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MUZZY, L. A. – Parasitologia 1 Introdução à Parasitologia Humana Parasita Indivíduo que viva à custa de outro, ou da sociedade a que pertence, incluindo nesse conceito uma censura ou condenação por oportunismo, abuso ou mau caráter. Parasito Os parasitos dependem de outros seres vivos, eventualmente dos seres humanos, que, por uma razão ou por outra, tomaram-se seus hospedeiros, muito involuntariamente. Cadeia Alimentar Uma cadeia alimentar, que se inicia com microrganismos e vegetais sintetizadores e se continua através dos herbívoros, granívoros, etc. até chegar aos carnívoros e onívoros (entre os quais está o homem), transfere sucessivamente a matéria e a energia contidas em seus carboidratos, lipídios e proteínas, através dos sistemas ecológicos, permitindo que a vida continue a se desenvolver sobre a face da Terra. Os ecologistas chamam os grandes sintetizadores de matéria orgânica (os vegetais, fundamentalmente) de organismos produtores. Os demais são os organismos consumidores: Consumidores primários são aqueles que se alimentam dos produtores, herbívoros por exemplo. Consumidores secundários são os carnívoros que se alimentam de herbívoros etc.; Consumidores terciários são os carnívoros que se alimentam de outros carnívoros. Onde ficam os parasitos? Os parasitos são organismos consumidores que, segundo a natureza de seus hospedeiros (plantas, animais herbívoros ou carnívoros), podem situar-se em níveis de consumidores primários, secundários, terciários ou quaternários. Metabolicamente, comportam-se como os demais consumidores. Por serem eles de porte muito menor que seus hospedeiros e às vezes microscópicos, as populações de parasitos podem ser muito maiores que as das espécies parasitadas. Um único paciente pode abrigar vários áscaris, dezenas de ancilostomídeos e centenas ou milhares de esquistossomos, no intestino, ou um milhão de plasmódios da malária por mililitro de sangue. Mas, evidentemente, a biomassa dos parasitos é sempre muito menor que a de seus hospedeiros. Sistemas Ecológicos Na natureza, todos os organismos vivos e o meio físico em que se encontram formam um todo inter-relacionado - o sistema ecológico ou ecossistema - em cujo seio há intensa circulação de materiais e de energia, transferidos dos organismos produtores para os consumidores e retomando ao meio ambiente não-vivo quando as plantas, suas folhas, ou os animais morrem e seus corpos são destruídos por microrganismos decomponentes. Estes asseguram a recirculação dos compostos orgânicos e inorgânicos mais simples, como o fechamento dos ciclos do carbono, do oxigênio, do nitrogênio etc. Sem a morte e a decomposição, o meio acabaria por esgotar-se de materiais essenciais à MUZZY, L. A. – Parasitologia 2 continuidade dos processos metabólicos e da reprodução dos seres vivos e conduziria ao colapso do ecossistema. A biomassa dos organismos presentes em cada região deve permanecer dentro dos limites permitidos pela capacidade do meio ambiente, isto é, da capacidade biótica do meio. Relações entre os Seres Vivos Nos ambientes naturais observa-se que os organismos presentes formam comunidades biológicas complexas (compreendendo geralmente vegetais, fungos, bactérias, vírus, protozoários e metazoários), onde o equilíbrio entre as populações de diferentes espécies depende das relações que estas mantenham entre si. Essas relações podem ser de indiferença, de antagonismo (quando competem pelas mesmas fontes alimentares, por espaço etc., ou quando uma é predadora da outra), mas também de apoio e cooperação. Competição Associação Competição por Predatismo Há predatismo quando uma espécie destrói os membros de outra para prover sua alimentação, sendo ambas de porte não muito diferente. Todos os carnívoros são predadores. Tal é o caso, por exemplo, dos felinos que caçam roedores e aves; ou as aranhas, em relação a moscas e outros insetos de que sugam a hemolinfa até matar. Mas quando a predação é desenvolvida por pequenos animais em relação a outros muito maiores, como quando carrapatos e insetos hematófagos sugam o homem ou outros mamíferos, falamos de micropredadores. Associação