Buscar

HOMOSSEXUALIDADE E BRASIL DA ABERTURA

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 366 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 366 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 366 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros 
 
MACRAE, E. A construção da igualdade-política e identidade homossexual no Brasil da “abertura” 
[online]. Salvador: EDUFBA, 2018, 377 p. ISBN 978-85-232-1998-7. 
https://doi.org/10.7476/9788523219987. 
 
 
 
All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 
International license. 
Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribição 
4.0. 
Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative 
Commons Reconocimento 4.0. 
 
 
 
 
 
A construção da igualdade-política e identidade homossexual no 
Brasil da “abertura” 
 
 
 
Edward MacRae 
https://doi.org/10.7476/9788523219987
http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/
http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/
http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/
http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/
http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/
http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/
A construção da Igualdade
Política e identidade homossexual 
no Brasil da “abertura”
a-construicao-da-igualdade-MIOLO.indb 1 21/05/18 10:16
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
Reitor
João Carlos Salles Pires da Silva
Vice-reitor
Paulo Cesar Miguez de Oliveira
Assessor do Reitor
Paulo Costa Lima
EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
Diretora
Flávia Goulart Mota Garcia Rosa
Conselho Editorial
Alberto Brum Novaes
Ângelo SzanieckiPerret Serpa
Caiuby Alves da Costa
CharbelNiño El Hani
Cleise Furtado Mendes
Evelina de Carvalho Sá Hoisel
José Teixeira Cavalcante Filho
Maria do Carmo Soares de Freitas
Maria Vidal de Negreiros Camargo
a-construicao-da-igualdade-MIOLO.indb 2 21/05/18 10:16
EDWARD MACRAE
A construção da Igualdade
Política e identidade homossexual 
no Brasil da “abertura”
Salvador
EDUFBA
2018
a-construicao-da-igualdade-MIOLO.indb 3 21/05/18 10:16
Autores, 2018.
Direitos para esta edição cedidos à Edufba.
Feito o Depósito Legal
Grafia atualizada conforme o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 
1990, em vigor no Brasil desde 2009.
Ideia original de capa
Sandro Pimentel
Projeto Gráfico
Gabriel Cayres
Revisão
Elber de Oliveira Lima
Normalização 
Carina dos Santos
SISTEMA DE BIBLIOTECAS – UFBA
Editora afiliada à
Editora da UFBA
Rua Barão de Jeremoabo
s/n – Campus de Ondina
40170-115 – Salvador – Bahia
Tel.: +55 71 3283-6164
Fax: +55 71 3283-6160
www.edufba.ufba.br
edufba@ufba.br
M174 Macrae, Edward. 
A construção da igualdade- política e identidade homossexual no Brasil da 
“abertura”. / Edward MacRae. – Salvador: EDUFBA, 2018. 
377 p.: il.
ISBN: 978-85-232-1717-4
1. Identidade homossexual. 2. Lésbica. 3.Homossexualidade - aspetos 
antropológicos. 4.Homossexual - identidade. I. Título.   
CDD 306.766
a-construicao-da-igualdade-MIOLO.indb 4 21/05/18 10:16
In memoriam
Meu irmão e grande companheiro 
Alan Godfrey Gonçalves McRae, meu pai 
Alan McRae e minha mãe Dulce Baptista 
das Neves McRae (Dolly), que muito 
me estimularam e apoiaram, enquanto 
preparava este trabalho.
a-construicao-da-igualdade-MIOLO.indb 5 21/05/18 10:16
Sumário
9
Prefácio da primeira edição de A construção da igualdade
Peter Fry
15
Apresentação e agradecimentos
PARTE I – ESCRITOS AVULSOS
21
Revendo Velhos Escritos
37
Os respeitáveis militantes e as bichas loucas
51
Em defesa do gueto
67
Afirmação da identidade homossexual: 
seus perigos e sua importância
77
AIDS: prevenção ou novo tipo de segregacionismo?
PARTE II – A CONSTRUÇÃO DA IGUALDADE
93
A contestação cultural e a “abertura democrática”
a-construicao-da-igualdade-MIOLO.indb 7 21/05/18 10:16
107
O antropólogo pode dar voz aos oprimidos sem virar nativo?
119
Identidade homossexual e política
137
O jornal “Lampião de esquina”
165
A fundação do Grupo Somos 
189
O “casamento” com o grupo
215
As crises do Somos e a defesa do Lampião 
249
Diferenças irreconciliáveis entre os “iguais”
283
A campanha contra a violência policial
305
Dupla discriminação e dupla militância, o caso das lésbicas 
e dos negros dentro do movimento homossexual
341
A construção da igualdade: movimento, comunidade e identidade
367
Epílogo
371
Referências
a-construicao-da-igualdade-MIOLO.indb 8 21/05/18 10:16
Prefácio da primeira edição de 
A construção da igualdade
A beleza está no olhar de quem vê. Da mesma forma, os textos per-
dem sua objetividade para o olhar histórico de quem os lê. Assim, 
as etnografias, tantas vezes escritas no “presente etnográfico”, se-
rão sempre textos históricos, cujo significado será dado pela pers-
pectiva social, cultural e historicamente distante dos seus leitores.
A leitura deste livro, que trata de eventos que ocorreram há me-
nos de uma década atrás, provoca intensa emoção e uma nostalgia 
até dolorosa. O apagar das luzes da ditadura militar coincidia com um 
otimismo cultural e social bastante generalizado, e os rapazes e mo-
ças que fizeram acontecer o movimento homossexual sonhavam com 
uma sociedade mais justa e igualitária e, sobretudo, uma sociedade 
em que sua homossexualidade, liberta de todos os tabus, poderia ser 
celebrada sem restrição. Agora, os tempos são radicalmente outros: 
vivemos uma conjuntura política e econômica que frustra a todos, e 
a libertação da homossexualidade está sediada por um vírus miste-
rioso e mortífero.
A história é contada admirável e detalhadamente por Edward Ma-
cRae, que, nas melhores tradições da antropologia, se dedicou a com-
binar os papéis de observador e participante, narrando e vivenciando 
a-construicao-da-igualdade-MIOLO.indb 9 21/05/18 10:16
10 | EDWARD MCRAE
os eventos que descreve e analisa. Com simpatia para com seus ami-
gos e o máximo de objetividade – um ideal, por definição, nunca rea-
lizado mas, mesmo assim, guia indispensável para qualquer trabalho 
sociológico honesto –, Edward MacRae relata os triunfos e desapon-
tamentos, as felicidades e tristezas, e os momentos de união eufórica 
e cisão amarga do movimento homossexual brasileiro.
