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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ (UECE) FACULDADE DE LICENCIATURA EM FILOSOFIA DISCIPLINA: Tópicos de Filosofia I DISCENTE: David Rocha Vasconcelos DA VIDA FELIZ Sêneca dedicou sua carta De vita beata para seu irmão Gálio, nela havia o possível método estoico desenvolvido de como viver uma vida plena e feliz. Primeiro é necessário pôr em vista aquilo que desejamos para que assim possamos examinar nossos desejos sob todos os aspectos, dessa forma nós chegaríamos à meta do modo mais rápido possível. Para que possa levar uma vida feliz é necessário que nos atentemos aos exemplos que nos precedem, nós somos facilmente influenciados pelo senso comum, julgamos ser melhor o que é a provado pelo consenso geral em vez de agir conforme a razão. Portanto, não devemos nos vincular com o senso comum se estamos buscando a felicidade, o erro transmitido de mão em mão, nos confunde e precipita no abismo, nós só seremos curados se nos afastarmos das massas. Quando se trata da vida feliz, muitas vezes são levantadas questões como; ‘’é desse lado (grande massa) que a maioria está’’, pois bem, nas coisas humanas seguir o consenso geral não reflete em acerto, muito pelo contrário, seguir a multidão é a prova do que é pior. Portanto, para que haja uma possibilidade de felicidade é necessário um distanciamento das massas, consequentemente do senso comum. Destarte, o isolamento usado deve ser usado para o autoconhecimento e reflexão do que é realmente necessário para a vida feliz. E por último a abdicação dos prazeres tanto carnais quanto materiais. Partindo da abdicação dos bens materiais que não possuem um significado, nós devemos buscar um bem que não seja aparente, mas sólido e constante, que seja tanto belo quanto íntimo. Mas isso não é tão simples, passamos como trevas ao lado das coisas desejadas, chegando a tropeçar nelas muitas vezes. Para Sêneca a sabedoria consistia em não se desviar da natureza e em se regular segundo suas leis e exemplos. Portanto a vida feliz é aquela que concorda com a sua natureza. Para que isso aconteça é necessário que se tome conta da saúde mental e do corpo, não se deixar deslumbrar pelas coisas que adornam a vida e não se deixar escravizar pelos bem da fortuna. Logo entendemos que é possível alcançar uma tranquilidade e liberdade continuas se expulsarmos de nós tudo que nos excita e amedronta. O bem que concebemos pode ser definido de várias formas diferentes, entretanto, independente da forma, a sua ‘’força’’ é a mesma. O homem feliz pode ser definido como aquele que pratica o bem e se contenta com a virtude, que não se deixar abater por vicissitudes, homem cujo prazer consiste no desprezo dos prazeres. Porém, se quisermos fazer uma digressão, temos plena liberdade de redigir o pensamento de outra forma. Podemos dizer que alguém é virtuoso e feliz possuindo bens materiais, entretanto, a alma possui uma felicidade profunda nascida do intimo visto que a alma se regozija com seus bens e não deseja outros além daqueles que já o possui. Portanto devemos nos libertar dos prazeres do corpo, pois o dia em que alguém for dominado pelo prazer, também será pela dor. A liberdade resume-se em se tornar indiferente aos desejos carnais e materiais. Pode ser chamado de feliz aquele que não ambiciona nem teme graças a racionalidade por nós desenvolvida, racionalidade essa que não se encontra nos seres inanimados ou nas bestas como pedras e animais, que também não temem nem ambicionam, porém, não são felizes devido a sua condição irracional. Os homens embrutecidos e ignorantes são postos na mesma categoria que as pedras e as bestas. Não há diferença entre ambos, pois, as pedras e as bestas não fazem uso da razão igualmente ao homem embrutecido onde a razão é deformada e hábil apenas para a perversão. Portanto a vida feliz é fundada num juízo certo e reto. Dizem que a alma terá seus prazeres, sob um olhar retrospectivo lembrando dos prazeres já extintos. Na medida em que a alma é exultada por esses prazeres ela já se põe a pensar nos futuros. Isto parece infeliz, pois escolher males em lugar de bens não é sensato. Quem