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Avaliação fonológica de crianças com Distúrbio Específico da Linguagem sob a ótica da Fonologia de Uso Aline de Azevedo Ferreira Dissertação de Mestrado em Lingüística apresentada à Coordenação de Programa de Pós- Graduação em Lingüística da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Orientadora: Profª.Drª. Christina Abreu Gomes. Co-orientador: Prof. Dr. Gastão Coelho Gomes Rio de Janeiro 2007 Aline de Azevedo Ferreira Avaliação fonológica de crianças com Distúrbio Específico da Linguagem sob a ótica da Fonologia de Uso Dissertação de Mestrado em Lingüística apresentada à Coordenação de Programa de Pós- Graduação em Lingüística da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Orientadora: Profª.Drª. Christina Abreu Gomes Co-orientador: Prof. Dr. Gastão Coelho Gomes Rio de Janeiro 2007 Ferreira, Aline de Azevedo Avaliação fonológica de crianças com Distúrbio Específico da Linguagem sob a ótica da Fonologia de Uso / Aline de Azevedo Ferreira. Rio de Janeiro , 2007. 88 f.: il. Dissertação (Mestrado em Lingüística) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, 2007. Orientadora: Christina Abreu Gomes Co-orientador: Gastão Coelho Gomes 1. Fonologia de uso. 2. Distúrbio específico de linguagem. 3. Fonoaudiologia – Dissertações. I.Gomes, Christina Abreu (Orient.). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Faculdade de Letras. Programa de Pós-Graduação em Lingüística III. Título. DEFESA DE DISSERTAÇÃO FERREIRA, Aline de Azevedo. Avaliação Fonológica de Crianças com Distúrbio Específico da Linguagem sob a Ótica da Fonologia de Uso. Rio de Janeiro, UFRJ, Faculdade de Letras, 2007. Dissertação de Mestrado em Lingüística. BANCA EXAMINADORA Professora Doutora Christina Abreu Gomes – UFRJ Orientadora Professor Doutor Gastão Coelho Gomes – UFRJ Co-orientador Professora Doutora Renata Mousinho Pereira da Silva – UFRJ Professora Doutora Myrian Azevedo de Freitas – UFRJ Professora Doutora Maria Maura Cezário – UFRJ Professor Doutor Alexandre Victorio Gonçalves – UFRJ Defendida a Dissertação: Conceito: Em: / / 2007 Ao Universo, Energia central da vida. Aos meus pais, Pela dedicação e apoio nos momentos mais importantes. E a todos aqueles que de forma direta ou indireta participaram desta jornada. Dedico esta dissertação com todo carinho. AGRADECIMENTOS À Professora Doutora Christina Abreu Gomes, orientadora excepcional, pelo incentivo, confiança e determinação. Ao Professor Doutor Gastão Coelho Gomes pela orientação no tratamento estatístico dos dados. Aos meus mestres da graduação, em especial a Professora Mônica Rocha e a Professora Claudia Drummond por terem plantado em mim o interesse pela pesquisa. Ao Anderson, meu amor e companheiro, pela paciência e compreensão nos momentos difíceis de estresse e pela ajuda indispensável com o computador. Aos meus familiares e amigos pela compreensão e tolerância durante esta jornada. FERREIRA, Aline de Azevedo. Avaliação Fonológica de Crianças com Distúrbio Específico da Linguagem sob a Ótica da Fonologia de Uso. Rio de Janeiro, UFRJ, Faculdade de Letras, 2007. Dissertação de Mestrado em Lingüística. Resumo O objetivo deste estudo foi checar o conhecimento fonológico de oito crianças com diagnóstico de Distúrbio Específico de Linguagem (DEL), comparando com os dados de crianças com desenvolvimento típico (grupo controle), com idades entre 4 a 6 anos, a partir da Prova Fonológica do Teste ABFW (nomeação e imitação), fazendo uma análise segundo os pressupostos da Fonologia Probabilística ou Fonologia de Uso. Foram analisados os casos de discrepância entre o alvo e a produção da criança em função das categorias do teste, procurando identificar se há relação entre a incidência de tipos de erros relacionados aos diferentes graus de abstração propostos na fonologia de uso e o tamanho do léxico da criança. Os dados obtidos no grupo DEL indicam um maior comprometimento nas estruturas que envolvem a representação mais abstrata dos itens (coarser-grained representation), ao passo que as alterações que envolvem a representação fonética mais detalhada (fine-grained phonetic representation) são menos freqüentes. Os resultados também sugerem uma relação entre conhecimento fonológico e o tamanho do léxico para as crianças DEL. Palavras-chaves: AQUISIÇÃO, DISTÚRBIO ESPECÍFICO DE LINGUAGEM, FONOLOGIA PROBABILÍSTICA, FONOLOGIA DE USO. FERREIRA, Aline de Azevedo. Avaliação Fonológica de Crianças com Distúrbio Específico da Linguagem sob a Ótica da Fonologia de Uso. Rio de Janeiro, UFRJ, Faculdade de Letras, 2007. Dissertação de Mestrado em Lingüística. Abstract This work aimed to check the phonological knowledge of 8 children with Specific Language Impairment (SLI), compared to data from typically developing children (the control group), with ages between 4 and 6 years old, using the Phonological Test of the ABFW Test (naming and repetition), and taking the theoretical background of Probabilistic Linguistic and Usage-based Phonology. The differences between the target and the child´s production were analyzed according to the test categories, aiming to identify the relationship between chidren´s errors and the degrees of abstraction proposed in Usage-based Phonology, and the size of the child´s lexicon. Children with Specific Language Impairment show more errors in structures related to the coarsed-grained level, although the ones related to the word phonetic shape were less affected. The results also suggest a relationship between phonological knowledge and the size of the lexicon for the SLI children. Key-words: acquisition; specific language impairment; Probabilistic Phonology; Usage-based Phonology. SUMÁRIO 1.INTRODUÇÃO....................................................................................................... 12 2.PRESSUPOSTOS TEÓRICOS.............................................................................. 14 2.1Conhecimento Fonológico sob a perspectiva dos modelos multirepresentacionais 2.2.Aquisição Fonológica na Fonologia de Uso 2.2.1. Breve Retrospectiva da Aquisição Fonológica 2.2.2. Fonologia de Uso 3.DISTÚRBIO ESPECÍFICO DE LINGUAGEM (DEL) E CONHECIMETO FONOLOGICO ......................................................................................................... 26 3.1.O estudo de Beckman, Edwards & Muson 3.1.1.Efeitos de probabilidade dos difones em crianças com DEL 4.METODOLOGIA E HIPOTESES DE TRABALHO ............................................... 36 4.1.Amostra 4.1.1.Critérios de inclusão dos sujeitos 4.2.Coletas dos dados 4.2.1.Instrumentos 4.2.2.Descrição dos Testes 4.2.2.1.Prova Fonológica – ABFW 4.2.2.2.Analise dos Processos Fonológicos 4.2.3.Testede Vocabulário Receptivo de Peabody (PPVT-III) 4.3.Metodologia de quantificação e analise dos processos do teste 4.4.Hipóteses de trabalho 5.ANÁLISE DOS DADOS ........................................................................................ 55 5.1.Análise do grupo DEL 5.2.Análise do grupo controle 5.3.Comparando os dados dos dois grupos 6.CONCLUSÃO ........................................................................................................73 7.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 75 8. ANEXOS ...............................................................................................................79 LISTA DE TABELAS Tabela 1 Templates das primeiras palavras de Raivo: ‘Estrutura Nasal...................22 Tabela 2 Templates das primeiras palavras de P: ‘Estrutura Sibilante’ ....................22 Tabela 3 (Templates das primeiras palavras de Madli .............................................23 Tabela 4 Produtividade dos processos fonológicos de acordo com a idade.............41 Tabela 5 Protocolo de Registro Nomeação...............................................................42 Tabela 6 Protocolo de registro imitação....................................................................43 Tabela 7 Possibilidades de Ocorrência dos Processos Fonológicos.........................45 Tabela 8 Peabody – Tabela de Idades......................................................................50 Tabela 9 Percentual de Ocorrência dos Processos no grupo DEL...........................57 Tabela 10 Percentual de Ocorrência dos Processos no Grupo Controle..................64 Tabela 11. Estimação de α e β do grupo DEL...........................................................68 Tabela 12. Estimação de α e β do grupo CON..........................................................69 Tabela 13. Estimação dos α e β da equação 1 correspondente ao grupo CON eliminando o ponto de influência (Criança 5) ............................................................70 LISTA DE FIGURAS Figura 1Figura Beckman (2004).............................................…….....………………32 Figura 2 Prancha de treino (Peabody)………….............................