Como muitos movimentos de libertação, o movimento homos-
sexual brasileiro esposou um ideal antiautoritário, pressupondo a 
igualdade de todos seus membros. Este mesmo ideal supõe também 
uma semelhança fundamental e como que essencial entre os mili-
tantes. Na sua análise do nascimento, organização, cisão e relativo 
desfalecimento do movimento, MacRae mostra como esse ideal es-
barrava constantemente contra outros menos explícitos. Os militan-
tes não eram tão iguais assim: uns falavam melhor do que outros, 
assim dominando as reuniões e influindo mais na tomada de deci-
são. As mulheres e os negros homossexuais logo se sentiram sufi-
cientemente diferentes para formar seus próprios grupos, buscan-
do escapar do machismo e racismo dos outros para poder melhor 
“trabalhar suas condições específicas”. Havia também uma intensa 
disputa entre aqueles ligados aos partidos políticos e aqueles que 
acreditavam na necessidade de manter, a todo custo, a autonomia 
do movimento homossexual. Esta última tensão, especificamente 
centrada em acusações contra manobras escusas da Convergência 
Socialista, levou a uma grande e irreparável cisão – o “racha” – no 
grupo originário do Somos – SP.
Embora centrado no movimento homossexual, o livro tece cons-
tantes comparações com outros movimentos sociais da época, sobre-
tudo o movimento feminista, cujas ideias e práticas em muito inspi-
raram os jovens militantes homossexuais. Assim, creio que o trabalho 
de Edward MacRae será leitura essencial para todos aqueles que pro-
curam entender melhor o crescimento dos movimentos sociais brasi-
leiros no passado recente e, por conseguinte, sua fase atual.
Uma das coisas que mais me chamou atenção ao ler de novo este 
livro – fiz parte da banca que examinou uma versão anterior que foi 
a tese de doutorado do autor – foi uma defasagem bastante grande 
entre as expectativas dos membros do movimentoe a realidade da 
a-construicao-da-igualdade-MIOLO.indb 10 21/05/18 10:16
PREFÁCIO DA PRIMEIRA EDIÇÃO DE A CONSTRUÇÃO DA IGUALDADE | 11
reação pública às reivindicações libertárias. As comemorações do dia 
primeiro de maio de 1980, programadas pelos metalúrgicos grevistas 
de São Bernardo do Campo, suscitaram acalorados debates entre os 
militantes paulistas. Finalmente, uma parte do Somos – aquela que 
adotava uma posição menos radicalmente autonomista do movimento 
homossexual – resolveu participar do evento, mas não sem bastante 
trepidação. Afinal, os sindicatos eram vistos como epicentro do ma-
chismo e bastião dos defensores da “luta maior” que privilegiavam 
a luta de classe e acusavam todos os demais movimentos de serem 
“diversionistas”. Para espanto de todos, porém, os militantes homos-
sexuais foram recebidos com aplausos entusiastas pelos operários. 
Numa outra ocasião, o pessoal do Somos participou de uma passeata 
pelo centro de São Paulo, em protesto contra a ação da polícia que 
perseguia prostitutas e pessoas acusadas de serem homossexuais. 
Mais uma vez a apreensão. Mais uma vez a ovação. O único caso cita-
do de reprovação concreta foi o de um grampeador lançado da janela 
de um prédio na rota da passeata.
Com muita razão, o autor considera essa falta de repressão visível 
ou legal – o Brasil é um caso raro por nunca ter tido nenhuma legisla-
ção homofóbica – um dos grandes entraves à organização e à disse-
minação do movimento homossexual no Brasil. Afinal, nos Estados 
Unidos havia leis draconianas – ainda há em alguns estados – contra 
a homossexualidade e, lá, o movimento homossexual teve que en-
frentar uma oposição forte e violência. Haja visto o famoso Stonewall 
Riot, em 1969. Na ausência de um inimigo identificável e tangível, o 
movimento teve que “inventá-lo”, seja ele na Convergência Socialis-
ta e nos outros partidos de esquerda – os defensores de “luta maior” 
–, seja ele dentro do próprio movimento. Correlatas são as cisões e 
disputas pelo minipoder que o movimento gera. Correlata também 
– creio eu – é a canalização da energia militante, às vezes, longe do 
objetivo de eliminar o preconceito contra a homossexualidade para a 
construção de uma ordem burocrática às alturas da paixão cartorial 
nacional. Horas e horas são dedicadas à tarefa de esmiuçar a forma 
que o movimento deve tomar, de definir normas de comportamento 
nas reuniões, de controlar excessos de autoridade – acusações de “ma-
chismo” valem para este movimento o que acusações de “comunista” 
a-construicao-da-igualdade-MIOLO.indb 11 21/05/18 10:16
12 | EDWARD MCRAE
ou reacionário” valem para outros – e de criar fronteiras claras entre 
homossexuais e heterossexuais.
Esta importante percepção do autor cria ecos em muitos cantos. 
Penso, de imediato, no movimento negro no Brasil. Ele também en-
frenta dificuldades em se organizar, problemas na identificação de 
um inimigo tangível e uma notável tendência à cisão. A República não 
produziu legislação explicitamente racista.
Esta constatação suscita velhos fantasmas sobre a constituição e 
reprodução das desigualdades sociais no Brasil, evocando inevitavel-
mente surrados argumentos chavões acerca da cordialidade do brasi-
leiro. Mas representa ainda um desafio para quem quer entender uma 
sociedade que exibe o maior despeito pelas leis que tem – sobretudo 
quando os ricos as burlam – e uma estranha mas eficiente capacidade 
de impor leis que não têm. Senão, como explicar a perpetuação das 
desigualdades raciais? Como entender que as mulheres e homosse-
xuais sentem a necessidade de pôr fim à repressão que sentem?
Estas reflexões são provavelmente parecidas com aquelas feitas 
pelos próprios militantes. Mas não sei se surtiram o efeito que me-
recem. Se o movimento negro e o movimento homossexual têm as 
dificuldades que têm, talvez esteja faltando um conhecimento mais 
apurado das formas de controle social que caracterizam a socieda-
de brasileira. As palavras de ordem de ambos os movimentos lem-
bram muito as palavras de ordem dos Estados Unidos e da Europa. 
E, às vezes, penso que uma das razões de ser destes movimentos é a 
vontade de compartilhar a modernidade com os países do Primeiro 
Mundo, seguindo a mesma lógica das modas literárias. Mais um sinal 
do atrelamento cultural e econômico em geral. Certamente penso – 
e menos cinicamente – que estas palavras de ordem carregam visões 
sociais que podem distorcer a visão de uma realidade social bastan-
te diversa daquela que as produziu ou, no mínimo, criar a ilusão de 
que a construção social das diferenças e desigualdades não difere 
significativamente de um país para outro; de uma cultura para outra.
