EML, Leal MC, Monteiro CA, Barros FC, Szwar-
cwald CL. Saúde de mães e crianças no Brasil: progressos e desafios. Lancet. 
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a área de saúde da criança. CiêncSaúde Coletiva. 2010;15(2):321-7. 
3. Brasil. Ministério da Saúde. Pesquisa nacional de demografia e saúde da 
criança e da mulher. Brasília; 2006. 
4. Caraffa RC, Sucupira ACSL. Papel do pediatra geral nas condições crônicas 
de saúde. ln: Sucupira ACSL. Pediatria em consultório. 5. ed. São Paulo: Sar-
vier; 2010. 
5. Zuccolotto SMC, Sucupira ACSL, Almeida da Silva CA. Dores recorrentes 
em membros. ln: Sucupira ACSL. Pediatria em consultório. 5. ed. São Paulo: 
Sarvier; 2010. 
6. Sucupira ACSL. Repensando a atenção à saúde da criança e do adolescente na 
perspectiva intersetorial. RAP. 1998;32(2):61-78. 
7. Novaes HMD. A puericultura em questão. ln: Mota A, Schraiber LB. Infância 
e saúde: perspectivas históricas. São Paulo: Hucitec; 2009. 
8. Ayres JRCM. Organização das ações de atenção à saúde: modelos e práticas. 
Saúde Soe. 2009;18(Supl. 2):11-23. 
9. Barker DJ. The origins of the developmental origins theory. J Intern Med. 
2007;261(5):412-7. 
10. McMenamy JM, Perrin EC. Filling the GAPS: description and evaluation of 
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11. Sucupira ACSL, Novaes HMD. Prática pediátrica no consultório. ln: Sucupi-
ra ACSL. Pediatria em consultório. 5. ed. São Paulo; 2010. 
12. Sucupira ACSL. Estrutura da consulta. ln: Leite AJM, Caprara A, Coelho 
Filho JM. Habilidades de comunicação com pacientes e famílias. São Paulo: 
Sarvier; 2007. 
13. Sucupira ACSL, Bresolin AMB. Os fundamentos para o seguimento da 
criança de baixo risco. São Paulo: Secretaria de Saúde do Município de São Pau-
lo; 2003. 
14. Sucupira ACSL. Relações médico-paciente nas instituições de saúde brasilei-
ras (dissertação). São Paulo: FMUSP; 1982. 
15. Sucupira ACSL, Morano R, Costa MZA. Grupo de mães: uma experiência 
de ensino da puericultura. Pediatria (São Paulo). 1987;9(2):53-8. 
16. Brasil. Ministério da Saúde. Rastreamento. Brasília; 2010. 
~ CAPÍTULO 75 
SAÚDE DO HOMEM 
Guilherme Coelho Dantas 
Aspectos-chave 
..,. Homens morrem entre 5 e 7 anos antes do que as mulheres em 
diferentes cu lturas, com diferentes sistemas de saúde disponíveis; 
no Brasil, se destacam as causas externas. 
..,. Não se deve abordar saúde do homem apenas de acordo com 
as doenças mais prevalentes, mas como uma política integrada 
à rede atendendo às necessidades de cçida população e de cada 
indivíduo. 
Este capítulo tem como objetivo oferecer uma visão pano-
râmica do tema Saúde do Homem no Brasil e em países lí-
deres na temática, propondo refletir sobre o papel do pro-
fissional de saúde, assim como discutir algumas estratégias 
de abordagem. 
Tema tão instigante quanto desafiador, enfrenta seus pri-
meiros anos de implantação a partir do lançamento da Política 
Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH).1 
Esse documento deve impulsionar as discussões dos gestores, 
dos profissionais de saúde que atuam "na ponta", assim como 
das universidades até engajar os próprios homens num proces-
so colaborativo, visando à melhoria de indicadores de saúde 
para toda a população. 