…………............48 Figura 3. Cálculo do Escore (Peabody).....................................................................49 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 Alterações na Representação Abstrata do Grupo com DEL....................59 Gráfico 2.Alterações no Detalhamento Fonético Fino no grupo DEL.......................60 Gráfico 3 Relação da representação fonológica em relação ao tamanho do léxico..........................................................................................................................61 Gráfico 4 Representação Abstrata Grupo Controle...................................................65 Gráfico 5 Detalhamento Fonético Fino Grupo Controle............................................66 Gráfico 6.Relação da representação fonológica em relação ao tamanho do léxico no Grupo Controle...........................................................................................................67 Gráfico 7. DEL...........................................................................................................71 Gráfico 8. Grupo Controle.........................................................................................71 1. INTRODUÇÃO Essa dissertação procurou avaliar o desempenho fonológico de crianças com distúrbio específico de linguagem (DEL) em comparação ao desempenho de crianças com desenvolvimento típico (grupo controle), através de uma nova perspectiva teórica rotulada de Modelos baseados no Uso (Bybee, 2001). O objetivo desse estudo é observar se há diferença de desempenho entre os dois grupos e se podemos estabelecer essas diferenças, além de verificar se existe correlação entre o conhecimento fonológico e o tamanho do léxico, como sugere Beckman et al. (2004). Esta dissertação se organiza da seguinte forma. No capitulo 2, serão abordados os pressupostos teóricos que sustentam a análise e interpretação dos dados apresentados aqui, com a apresentação dos principais postulados da Fonologia de Uso (Bybee, 2001) ou Fonologia Probabilística (2003). No capitulo 3 serão apresentados trabalhos relativos ao distúrbio específico da linguagem, principalmente no que diz respeito às alterações fonológicas. O distúrbio específico de linguagem (DEL) caracteriza-se por um transtorno na aquisição de múltiplos aspectos da linguagem, especialmente dos componentes fonológico e morfossintático, levando a criança a apresentar dificuldades nas habilidades comunicativas e de aprendizagem. (Bishop, 2002; Giacheti, 2001) Os testes utilizados na pesquisa foram o ABFW (Prova Fonológica) e o Peabody (compreensão de vocabulário). A avaliação fonológica proposta pelo teste segue, a principio, os pressupostos teóricos da fonologia natural, cujo foco central está nos traços distintivos e a análise fonológica é feita através de processos fonológicos que serão suprimidos no decorrer da aquisição da fonológica. A descrição dos testes e os critérios metodológicos de coleta e análise dos dados serão vistos no capítulo 4. No capítulo 5 iremos tratar da análise dos dados obtidos na pesquisa segundo a ótica da Fonologia Probabilística. De acordo com essa perspectiva teórica, a organização fonológica está representada em dois níveis de representação, um mais abstrato, que está diretamente relacionado com a estrutura abstrata da palavra, e a representação fonética fina, que se refere à forma sonora da palavra. Finalmente, no capítulo 6 estão apresentados os principais resultados obtidos. 2. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS Este capítulo trata dos pressupostos teóricos que sustentam a análise dessa pesquisa, a saber, os modelos multirepresentacionais da Fonologia de Uso ou Probabilística (Bybee, 2001, Pierrehumbert, 2003), Teoria dos Exemplares (Pierrehumbert, 2001) e os relativos à aquisição fonológica nesses modelos. Fonologia de Uso e Fonologia Probabilística compartilham de características semelhantes em seus pressupostos e serão tratadas aqui sob o mesmo rótulo de Fonologia de Uso. 2.1. Conhecimento Fonológico sob a perspectiva dos Modelos Multirepresentacionais O modelo de Fonologia de Uso (Pierrehumbert, 2003) postula que a organização da representação fonológica se dá através da emergência de generalizações que acontecem em vários níveis diferentes de abstração. Cada forma familiar de palavra tem uma representação distribuída no espaço fonético paramétrico que captura generalizações pertinentes em cima da experiência perceptiva do falante. Em outras palavras o falante abstrai uma forma familiar a partir das formas expostas no uso. Uma representação paralela mais abstrata emerge da formas fonéticas representadas no léxico. Portanto, a gramática fonológica é abstraída das formas das palavras armazenadas no léxico. Cada palavra é codificada na memória episódica que localiza as representações paramétricas detalhadas do que é ouvido e padrões articulatóriosque são experimentados em itens específicos da palavra. Nessa proposta assume- se que freqüência de ocorrência (token frequency) de um item lexical e a freqüência de tipo (type frequency), recorrência de estruturas abstratas afetam a representação, a produção e percepção, como já foi observado em diversos trabalhos (Bybee, 2000, Jurafsky, Bell e Girand, 2002, e Munson e Solomon,2004). A freqüência de ocorrência trata da quantidade de vezes que um item ocorre em uma amostra, podendo esta ser oral ou escrita. Esta variação provoca dois efeitos muito importantes. Um deles dá conta da mudança fonética motivada que ocorre mais rápido em palavras mais freqüentes. O outro está relacionado com a categorização dos itens lexicais, pois as palavras mais freqüentes são mais resistentes a mudanças que ocorrem através de generalizações. Sendo assim as palavras mais usadas são mais fortes, isto é, apresentam maior robustez no armazenamento, preservando sua forma fonética e são menos sujeitas à analogia. Segundo observam Beckman et al (2004), os estudos sobre efeitos de freqüência de tipo, por outro lado, sugerem diferenças segundo a codificação da forma de cada palavra, em termos de generalizações abstratas sobre padrões fonológicos sublexicias que ocorrem periodicamente nas palavras. Por exemplo, sucessões de fonemas freqüentes em muitas palavras (difones1 de alta- probabilidade) são percebidas e produzidas diferentemente dos encontrados em poucas palavras (difones de baixa-probabilidade). Além disso, também tem sido observado que a probabilidade de ocorrência dos difones afeta o tempo de resposta de palavras reais e pseudopalavras, mas de maneira oposta. Palavras reais são repetidas mais lentamente se elas contêm seqüências de alta-freqüência e sugestionam um efeito de competição de percepção de outras palavras semelhantes que têm codificações baseadas em instâncias ricas ao nível fonético paramétrico. As pseudopalavras são repetidas, através de contraste, mais rapidamente se elas 1 Difone é um par de fones adjacentes. O termo também é usado para se referir à transição entre os dois fones. contêm itens de alta-freqüência. Segundo concluem os autores, esta assimetria sugere que o acesso é robusto para as representações fonéticas paramétricas detalhadas pertinentes para produzir uma forma nova e é dependente de generalizações abstratas sobre a estrutura fonológica de palavras reais e está de acordo com a proposta de Pierrehumbert (2001) de um modelo de "gramática fonológica" como um passo na "escada de abstrações", que parte da imagem sensorial imediata do sinal de fala até chegar à representação de relações morfossintáticas. Nesse modelo processar uma nova palavra demanda uma codificação em termos de categorias fonológicas como “todas as sílabas fortes”, “todas as oclusivas velares iniciais seguidas de vogal anterior”. Essa codificação é, portanto, mais abstrata, relativa a forma das palavras individuais, que por sua vez constituem abstrações sobre diferentes instâncias da mesma palavra no espaço paramétrico. As representações de alta-freqüência com abstrações em cima da freqüência de tipos também são consistentes com os padrões observados de variação nos julgamentos de gramaticalização de falantes adultos. Os falantes adultos têm maior probabilidade de julgar uma pseudopalavra como uma possível palavra se esta contém seqüências de difones que acontecem em muitas palavras do idioma. Tal variação será esperada se a gramática fonológica codificar formas de pseudopalavras em um nível emergente de abstração através da experiência do falante, incorporando muitas formas de palavras inicialmente novas no léxico (Beckman et al., 2004: 2). Segundo Bybee (2001) os itens no léxico estão organizados em similaridades fonéticas e semânticas formando redes lexicais. Essa proposta de organização do léxico se baseia no modelo de exemplares proposto por Johnson (1997). Modelo de Exemplares O modelo de