é de fato feliz possui um juízo reto; está satisfeito com seus bens presentes, sejam materiais ou não; é feliz quem confia na razão toda as situações da sua vida. Os que associam o sumo bem ao prazer certamente rebaixaram o conceito de virtude, alegando que ela e o prazer são inseparáveis, afirmando ser impossível alguém viver virtuosamente e desagradavelmente e vice versa. Se o prazer não se dissociasse da virtude nós não perceberíamos que algumas coisas são agradáveis, mas vergonhosas e outras nobilíssimas, mas penosas. O prazer nos leva a uma vida cheia de torpeza, ao passo que a virtude não permite uma vida desonesta. O bem supremo é imortal, não perece nem se arrepende, portanto, o prazer não pode ser associado a felicidade, pois ele extingue-se rapidamente. Não pode ser firme aquilo cuja natureza consiste na mudança. O prazer e a desonra afetam o homem bom e o homem mau igualmente, devido a isso, os antigos recomendavam seguir o melhor modo de vida, não o mais agradável, devido ao prazer não fazer parte da reta da boa vontade, mas sim o companheiro dela. Portanto, viver com felicidade é viver segundo a natureza; isso nos diz que se não nos sujeitarmos a escravidão das coisas que foram nos dadas provisoriamente elas podem ser uteis a alma. Em razão disto, o homem que segue seus sentidos e por meio deles se estende a coisas externas, é dono deles e de si, apenas desse modo se poderá desenvolver uma razão segura de si mesma. Assim, logo após alcançar a ordem e o equilíbrio ela atinge o sumo bem. Logo, podemos concluir que o bem supremo consiste na concórdia da alma, pois onde houver consenso e unidade deverão existir virtudes. Muitos afirmam que a virtude só é praticada por esperarem dela algum prazer, entretanto, a virtude não é buscada por dar prazer. Apesar de visar outro objetivo ela também pode alcançar o prazer. Contudo, o prazer não é a recompensa da virtude, ele é um elemento acessório. O bem supremo está no próprio juízo e no estado apurado da mente, portanto, depois de percorrer todo o seu percurso realizou o sumo bem e nada mais deseja. Logo, podemos presumir que a virtude é própria dela mesma, nada tem de melhor, é a recompensa de si mesma. Nossa alma amontoa muitos e depravados gêneros de prazer, dentre eles está a insolência, o conceito exagerado de si mesmo, o orgulho que nos faz sentir acima de todos, exultação por causas mínimas e pueris, apatia, frouxidão duma alma inerte que dorme sobre si mesma. A virtude remove todos esses empecilhos, ela analisa todos os prazeres antes de admiti- los. Ela alegra-se não em fazer uso desses prazeres, mas sim em modera-los. O bem supremo consiste em saber ponderar o uso dos prazeres da vida. Para que o sábio seja necessariamente um sábio é preciso que ele abdique dos prazeres de uma forma que ele terá o direito de gozar do próprio prazer. O homem desprovido da virtude fará tudo que o prazer lhe sugere como escape dos enfermos mundanos. Dizem que a virtude está unida ao prazer, entretanto, como a virtude governará o prazer que ela segue, já que na opinião popular seguir é próprio de quem obedece, ao passo que governar pertence a quem manda? Que notável função da virtude de degustar os prazeres. O exemplo de que o prazer não é suficiente é o que Nomentano e Apício, que mesmo engolfados no prazer, o prazer não lhes fazia bem, pois não é o bem que os agrada. Aqueles que preferem desfrutar do prazer acabam por serem tolos e inconscientes, devido a exposição aos golpes do arrependimento. Eles experimentarão grandes prazeres, porém eram afastados de qualquer moléstia como da sanidade mental. O prazer é capaz de nos proporcionar apenas momentos de alegres loucuras. Por outro lado, o prazer dos sábios são tranquilos e moderados, e apesar da sua espontaneidadenão são prestigiados nem acolhidos quando chegam. Portanto, devemos parar de associar o prazer a virtude, erro em razão do qual os viciosos são adulados. O homem entregue aos prazeres crê que também vive com a virtude; pois ouviu dizer que ambos estavam entrelaçados e acaba por explanar coisas que deviam ser escondidas. Muitos desses homens alegam ser impulsionados pelo epicurismo, porém, não