Entre as relações de cooperação, encontramos modalidades bastante diferentes. Umas são intraespecíficas, outras interespecíficas. Nas associações intraespecíficas são os indivíduos de uma mesma espécie que se reúnem em grupos ora mais frouxos, como nas colônias, enxames, cardumes, rebanhos e manadas, ora mais cerrados e organizados, inclusive com divisão do trabalho ou especialização fisiológica, como nos formigueiros, nos cupinzeiros, nas colmeias e nas sociedades humanas. Nas associações interespecíficas, as relações de coabitação entre os indivíduos de espécies diferentes podem ser também complexas e diversificadas. Associação por Forésia Este nome descreve a situação em que uma espécie utiliza outra como suporte, abrigo ou meio de transporte. Nas Américas, a mosca do berne (Dermatobia hominis), que é um inseto robusto, apanha em voo moscas ou mosquitos hematófagos sobre o abdome dos quais deposita seus ovos, colando-os com suas secreções. As larvas que aí completam seu desenvolvimento, ao fim de algum tempo, aproveitam- se das ocasiões em que o inseto hematófago vai picar o gado ou o homem para levantarem o opérculo dos ovos, agarrarem-se à pele e nela se implantarem, passando a comportar-se aí como parasitos. Associação por Comensalismo Indica a relação, entre duas espécies, pela qual uma partilha dos nutrientes que a outra consegue. Etimologicamente, comensais são os que comem à mesma mesa. Exemplo clássico é o da associação entre actíneas (anêmonas-do-mar) e o paguro (crustáceo de abdome mole que se protege ocupando as conchas vazias de moluscos gastrópodes). Instalando-se sobre a concha habitada pelo paguro, uma ou mais actíneas aproveitam- se dos restos alimentares que o crustáceo rejeita ou dispersa, bem como de seus deslocamentos. Tanto no comensalismo como na forésia, a associação costuma ser temporária e geralmente não é obrigatória para nenhum dos parceiros. Cada qual mantém sua independência orgânica, ingere, digere e metaboliza seus alimentos, que a convivência permitiu obter mais facilmente. Associação por Parasitismo Representa a forma de associação mais estreita e profunda, pois estabelece entre os indivíduos de duas espécies diferentes um contato íntimo e duradouro, em nível histológico. Na maioria dos casos um organismo (o hospedeiro) passa a constituir o meio ecológico onde vive o outro (o parasito). Além disso, criam-se entre eles laços de dependência metabólica, ficando o metabolismo do parasito vinculado ao de seu hospedeiro. Essa vinculação é primordialmente de natureza nutritiva: o parasito retira do animal parasitado todos, ou grande parte dos materiais de que necessita. Os parasitos externos - ectoparasitos - podem obter o oxigênio diretamente do meio exterior, como fazem o "berne" (larva da Dermatobia hominis) ou o "bicho-do-pé" (fêmea parasita de Tunga penetrans, uma pulga do porco). X MUZZY, L. A. – Parasitologia 3 Os parasitos internos - ou endoparasitos – dependem totalmente de seus hospedeiros como fonte nutritiva. A vinculação metabólica não se limita à obtenção de alimentos. No processo de adaptação do parasito às novas condições de vida ele pode ter perdido a função de alguns genes importantes para seu metabolismo; genes que codificavam a síntese de enzimas, por exemplo. A sobrevivência da espécie parasita passou a depender do funcionamento das enzimas correspondentes do hospedeiro, que fabricarão os materiais que ele não pode produzir. O grau de dependência metabólica aumenta com o número de substâncias que o parasito necessita encontrar pré-formadas no meio (seu hospedeiro). Chamamos essas substâncias, indispensáveisao parasito, de fatores de crescimento. Os tripanossomos, protozoários que vivem no sangue e nos tecidos de muitos vertebrados, perderam a capacidade de sintetizar as moléculas de porfirinas, indispensáveis para a construção de seu próprio sistema respiratório. Como parasitos do sangue, encontram na estrutura da hemoglobina a fração protoporfirina já formada. Podemos adotar uma definição para caracterizar o que entendemos por parasitismo, atualmente, e distingui-lo de outros tipos de relações entre organismos vivos: Parasitismo é toda relação ecológica desenvolvida entre indivíduos de espécies diferentes, em que se observa, além de associação íntima e duradoura, uma dependência metabólica. O grau de parasitismo permite imaginar uma escala, para a qual não faltam exemplos, que vai desde a dependência metabólica igual a zero (comensais), passando pelos que requerem um ou mais fatores de crescimento de seu hospedeiro, até a dependência total, quando os parasitos vivem inteira e permanentemente no meio interno de outra espécie. O parasitismo pode ser uma condição temporária ou permanente. 