representação da Fonologia de Uso segue o modelo de exemplares proposto inicialmente na área de processamento da fala (Johnson, 1997), onde a informação referente à variabilidade tem um papel fundamental, não sendo desprezada. Na Teoria de Exemplares cada categoria fonética é representada na memória por uma nuvem de exemplares (tokens) que foram armazenados para tal categoria. Estes exemplares são organizados num mapa cognitivo. Categorias mais freqüentes têm um maior numero de exemplares e as menos freqüentes possuem poucos exemplares. Esta nuvem apresenta informações lingüísticas e não lingüísticas (Pierrehumbert, 2001). Quando um item novo é encontrado, é classificado na teoria dos exemplares de acordo com suas semelhanças para os exemplares armazenados. A percepção que codifica o novo item localiza este no espaço paramétrico pertinente. Sua semelhança pode ser computada para qualquer exemplar único armazenado com uma distância do exemplar no espaço paramétrico. Para classificar o novo item é computado o rótulo mais provável dado o rótulo dos exemplares vizinhos. Um tamanho fixo na vizinhança ao redor do item novo determina o conjunto de exemplares que influencia a classificação. As semelhanças computadas são somadas para os exemplares de cada rótulo imediato naquela vizinhança, a semelhança para cada exemplar será sobrecarregada pela força ( ou ativação) daquele exemplar. Resumindo, o acesso a um exemplar está associado à aproximação com a nuvem de recordações de percepção detalhada que cada categoria do sistema possui. As recordações são granularizadas como uma função da acuracidade do sistema perceptual. A freqüência não é totalmente codificada no modelo. Ao contrário, é intrínseca às representações cognitivas para as categorias. Categorias mais freqüentes têm mais exemplares e serão mais ativadas que categorias menos freqüentes, se tornando assim mais robustas. Podemos dizer que a dinâmica de exemplar provê evidências importantes para o Modelo de Fonologia de Uso. A suposição de que os falantes aprendem ou adquirem categorias fonológicas através de lembranças dos muitos itens armazenados nestas categorias explica a habilidade para aprender padrões fonéticos finos (detalhamento fonético) de um idioma (Pierrehumbert, 2001) Segundo o modelo adotado pela fonologia de base gerativa para o dicionário mental, cada item é listado no léxico (mental) e associado exclusivamente a uma única forma fonológica. Para este modelo a representação mental é similar à entrada do dicionário, contendo informações sintáticas, semânticas e fonológicas e é o ouvinte que selecionará a entrada para o dicionário mental através do processo de reconhecimento da palavra (Cristófaro-Silva, 2003). Pierrehumbert (2001) sugere uma proposta que engloba percepção e produção da fala. Nesta visão os falantes possuem um conhecimento fonético detalhado dos itens lexicais e fazem uso deste conhecimento na interpretação e na produção dos itens. Estudos em Fonologia de Laboratório reforçam esta idéia (ver Pierrehumbert, Beckman & Ladd (2000)) assim como inúmeros estudos demonstram que o detalhamento fonético é essencial para o mapeamento fonológico (ver Bybee (2000, 2001), Vihman (2002), Cristófaro-Silva (2002)). Segundo a Teoria de Exemplares o detalhamento fonético é aprendido como parte da palavra. Sons se encontram em contexto e a palavra é lócus de categorização e a freqüência é fundamental no mapeamento fonológico, pois assume-se nesta teoria que a memória de propriedadesfonéticas é associada a itens lexicais individuais. O léxico e a Gramática interagem entre si, pois apresentam graus específicos de generalizações de memórias fonéticas. A freqüência de tipo e de token são essenciais na organização das representações fonológicas, conforme já observamos nesse capítulo. 2.2. Aquisição Fonológica na Fonologia de Uso A aquisição fonológica vem sendo interesse de estudos por décadas tanto nos modelos tradicionais como, mais recentemente, também nos modelos alternativos, como os modelos multirepresentacionais. Nesta seção apresentaremos as questões da aquisição nos modelos multirepresentacionais. 2.2.1. Breve Retrospectiva da Aquisição Fonológica As hipóteses de aquisição fonológica estão relacionadas aos pressupostos estabelecidos pela teoria fonológica para a organização do conhecimento fonológico. Por exemplo, segundo Jakobson (1941) o desenvolvimento fonológico consiste em um desdobramento gradual de um sistema de contrastes, já que para o estruturalismo a fonologia de uma língua se baseia no sistema de contrastes. Para Stampe (1969) a gramática inicial consiste em um conjunto desordenado de regras inatas, enquanto a gramática final constitui um subconjunto ordenado destas regras. O desenvolvimento fonológico consistia então em suprimir as regras impróprias à gramática do adulto e ordenar apropriadamente as mesmas. Já na Teoria da Otimalidade, que postula um conhecimento fonológico baseado em restrições universais e inatas hierarquizadas de boa formação dos outputs fonéticos, a aquisição fonológica consistiria na ordenação dessas restrições para permitir a geração das formas fonológicas possíveis na língua adquirida (Boersma, 2004). Adotamos o referencial teórico da Fonologia de Uso para postular as hipóteses e realizar a análise dos dados coletados na pesquisa. Fizemos uso do Teste ABFW (prova fonológica) que será discutido na seção 4.2.2.1 do capítulo 4 e que se baseia em outro referencial teórico, provavelmente o da Fonologia Natural de Stampe, embora esse referencial teórico não esteja explicitado. De acordo com a proposta de Stampe, a aquisição fonológica se dá via processos fonológicos, tidos como um percurso necessário ao desenvolvimento do domínio fonológico da língua (Yavas, 1992; Wertzner et al., 2001). Por esta noção, a aquisição e o uso sistemático dos fonemas obedece a uma hierarquia - processos fonológicos, que identificam grupos de fonemas, cujo conjunto de traços que os compõem e os distinguem uns dos outros, apenas por um único traço, os designados traços distintivos dos fonemas. Desta forma, para esse ponto de vista da fonologia torna-se relevante, na aquisição da fala, a eleição do traço distintivo, para o emprego de um determinado fonema, opondo-se assim, ao seu par correlato constituído pelo mesmo grupo de processo fonológico. No percurso da aquisição da fala há processos fonológicos desviantes do padrão adulto, mas que são pertinentes à aprendizagem da fala. Outros, no entanto, não são pertinentes ao desenvolvimento, e demonstram uma possível vulnerabilidade, por parte da criança, em identificar e discriminar as características dos traços distintivos dos pares dos fonemas (BEFI –LOPES, 2000). Essas questões serão revistas e discutidas no capítulo 4. 2.2.2. Fonologia de Uso Uma vez que a Fonologia de Uso não postula um conjunto de informações lingüísticas inatas e caracteriza a organização fonológica como um nível emergente das formas fonéticas dos itens lexicais armazenados no léxico, como se postula a aquisição fonológica nesse caso? Para Vihman e Kunnari (2006) o desenvolvimento fonológico é gradual e é dependente do desenvolvimento das habilidades articulatórias, isto é, do domínio dos gestos articulatórios necessários para produzir os sons da língua em que a criança está imersa, conjugado à intenção comunicativa da criança. Inicialmente a forma da palavra está ligada a esse domínio. Vihman organiza em três etapas os dados obtidos em um estudo longitudinal com crianças falantes do inglês, finlandês e francês observando as mesmas características. Entre os 10-12 meses, fase das primeiras palavras (early words), estão as palavras produzidas espontaneamente pelas crianças obtidas nas primeiras sessões. Nessa fase as crianças produziram de 3 a 4 palavras identificáveis, portanto caracterizando uma média de 4 palavras. A fase rotulada de “selecionada” (selected), de dados obtidos alguns meses depois, é o período em que se observa que há uma generalização seletiva com mais características fonológicas. Ela considera que há evidências para admitir que há um princípio de organização em funcionamento nesse período entre as primeiras palavras e o fim do período das palavras-únicas (entre 14 e 16 meses). O rótulo “selected” significa que a tentativa de produzir a palavra alvo por parte da criança grosso modo se aproxima da forma do adulto. Por exemplo, nas formas seletivas a criança apresenta redução de sílaba, harmonização consonantal. Mais tarde observa-se a fase da forma “adaptada” (adapted) da palavra alvo. O rótulo “adapted” corresponde ao fato de que a forma da palavra alvo é adaptada para encaixar no padrão da criança. Esse é o momento em que, segundo Vihman, inicia-se a organização fonológica propriamente dita, a emergência de padrões abstratos. Esse padrão ou TEMPLATE emerge como o produto da aquisição das