Há muito o sistema de saúde brasileiro devia uma resposta 
a essa metade "esquecida" da sociedade, e a implementação 
da política é um passo estruturador em resposta às necessida-
des gritantes ou sussurradas por esse segmento. 
IJJi. HISTÓRICO DAS POLÍTICAS 
A década de 1980, no Brasil, foi marcada por intensa trans-
formação social e política cuja expressão no sistema de saú-
de se deu com a implementação do Sistema Único de Saúde 
(SUS) em 1988. Para o recorte aqui escolhido, outro marco 
..,. É fundamental romper as barreiras que há entre os homens e os 
serviços de saúde. 
..,. Os homens se sentem vulneráveis quando admitem que precisam 
de ajuda para se cuidarem . 
..,. O médico de família e comunidade é, em gera l, mais capacitado 
pçirçi cuidar de mulheres e criçinççis, e é preciso treinçir habilidades 
de comunicação específicas para o atendimento do homem. 
essencial especificamente relacionado à Atenção Primária 
à Saúde (APS) foi a implantação do Programa de Saúde da 
Família (PSF), depois renomeado Estratégia de Saúde da 
Família (ESF). 
Dentro do planejamento de ações em saúde, vieram a ser 
criados diversos programas, a saber: Programa de Atenção In-
tegral à Saúde da Criança, Programa de Atenção Integral de 
Saúde da Mulher, Programa Saúde do Adolescente, Política 
Nacional de Saúde da Pessoa Idosa e, finalmente em 2009, a 
PNAISH. Esta visa a indivíduos entre 25 e 59 anos sob a res-
salva de que "não deve configurar uma restrição da popula-
ção-alvo, mas uma estratégia metodológica". 
Segundo seus autores, o conjunto dessas experiências os 
levou a construir o eixo central de forma articulada já que li-
mitações experimentadas para o alcance de objetivos na área 
de saúde reprodutiva já apontavam para tal necessidade. Nesse 
sentido, Keijzer2 já assinalava que a inclusão do homem pode 
transformar a visão tradicional de que ele é parte do proble-
ma para se tornar parte da solução. Carrara e colaboradores3 
reforçam que a "disseminação da Aids, a reprodução não pla-
nejada e o recrudescimento da violência urbana passam neces-
sariamente pela mobilização da população masculina". Nesse 
ínterim, a descoberta de um tratamento medicamentoso mais 
eficaz para a disfunção erétil acelerou o interesse desse gru-
po pelo que a medicina poderia oferecer. A política destaca 
também a cidadania e o autocuidado, dois aspectos essenciais 
que têm sido negligenciados na discussão sobre a qualidade de 
vida do homem brasileiro. Por fim, entre os principais objeti-
vos da PNAISH, assinalou-se a necessidade de reconhecer os 
diversos contextos socioculturais e político-econômicos para 
a compreensão da realidade singular masculina na promoção 
de ações de saúde. Essa complexa tarefa está esquematizada 
mediante seus eixos no plano de ação da política.1 
Entretanto, o documento tem sido criticado por alguns se-
tores da sociedade. Entre eles, a Rede de Homens pela Equi-
dade de Gênero (RHEG), quereúne 8 organizações da socie-
dade civil que atuam na promoção dos direitos humanos. Essa 
rede denuncia que a PNAISH, quando decide enfrentar os 
agravos à saúde norteada pelos fatores de risco se utilizando 
de maior acesso aos serviços de saúde, recai sobre a dicotomia 
tradicional de saúde e doença. 
4 
A rede defende que centrar 
esforços nos agravos repartidos entre cinco grandes áreas ca-
pitaneadas pelas suas respectivas especialidades médicas põe 
em risco toda a discussão sobre a complexidade do problema e 
é parcial e limitada, porque desconsidera a importância inegá-
vel dos fatores socioculturais relacionados à morbimortalida-
de por causas externas. 