E não são apenas as formas de controle que variam.
As próprias formas de classificar o que será controlado também 
divergem, às vezes radicalmente. Para produzir um movimento negro, 
os seus militantes têm primeiro de convencer muita gente de que o 
a-construicao-da-igualdade-MIOLO.indb 12 21/05/18 10:16
PREFÁCIO DA PRIMEIRA EDIÇÃO DE A CONSTRUÇÃO DA IGUALDADE | 13
Brasil é composto de negros e brancos e não de pretos, sararás, cafu-
zos, mamelucos, mulatos, etc. Da mesma forma, os militantes homos-
sexuais tiveram que convencer o Brasil de que aqui há homossexuais, 
bissexuais e heterossexuais, e que esta forma de definir os persona-
gens do cenário sexual amoroso é mais verdadeira do que aquela que 
tradicionalmente fala de bichas, sapatões, homens, mulheres, viados, 
giletes, bofes...
Ou seja, o alvo dos movimentos negros e homossexuais não é a “re-
pressão” pura e simples, identificável e tangível; é a cultura brasileira 
como um todo. Não surpreende tanto, então, suas dificuldades. Por 
mais que se tente acreditar que transformações sociais podem ocor-
rer a partir das transformações individuais, o fato é que as estruturas 
profundas de pensamento social mudam com muito vagar. É segura-
mente por isso que o movimento homossexual gerou tanta frustração.
Mas, como bem aponta Edward MacRae, o movimento homosse-
xual não foi um fracasso. Tanto assim que membros dele agora parti-
cipam na luta contra os efeitos sociais mais perversos da aids. Tanto 
assim que o assunto da discriminação em base da orientação sexual 
está firmemente colocado na pauta nacional. Se não entrou nesta 
Constituição, entrará na próxima.
Peter Fry
Rio de Janeiro, 13 janeiro 1989
a-construicao-da-igualdade-MIOLO.indb 13 21/05/18 10:16
Apresentação e agradecimentos
Este livro é o resultado da pesquisa bibliográfica e de campo, que 
realizei entre 1978 e 1985, para minha tese de doutorado em antro-
pologia: O militante homossexual no Brasil da “abertura”, apresen-
tada em janeiro de 1986 ao Departamento de Ciências Sociais da 
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade 
de São Paulo. Foi reescrita para publicação em 1988 e finalmente 
teve sua primeira edição, pela Editora da Unicamp, em 1990.
Durante esses anos, e, também, enquanto reordenava o material 
para publicação, contei com a orientação, apoio e amizade de um nú-
mero muito grande de pessoas, cuja contribuição foi crucial.
É impossível agradecer nominalmente a todos os meus interlo-
cutores, integrantes dos grupos e partidos Somos-SP, GALF, Outra 
Coisa, Eros, Libertos, Lampião, Somos-RJ, Auê, Grupo Gay da Bahia, 
Adé Dudu, GATHO, Beijo Livre, Dialogay, Bando de Cá, Coletivo Ale-
gria Alegria, Moléculas Malucas, Terra Maria, Triângulo Rosa, Nós 
Mulheres, Brasil Mulher, SOS Mulher, Movimento Negro Unificado, 
PT, PMDB, Convergência Socialista, ao lado de quem tive a oportuni-
dade de discutir a militância política sexual.
O contato com todos esses pontos de vista diferentes e conflitivos, 
naturalmente resultou num emaranhado de ideias difícil de organizar. 
A ordem que aparece aqui só pôde surgir graças à cuidadosa orientação 
a-construicao-da-igualdade-MIOLO.indb 15 21/05/18 10:16
16 | EDWARD MCRAE
de meus mestres, Peter Fry e Eunice R. Durham, a quem, além da orien-
tação teórica, devotambém muitos dos insights deste trabalho.
Não posso esquecer outros que também me ajudaram a pensar mais 
teoricamente sobre o assunto lendo trechos de minha tese, dando suges-
tões ou permitindo-me usar seu próprio material de pesquisa. Agradeço 
aos professores Luis Mott, Mariza Correa, Verena Stolke, Ruth Cardoso, 
Oraci Nogueira, Lux Vidal, J. A. Guilhon de Albuquerque, Maria Moraes, 
Ulisses Ferraz de Oliveira, Júlio Simões, Jorge Beloqui, Pedro Sousa, Ma-
theus Rogatto, Heloísa Pontes, Maria Filomena Gregori, Nestor Perlon-
gher, Vic Seidler, Ernani Pinheiro Chaves, Cláudio P. Coelho, Carmen D. 
Guimarães, Eduardo Guimarães, Wilson Santos, Richard Parker, Osvaldo 
Fernandez, Jean Claude Bernardet, Leila Micolis, João Antônio Mascare-
nhas, Paulo Ottoni, Ricardo C. Pereira, Roseli Roth, Antônio Carlos Tosta, 
Theodoro Pluciennik, Paulo César Bonfim, Darcy Penteado, João Silvério 
Trevisan, Glauco Mattoso, Jimmy Green e Severino do Ramo.
Num nível mais informal, mas igualmente importante, devo muito 
aos meus papos com tantos bons amigos, que têm convivido comigo 
nestes últimos anos: Ulisses, Ricardo A., Eduardo T., Edson, Marqui-
nhos, Luiz A., Milton, Marcelo, Vilma, Pitú, Teca, Paulo Afonso, Jacira, 
Mariza, Silas, Zezé, Shuma, Evaristo, Míriam, Hélinho, João Luiz, Lu-
zenário, Ricardo V., Sisi, Israel, Cláudio Motoqueiro, Alexandre, Arol-
do, Marivaldo, Wilson D., Amauri, Jerson, Rocha, Juba, Denise, Dilza, 
Cristiano e Cláudia Wonder.
Um grupo de amigos muito especial foi aquele com quem comparti-
lhei morada nestes últimos anos. Além de dar novas ideias, foram espe-
cialmente tolerantes em momentos em que nossa residência foi usada 
para movimentadas reuniões políticas: Neide Duarte, Anita Jorge, Jus-
sara Amoroso Dias, Júlio Dias Gaspar, Silvana Issa Afram, Fernando de 
Almeida, Marcos Rogatto e Beto Ronchezel. Nos traumáticos momentos 
de elaboração de relatório de pesquisa, contei com a companhia de Jú-
lio Assis Simões, para “retiros acadêmicos”, altamente produtivos, em 
Campos de Jordão e Caraguatatuba. Seu conhecimento antropológico 
e sua biblioteca de ciências sociais, às vezes, me pareciam inesgotáveis.