palavras. Observem-se os templates extraídos de Vihman e Croft (2006) a seguir. São dados de crianças adquirindo o estoniano e o inglês. Tabela 1. Templates das primeiras palavras de Raivo: ‘Estrutura Nasal’ (Estoniano; idade 1;3.18-1;3.24) <nVN> (Vihman e Croft, 2007, adaptado de Vihman 1981) Tabela 2. Templates das primeiras palavras de P: ‘Estrutura Sibilante’ (inglês, idade 1;6) <(plosiva)VS> (Vihman e Croft , 2007, adaptado de Waterson 1971) Tabela 3. Templates das primeiras palavras de Madli (Estoniano; idade 1;8) <(p, t)Vs> (Vihman e Croft , 2007, adaptado de Kõrgvee 2001) Os templates se caracterizam por um padrão consistente para um conjunto de palavras que envolvem estrutura silábica e ocorrência dos mesmos segmentos sonoros, portanto há coerência interna nas formas dos itens das crianças embora estes estejam mais distantes das formas do alvo. Vihman e Croft (2007) propõem três critérios para identificação de templates : A- Consistência de um padrão num número substancial de formas de palavras produzidas pela criança em uma ou mais sessões ou num período de semanas ou meses; B- Ocorrência de correspondências fonológicas não usuais entre a forma da criança e a forma do adulto, isto é regras, processos ou estratégias de reparo, sobre a influência de um padrão dominante; C- Freqüentemente um rápido aumento em produção de palavras que se encaixam nesse padrão. Segundo Vihman e Kunnari, (2006:145) o desenvolvimento de um ou mais templates reflete um passo na direção de um sistema fonológico e constitui um avanço em relação ao período das primeiras palavras. As formas adaptadas são uma regressão em acuracidade. A harmonia consonantal, metátese e outras formas observadas são formas de adaptação às rotinas articulatórias familiares ou já estabelecidas pela criança nessa fase e aos templates. As autoras também observam que as crianças podem desenvolver diferentes templates, ou seja, elas não apresentaram necessariamente os mesmos padrões, uma vez que os templates surgem dos itens lexicais armazenados e isso difere de criança para criançacomo resultado da exposição a diferentes ambientes lingüísticos. Nas tabelas 1,2, e 3 apresentadas acima , os templates se assemelham em função da estrutura silábica mas diferem em relação aos segmentos que os compõem. Também é mencionada a evidência de templates do tipo <VCV> em línguas com geminadas como o finlandês e o hindu ou com consoantes mediais foneticamente longas no galês. Ainda no estudo longitudinal de Vihman e Kunnari (2006) as autoras mostram evidências de templates diferentes para crianças adquirindo a mesma língua (francês, inglês, finlandês, galês). Com relação à organização sonora abstrata do adulto, Vihman e Croft (2007) propõe também a continuidade dos templates. Podemos afirmar que nessa proposta a aquisição fonológica tem uma base fonética e é emergente, gradual, se expandindo em função da expansão do léxico. Os itens apreendidos/adquiridos através da percepção são armazenados e permitem práticas articulatórias relacionadas à percepção motora que favorece o acúmulo de experiência em direção ao alvo adulto, que alimentará a produção propriamente dita (alvo). Também o léxico é central para a organização do conhecimento fonológico, que tende a se expandir com a expansão do léxico. 3. DISTÚRBIO ESPECÍFICO DE LINGUAGEM (DEL) E CONHECIMENTO FONOLÓGICO Neste capitulo iremos tratar de aspectos relacionados ao distúrbio específico de linguagem (DEL), no que diz respeito à aquisição fonológica. O DEL está enquadrado nos transtornos de aquisição e de desenvolvimento da fala e da linguagem. Estes transtornos apresentam um largo espectro de manifestações clínicas sem um fator etiológico definido, em alguns casos como, por exemplo, o distúrbio específico de linguagem – DEL. Outros transtornos de linguagem podem estar associados a diversos fatores etiológicos e/ ou comorbidades, sejam estes de ordem genética, psiquiátrica, neurológica, psicológica e de privação sensorial. O distúrbio específico de linguagem, também chamado transtorno específico de linguagem (specific language impairment – SLI), parece assumir alguns critérios distintos de identificação. O primeiro deles está na ausência de fator etiológico de qualquer natureza; o segundo, diz respeito ao desempenho lingüístico esperado em uma determinada faixa etária do desenvolvimento da aquisição da linguagem, dissonante do padrão etário de normalidade; e o terceiro, diz respeito à própria caracterização dessa diferença no desenvolvimento da linguagem, envolvendo principalmente alterações de cunho fonológico, morfossintático e de compreensão de sentenças. (Bishop, (2002), Hage e Guerreiro, (2004)) De acordo com BISHOP (2002) e HAGE (2001) os achados de neuroimagem falam a favor de uma influência genética para estes distúrbios à medida que evidenciam diferenças neuroanatômicas e neurofuncionais nas crianças que apresentam DEL, embora ainda não sejam achados conclusivos para serem identificados com possíveis causas. Estudos realizados buscando uma classificação de sub-categorias para os DEL, partiram da proposta de diferenciação das desordens no desenvolvimento de linguagem (Allen e& Rappin, 1988) tomando por base a alteração de níveis lingüísticos e suas interfaces, subdivididos em 6 sub-grupos: agnosia verbal auditiva; déficit fonológico-sintático; dispraxia verbal; déficit de programação fonológica; déficit semântico-pragmático e déficit léxico-sintático. Seguem abaixo as características de cada subtipo ((Bishop, 2003, Hage e Guerreiro, 2004): • Agnosia verbal auditiva: compreensão da linguagem oral muito prejudicada ou ausente, estando normal a compreensão de gestos; fala ausente ou muito restrita (apenas palavras isoladas com articulação prejudicada). • Déficit fonológico-sintático: compreensão prejudicada quando o enunciado é longo ou emitido com rapidez; linguagem oral se manifesta com atraso; alterações de morfossintaxe (frases simples, telegráficas, erros de flexão verbal e nominal; dificuldade de organização sintática; presença de varias alterações fonológicas. • Dispraxia verbal: Compreensão normal ou próxima do normal; linguagem oral se manifestando com atraso; o enunciado de restringe a uma ou duas palavras; a fluência pode estar comprometida. • Déficit de programação fonológica: Compreensão normal ou próxima do normal; o aparecimento da fala é normal ou com leve atraso; a estrutura dos enunciados é compatível com a faixa etária; a fala é ininteligível devido as alterações fonológicas, fluência preservada. • Déficit semântico-pragmático: o aparecimento da fala pode estar normal; enunciados e articulação desenvolvem-se normalmente ou com ligeiras dificuldades; fala fluente; as dificuldades estão relacionadas ao nível pragmático (inadequação da linguagem ao contexto, coerência temática instável, ecolalias; dificuldade na compreensão de enunciados longos e entendimento literal da palavra exagerado). • Déficit léxico-sintático: dificuldade de evocação e fixação do léxico; podem ocorrer alterações fonológicas, mas sem afetar a inteligibilidade da fala; fluência pode estar prejudica devido às dificuldades de evocação lexical; alteração na compreensão de frases; dificuldade de manter a seqüência dos elementos na frase ou de usar palavras com sentido gramatical. De acordo com HAGE (2001) e GUIACHETI (2001) as alterações mais freqüentes dos DEL concentram-se nos domínios fonológico e sintático, havendo bem menor freqüência de alterações de cunho semântico-pragmático. Considerando-se que as alterações fonológicas são significativas no quadro de DEL, este trabalho tem seu foco no conhecimento fonológico de crianças com diagnóstico de DEL comparado ao de um grupo controle de crianças com desenvolvimento típico. Sendo assim, é importante investigar e compreender as alterações fonológicas do DEL como parte do quadro de aspectos que envolvem a caracterização do déficit. 