1. No caso da mosca do berne (Dermatobia), o parasitismo (que é obrigatório) só ocorre na fase larvária. 2. O "bicho-de-pé" (Tunga), somente a fêmea grávida toma-se obrigatoriamente parasita. Ciclo Biológico dos Parasitos Cada espécie de parasito tem seus próprios hospedeiros. Alguns só podem infectar uma ou poucas espécies muito próximas: são os parasitos estenoxenos. Outros podem viver em uma grande variedade delas, que infectam indistintamente: são os parasitos eurixenos. Monoxenos: Há parasitos que necessitam de um só hospedeiro para completar seu ciclo vital. Ao passar de um hospedeiro a outro (da mesma espécie ou de espécies diferentes), repetem sempre exatamente a mesma história de eventos fisiológicos. Esse tipo de ciclo é monoxeno. Heteroxenos: O ciclo heteroxeno é mais complicado, pois o parasito só completa seu desenvolvimento passando sucessivamente e sempre na mesma ordem por dois ou mais hospedeiros. Os primeiros hospedeiros, onde crescem e se diferenciam as fases larvárias do parasito, são considerados hospedeiros intermediários; O último, onde se desenvolvem e vivem as formas adultas do parasito, é chamado de hospedeiro definitivo. Muitas vezes nos referimos aos hospedeiros intermediários (normalmente quando são artrópodes ou moluscos) como sendo os vetores da infecção. Muitos parasitos se localizam no aparelho digestivo ou na pele de seu hospedeiro, mas alguns só podem viver em lugares muito especiais, como o fígado, o pulmão, o sistema nervoso etc. Para propagar-se, cada parasito deve contar com dispositivos que lhe permitam deixar o organismo de um hospedeiro para ir alcançar outro, igualmente adequado, e chegar ao seu hábitat normal. MUZZY, L. A. – Parasitologia 4 Checklist do Ciclo Biológico dos Parasitos A passagem de um hospedeiro a outro é fenômeno complexo, pois envolve eventualmente certos mecanismos necessários para: ✓ que os parasitos possam deixar o organismo de seu hospedeiro atual; ✓ transporte ou deslocamento até o novo hospedeiro; ✓ identificação do novo hospedeiro, mediante sistemas de reconhecimento (de natureza bioquímica, em geral) situados no tegumento, nas mucosas ou nas membranas celulares (receptores de membrana) do hospedeiro; como também deve contar com os recursos correspondentes destinados à penetração através dessas estruturas ou a um processo de endocitose; ✓ migrações por vezes muito complicadas das formas infectantes ou dos parasitos adultos, já no interior do novo hospedeiro, até que finalmente alcancem e reconheçam sua localização definitiva e aí completem seu desenvolvimento. Foco natural de uma Parasitose Os parasitos não se encontram em qualquer parte. Como os outros organismos da biosfera, cada um deles ocupa determinados territórios e nichos ecológicos bem precisos. Condições essenciais para que existam os focos naturais de uma parasitose: 1. A presença simultânea, no espaço e no tempo (ainda que por períodos limitados), dos membros da cadeia epidemiológica que asseguram a circulação do parasito (hospedeiros e vetores); 2. A densidade populacional dos hospedeiros (e dos vetores, se estes fizerem parte da transmissão) de tal ordem que possa assegurar boa probabilidade da passagem do parasito de um hospedeiro a outro (ou entre vetores e hospedeiros definitivos); 3. A existência de condições do meio ambiente compatíveis com as necessidades que os cistos, ovos ou larvas dos parasitas têm, para que possam sobreviver até encontrar um novo hospedeiro. 