Durante um período crucial do meu trabalho de campo, fui aco-
metido de hepatite quando pude contar com devotados enfermeiros: 
meus irmãos Alan e Marina e o amigo Laerth Pedrosa.
a-construicao-da-igualdade-MIOLO.indb 16 21/05/18 10:16
APRESENTAÇÃO E AGRADECIMENTOS | 17
Minhas pesquisas levaram-me também a realizar agradabilíssimas 
viagens a Salvador, onde o Grupo Gay da Bahia e Luiz Mott puseram 
à minha disposição os seus riquíssimos arquivos. Também desenvol-
vi duradouras amizades com Harley Henriques do GAPA-BA, Jerson 
Matos, Antonio Rocha e Amauri. Nessas, como em outras ocasiões, 
contei com a maravilhosa hospitalidade de Sofia Olszewski, que me 
ensinou a ver e amar aquela terra.
Reescrevi a tese para publicação enquanto trabalhava como pesqui-
sador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnoló-
gico (CNPq) sediado no Instituto de Medicina Social e de Criminologia 
de São Paulo (IMESC). Lá fui muito ajudado pelo superintendente Car-
los Vicari Jr., além de Maria Etelvina Reis de Toledo Barros, a querida 
Telva, que tem sido uma amiga de toda hora, dentro e fora do IMESC.
Para o complicado trabalho de datilografia do meu manuscrito, con-
tei com a paciência e o bom humor de Naira N. Ciotti e Milton Filippetti 
Filho e da militante lésbica feminista Alice, laboriosos críticos e revisores.
A pesquisa começada na Unicamp e terminada na Universidade de 
São Paulo (USP) foi financiada com bolsas da Coordenação de Aper-
feiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e da Fundação de 
Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). A tese original foi 
transformada em livro enquanto eu era bolsista recém-doutor do Con-
selho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Passados vinte e sete anos da edição original do livro, alguns orien-
tandos e outros amigos instaram-me a republicar o material. Argumen-
ta-se que a edição original teve uma pequena tiragem, que há muito 
se esgotou, e que o texto, o primeiro estudo acadêmico do movimento 
homossexual no Brasil, continua a ser de interesse de pesquisadores 
do tema, agora acrescido de significado como registro histórico de 
um determinado momento. Revendo o material que produzi naqueles 
anos, decidi adicionar mais três artigos que versavam sobre questões 
identitárias e políticas enfrentadas pelos homossexuais, militantes 
ou não, na virada das décadas de 1970 e 1980, durante o período em 
que se convencionou chamar de “abertura democrática”, quando a 
ditadura civil-militar começava a dar sinais de fadiga. Também achei 
importante submeter meu texto original a uma rigorosa e necessá-
ria copidescagem, usufruindo do maior desembaraço com a língua 
a-construicao-da-igualdade-MIOLO.indb 17 21/05/18 10:16
18 | EDWARD MCRAE
portuguesa, adquirido durante anos de trabalho na Universidade Fe-
deral da Bahia, onde me ingressei como professor em 1995. 
Neste novo momento, volto a contar com o auxílio de outros amigos 
que muito me têm ajudado, nesta e em outras tarefas de cunho profis-
sional e pessoal. Lembro aqui de meu assistente de pesquisa e grande 
amigo Wagner Coutinho Alves, o Joey, que passou muitas horas com a 
reorganização do material, de Flávia Goulart Mota Garcia Rosa, diretora 
da Editora da Universidade Federal da Bahia e de Susane Barros, da sua 
coordenação editorial. Também tenho recebido importante apoio afetivo 
do meu companheiro Sandro Pimentel, idealizador do projeto original 
da capa deste livro. Não posso deixar de mencionar também os velhos 
amigos Ulisses Ferraz de Oliveira e Mauro Monti, assim como meu sobri-
nho João Leal MacRae e Isaias Santos, que sempre me brindam com suas 
agradabilíssimas companhias durante minhas idas a São Paulo. Importan-
tes também foram os incentivos de meus amigos James Green, Leandro 
Colling, Tedson Sousa e Vinícius Alves que, em diferentes momentos, 
apontaram a continuada relevância, para os tempos atuais, destes tex-
tos sobre a identidade, o movimento e a “movimentação” homossexuais.
Meu pai, Alan MacRae, esteve presente na defesa de minha tese 
e generosamente me premiou com uma longa viagem. Sua orgulhosa 
reação ao meu sucesso acadêmico foi muito importante para mim. 
Fizemos a viagem algum tempo depois, na companhia de minha mãe, 
mas poucos dias após sua volta, quando eu ainda estava fora, veio a 
falecer repentinamente. Durante aquela viagem tivemos a possibi-
lidade de estabelecer uma definitiva reconciliação, encerrando um 
período de rusgas, típicas da minha fase de vida de adolescente e de 
jovem ainda em amadurecimento. Quatro anos depois, meu queridís-
simo irmão Alan também partiu, vítima da aids, três dias após minha 
família ter todas as suas reservas financeiras congeladas pelo sinistro 
Plano Collor. Minha mãe, Dulce Baptista das Neves Gonçalves Ma-
cRae (Dolly), foi meu esteio emocional durante vários anos difíceis 
que se seguiram. Sua força, inteligência e carinho pareciam inesgo-
táveis. Afortunadamente, pude contar com sua companhia por mais 
um bom tempo. Ao partir, por sua vez, em 2011, deixou maravilhosas 
lembranças para todos que a conheceram e especialmente para mim, 
meus irmãos, Marina e Alexander, sua nora Claudia, e seu neto, João.
a-construicao-da-igualdade-MIOLO.indb 18 21/05/18 10:16
PARTE I
Escritos avulsos
a-construicao-da-igualdade-MIOLO.indb 19 21/05/18 10:16
EM DEFESA DO GUETO | 21
Revendo velhos escritos
Mais de 30 anos após defender, na Universidade de São Paulo, em 
1985, a minha tese de antropologia O militante homossexual no Brasil 
da abertura1, sobre o Grupo Somos de Afirmação Homossexual, vol-
to a rever o trabalho, pensando em uma nova publicação do mate-
rial. A primeira ocorreu em 1990, incorporando algumas referências 
adicionais, basicamente sobre movimentos sociais, então, um tema 
relativamente novo na antropologia e na sociologia.O livro A cons-
trução da igualdade identidade sexual no Brasil da abertura editado 
pela Editora Unicamp, teve uma tiragem pequena que logo se esgo-
tou, mas exemplares continuaram a circular entre os interessados e 
posteriormente uma fotocópia foi colocada na internet.