3.1. O estudo de Beckman, Edwards & Muson (2004) As discussões, procedimentos e análises desenvolvidas neste estudo tomam por base o estudo realizado por Beckman et al. (2004) que trata da aquisição do conhecimento fonológico que se estabelece através de generalizações que emergem das palavras armazenadas no léxico. Esse estudo foi desenvolvido tendo como base teórica a proposta de Pierrehumbert (2003), apresentada no capitulo 2, sobre a representação e organização das formas das palavras no léxico. Os autores fazem um estudo comparativo entre crianças de grupos diferentes, a saber: crianças com desenvolvimento típico, crianças diagnóstico de desvio fonológico e crianças com diagnóstico de distúrbio específico de linguagem (DEL). O objetivo foi buscar evidências que sustentem a postulação dos níveis de representação fonológica propostos por Pierrehumbert (2003) e de observar as diferenças entre os 3 grupos no que toca o conhecimento fonológico em aquisição. Os pressupostos teóricos adotados por Beckman et al. (2004) são o modelo de fonologia Baseado no Uso (Bybee, 2000) e a Teoria dos Exemplares (Pierrehumbert, 2001). Os principais aspectos desses modelos foram apresentados no capítulo 2. O que se postula é que o conhecimento fonológico se faz através de uma hierarquia de abstrações que emergem das formas das palavras estocadas no léxico. Resultados de vários estudos com as duas populações clínicas, crianças com desvio fonológico e crianças com distúrbio específico da linguagem, sugerem queestes tipos diferentes de conhecimento fonológico podem se desenvolver separadamente. Crianças com desvio fonológico se assemelham às crianças com desenvolvimento típico mais jovens em termos da robustez de representações fonéticas paramétricas e vocabulário, se comparadas com as crianças com distúrbio específico de linguagem (DEL) que apresentam vocabulário restrito. Segundo os autores, estudos sobre conhecimento fonológico realizados na última década fortalecem modelos com apoio no léxico mental do adulto no qual a forma fonológica de cada palavra é codificada pelo menos de dois modos. Primeiro, cada forma familiar de palavra é codificada em termos de memória episódica que localiza as representações paramétricas detalhadas do que é ouvido e padrões articulatórios que são experimentados ouvindo ou dizendo itens específicos da palavra. Além disso, os estudos sobre efeitos de freqüência de tipo sugerem diferenças segundo a codificação da forma de cada palavra em termos de generalizações abstratas sobre padrões fonológicos sublexicias que ocorrem periodicamente nas palavras. Foram apresentadas no capítulo 2 evidências sobre o efeito da freqüência de difones na produção e percepção de palavras reais e pseudo-palavras. Além disso, Goldinger et al. (1992) mostram que semelhança fonológica ao nível abstrato facilita a identificação da palavra e decisão lexical até mesmo com longos intervalos entre a primeira e o alvo. Já em palavras com semelhança só ao nível paramétrico detalhado, observa-se inibição da identificação da palavra e da decisão lexical. Além disso, a inibição é particular a itens de baixa freqüência. Ainda conforme já mencionado no capítulo 2, segundo Beckman et al (2004), as representações de alta-frequência interferem nos julgamentos de aceitabilidade de formas de pseudo-palavras pelos adultos. Portanto, fica mais fácil interpretar o comportamento dos adultos se assumirmos o modelo hierárquico de codificação fonológica proposto em Pierrehumbert (2003). Isto é, descrever as generalizações de alta-ordem (relações fonotáticas, tipos estruturais silábicos etc) como abstrações de tipos de itens lexicais. De acordo com os autores, se esta suposição está correta, espera-se também ver variação no processamento de pseudo-palavras conforme o léxico da criança se expande na infância. Por exemplo, espera-se ver déficits na codificação fonética paramétrica que são independentes de qualquer déficit nas generalizações abstratas. Na seção a seguir são apresentados os resultados relevantes obtidos em diversos estudos conduzidos pelos autores relativos ao desenvolvimento fonológico de crianças e discutivos em Beckman et al. (2004), nos quais se observou o processamento de difones de alta-frequência contra difones de baixa-frequência nos três grupos de crianças mencionados acima. 3.1.1. Efeitos de probabilidade dos difones em crianças com DEL No trabalho de Munson, Kurtz, e Windsor (2005), usou-se uma tarefa de repetição de pseudo-palavra para comparar os efeitos de probabilidade de difone em relação à produção por três grupos de crianças em idade escolar. Solicitou-se às crianças que repetissem as palavras ouvidas (pseudo-palavras montadas com difones de alta e baixa freqüência do inglês). Cada produção foi transcrita e a acuracidade medida em função de cada consoante e vogal que estive de acordo com a forma-alvo. O primeiro grupo era formado por 16 crianças com distúrbio específico de linguagem (DEL), com idade entre 8-13 anos. Para avaliar as crianças DEL foram usados testes como Clinical Evaluation of language Fundamentals – 3 (CELF-3; Shames, Wiig, e Secord 1997), que medem uma variedade de habilidades expressivas e receptivas em domínios estruturais diferentes, inclusive na morfologia, sintaxe e semântica. As crianças com DEL têm déficits bastante variáveis em diferentes habilidades da linguagem. Isto está de acordo com evidências de que as crianças com DEL têm dificuldade para repetir pseudo-palavras (por exemplo, Gathercole e Baddeley 1990; Dollaghan e Campbell 1998; Edwards e Lahey 1998). Portanto, tomando por base o modelo de gramática fonológica cujo conhecimento estrutural emerge de formas de palavras já estocadas e que é utilizado para processar novas palavras, muitas crianças com DEL poderiam ter problemas com as representações abstratas necessárias para processar pseudo-palavras e para aquisição robusta das palavras. Esses resultados estão apresentados a seguir. A Figura 1 foi extraída de Beckman et al (2004), pg. 5, e apresenta os resultados obtidos no teste de repetição de pseudo-palavras relacionados ao tamanho do léxico e da idade. Figura 1 Figura 1. Porcentagem de fones produzidos corretamente em estímulos compostos apenas de difones de alta-probabilidade (símbolos abertos) ou só de difones de baixa-probabilidade (símbolos fechados) em função da idade da criança (esquerda superior), tamanho de vocabulário expressivo (direito superior e esquerda inferior), e severidade de distúrbio de linguagem (direita inferior) em Munson, Kurtz, e Windsor (2004). Cada ponto representa o resultado de acuracidade para 34 crianças com desenvolvimento típico nos dois quadros superiores, e para 16 crianças com DEL (círculos) e com desenvolvimento típico da mesma idade (quadrados) nos dois quadros inferiores. Cada quadro da figura 1 representa a precisão de repetição em termos percentuais para as produções das crianças em relação a uma variável, como idade (quadro superior esquerdo), tamanho do léxico (quadro superior direito e inferior esquerdo), e habilidades lingüísticas (CELF-3) (quadro inferior direito). Os resultados foram calculados separadamente para pseudo-palavras que contêm seqüências com alta-probabilidade e para aquelas que contêm seqüências de baixa-probabilidade, de forma que cada criança é representada através de dois tipos de pontos. Dados das 34 crianças com desenvolvimento típico são mostrados nos dois quadros superiores. No quadro superior à esquerda estão representadas as repetições dos itens em função da idade (em meses). No quadro superior direito os mesmos dados foram relacionados com o tamanho do vocabulário. A idade em meses prediz uma proporção significativa de discrepância tanto em pseudopalavras de alta freqüência quanto de baixa freqüência. Porém, a linha de tendência para a pseudopalavras de baixa probabilidade é mais íngreme, de forma que as duas linhas convergem à direita. Assim, idade não só prediz precisão global, mas também a diferença de precisão de repetição entre formas de alta e baixa freqüência; crianças mais velhas mostram um efeito menor de probabilidade fonotáticas que as crianças mais jovens. Isto é, com o avanço da aquisição a probabilidade fonotática interfere menos na acuracidade. A medida de tamanho de vocabulário que está no quadro superior direito é a pontuação no teste Expressive One-Word Picture Vocabulary Test (EOWPVT; Gardner, 2000). Esta medida também prediz uma proporção significativa de discrepância na repetição de itens de alta e baixa probabilidade, além da diferença entre eles. Este resultado não é surpreendente, desde que tamanho de vocabulário também esteja relacionado com idade. O papel do tamanho do vocabulário também é ilustrado no quadro inferior à esquerda da Figura 1. Este gráfico relaciona precisão de repetições sucessivas para palavras com difones de alta e baixa freqüência contra tamanho de vocabulário expressivo para as 16 crianças com DEL e as 18 crianças mais velhas com desenvolvimento típico. Aqui, a variação daidade é controlada de forma que enfatize a relação entre conhecimento fonológico e tamanho de vocabulário. Os círculos, representando os dados das crianças DEL, geralmente estão à esquerda dos quadrados (crianças com desenvolvimento típico). Essa distribuição mostra os vocabulários tipicamente reduzidos em crianças com DEL em relação às crianças com desenvolvimento típico da mesma idade. Os estímulos de alta e de baixa probabilidade têm curvas ascendentes e mostram que as crianças com DEL têm maior dificuldade global com a tarefa. Além disso, as duas curvas convergem à direita e mostram que as crianças com DEL são desproporcionalmente mais afetadas pela dificuldade de produzir as sucessões de baixa freqüência. Embora a curva não seja tão íngreme quanto no gráfico que inclui