avaliam o quanto é sóbrio e adusto o prazer preconizado por Epicuro e usam-no como pretexto para suas paixões carnais. O louvor tributado ao prazer é pernicioso devido aos preceitos virtuosos permanecerem escondidos, enquanto o que corrompe se manifesta. A virtude deve tomar a dianteira para a segurança do nosso caminho. O prazer em demasia é prejudicial; na virtude, porém, não se deve recear o excesso, porque a moderação está nela mesma. Fazer da virtude escrava do prazer é sinal de um pensamento medíocre, a virtude deve marchar e levar as insígnias, ainda assim teremos o prazer, porém, seremos seus donos e diretores. Aqueles que deram primeiro lugar ao prazer são possuídos por ele, além de serem privados da virtude. Aquele que primeira busca o prazer acaba por negligenciar a liberdade. Porque não se deve mesclar a virtude e o prazer? Bem, parte do que é bom não pode deixar de ser boa e o sumo bem não manterá sua integridade se vir em si coisa dessemelhante do melhor. A virtude é boa em si mesma, portanto, alegria, regozijo e tranquilidade podem fazer parte dela, porém, a virtude não depende dessas coisas, são bens que seguem ao sumo, mas não o perfazem. Quem alicia virtude e prazer deve saber que mesmo em igualdade de condições se deve misturar a força de um com a fragilidade do outro, fazendo isso é posto sob jugo a liberdade que só é invencível quando cônscia de não haver nada mais precioso que ela mesma. Por isso deve-se elevar o sumo bem a um lugar onde nenhuma força o arranque, um lugar onde só a virtude pode ascender até lá. Somente através da virtude é possível se manter firme, de bom grado o virtuoso suportará tudo o que acontecer, pois, todas as dificuldades da vida são lei da natureza. A verdadeira felicidade consiste na virtude, portanto, a virtude o aconselhará a não julgares o bem e o mau, a não ser que o que se suceda seja consequência da virtude ou do vício. Mas o que a virtude promete em troca de uma vida virtuosa? Liberdade, segurança, isenção de todos os males e perigos. Entretanto, aquele que tende para a virtude necessita de alguma indulgência da fortuna, pois luta contra todas as vicissitudes humanas até se desembaraçar de todo obstáculo e vinculo mortal. Sêneca é questionado quanto a vida que leva, pois como mentor de Nero ele levava uma vida luxuosa de certa forma, em resposta ele diz; ‘’não sou sábio e, para alimentar a tua malevolência digo que não o serei. Deves, portanto, exigir de mim não que eu me iguale aos melhores, mas que seja superior aos maus: basta-me isto, subtrair cada dia algo dos meus vícios e objurgar os meus erros.’’ Portanto, Sêneca não se considera são nem sábio. Questionado novamente sobre o seu modo de vida, Sêneca afirma dizer que fala de um modo de vida especifico, não do seu próprio modo de vida. Portanto, quando ele fala sobre a virtude, não fala de si mesmo, e quando diz reprovar os vícios ele se refere aos próprios vícios. Sêneca cita o exemplo de Diodoro, filósofo epicurista que cortou a própria garganta para dizer que para muitos tal ação parecia loucura, porém, ele afirma que Diodoro tomou essa decisão plenamente consciente e feliz, ao sair da vida, deu testemunho a si mesmo. É útil para os críticos que ninguém pareça bom, como se a virtude alheia fosse censurada de todos os vossos delitos. Os filósofos não praticam o que dizem, contudo, fazem muito bem em expressar bem o que concebem com uma mente reta. Não há motivo para desprezar boas teses e corações cheios de bons pensamentos, deve-se louvar a ocupação com estudos salutares. O ideal estoico reforça a tese de que os bens materiais não são necessários. Entretanto, segundo Sêneca, quando se recebe honestamente algo e não se cria um sentimento de avareza e dependência sobre ele, é possível ser virtuoso e possuir bens. Partindo do ponto que não se deve avaliar os benefícios pelo número nem pela importância, mas apenas pela estima que se tem do benfeitor. Nada farás pela opinião alheia, mas tudo por força da consciência. Aqueles que se predispõem a odiar a virtude, nada fazem de novo. ‘’Porque aquele é adepto da filosofia e vive em tão grande riqueza?’’