4. Se houver insetos ou outros vetores do parasitismo, a longevidade desses animais deverá estar assegurada, pelas condições ambientais, por um tempo suficiente para que a transmissão se efetue; 5. A presença do parasito ou sua introdução, em dado momento, no ecossistema adequado à sua manutenção. Exemplo: todas as condições para a existência da esquistossomose devida ao Schistosoma mansoni já existiam nas Américas antes da chegada dos europeus; no entanto, só depois que estes organizaram o tráfico de escravos para cá, os parasitas originários da África se implantaram no Novo Mundo. Checklist do foco natural de uma Parasitose Portanto, no foco natural de uma parasitose há uma relação direta do relevo, solo, clima, água, flora e fauna, de tal modo que tenhamos: ✓ Coincidência de hábitats dos hospedeiros e vetores; ✓ Número suficiente de hospedeiros e vetores para que o parasito possa circular entre eles; ✓ O parasito em número suficiente para atingir o hospedeiro e/ou vetor; ✓ Condições propícias para a transmissão (clima úmido, temperatura e altitude adequadas etc.). Relações entre o parasito e seu hospedeiro Quando um parasito tem a capacidade de desenvolver-se no organismo do homem ou de determinado animal, dizemos que eles são suscetíveis a tal parasito. Essa condição por vezes é apenas teórica, pois na realidade nunca se verifica tal infecção. As razões podem estar na existência de barreiras geográficas, ecológicas, comportamentais ou outras que impeçam o contato ou a penetração do parasito no organismo suscetível. O camundongo (Mus musculus), por exemplo, que é muito usado no laboratório para estudos sobre a esquistossomose, nunca se encontra infectado na natureza pelo Schistosoma, pois não frequenta os lugares onde poderia contaminar-se: as coleções de água doce onde vivem os moluscos vetores. Sabe-se que a Taenia saginata é rara entre os hindus, que não comem carne bovina, e a Taenia solium não se encontra entre os muçulmanos e os judeus, que proíbem a carne de porco. Parasito/Hospedeiro Resistência Natural Em geral, os organismos oferecem resistência à penetração ou à sobrevivência dos parasitas. Essa resistência é absoluta quando determinado parasito não dispõe de mecanismos que lhe permitam invadir o organismo de determinada espécie, ou quando não encontram nesta as condições exigidas por seu metabolismo e desenvolvimento. Assim, todos os membros da espécie são igualmente resistentes a tal parasito. Outras vezes a resistência é relativa e varia quanto ao seu grau de eficiência, havendo então indivíduos mais e outros menos resistentes. Em geral, estamos diante de mecanismos biológicos, inerentes ao organismo do hospedeiro, que foram preservados ou favorecidos pela seleção natural por assegurarem maiores probabilidades de sobrevivência e multiplicação das espécies parasitadas. Fala-se de resistência natural quando as barreiras que se opõem ao parasitismo existem independentemente de qualquer contato anterior com o parasito e são comuns a todos os indivíduos da MUZZY, L. A. – Parasitologia 5 mesma espécie. Entre os vários mecanismos que protegem o hospedeiro contra este ou aquele parasito, deve-se contar a natureza do tegumento cutâneo e a das mucosas,com suas secreções e movimentos ciliares (drenando a árvore respiratória, por exemplo), várias substâncias do sangue e dos tecidos com poder antimicrobiano, mas principalmente as células com capacidade fagocitária. Fagocitose: Esta função é encontrada em grande variedade de células e em toda a escala biológica, desde as amebas até os animais superiores. Ela compreende mecanismos de aderência, de ingestão e digestão de corpos estranhos encontrados no meio interno dos organismos por células como os polimorfonucleares e monócitos do sangue, pelos macrófagos e demais elementos do sistema fagocítico mononuclear (SFM), e constitui um dos mais importantes dispositivos protetores antiparasitários. O SFM encontra-se distribuído por todo o organismo. Seus elementos fazem parte do tecido conjuntivo, mas predominam ao longo dos capilares e concentram-se em órgãos como o baço, o fígado, os linfonodos e outros tecidos linfoides (amígdalas, folículos linfoides dos intestinos etc.). Se um microrganismo entra na circulação sanguínea, qualquer que tenha sido o ponto de penetração, será