as crianças mais jovens, há uma relação clara entre as dificuldades que as crianças com DEL em sua maioria têm com pseudopalavras e a relação com o tamanho reduzido do vocabulário. Juntos, estes resultados sugerem que o DEL seja associado com dificuldades em fazer generalizações fonológicas abstratas através da nuvem de representações episódicas de itens lexicais. As generalizações abstratas estão relacionadas ao conjunto de itens armazenados no léxico. Por conseguinte, as crianças com DEL são mais pobres que as de idade cronológica semelhante para generalizar a produção correta do fonema para as seqüências pouco freqüentes. Este mesmo déficit deve ser parcialmente responsável pelos déficits para adquirir novas palavras: crianças com DEL não têm robustez nas representações fonológicas abstratas. No trabalho de Becklman et al (2004), o grupo de crianças com diagnóstico de desvio fonológico não apresentou dificuldade em relação à estrutura abstrata, isto é não houve comprometimento na acuracidade em função da probabilidade fonotática dos difones. Isto é, apresentaram o mesmo comportamento observado para as crianças com desenvolvimento típico. As crianças apresentaram baixo desempenho no detalhamento fonético fino (forma sonora), com uma produção muito próxima das de crianças com desenvolvimento típico mais jovens. Quanto ao tamanho do léxico não apresentaram grandes diferenças em relação às crianças com desenvolvimento típico, enquanto as crianças com DEL apresentam um léxico mais restrito e pouco robusto. Os resultados de Beckman et al.(2004) fornecem evidências para observar as diferenças entre crianças com DEL e crianças com desvio fonológico a partir da proposta de representação finer-grained (relacionada à forma sonora da palavra) e coarser-grained (relacionada à estrutura da palavra, forma mais abstrata) de Pierrehumbert (2003). De acordo com os resultados para processmento de pseudopalavras, foi possível estabelecer que os dois grupos, com DEL e com desvio fonológico, têm afetados níveis diferentes da representação sonora. Pretendemos observar as relações entre léxico e conhecimento fonológico, nos capítulos que se seguem, através dos dados da Pesquisa realizada no Ambulatório de Transtornos de Aquisição de Linguagem da UFRJ, a partir de dados de palavras reais de crianças falantes do português brasileiro com diagnóstico de distúrbio específico da linguagem. 4. METODOLOGIA E HIPÓTESES DE TRABALHO O presente capítulo apresenta os testes utilizados para coleta dos dados, a metodologia de quantificação e análise e as hipóteses de trabalho. Foram avaliados dois grupos de crianças, crianças com distúrbio específico de linguagem – DEL e crianças com desenvolvimento típico (grupo controle), com objetivo de caracterizar as possíveis alterações fonológicas das crianças com diagnóstico de DEL e sua relação com o tamanho do léxico. Foram usados diferentes instrumentos para a obtenção dos dados, sendo o foco nos testes fonológico e compreensão de vocabulário, a saber; uma testagem do sistema fonológico através da Prova Fonológica do Teste ABFW e uma testagem para medir o vocabulário através do teste de Vocabulário Receptivo de Peabody III (PPVT- III), padronizados para a realidade brasileira. 4.1. Amostra A amostra foi constituída por 9 crianças de faixa etária entre 4 e 6 anos. No decorrer dessa pesquisa, foi considerado conclusivo o diagnóstico de DEL para 8 crianças, sendo uma considerada com diagnóstico de desvio fonológico que foi fechado ao final de todas as etapas da pesquisa, e por isso encontra-se incluído neste trabalho2. Todas as crianças são participantes do Projeto de Pesquisa Distúrbio Especifico de Linguagem (DEL) realizado pelo Curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina – UFRJ . Essas crianças são oriundas de escola pública e privada do município do Rio de Janeiro. O grupo Controle consiste de 11 crianças com idades entre 4 e 6 anos, sendo 7 crianças com idade equivalente ao grupo 2 A criança com diagnostico de Desvio Fonológico não será comparada com as crianças com diagnóstico de DEL, pois temos apenas uma criança não sendo suficiente para conclusões a respeito da aquisição fonologica da mesma. diagnosticado com DEL, 2 com idade inferior a 4 anos e 2 crianças com idade superior a 6 anos. Todos os sujeitos do Grupo Controle são oriundos da Escola JENCE, instituição privada localizada no bairro de Jacarepaguá no Município do Rio de Janeiro. Com relação às características socioeconômicas as crianças dos dois grupos são semelhantes, todas os pais tem profissão e empregos definidos. 4.1.1. Critério de inclusão dos sujeitos Foram incluídas na amostra crianças que apresentam transtorno na aquisição da linguagem sem que haja qualquer fator etiológico que justifique tal transtorno, tais como: déficit sensorial auditivo, comprometimento neurológico e transtorno psiquiátrico, uma vez que a presença de qualquer um dos fatores supracitados, por si só, já descaracteriza o distúrbio específico de linguagem. Todos os sujeitos foram submetidos à avaliação audiológica no ambulatório de audiologia do Curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da UFRJ, situado no Campus da Praia Vermelha. Foram excluídas da amostra crianças com transtorno de aquisição de linguagem que apresentaram fatores etiológicos identificáveis como os citados acima. 4.2. Coleta dos Dados 4.2.1. Instrumentos As crianças selecionadas para a pesquisa foram submetidas a avaliações para identificar as alterações fonológicas, o desempenho da memória de trabalho e o domínio do nível lingüístico morfossintático. Todos os instrumentos selecionados foram devidamente eleitos para atender aos objetivos da pesquisa e já são amplamente utilizados na clínica fonoaudiológica como se observa nas publicações científicas. Os instrumentos de avaliação fonoaudiológica foram compostos por testes formais, sendo os dois primeiros foco de interesse dessa pesquisa: a prova de fonologia ABFW (WERTZNER,2000); o teste de compreensão de vocabulário - Peabody (CAPOVILLA & CAPOVILLA, 1997); a prova de memória e de recepção auditiva - ITPA (BOGOSSIAN; SANTOS, 1977), todos estes devidamente validados para a população brasileira e a avaliação observacional (HAGE,2001), através da qual, o desempenho lingüístico da criança foi analisado qualitativamente e através da triagem do processamento auditivo central. A prova de memória e recepção auditiva do ITPA, spam de dígitos, avaliou a memória de trabalho e os resultados obtidos no grupo com DEL estava abaixo do esperado para todas as crianças. 4.2.2. Descrição do Testesde Pesquisa 4.2.2.1. Prova Fonológica – ABFW O ABFW – Teste de Linguagem Infantil é um teste nas Áreas de Fonologia (área de interesse deste trabalho), Vocabulário, Fluência e Pragmática, sendo aplicado para avaliação em crianças de 2 a 12 anos. É importante ressaltar que o teste está fundamentado nas experiências clínica e de docência das autoras (Claudia Regina Furquim de Andrade, Débora Maria Befi-Lopes, Fernanda Dreux Miranda Fernandes e Haydée Fiszbein Wertzner), e que está voltado para a realidade brasileira, pois o teste foi aplicado e realizado em crianças no período aquisitivo do português brasileiro. A Prova Fonológica é composta por uma avaliação do inventário fonético e outra que avalia quatorze processos fonológicos. São eles: • Redução de sílaba: quando há perda de uma das sílabas do vocábulo; • Harmonia consonantal: quando um fonema sofre interferência de outro fonema vizinho que o antecede ou o segue; • Plosivação de fricativas: o modo de articulação dos fonemas fricativos é transformado em um fonema plosivo; • Posteriorização para velar: um fonema plosivo linguodental se transforma em um plosivo velar; • Posteriorização para palatal: quando há alteração na zona de articulação transformando um fonema fricativo palatal em um fonema fricativo alveolar; • Frontalização de velar: quando há anteriorização de um fonema velar para um fonema plosivo liguo-alveolar; • Frontalização de palatal: quando anteoriza a produção de um fonema fricativo palatal; • Simplificação de líquida: quando há substituição, semivocalização e a omissão das vibrantes; • Simplificação da consoante final: quando elimina-se um dos membros do encontro consonantal (ClV e CrV); • Simplificação de encontro consonantal: quando se elimina ou substitui a consoante final do vocábulo ou da sílaba; • Sonorização de plosiva: quando um fonema plosivo surdo é substituído pelo correspondente sonoro; • Sonorização de fricativa: quando um fonema fricativo surdo é substituído pelo correspondente sonoro • Ensurdecimento de plosiva: quando um fonema plosivo sonoro é substituído pelo correspondente surdo; • Ensurdecimento de fricativa: quando um fonema fricativo sonoro é substituído pelo correspondente surdo. A elaboração do inventario fonético da criança é referente