Ao terminar minha tese, meus interesses de pesquisa se transferi-
ram para o tema do uso de drogas, no qual eu detectava uma situação 
em que certas noções de saúde vinham mescladas com preconceitos 
e hipocrisia de maneira similar à que eu havia encontrado ao discutir 
a questão homossexual. Mas, antes mesmo de terminar a tese, minha 
atenção já havia sido chamada para os perigos apresentados pelo 
1 Tese de doutoramento em Antropologia apresentada, em 1985, ao Departamento de Ci-
ências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São 
Paulo, sob orientação da Profª. Eunice Ribeiro Durham.ah
a-construicao-da-igualdade-MIOLO.indb 21 21/05/18 10:16
22 | EDWARD MCRAE
advento da pandemia de aids que começava a se espalhar pelo glo-
bo. Além das ameaças que representava à saúde geral, a aids também 
parecia colocar em risco muito dos recentes ganhos conquistados em 
relação ao combate à discriminação contra os homossexuais. Cuba e 
alguns outros países davam um péssimo exemplo ao resto do mundo, 
adotando políticas de internação forçada para os doentes de aids ou 
soropositivos. No Brasil, locais onde a população gay costumava se 
reunir voltaram a ser alvo de preocupação para as autoridades. Sau-
nas e outros estabelecimentos, onde eram permitidas relações homos-
sexuais fugazes, viviam sob a ameaça de fechamento, como de fato 
ocorreu nos Estados Unidos. Apesar das brigas pessoais e políticas 
que haviam cindido o movimento gay, conforme eu demonstrava em 
minha tese, perante as novas ameaças, muitos dos militantes voltaram 
a se reunir para monitorar e criticar os órgãos oficiais de saúde e suas 
políticas. Os resultados de suas atuações foram de grande importân-
cia em assegurar uma abordagem respeitosa dos direitos humanos e 
uma adequada divulgação de modos de prevenção da doença. (LAU-
RINDO-TEODORESCU; TEIXEIRA, 2015)
Em 1986, procurando um lugar onde pudesse realizar pesquisas 
sobre o uso de drogas, acabei conseguindo a posição de diretor do 
centro de estudos do Instituto de Medicina Social e de Criminologia 
de São Paulo (IMESC), uma autarquia da Secretaria de Justiça do Esta-
do. Esse era o único órgão do estado de São Paulo onde se dava aten-
ção ao uso de drogas ilícitas e à sua prevenção. A questão era vista 
sob o enfoque de séria ameaça à saúde e à segurança da população e 
qualquer questionamento das disposições da Lei de Entorpecentes, 
então em vigor, era vista como inadmissível. Mas o agravamento da 
pandemia no Brasil levou as autoridades a se preocuparem mais com 
a população usuária de drogas ilícitas, então concebida como uma das 
principais vias de disseminação do HIV entre a população em geral. 
Assim, mais uma vez fui instado a encarar a questão da aids, atuan-
do como especialista de um órgão governamental. Minhas atenções 
acadêmicas e profissionais passaram então a enfocar questões rela-
cionadas à redução de danos no uso de drogas injetáveis e de crack.
Após a promulgação da Lei de Drogas 11343, em 2006, tornou-
-se mais fácil questionar a legislação em vigor sem a ameaça de ser 
a-construicao-da-igualdade-MIOLO.indb 22 21/05/18 10:16
EM DEFESA DO GUETO | 23
acusado de fazer apologia ao uso e ao crime, delito previsto na le-
gislação anterior. Começou-se então a constituir o movimento an-
tiproibicionista ao qual me juntei, falando e escrevendo cada vez 
mais sobre a necessidade de se descriminalizar o uso, a produção e 
o comercio tanto da maconha quanto das outras drogas considera-
das ilícitas. Por essas alturas já ocupava os cargos de professor da 
Universidade Federal da Bahia (UFBA) e de pesquisador associado do 
Centro de Estudos e Tratamento do Abuso de Drogas (CETAD/UFBA). 
Fiquei conhecido por minhas atividades no âmbito da redução de 
danos, do antiproibicionismo e do uso religioso da ayahuasca. Este 
último tema, além de responder a anseios espirituais meus, também 
me parecia um ótimo exemplo do uso controlado de uma substância 
psicoativa cuja molécula era bastante similar à do LSD, assim como 
seus efeitos farmacológicos.
Durante vários anos pesquisei e militei nessa área, tendo realiza-
do numerosas palestras e escrito vários textos a respeito da redução 
de danos e da política de drogas. Meu nome tornou-se bastante co-
nhecido entre os pesquisadores desses temas. Apesar disso, registros 
informáticos mostram que uma parte considerável das referências 
acadêmicas à minha produção científica continuam a priorizar meus 
trabalhos iniciais sobre a militância e identidade gay. Essa constatação 
me levou a revisitar textos antigos que, mesmo após várias décadas, 
me parecem continuar pertinentes.
Assim, resolvi reedita-los para facilitar seu acesso a uma nova ge-
ração, que atualmente se apresenta como especialmente interessada 
na discussão de identidades de gênero e sua politização. Nesta reedi-
ção ampliada, ao lado de outros textos meus da época e sobre a mesma 
temática, um lugar especial é ocupado pelo livro resultante da minha 
tese, submetido a uma revisão de cunho estilístico. Não houve, po-
rém, nenhuma tentativa de atualização nas referências bibliográficas, 
apesar da considerável produção acadêmica sobre o tema ocorrida 
nos anos decorridos entre a publicação original e a sua reedição. Isso 
exigiria uma nova pesquisa, o que fugia da minha proposta de simples 
republicação. Os outros textos necessitaram de menos alterações.
Embora acredite que esses meus escritos da década de 1980 ain-
da levantem questões pertinentes, não há como ignorar as muitas 
a-construicao-da-igualdade-MIOLO.indb 23 21/05/18 10:16
24 | EDWARD MCRAE
mudanças sociais e culturais ocorridas nesse meio tempo e talvez 
valha a pena elencar algumas delas, para contextualizar melhor a 
minha ideia de então.