levado a passar por um dos leitos capilares de circulação lenta (fígado, pulmões, baço etc.), onde os macrófagos vão agarrá-lo e, eventualmente, fagocitá-lo. Inflamação Aguda: Por outro lado, o parasito ou seus produtos, ao lesarem os tecidos do hospedeiro, provocam a liberação de substâncias biologicamente muito ativas (mediadores químicos do tipo histamina, etc.) que desencadeiam uma reação inflamatória focal. A reação inflamatória é outro mecanismo importante que tende a destruir os parasitos ou, quando menos, a isolá-los e limitar-lhes o desenvolvimento Granuloma Ovo S. mansoni. Parasito/Hospedeiro Resistência Adquirida Os especialistas definem essa resistência ou imunidade como a resposta fisiológica desenvolvida pelo hospedeiro, em função de um contato atual ou anterior com os antígenos parasitários, sendo de tal ordem que tende a impedir ou limitar a implantação dos parasitos, ou sua sobrevivência, ou então sua multiplicação no organismo do hospedeiro. A resistência adquirida, por outro lado, é uma propriedade individual, não herdada, propriedade esta surgida em função de uma experiência pessoal do hospedeiro em contato com o parasito ou seus produtos. Os mecanismos da resistência adquirida estão ligados fundamentalmente à atividade dos linfócitos e plasmócitos. Há duas classes de linfócitos: B e T Células B: A combinação de antígenos e anticorpos forma complexos antígeno-anticorpo que podem provocar diversos tipos de respostas fisiológicas da parte do hospedeiro, tais como: Estimulação da fagocitose, através da ativação de macrófagos; Estimulação da reação inflamatória, através de diferentes mecanismos que envolvem ativação de linfócitos T, macrófagos, eosinófilos, mastócitos etc. e liberação de substâncias biologicamente ativas, das quais algumas são tóxicas para os parasitos; Ativação do sistema complemento; Destruição (lise) dos parasitos portadores do antígeno específico; e, até mesmo, de células do hospedeiro que contenham tais parasitos. Células T: Os linfócitos T também possuem receptores de membrana. Há várias classes de células T, dentre as quais se destacam: As células T auxiliares, que, quando ativadas pelos antígenos específicos, multiplicam-se e passam a excretar pequenas quantidades de substâncias fisiologicamente muito potentes, mas de ação local e transitória: são as linfocinas, cuja participação no processo inflamatório e no ataque aos parasitos é muito importante. Entre as linfocinas encontram- se fatores citotóxicos, ativador de macrófagos e quimiotáticos, que atraem outras células inflamatórias para o local; As células T supressoras, que exercem ação controladora sobre outros elementos do sistema imunológico; As células T citotóxicas, com capacidade de destruir diretamente as células-alvo do processo imunológico, desde que ativadas. MUZZY, L. A. – Parasitologia 6 Ação dos parasitos sobre o hospedeiro Nem sempre a presença de um parasito em um hospedeiro indica que está havendo ação patogênica do mesmo. Entretanto, essa ausência de patogenicidade (seria comensal e não um parasito) é rara, de curta duração e, muitas vezes, depende da fase evolutiva do parasito. Em geral, os distúrbios que ocorrem são de pequena relevância, pois há uma tendência de haver um equilíbrio entre a ação do parasito e a capacidade de resistência do hospedeiro. A doença parasitária é um acidente que ocorre em consequência de um desequilíbrio entre hospedeiro e o parasito. O grau de intensidade da doença parasitária depende de vários fatores: o número de formas infectantes presentes, a virulência da cepa, a idade e o estado nutricional do hospedeiro, os órgãos atingidos, a associação de um parasito com outras espécies e o grau da resposta imune ou inflamatória desencadeada. Em verdade, a morte do hospedeiro representa também a morte do parasito, o que, para este, não é bom.. Tipos de ação patogênica dos parasitos: 1. Ação ESPOLIATIVA: Quando o parasito absorve nutrientes ou mesmo sangue do hospedeiro. É o caso dos Ancylostomatidae, que ingerem sangue da mucosa intestinal (utilizam esse sangue para obtenção de Fe e O2, e não para se nutrirem dele diretamente) e deixam pontos hemorrágicos na mucosa, quando abandonam o local da sucção. Outro exemplo é o hematofagismo dos triatomíneos ou de mosquitos. 