De forma semelhante, Carrara e colaboradores3 questio-
nam a ênfase colocada sobre saúde sexual e direitos sexuais e 
reprodutivos em detrimento de outros temas, como a violência 
e a saúde mental, reconhecidos no próprio documento como 
causas de maior impacto sobre a morbimortalidade entre ho-
mens adultos jovens. Os autores ainda criticam o programa por 
ter como objetivo principal o enfraquecimento da resistência 
masculina à medicina, isto é, a medicalização dos homens. Os 
autores questionam se houve efetiva participação dos homens 
na sua formulação à medida que ainda não existem organiza-
ções "masculinistas", como existem organizações "feministas". 
Para melhor compreensão do debate nacional, faz-se ne-
cessário conhecer a produção científica envolvendo saúde do 
homem e saúde pública, publicada por Gomes e Nascimento em 
2006, 5 assim como as etapas já percorridas no contexto mun-
dial desde os anos 1990, ressaltando para isso alguns estudos 
e iniciativas: coleção de livros organizada por Sabo e Gordon6 
que discute vários aspectos sobre o homem e a sociedade; lan-
çamento de revistas científicas; 7 a publicação de editoriais e ar-
tigos em revistas científicas de grande impacto internacional;8' 9 
a organização do primeiro congresso mundial de saúde do ho-
mem; a formação da rede de serviços e pesquisa sobre envolvi-
mento paterno no Canadá10 até o pioneiro lançamento das polí-
ticas nacionais da Irlanda em 2009 e da Austrália em 2010.11• 12 
Afinal, por que o Brasil precisa de uma 
política da Saúde do Homem? 
• Porque é histórico o desconhecimento sobre as peculiari-
dades de ser homem na sociedade. 
• Porque homens morrem entre 5 e 7 anos antes do que as 
mulheres em diferentes culturas, com diferentes sistemas 
de saúde disponíveis.13 
• Porque, na sua maioria, tais mortes são evitáveis à medi-
da que costumam estar relacionadas a comportamentos 
adotados por corresponderem a estereótipo tradicional de 
masculinidade. 
ótica de gênero 
Essa abordagem visa a expandir a tímida preocupação da 
PNAISH, a qual recomenda utlizar o enfoque de gênero. A 
reflexão sobre esse enfoque permite melhor compreender a 
população-alvo dessa política, utilizando "lentes de gênero", 14 
assim como considerar seu papel dentro do seu ciclo de vida 
individual e familiar, 15 seu contexto social e as relações esta-
belecidas em seus variados códigos. No plano epidemiológico, 
essas lentes permitem a aproximação e a tradução das nuances 
emanadas do seu perfil de morbimortalidade. 
Segundo Couto e colaboradores, 16 gênero se refere "aos 
atributos, papéis ou funções sociais culturalmente legitima-
dos para indivíduos do sexo masculino e do sexo feminino, 
estabelecendo-os com determinados valores sociais diferentes 
e desiguais entre si". Essa categoria se fundamenta pelas mar-
cas do "socialmente construído", do caráter "relacional" e da 
dimensão de "poder".17 
Courtenay18 observou que os homens construíram sua mas-
culinidade apoiada na crença da invulnerabilidade, o que reper-
cute no seu envolvimento com práticas de risco à saúde tanto 
no trabalho como no lazer. Em compensação, buscam legitimar 
seu poder e até sua superioridade perante outros homens e ou-
tras mulheres. Esse modelo de masculinidade foi denominado 
masculinidade hegemónica e se expressa por seu comporta-
mento e sua atitude diante do risco e por uma sexualidade ins-
tintiva, incontrolável.19 Esse modelo vem sendo criticado em sua 
aplicabilidade e ressonância nos dias atuais. 20 
A compreensão das percepções de o que significa ser ho-
mem auxilia a compreender seu modo de agir e de pensar, a for-
ma como lidam com riscos muitas vezes desnecessários e, o mais 
importante, promove o estudo de propostas de abordagens mais 
adequadas do que as que ainda se utilizam. Nesse sentido, consi-
derar o que foi bem colocado por Doyal acerca das "dificuldades 
psicológicas que eles trazem para as consultas e os desafios que 
a doença pode colocar para seu senso de identidade". 21 
Além da perspectiva de gênero, MacDonald22 ressalta a 
necessidade de considerar também os determinantes sociais de 
saúde. Esses aspectos associados aos estágios do ciclo de vida do 
homem23• 24 fazem parte desse olhar proposto para traduzir nú-
meros em ideias, ideias em debates e finalmente a formulação de 
estratégias em colaboração com os beneficiados desse processo. 