Talvez a principal mudança tenha ocorrido com o advento da tera-
pia retroviral, com o decorrente declínio do estigma da infecção pelo 
HIV, que deixava de significar para o paciente uma sentença de morte 
certa em pouco tempo e adquiria a natureza de uma doença crônica, 
mas com a qual é possível viver de maneira bastante normal. O co-
mercio voltado para o mercado gay continuou a se mostrar lucrativo 
e retomou seu ímpeto, promovendo em seu rastro o fortalecimento de 
novas afirmações identitárias pouco lembradas originalmente, como o 
das mulheres lésbicas, das travestis e dos/das transexuais, por exem-
plo. Movimentos e paradas LGBT cresceram e puderam contar com o 
beneplácito das autoridades que viam neles agentes importantes de 
prevenção à aids e outras infecções de transmissão sexual, como as 
hepatites virais. Onde o legislativo se mostrava lento em reconhecer 
os novos direitos reivindicados, o judiciário avançou, como no caso 
do reconhecimento oficial das uniões homoafetivas. A estranheza 
causada por projetos acadêmicos voltados para o estudo de temas 
relacionados à homossexualidade aos poucos foi se dissipando devi-
do ao surgimento em várias universidades de cursos e linhas de pes-
quisas voltadas para a diversidade sexual. No novo clima de relativa 
tolerância, tornou-se comum ver casais do mesmo sexo expressando 
suas afetuosidades em público e, em metrópoles como São Paulo, 
Rio de Janeiro e Salvador já se pode ver com frequência dois homens 
ou duas mulheres de mãos dadas, caminhando pelas ruas. Em certos 
casos, podem até se beijar em público, da mesma maneira que os ca-
sais heterossexuais.
Tais mudanças, juntamente com o final da ditadura civil-militar, 
configuram uma situação bastante diversa daquela existente quando 
realizava as minhas pesquisas. No final da década de 1970, quando 
as iniciei, vivíamos ainda sob o regime ditatorial. Este, apesar de já 
haver derrotado a luta armada, empreendida por movimentosguer-
rilheiros no final da década de 1960 e no início da seguinte, estendia 
o seu enfoque para o campo dos costumes, sob a alegação de pro-
teger os valores tradicionais da família brasileira. O comportamento 
a-construicao-da-igualdade-MIOLO.indb 24 21/05/18 10:16
EM DEFESA DO GUETO | 25
homossexual, assim como a crescente presença de travestis nas ruas, 
tornou-se alvo de perseguições policiais, conforme relatado no livro 
Homossexualidades e ditadura, de Green e Quinalha, 2014. Nessa co-
letânea, o artigo de Cowan (2014) é especialmente interessante ao re-
velar o embasamento ideológico e legal dessas medidas repressivas.
A derrota frente às forças da ditadura, juntamente com a crise 
mundial enfrentada pelas agremiações esquerdistas tradicionais com 
suas ideias e métodos ainda influenciados pelo stalinismo, havia le-
vado ao descrédito as antigas posições políticas baseadas na noção 
de luta de classes. A propaganda governamental, aliada à rigorosa 
censura às produções artísticas e jornalísticas, permitiu um deslum-
bramento popular com o suposto “milagre econômico”, em vigência 
durante um curto prazo de tempo. Assim como ocorreu recentemen-
te durante a campanha pelo impeachment da Presidenta Dilma Rous-
sef, amplos setores conservadores da sociedade apoiavam as forças 
antidemocráticas e até setores da classe estudantil ocasionalmente 
ridicularizavam slogans como “Abaixo a ditadura”. Conforme se ve-
ria durante as discussões internas que levaram ao “racha” do Grupo 
Somos-SP, mesmo intelectuais de passado fortemente contestatório 
rechaçavam violentamente qualquer aproximação a grupos voltados 
para a militância política nos moldes mais clássicos.
Mas isso não significava necessariamente uma acomodação aos 
valores do sistema vigente. Perante a impossibilidade de se organizar 
“politicamente”, uma nova geração de jovens passou a fazer “contes-
tação cultural”, buscando minar a “moral burguesa”, na direção do 
sexo, drogas e rock´n roll . A contestação de costumes, que explodiu 
nos EUA e em diversos países da Europa no final dos anos 1960, fi-
nalmente chegava de maneira importante ao Brasil. Durante a década 
de 1970, artistas como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque 
de Hollanda, a trupe Dzi Croquettes, a banda Secos e Molhados e o 
cantor Ney Matogrosso, entre outros, fizeram apresentações que pu-
nham em questão os papeis de gênero vigentes e as ordens erigidas 
em seu torno. O termo androginia se popularizou mesmo entre seto-
res mais conservadores.
O poder subversivo dessas posições parecia ser confirmado pe-
las medidas repressivas adotadas pelo sistema ditatorial, como as 
a-construicao-da-igualdade-MIOLO.indb 25 21/05/18 10:16
26 | EDWARD MCRAE
frequentes censuras a publicações, peças teatrais ou músicas que 
ousavam tratar desses temas. Apesar da repressão, um forte espirito 
de contestação aos costumes se espalhava pela sociedade. Assim, 
quando, em 1977, o editor da revista americana Gay sunshine, Winston 
Leyland, veio ao Brasil para contatar escritores e jornalistas brasilei-
ros que escrevessem sobre a cena homossexual no Brasil, sua visita 
causou grande repercussão.
Serviu também de estopim para que intelectuais gays brasileiros 
se organizassem para produzir o jornal Lampião da Esquina, original-
mente voltado para as chamadas “minorias” formadas pelas feminis-
tas, militantes das causas negras e indígenas e, primordialmente para 
os homossexuais. O jornal, cujo número zero saiu em abril 1978, teve 
grande sucesso e, graças ao profissionalismo de seus editores, em 
grande parte experientes jornalistas, conseguiu-se uma ampla dis-
tribuição que cobria o país “do Oiapoque ao Chuí”, conforme alarde-
avam seus editoriais. Logo, porém, a ambição de ser um “jornal das 
minorias” mostrou-se inviável e o Lampião passou a se restringir em 
grande parte à discussão de questões gays. Nisso teve um papel de 
grande importância, divulgando por todo o Brasil conceitos e ações 
antes restritos a pequenos grupos vanguardistas em algumas capi-
tais. Também foi um grande propulsor da visibilidade lésbica, com 
matérias de capa sobre mulheres homossexuais, um setor até então 
completamente desconhecido e ignorado, mesmo pelas feministas.