2. Ação TÓXICA: Algumas espécies produzem enzimas ou metabólitos que podem lesar o hospedeiro. Exemplos: as reações alérgicas provocadas pelos metabólitos do A. lumbricoides, as reações teciduais (intestino, figado, pulmões) produzidas pelas secreções no miracídio dentro do ovo do S. mansoni etc. 3. Ação MECÂNICA: Algumas espécies podem impedir o fluxo de alimento, bile ou absorção alimentar. Assim, o enovelamento de A. lumbricoides dentro de uma alça intestinal, obstruindoa; a G. lamblia, "atapetando" o duodeno etc. 4. Ação TRAUMÁTICA: É provocada, principalmente, por formas larvárias de helmintos, embora vermes adultos e protozoários também sejam capazes de fazê-lo. Assim, a migração cutânea e pulmonar pelas larvas de Ancylostomatidae; as lesões hepáticas pela migração da F. hepatica jovem; as úlceras intestinais provocadas pelos Ancylostomatidae e T. trichiura; o rompimento das hemácias pelos Plasmodium etc. 5. Ação IRRITATIVA: Deve-se a presença constante do parasito que, sem produzir lesões traumáticas, irrita o local parasitado. Como exemplo, temos a ação das ventosas dos Cestoda ou dos lábios dos A. lumbricoides na mucosa intestinal. 6. Ação ENZIMÁTICA: É o que ocorre na penetração da pele por cercárias de S. mansoni; a ação da E. histolytica ou dos Ancylostomatidae para lesar o epitélio intestinal e, assim, obter alimentos assimiláveis etc. Qualquer parasito que consuma o Oxigênio, da hemoglobina, ou produza anemia, é capaz de provocar uma anóxia generalizada. É o que acontece com os Plasmodium ou, em infecções maciças, pelos Ancylostomatidae. Epidemiologia Epidemiologia é a ciência que estuda a distribuição de doenças ou enfermidades, assim como a de seus determinantes na população humana. Estes determinantes são conhecidos em epidemiologia como fatores de risco. O objetivo principal da epidemiologia é a promoção da saúde através da prevenção de doenças, em grupos populacionais. Estes grupos populacionais podem ser os habitantes de uma área geográfica definida (município, estado, país), os indivíduos de uma determinada faixa etária, os trabalhadores de uma determinada profissão, ou seja, as pessoas que foram ou estão expostas a um ou mais fatores de risco específicos. Diferentemente da clínica, que tem como objeto de atenção o indivíduo doente, a epidemiologia estuda o estado de saúde de uma população. As principais perguntas que a epidemiologia procura respondercom relação a distribuição de doenças em uma população são: 1. Por que certas pessoas adoecem e outras não? 2. Por que algumas doenças só ocorrem em determinadas áreas geográficas? 3. Por que a ocorrência de determinada doença varia com o tempo? MUZZY, L. A. – Parasitologia 7 A distribuição da malária no Brasil fornece um bom exemplo: Esta doença é frequente na Região Norte, ocorre principalmente entre operários empregados na construção de estradas, entre garimpeiros, entre migrantes e pessoas que ocasionalmente ali vão pescar ou caçar. Os prováveis fatores de risco associados a maior frequência da malária nesta região estão relacionados, entre outros, com a maior facilidade para o contato entre o indivíduo suscetível e o vetor infectado e a maior suscetibilidade de algumas pessoas a infecção (migrantes sem contato prévio com o parasita). Tríade Epidemiológica A transmissão e a manutenção de uma doença na população humana são resultantes do processo interativo entre o agente, o meio ambiente e o hospedeiro humano. As doenças têm sido classicamente descritas como resultantes da tríade epidemiológica. O meio ambiente, conjunto de fatores que mantêm relações interativas entre o homem e o agente etiológico, pode ser classificado em biológico, social e físico: Meio ambiente biológico: inclui reservatórios de infecção, vetores que transmitem as doenças (moscas, mosquitos, triatomíneos), plantas e animais. Meio ambiente social: é definido em termos da organização política e econômica e da inserção do indivíduo dentro da sociedade. Meio ambiente físico: inclui situação geográfica, recursos hídricos, poluentes químicos, agentes