. Muitos questionaram a forma de vida de Sêneca, entretanto, os mesmos que faziam tais questionamentos julgavam ser a vida desprezível, mas mesmo assim viviam. O sábio não se julga indigno das riquezas, ele não as ama, mas as prefere, não as recebe na alma, mas em casa; não rejeita os bens que possui, ele quer que por meio delas seja produzido mais matéria a virtude. O homem sábio pode encontrar na riqueza melhor condição para desenvolver sua alma, pois na pobreza se exercita apena um gênero de virtude, que impede alguém de se rebaixar ou deprimir. Apenas na riqueza a temperança, liberalidade, discernimento, economia e a magnificência de um campo aberto. A diferença entre o homem virtuoso e o não virtuoso é que se as riquezas abandonarem o homem sábio ele nada perderá. Já o não virtuoso, se for abandonado pelas riquezas ele perecerá. Deixas, então, de interditar o dinheiro aos filósofos; ninguém os condenou a pobreza. Desde que seus bens venham de forma honesta elas não fazem gemer se não os malévolos. O sábio não rejeitará a benignidade da fortuna e não se gloriará nem se envergonhará do patrimônio adquirido. O homem é de fato rico e sábio se deixares o povo entrar em sua casa e dizer ‘’o que qualquer um reconhecer como seu, leve.’’ Se o homem permanecer com o mesmo número de coisas ele é de fato rico. O sábio não recebera nada de forma desonesta, mas não repudiará grandes riquezas, dom da fortuna e da virtude. O ato da caridade não é fácil, é necessário prudência e conhecimento do ímpeto do momento. O donativo é dado para não se perder, portanto deve estar em um lugar seguro, de modo que não possa ser reclamado, mas devolvido. A natureza ordena ser útil aos homens, logo, onde houver um homem haverá oportunidade de fazer um benefício. A liberalidade tem esse nome não porque é devida aos livres, mas por provir de uma alma livre. Ela, portanto, transborda de plenitude ao achar uma pessoa digna. Portanto não há motivo para ouvirdes ás avessas as palavras belas, enérgicas e entusiásticas dos amigos da sabedoria, pois o sábio ao atingir a suma perfeição tratará de outra maneira; não se deve fazer um julgamento dos melhores, mas sim, desprezar os maus. Portanto, pode-se afirmar que as riquezas não são um bem, pois se fossem fariam bons os seus possuidores. Portanto, não é errado possuir bens materiais, porém, o homem sábio e virtuoso não se deixar possuir por esses bens, pelo contrário, ele que os possui. Logo o sábio não se julgará mais feliz por ter uma almofada mais macia, nem será mais infeliz se invés de uma almofada tiver um monte de feno para repousar a cabeça. Destarte, o sábio prefere moderar suas alegrias a fazer cessar suas dores. Voltando para a questão dos bens, há modos diversos de trabalhar na riqueza e na pobreza. Na pobreza empregaremos as mais corajosas, que sabem combater; para as riquezas usaremos as naus cuidadosas, que caminham passo a passo, e com ponderação. A grande diferença entre o tolo e o sábio quando se fala de bens materiais é que; para o sábio, as riquezas são escravas, e para o tolo são senhoras. O sábio exercita-se sobretudo na pobreza quando está no meio das riquezas. Os bárbaros negligenciam constantemente as riquezas, por isso acabam definhando em meio aos prazeres e não consideram as ameaças que os cercam. Contudo, aquele que tirartodas as riquezas do sábio deixará com ele todas as suas coisas. Portanto, é esse comportamento, essa virtude que devemos venerar. Sócrates em seu cárcere antes de sua morte proclamou um discurso que exaltava sua virtude em meio ao resto do senado grego. Ele explicitou a falta de caráter daqueles que apontavam supostas falhas para ele, porém, não olhavam para os próprios calos; ‘’observai as borbulhas alheias, enquanto estais cobertos de úlceras. Isso não entendeis, e ostentais uma fisionomia contraria a vossa condição, como fazem muitas pessoas cuja casa sofreu um acidente, sentadas tranquilamente no circo ou no teatro sem terem conhecimento do acidente. Porém, olhai para o alto e vede a tempestade que vos ameaça para irromper um pouco mais tarde ou já estão bem próximas de vós, para arrebatar-vos juntos.
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