Em decorrência da nova publicização em nível nacional do debate 
sobre questões relacionadas à homossexualidade, logo se formaram 
grupos pretendendo fazer militância gay e lésbica. O engajamento na 
produção do jornal de Peter Fry, meu orientador no curso de mestrado 
em Antropologia na Unicamp, levou-me a procurar e juntar-me aos 
militantes que começavam a se organizar em São Paulo sob o nome de 
Grupo Somos de Afirmação Homossexual. Assim como vários outros 
integrantes do grupo, logo me encontrei completamente envolvido na 
militância, participando de eventos públicos onde expúnhamos nos-
sas experiências e anseios enquanto homossexuais. O grande público 
que afluía a essas palestras nos dava indicação do grau de interesse 
despertado por discussões sobre sexualidade, apesar da censura e 
do clima repressivo reinante.
a-construicao-da-igualdade-MIOLO.indb 26 21/05/18 10:16
EM DEFESA DO GUETO | 27
Outras atividades importantes eram as chamadas “reuniões de 
identificação” onde os participantes do grupo relatavam aos outros 
militantes suas histórias, prazeres e frustrações com suas orientações 
sexuais. No decorrer dessas reuniões ficavam evidentes os diferentes 
significados que cada um atribuía às suas práticas sexuais, tornando 
necessárias numerosas reuniões para se construir objetivos comuns. 
A própria vivência da sexualidade se mostrava bastante diversa e um 
dos poucos elementos que unia a maioria era a auto identificação 
como homossexual e, mesmo assim, esta vinha matizada por diferen-
tes termos como: “bicha”, “viado”, “bofe”, “passivo”, “ativo”, “enten-
dido”, “gay”, etc. Aparecia, assim, uma primeira crise de identidade e 
para conviver com ela foram adotadas posturas bastante rígidas de 
exclusão daqueles que se consideravam bissexuais ou que mostra-
vam outras ambiguidades em sua auto identificação sexual. Até os 
membros do grupo teatral “Oficina”, conhecidos por seus corajosos 
desafios aos padrões sexuais costumeiros, foram rechaçados devido 
à sua recusa em se classificarem simplesmente como “homossexuais”. 
Suas propostas identitárias mais fluidas eram consideradas como 
um temor de “se assumirem”. Para combater o estigma sentido pela 
grande maioria, adotou-se como postura política esvaziar o termo 
“bicha” de suas conotações negativas. Para tanto, todos passaram a 
usar essa palavra para se autodesignarem. Inicialmente, até as pou-
cas mulheres que participavam do grupo eram assim chamadas pelos 
homens. Porém, logo reivindicaram o reconhecimento de suas especi-
ficidades, constituindo um subgrupo próprio que eventualmente veio 
a se declarar completamente autônomo dos homens. Os militantes 
homossexuais masculinos do Somos editavam um jornal artesanal 
O corpo e as lésbicas do GALF (Grupo de Atuação Lesbico Feminista) 
produziam outro, inicialmente chamado Chanacomchana, mas pos-
teriormente rebatizado de Outro olhar. Estes eram distribuídos pelos 
ativistas nas áreas de concentração homossexual da cidade.
As atividades do Somos levavam a um profundo engajamento 
pessoal dos seus participantes, cujas vidas passaram a girar em torno 
do grupo. Além de seus aspectos mais claramente políticos, a nova 
vida militante se apresentava para muitos como primordialmente 
uma maneira de socializar, para muitos que até então mantinham 
a-construicao-da-igualdade-MIOLO.indb 27 21/05/18 10:16
28 | EDWARD MCRAE
suas vidas sexuais furtivas e isoladas. No grupo, aprendiam sobre o 
mundo gay, até então grandemente vivido na clandestinidade e mar-
ginalidade, mas no qual começavam a proliferar novos pontos de 
encontro, principalmente bares e boates. Com o Somos aprendiam a 
revelar sua homossexualidade em público, seja em confrontos pes-
soais diretos, seja de maneira mais engajada politicamente.Velhas 
amizades eram trocadas pelos novos companheiros de militância, 
e muitos agora procuravam, a partir disso, seus novos namorados. 
Foi um período em que as pessoas se diziam “casadas com o grupo”. 
Mesmo os estabelecimentos do incipiente mercado voltado para os 
homossexuais eram desprezados e rotulados de “gueto”, por uns. 
Outros simplesmente chamavam atenção para as naturezas diferen-
tes entre o chamado “movimento”, com seus interesses políticos e a 
“movimentação” mais descompromissada e voltada exclusivamente 
para a diversão e sociabilidade.
Eu também me senti afetado pelo clima contestatório e militante, 
decidindo tomar o Somos como tema da minha dissertação de mestrado 
na Unicamp2. Minha “observação participante” rapidamente virou uma 
“participação observante”. Isso porque meu engajamento tornou-se, de 
certa forma, profissional, já que eu recebia uma bolsa de estudos para 
financiar minha pesquisa. Devido à minha consequente maior dispo-
nibilidade de tempo, eu era um dos frequentadores mais assíduos das 
atividades do grupo, tornando-me, assim, uma das suas lideranças in-
formais. Dessa maneira passei a integrar o rol daqueles conhecidos no 
grupo como “bichas históricas”, termo aplicado tanto aos primeiros 
integrantes do grupo, quanto aos membros de sua liderança informal.
Nessa época, era muito escassa a literatura sobre a homossexu-
alidade, que não se restringisse a uma visão médica e patologizante. 
Lembremos que a homossexualidade era ainda tratada oficialmente 
pela medicina como “desvio e transtorno mental”. Não se encontrava 
2 Posteriormente, transferi-me para a Universidade de São Paulo (USP) onde terminei minha 
pesquisa, cujo resultado apresentei como tese de doutorado. Tive então a orientação de 
Eunice Durham, que me ajudou muito a pensar sobre o Somos enquanto um movimento 
social, assunto então bastante em voga. Nesse período, contei também com grande auxílio 
de Ruth Cardoso, que introduzia naquele momento os estudos feministas na universidade.
a-construicao-da-igualdade-MIOLO.indb 28 21/05/18 10:16
EM DEFESA DO GUETO | 29
nada a respeito na antropologia ou sociologia brasileiras, onde o tema 
era considerado de pouca importância, quando não objeto de escár-
nio ou zombaria. Naquele momento, é provável que meu interesse 
acadêmico pelo assunto foi considerado legítimo somente devido ao 
prestígio acadêmico do meu orientador Peter Fry. O único texto sócio 
antropológico anterior que se sabia haver sido escrito no Brasil era 
uma monografia de especialização que havia sido realizada na USP por 
Barbosa da Silva, sob a orientação de Florestan Fernandes e defendida 
em 1958. Mas não havia um exemplar na biblioteca da universidade. 