às posições de sílabas, inicial e final na palavra e dos segmentos na sílaba, onde são registrados os acertos, as substituições, etc. Numa segunda etapa observa-se a ocorrência dos processos fonológicos e faz-se o enquadre de acordo com as idades. Dos 14 processos fonológicos, considera-se que 10 processos são observados frequentemente durante o período aquisitivo da linguagem e 4 (sonorização de plosiva, sonorização de fricativa, ensurdecimento de plosiva e ensurdecimento de fricativa) podem ser observados com menos freqüência durante o mesmo período (ABFW, 2004). O teste é acompanhado de uma tabela que contém a produtividade esperada de cada processo por faixa etária (Tabela 4). Não há uma explicitação no manual do teste sobre que evidências ou trabalhos de aquisição que essas previsões se baseiam. Tabela 4. Produtividade dos processos fonológicos de acordo com a idade (ABFW, 2004) PROCESSOS FONOLÓGICOS IDADE PREVISTA PARA ELIMINAÇÃO DO USO PRODUTIVO 1. Redução de sílaba 2;6 anos 2. Harmonia consonantal 2;6 anos 3. Plosivação de fricativas 2;6 anos 4. Posteriorização para velar 3;6 anos 5. Posteriorização para palatal 4;6 anos 6. Frontalização de velares 3;0 anos 7. Frontalização de palatal 4;6 anos 8. Simplificação de líquida 3;6 anos 9. Simplificação de encontro consonantal 7;0 anos 10 .Simplificação de consoante final 7;0 anos 11. Sonorização de plosivas - 12. Sonorização de fricativas - 13. Ensurdecimento de plosivas - 14. Ensurdecimento de fricativas - O teste de fonologia é subdividido em duas provas, uma de nomeação e outra de imitação. Na prova de nomeação são apresentadas 34 pranchas que medem 12 cm X 21 cm com as figuras dos vocábulos alvos (anexo 1). Na imitação são apresentadas 39 palavras alvos que se encontram numa lista pré-estabelecida (tabelas 5 e 6.). A transcrição dos dados deve ser feita nos protocolos de marcação observados nos Anexos 2 e 3 (adaptação feita pelo Ambulatório de Transtornos de Linguagem da UFRJ). Os dados são coletados e transcritos a partir da gravação da sessão de aplicação das duas provas. Tabela 5. Protocolo de Registro Nomeação UFRJ - Faculdade de Medicina - Curso de Fonoaudiologia ABFW - FONOLOGIA - PROTOCOLO DE REGISTRO (NOMEAÇÃO) Nome: Idade: Data Exame: Resultados ---> Acerto: Distorção: Omissão: Substituição: Vocábulos Transcrição Fonemas Inicial Final I.D. P.O E PROD I.D. P.O E PROD 1. Palhaço p 3;6 3 3;6 1 2. Bolsa b 3;6 2 3;6 1 3. Tesoura t 3;6 2 3;6 5 4. Cadeira d 3;6 1 3;6 2 5. Galinha k 3;6 3 3;6 1 6. Vassoura g 3;6 2 3;6 1 7. Cebola f 3;6 2 3;6 2 8. Xícara v 3;6 1 3;6 1 9. Mesa s 3;6 3 3;6 3 10. Navio z 3;6 1 3;6 2 11. Livro ﮐ 3;6 1 3;6 1 12. Sapo ʒ 3;6 1 3;6 1 13. Tambor m 3;6 2 3;6 1 14. Sapato n 3;6 1 3;6 1 15. Balde η - 0 3;6 1 16. Faca l 3;6 1 3;6 1 17, Fogão ג - 0 4;0 1 18. Peixe ſ - 0 3;6 4 19. Relógio r 3;6 1 3;6 1 20. Cama pR 4;0 1 - 0 21. Anel bR 4;0 1 4;0 0 22. Milho tR 5;0 1 - 0 23, Cachorro dR 4;6 0 - 0 24. Blusa kR 4;0 1 - 0 25. Garfo gR 4;0 0 - 0 26. Trator fR 4;6 0 - 0 27. Prato pL 6;6 1 - 0 28. Pasta bL 5;6 1 - 0 29. Dedo kL 4;6 0 - 0 30. Braço gL 4;0 0 - 0 31. Girafa fL 4;6 0 - 0 32. Zebra Arqui/S/ 4;0 1 4;0 1 33. Planta Arqui/R/ 5;6 1 5;0 2 34. Cruz Arqui/R/ 5;7 2 5;1 3 LEGENDAS I.D --> Idade de domínio do fonema P.O --> Possibilidade de ocorrência E --> Erros PROD --> Produtividade Tabela 6. Protocolo de registro imitação UFRJ - Faculdade de Medicina - Curso de Fonoaudiologia ABFW - FONOLOGIA - PROTOCOLO DE REGISTRO (IMITAÇÃO) Nome: Idade: Data Exame: Resultados --> Acerto: Distorção: Omissão: Substituição: Vocábulos Transcrição Fonemas Inicial Final I.D. P.O E PROD I.D. P.O E PROD 1. Peteca P 3;6 3 3;6 1 2. Bandeja B 3;6 2 3;6 3 3. Tigela T 3;6 1 3;6 5 4. Doce D 3;6 1 3;6 1 5. Cortina K 3;6 3 3;6 6 6. Gato G 3;6 1 3;6 2 7. Foguete F 3;6 1 3;6 1 8. Vinho V 3;6 1 3;6 2 9. Selo S 3;6 1 3;6 4 10. Zero Z 3;6 1 3;6 1 11. Chuva ﮐ 3;6 1 3;6 1 12. Jacaré ʒ 3;6 1 3;6 1 13. Machado M 3;6 1 3;6 2 14. Nata N 3;6 2 3;6 1 15. Lama η - 3;6 1 16. Ônibus L 3;6 1 3;6 2 17. Prego ג - 0 4;0 1 18. Café ſ - 0 3;6 3 19. Alface R 3;6 2 3;6 1 20. RaposapR 4;0 1 - 0 21. Borracha bR 4;0 1 4;0 0 22. Abelha tR 5;0 1 - 0 23. Carro dR 4;6 1 - 0 24. Branco kR 4;0 1 - 0 25. Travessa gR 4;0 1 - 0 26. Droga fR 4;6 1 - 0 27. Cravo pL 6;6 1 - 0 28. Grosso bL 5;6 1 - 0 29. Fraco kL 4;6 1 - 0 30. Plástico gL 4;0 1 - 0 31. Bloco fL 4;6 1 - 0 32. Clube Arqui/S/ 4;0 2 4;0 2 33. Globo Arqui/R/ 5;6 1 5;0 1 34. Flauta 35. Pastel 36. Porco LEGENDAS I.D --> Idade de domínio do fonema 37. Nariz P.O --> Possibilidade de ocorrência 38. Amor E --> Erros 39. Roupa PROD -- > Produtividade É feita uma transcrição fonética tradicional através da qual é possível verificar o inventário fonético registrando os tipos de ocorrência como omissão [Ø] , substituição [k→t], e acerto não se marca nada. Também são registradas as distorções, por exemplo [s*], que é quando o indivíduo produz um som que não tem no inventário fonético da sua língua. Nesse caso, usa-se um recurso simbólico para indicar o tipo de distorção, que nesse caso é o asterisco (*) significando que aquela articulação utilizada pela criança não faz parte do inventário fonético da língua, isto é, não constitui um dos alofones possíveis para aquele fonema. Para o cálculo do índice de domínio de cada fonema nas posições inicial e final de sílaba, é preciso contar o número de acertos de produções do fonema nas estruturas consoante-vogal (CV). Os acertos referentes aos encontros consonantais são contados a partir da estrutura consoante-consoante-vogal (CCV), na qual são observados somente os eventos pertinentes ao grupo consonantal e não a cada fonema que o compõe. Por exemplo em [bluza] - [pruza] considera-se apenas substituição de encontro consonantal. São considerados como adequados os fonemas produzidos com mais de 75% de acerto, porém o teste não menciona a referência desse índice. Segundo Lamprecht (2004) para afirmarmos que um determinado segmento ou estrutura silábica está ou não adquirido pelas crianças em determinada faixa etária, faz-se necessário ter um critério de proporção de acertos de produção a partir do qual essa afirmação possa ser feita. Os pesquisadores de aquisição fonológica não consideram necessário que ocorra 100% de acertos pelas crianças, e em sua maioria adotam a faixa entre 75% e 90% de produção correta, também adotada nessa pesquisa. 4.2.2.2 Análise dos Processos Fonológicos Na aplicação clínica, a análise dos processos fonológicos deve seguir os critérios dados pela autora do teste (ABFW 2004), já que estes processos estão divididos em dois grupos: aqueles observados frequentemente durante o desenvolvimento e os que não são observados frequentemente. Na tabela 7 encontram-se as possibilidades de ocorrência dos processos fonológicos no teste (ABFW, 2004). Conforme pode ser observado, não há uma distribuição semelhante de possibilidade de ocorrência para todos os processos que compõem o teste em nenhuma das duas provas (nomeação e imitação). TABELA 7. POSSIBILIDADES DE OCORRENCIA DOS PROCESSOS FONOLÓGICOS (ABFW, 2004) PROCESSOS FONOLÓGICOS Prova de Imitação Prova de Nomeação 1. Redução de sílaba 52 45 2. Harmonia consonantal 52 45 3. Plosivação de fricativas 22 23 4. Posteriorização para velar 13 12 5. Posteriorização para palatal 7 11 6. Frontalização de velares 17 9 7. Frontalização de palatal 6 5 8. Simplificação de líquida 8 11 9. Simplificação de encontro consonantal 12 8 10 .Simplificação de consoante final 7 5 11. Sonorização de plosivas 29 21 12. Sonorização de fricativas 13 14 13. Ensurdecimento de plosivas 17 14 14. Ensurdecimento de fricativas 9 9 Um outro aspecto importante no teste é a produtividade de cada processo fonológico que pode envolver a realização ou não do segmento. No teste ABFW cada processo fonológico pode ocorrer pelo menos 4 vezes, ocorrência potencial . Será, portanto, considerado como produtivo se o processo aparecer em mais de 25% de suas possibilidades de ocorrência, como por exemplo, se a criança apresenta 3 ocorrências de frontalização de palatal, isto significa 50% de produtividade (este processo é produtivo para esta criança), produtivo nesse caso é a incidência de um processo. Para saber se um processo é produtivo é necessário consultar a tabela 7. Quando um processo for produtivo deve-se correlacionar este dado com a idade prevista para a eliminação do uso produtivo. Caso a idade da criança não corresponda à idade prevista no teste (tabela 4), significa que este processo não está resolvido para essa criança. Por exemplo, uma criança de 5 anos que apresenta uma produtividade de 50% para o processo de redução de silaba /sapo/ → [apo] pode ser considerada fora da faixa de normalidade estabelecida pelo teste. Feita a análise, são preenchidas as fichas de análise fonológica (anexos 5 e 6), transcrevendo foneticamente cada produção do sujeito e classificando os processos utilizados. Em seguida preenche-se o quadro resumo da análise do sistema fonológico, onde se coloca o total de processos ocorridos, sua produtividade e se está ou não adequado à idade (anexo 5) . 