físicos e ambientais, que são os seus componentes. Temperatura, umidade e pluviosidade são variáveis climáticas que mais de perto se relacionam com as doenças. Formas de Disseminação Veículo Comum: O agente etiológico pode ser transferido por fonte única, como a água, os alimentos, o ar. Pode ser resultante de exposição simples ao agente ou exposições continuadas por um determinado período de tempo. As infecções alimentares e a cólera (transmissão pela água) são exemplos de doenças transmitidas por veículo comum. Propagação de Pessoa a Pessoa: O agente é disseminado através de contato entre indivíduos infectados e suscetíveis, por via respiratória (sarampo), sexual (HIV) ou por vetores (leishmaniose, malária, doença de Chagas). Período de Incubação Uma importante característica epidemiológica de doença é o período de incubação, que é definido como o intervalo entre a exposição ao agente (contato) e o aparecimento da enfermidade. As doenças infecciosas apresentam período de incubação específico, que depende diretamente da taxa de crescimento do agente infeccioso no organismo do hospedeiro e também de outros fatores, como a dose do agente infeccioso, a porta de entrada do agente e o grau de resposta imune do hospedeiro. Este mesmo conceito é aplicável às doenças não-infecciosas. Como exemplos de períodos de incubação para algumas doenças, podemos citar: 1. para a malária por Plasmodium falciparum é de 12 dias; 2. para a amebíase é entre duas e quatro semanas; 3. para a esquistossomose entre duas e seis semanas. Doenças clínicas e subclínicas Em muitas doenças, a proporção de indivíduos infectados sem sinais ou sintomas clínicos (doença subclínica) pode ser bem maior do que a proporção de indivíduos que apresentam sintomas clínicos (doença clínica). Por não apresentarem manifestações definidas, estas infecções não são de início clinicamente diagnosticáveis. Entretanto, as infecções sem sintomas clínicos MUZZY, L. A. – Parasitologia 8 são importantes do ponto de vista epidemiológico e, dependendo da doença, esta fase pode ser de alta transmissibilidade. A metáfora do iceberg, ou seja, para determinadas doenças, igual ao iceberg, grande parte da história natural fica submersa. Este modelo apresenta a relação existente entre o número de indivíduos infectados, sem e com sintomas clínicos. A doença subclínica ou inaparente pode incluir: 1) doença pré-clínica: inicialmente não é detectável através de sintomas clínicos, no entanto, progride para a forma clínica; 2) doença subclínica: permanece em forma subclínica, sendo detectável através de exames sorológicos (anticorpos); 3) doença latente: infecções em que o agente permanece em forma latente, não se multiplica. Medidas Preventivas Prevenção primária: Medidas que procuram impedir que o indivíduo adoeça, controlando os fatores de risco; agem, portanto, na fase pré-patogênica ou na fase em que o indivíduo se encontra sadio ou suscetível. Podem ser primordiais (moradia adequada, saneamento ambiental, incluindo tratamento de água, esgoto e coleta de lixo, educação, alimentação adequada, áreas de lazer) e específicas (imunização, equipamento de segurança, uso de camisinha, proteção contra acidentes). As ações de controle de vetores, por interromperem os ciclos biológicos dos agentes infecciosos na natureza, são medidas de prevenção primária específica (exemplo: uso de inseticida para controle de triatomíneos que são os vetores do Trypanosoma cruzi, agente etiológico da doença de Chagas). A prevenção primária pode envolver duas estratégias, ser direcionada para grupos populacionais com o objetivo de uma redução média do risco de adoecer ou dirigida para indivíduos que estejam sujeitos a maior exposição a um fator de risco. Prevenção secundária: Medidas aplicáveis aos indivíduos que se encontram sob a ação do agente patogênico (fase subclínica ou clínica). Estas medidas procuram impedir que a doença se desenvolva para estágios mais graves, que deixe sequelas ou provoque morte. Entre estas medidas, estão o diagnóstico da infecção ou da doença e o tratamento precoce. Prevenção terciária: Consiste na prevenção da incapacidade através de medidas destinadas a