Perfil de morbidade 
A população-alvo da PNAISH, homens entre 25 e 59 anos, 
conta com aproximadamente 37 milhões de pessoas, grupo 
que corresponde a 41 % da população masculina, sendo 21 mi-
lhões entre 25 e 39 anos de idade. 
A análise do perfil de morbidade da população masculina 
fica prejudicada, porque o banco de dados do SUS (DataSUS) 
não fornece alguns dados de morbidade, especialmente os 
relativos a problemas frequentes como os vistos na APS. As-
sim, os dados veiculados pela PNAISH descrevem apenas da-
dos relativos ao perfil de hospitalização, que são os casos mais 
graves.25 Essa limitação dificulta o planejamento mais acurado 
das ações pelas equipes de saúde e de gestores. 
Feita essa ressalva, os dados relativos à internação revelam 
que os homens respondem por 40% de todas as hospitaliza-
ções, sendo a faixa etária aqui estudada (25 a 59 anos) 15% 
do total. No período de 2000 a 2007, por exemplo, verifica-se 
que duplicou o número de internações por tumores, e houve 
redução relativa por afecções do aparelho respiratório.1 Tais 
variações reforçam o argumento de que esse indicador não é 
consistente em explicar esses dados, pois não é vinculado a um 
modelo causal que justifique a duplicação de casos de tumor 
nesse curto período. Esse fato poderia ser devido a uma distin-
ta distribuição de leitos. 
As causas externas lideram os motivos de internação com 
16%, sendo as maiores relacionadas às quedas, seguidas de 
acidentes de trânsito. O grupo populacional mais afetado se 
encontra entre 20 e 29 anos de idade. Análise mais detalhada 
do impacto desses eventos pode ser vista na Pesquisa Nacional 
de Amostra por Domicílio do IBGE, 26 na qual as mulheres 
alegaram restrição de atividades por motivos de saúde em 
maior percentual que os homens (7,0 x 5,6% ), enquanto as fal-
tas relacionadas a acidentes foram superiores entre os homens 
(8,3 X 3,2% ). 
Essa distribuição de agravos pode ser verificada em inú-
meros países, o que leva Sabo27 a alertar que já nos anos 1970 
a masculinidade tradicional produzia déficit de saúde. Por um 
lado, esse fato retrata a condição masculina dentro de deter-
minado momento histórico, por outro, denuncia o quanto o 
Brasil está defasado em aplicar abordagens mais efetivas para 
melhoria desses indicadores. 
Em seguida, têm-se as patologias do aparelho circulatório 
lideradas pelos acidentes coronarianos com 40% das interna-
ções, seguidos pela hipertensão arterial sistêmica (19%). 
Os dados relativos à hospitalização indicam ainda a ne-
cessidade de estabelecer estratégias em relação ao abuso de 
álcool e do tabagismo, que são fatores de grande impacto no 
adoecimento dessa população. Dados do CEBRID28 apontam 
que 1 a cada 5 homens é dependente do álcool. 
Dentro desse panorama de morbidade, faz-se necessário 
apontar para um contingente ainda esquecido no planejamen-
to de ações, ou seja, os 11 milhões de homens brasileiros que 
se declararam como portadores

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