4.2.2. Teste de Vocabulário Receptivo de Peabody (PPVT-III) O Teste de Vocabulário Receptivo de Peabody (Dunn & Dunn, 1997) é um teste de compreensão que visa quantificar o conhecimento do vocabulário em crianças (a partir de 2 anos e meio) e adultos. Este teste ainda não está padronizado no Brasil, mas existe uma pesquisa sendo realizada por Capovilla (1997) para padronização para o português brasileiro. Este teste é utilizado como referência para os trabalhos em lingüística sobre aquisição e população clínica infantil (ver Jarvis et al, 2004). O teste de vocabulário receptivo consiste de uma série de cartões que especificam um total de 244 vocábulos, cada qual contendo 4 gravuras diferentes. Para cada cartão, a criança é solicitada a identificar a gravura que melhor representa o significado da palavra enunciada pelo examinador. O teste foi administrado conforme as instruções especificadas no manual, com as palavras traduzidas para o português (ver anexo 6). Inicialmente faz-se um treinamento com a criança através dos itens A e B (figura 2) para crianças de 2 a 7 anos, C e D com pessoas a partir de 8 anos. Esses itens estão contidos na prancha de testagem. A criança é informada das 4 figuras da prancha, por exemplo: Figura 2. Prancha de treino _ “Temos aqui 4 figuras diferentes. Aponta para mim a Bola”. A criança deve apontar a figura correta. Se isso não ocorrer usamos a prancha B (anexo 7), dando instrução da mesma natureza. Após o fim do treinamento inicia-se o teste a partir da série de Base. Seguem as instruções para definir a Série, item de início do teste, a Série de Base, a série do Teto e o Escore Bruto: • Regra da Série. Uma vez começado, uma série de itens, sempre administre todos os 12 itens na ordem da série, e sempre comece pelo 1º item de cada série. • Item de Início. Comece testando com o item de início, que é o 1º item da série apropriada para idade do Examinando. • Regra da Série de Base. É a série em que a criança tem 1 ou nenhum erro feito. Primeiro estabeleça a série de base. Se for precisovolte às séries anteriores, até que o examinando faça um ou nenhum erro em uma série. • Regra da Série de Teto. A série do teto são 8 erros ou mais em uma série. • Escore Bruto. É determinado pela subtração do último item do teto pelo total de erros na série. Estes dados devem ser inseridos na folha de rosto do teste, como mostra a figura a seguir. Figura 3. Cálculo do Escore (Peabody) Após se obter o valor do escore bruto, iremos à tabela 8 onde se encontra a tabela de idades correlacionada com o número de pontos (escore padrão para cada idade). Checados os valores iremos confrontar com a idade da criança. Como no exemplo a seguir: Criança A, 4 anos e 7 meses Item do teto = 96 Total de erros = 30 Escore Bruto = 66 pontos equivalente a 5,1 anos Escore esperado para 4,7anos = 62 pontos Então, conclui-se que a criança A está acima do esperado para sua idade, correspondendo à pontuação esperada para uma criança de 5 anos e 1 mês. Calculando o Escore Bruto Anote o número do Item do Teto, Item do Que é o último Item da Série do Teto ________ Teto. Subtraia deste o número total de erros Total de Feito pelo examinando da Série da Erros ________ Base até a Série do Teto. Este será O Escore Bruto. Escore Bruto ______ Tabela 8. Peabody – Tabela de Idades IDADE EQUIVALENTE A PONTUAÇÃO Ponto s Idade Média Pontos Idade Média Pontos Idade Média Pontos Idade Média 0-22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50 51 52 53 54 55 56 57 58 59 60 <1-09 1-9 1-10 1-11 2-00 2-01 2-02 2-04 2-05 2-06 2-07 2-08 2-09 2-10 2-11 3-00 3-00 3-01 3-02 3-03 3-04 3-05 3-06 3-07 3-08 3-09 3-10 3-11 3-11 4-00 4-01 4-02 4-03 4-04 4-05 4-05 4-06 4-07 4-08 61 62 63 64 65 66 67 68 69 70 71 72 73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 4-09 4-10 4-10 411 5-00 5-01 5-02 5-03 5-03 5-04 5-05 5-06 5-07 5-08 5-08 5-09 5-10 5-11 6-00 6-01 6-01 6-02 6-03 6-04 6-05 6-06 6-06 6-07 6-08 6-09 6-10 6-11 7-00 7-01 7-02 7-02 7-03 7-04 7-05 100 101 102 103 104 105 106 107 108 109 110 111 112 113 114 115 116 117 118 119 120 121 122 123 124 125 126 127 128 129 130 131 132 133 134 135 136 137 138 7-06 7-07 7-08 7-09 7-10 7-11 8-00 8-01 8-02 8-03 8-04 8-05 8-06 8-07 8-08 8-09 8-10 8-11 9-00 9-01 9-02 9-03 9-04 9-06 9-07 9-08 9-09 9-11 10-00 10-01 10-03 10-04 10-05 10-06 10-08 10-09 10-11 11-00 11-02 139 140 141 142 143 144 145 146 147 148 149 150 151 152 153 154 155 156 157 158 159 160 161 162 163 164 165 166 167 168 169 170 171 172 173 174 175 176 177 11-04 11-05 11-07 11-09 11-11 12-00 12-02 12-04 12-06 12-08 12-11 13-01 13-03 13-05 13-08 13-10 14-01 14-03 14-06 14-09 15-00 15-03 15-06 15-09 16-01 16-04 16-08 17-00 17-05 17-09 18-02 18-07 19-01 19-09 20-04 20-11 21-10 22+ 22+ 4.3. Metodologia de quantificação e análise dos processos do teste O foco de interesse da pesquisa está nos 14 processos fonológicos citados, correlacionados com os resultados obtidos no Teste de Vocabulário (Peabody). A análise realizada separa os processos segundo a proposta da fonologia probabilística (Pierrehumbert, 2003, Beckman et al., 2004), ou seja, aqueles relacionados à representação mais abstrata dos itens (coarser-grained representation) e os relacionados à representação fonética fina (fine-grained phonetic representation). Consideramos que os processos a seguir correspondem ao nível mais abstrato: redução de silaba, simplificação de líquida, simplificação do encontro consonantal e simplificação de consoante final, uma vez que afetam a estrutura da palavra em relação ao número de sílabas, à estrutura silábica, número de segmentos, tipo de segmentos, etc. É importante ressaltar que optamos por excluir das observações a simplificação de consoante final, uma vez que boa parte dos itens do teste refere-se à consoante r em posição final de palavra que costuma ter um índice razoável de ausência na fala adulta. À representação fonética mais detalhada correspondem a harmonia consonantal, plosivação de fricativa, posteriorização para velar, posteriorização para palatal, frontalização de velares, frontalização de palatal, sonorização de plosivas, sonorização de fricativas, ensurdecimento de plosivas e ensurdecimento de fricativas. Estes processos afetam a forma sonora da palavra. A seguir estão exemplificados os processos do teste com dados obtidos na amostra. Os relacionados à representação mais abstrata, isto é, aqueles que alteram a estrutura da palavra como redução de sílaba ( peteca → [tεka] ); simplificação de líquida ( milho → [miyu] ); simplificação de encontro consonantal ( travessa → [tavεsa] ) e simplificação de consoante final ( pasta → [pata] ). Também foram observados dados de processos relacionados à representação fonética fina, isto é, que alteram a forma sonora da palavra, como harmonia consonantal ( cortina → [kokina] ); plosivação de fricativa ( selo → [telu] ); posteriorização para velar ( tambor → [kãbor]3 ), posteriorização para palatal ( sapo → [šapu] ) , frontalização de velares ( caro → [taru] ); frontalização de palatal ( peixe → [pesi] ); sonorização de plosivas (cadeira → [gadera] ); sonorização de fricativas ( faca → [ vaka] ); ensurdecimento de plosivas ( galinha → [kaliña] ) e ensurdecimento de fricativas ( jacaré → [šakarε] ). O comportamento das crianças na situação de teste será observado em função das discrepâncias ou diferenças entre a forma produzida pela criança e a forma alvo. No teste ABFW essas diferenças são definidas como resultantes da aplicação de processos fonológicos, que se aplicam em função de aspectos da fonologia que são inatos. Tomando a Fonologia de Uso ou Probabilística com quadro teórico de referência, essas diferenças são entendidas como atualizações da forma das palavras que as crianças vão fazendo à medida que, ao mesmo tempo, vão dominando os esquemas motores dos sons da sua língua/dialeto. Por hipótese, as estruturas abstratas vão emergindo das formas fonéticas armazenadas no léxico. As diferenças observadas (os processos do teste) foram traduzidas em valores percentuais. A percentagem foi obtida em função do total de possibilidades de ocorrência de discrepâncias/diferenças em relação ao alvo. Por exemplo, há 12 possibilidades de simplificação de grupo consonantal no teste de repetição e 8 no de nomeação, totalizando 20 casos. O percentual é calculado, então em função do número de vezes que a criança não realizou o grupo em 20 chances. A técnica estatística utilizada é a análise de regressão. Análise de regressão consiste em explicar uma variável em função de outras. Nesse caso percentual de 3 A representação do arquifonema no teste
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