reabilitação, aplicadas na fase em que esteja ocorrendo ou que já tenha ocorrido a doença. Entende-se como o processo de reeducação e readaptação de pessoas acometidas por acidentes ou que estejam com sequelas em decorrência de alguma doença. Inclui a reabilitação (impedir a incapacidade total), a fisioterapia, a terapia ocupacional, as cirurgias de reparo e a colocação de próteses. O implante de marcapasso em pacientes com doença de Chagas é um exemplo de prevenção terciária. Muitas vezes a prevenção secundária e a terciária são aplicadas em conjunto. Nomenclatura científica dos parasitos Regras precisas e capazes de assegurar distinção clara entre uma espécie e outra. Por espécie entende-se uma coleção de indivíduos atuais ou que viveram no passado (fósseis) que se assemelham tanto entre si como os seus ascendentes e descendentes. Tal semelhança decorre de possuírem esses indivíduos o mesmo patrimônio genético. Os membros de uma mesma espécie têm a capacidade de se interfecundarem (quando os fenômenos de sexualidade estão presentes nessa espécie) e produzirem descendência fértil. As espécies próximas são reunidas em um mesmo gênero, como, por exemplo, os vários agentes da malária humana no gênero Plasmodium: Plasmodium falciparum, Plasmodium vivax, Plasmodium malariae e Plasmodium ovalae. Quando escrevemos Plasmodium spp., referimo-nos a espécies desse gênero. Desde o tempo de Linneu adotou-se a norma de designar cada espécie de ser vivo com dois nomes (nomenclatura binominal): o primeiro indicando o gênero e o segundo a MUZZY, L. A. – Parasitologia 9 espécie. Para isso empregam-se palavras latinas, latinizadas ou tratadas como tal. O nome do gênero é sempre escrito com inicial maiúscula e o da espécie com inicial minúscula, devendo ambos ser grifados ou escritos em itálico, para distingui-los dos nomes comuns existentes. Assim, a lombriga do homem é denominada Ascaris lumbricoidese a do porco, que constitui espécie distinta, Ascaris suum. Quando, em um texto, o mesmo nome é mencionado várias vezes, pode-se abreviar o nome do gênero, nas repetições, escrevendo a inicial maiúscula seguida de ponto; exemplo: A. lumbricoides. De maneira genérica podemos também falar em sp. e spp., quando nos referimos a uma espécie qualquer (sp.) ou a várias espécies (spp.) Classificação dos dos parasitos pelos modos de transmissão 1. Parasitos transmitidos entre pessoas devido ao contato pessoal ou objetos de uso pessoal (fômites): S. scabiei, P. pubis, P humanus, T. vaginalis. 2. Parasitos transmitidos pela água, alimentos, mãos sujas ou poeira: E. histolytica, G. lamblia, T. gondii, H. nana, cisticercose (ovos de T. solium), A. lumbricoides, T. trichiura, E. vermicularis. 3. Parasitos transmitidos por solos contaminados por larva (geo-helmintoses): A. duodenale, N. americanus, S. stercoralis. 4. Parasitos transmitidos por vetores ou hospedeiros intermediários: Leishmania sp., T. cruzi, Plasmodium sp., S. mansoni, T. solium, T. saginata, W. bancrofti, O. volvulus, M. ozzardi. 5. Parasitos transmitidos por mecanismos diversos: larvas de moscas (miíases), T. penetram (bicho de pé). Associação por Parasitismo Simbiose: A simbiose (que, etimologicamente, significa vida em comum) seria a forma extrema de associação interespecífica, na qual a dependência metabólica recíproca entre os indivíduos de duas espécies diferentes chegou a tal ponto que nenhuma delas pode viver isolada da outra. Por exemplo, os cupins (ou térmites), que se alimentam de madeira, não podem viver sem as triconinfas (protozoários flagelados que habitam o tubo digestivo dos insetos), pois são elas que produzem as enzimas para digerir a celulose. Se elevarmos a temperatura ambiente a um nível letal para os flagelados, os cupins morrem, pois são incapazes de elaborar essas enzimas. Para as triconinfas, o aparelho digestivo dos cupins é o único hábitat natural possível. No mundo vegetal, os liquens são constituídos pela simbiose entre um fungo filamentoso e uma alga microscópica verde ou azul, o que lhes permite viver em meios muito diversos e mesmo muito pobres, como a superfície das rochas.
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