A única notícia que se tinha a respeito era um resumo publicado sob 
o nome Homossexualidade masculina em São Paulo, editada em 1959 
pela Revista de sociologia da Fundação Escola de Sociologia e Política 
de São Paulo de Silva, 1959.3
Mais uma vez o auxílio de Peter Fry foi fundamental e ele me fran-
queou o acesso à sua ampla biblioteca, onde havia vários textos em 
inglês sobre a homossexualidade da perspectiva das ciências sociais. 
Através de meu orientador, conheci duas dissertações de mestrado 
em antropologia orientadas por ele, defendidas por Carmem Dora 
Guimarães, em 1977, sobre um grupo de “entendidos” cariocas de 
classe média, e Rosemary Lobert, em 1979, sobre a trupe teatral Dzi 
Croquettes. Também tive acesso a dois textos seus, que mais tarde 
viriam a ser editados na coletânea de sua autoria chamada Para inglês 
ver do autor Fry (1982a, 1982b).
Assim meus referenciais teóricos iniciais eram da autoria de Mary 
McIntosh, Evelyn Hooker, Jeffrey Weeks e Peter Fry, onde se discutia 
“o papel social do homossexual”. Posteriormente travaria contato 
com o pensamento foucaultiano, principalmente aquele exposto no 
primeiro volume da sua História da sexualidade.
Em maio 1980, ocorriam graves tensões internas no grupo Somos. 
De um lado, estavam aqueles que propunham um engajamento mais 
amplo, junto a setores da classe operária e agremiações de esquerda, 
visando contribuir para a mudança do regime ditatorial. De outro, 
estavam aqueles que achavam necessário priorizar as reivindicações 
3 Posteriormente este texto foi encontrado e publicado no livro de Green e Trindade (2005).
a-construicao-da-igualdade-MIOLO.indb 29 21/05/18 10:16
30 | EDWARD MCRAE
relacionadas à opressão sofrida pelos homossexuais e que não es-
tavam dispostos a confiar nos atores políticos ligados à esquerda 
tradicional, acreditando que todos seriam machistas e homofóbicos. 
O grupo lésbico GALF, ficou numa posição intermediária.
Conforme relato em minha tese, essas tensões internas levaram a 
uma divisão do grupo, o “racha”, dando início a um doloroso período 
de acusações e desencontros afetivos e ao enfraquecimento dos dois 
grupos masculinos formados agora a partir do antigo Somos. Nesse 
período, começava a vigorar a chamada “abertura democrática” do 
regime, abrandando a censura e possibilitando o ressurgimento das 
organizações político-partidárias, assim como o desenvolvimento 
de atividades comerciais voltadas especificamente para o mercado 
homossexual. Nesse novo ambiente, o próprio Lampião começava a 
perder leitores, perante outras publicações de cunho mais comercial, 
muitas vezes pornográfico. Igualmente, os numerosos grupos de mi-
litância homossexual, perdiam sua exclusividade como locais onde 
a sociabilidade e a “paquera” gay era viável. Bares, boates e saunas 
surgiam onde era possível se divertir sem as preocupações e compro-
missos da militância homossexual, que perdia seu antigo prestígio.
Apesar desse refluxo da militância e das relações conflituosas 
que se estabeleceram no movimento homossexual como um todo, 
em 13 de junho conseguiu-se arregimentar, na capital paulista, entre 
quinhentas e mil pessoas, para a primeira manifestação pública de 
envergadura do movimento. Essa passeata circulou pela zona central 
da cidade, protestando contra uma campanha policial que, sob o co-
mando do delegado Wilson Richetti, visava limpar a cidade de gays, 
travestis e prostitutas.
Nesse novo clima político mais tolerante, começaram a sair tam-
bém publicações, cientificas ou de não ficção, que tratavam da ho-
mossexualidade de forma não patologizante, geralmente a partir de 
um viés sócio antropológico ou literário.
Desse modo, foram publicados os livros Para inglês ver, coletânea 
de artigos de Peter Fry (1982); Caminhos cruzados outra coleção que 
trazia dois textos de Fry e um meu, abordando temas relacionados à 
homossexualidade (1982); “O que é homossexualidade”, de autoria do 
Peter e minha (1983); um número da revista Novos estudos CEBRAP, 
a-construicao-da-igualdade-MIOLO.indb 30 21/05/18 10:16
EM DEFESA DO GUETO | 31
veiculando a um artigo meu (1983); o livro Devassos no Paraíso de João 
Silvério Trevisan (1986). Em 1987, surgia a obra seminal de Nestor Per-
longher O Negócio do Michê: prostituição viril em São Paulo”. No ano 
de 1986, defendi na Universidade de São Paulo (USP) a minha tese, O 
militante homossexual no Brasil da “abertura”, que posteriormente foi 
reescrita e editada sob o nome A construção da igualdade: identidade 
e política no Brasil da “abertura” (1990). A partir de então, rompido o 
tabu, surgiram vários outros trabalhos sobre o tema.
A manifestação pública contra as atividades repressivas do de-
legado Richetti não conseguiram reunificar os/as militantes e os vá-
rios grupos começaram a se dissolver em todo o país. Uma exceção 
foi o Grupo Gay da Bahia, fundado pelo antropólogo Luis Mott em 
Salvador. Este, juntamente com o grupo carioca Triangulo Rosa en-
cabeçou uma importante e vitoriosa campanha contra a classificação 
patologizante até então adotada pelos médicos. Assim, apesar das 
desavenças surgidas entre os militantes do Movimento Homossexu-
al, a chamada “movimentação gay”, de natureza lúdica e comercial, 
parecia ganhar cada vez mais espaço e imperavaum grande otimis-
mo entre essa parcela da população residente nas grandes cidades, 
que cada vez mais se mostrava disposta a “sair do armário”. Dos Es-
tados Unidos e de alguns países da Europa Ocidental vinham gran-
des exemplos de liberação sexual, que eram tomados como modelo 
pelos brasileiros.
Porém outras notícias começaram a chegar, a partir de 1983, dos 
Estados Unidos e de outros lugares onde havia grandes comunidades 
homossexuais. Uma doença misteriosa começava a atacar principal-
mente homens gays, levando-os rapidamente a uma morte dolorosa 
e ignóbil. Ícones gays do mundo das artes e da moda começaram a 
morrer em grande quantidade, sem que se entendesse o modo de in-
fecção. A aids, ainda não identificada como tal, rapidamente chegou 
a São Paulo, matando numerosos militantes gays e frequentadores 
do chamado “gueto”. Logo rotulada de “câncer gay”, a doença levou 
a um rápido retrocesso no progresso emancipatório homossexual e 
os próprios estabelecimentos comerciais voltados a essa população 
se sentiram ameaçados. Notícias chegavam a respeito do fechamen-
to de numerosas saunas gays americanas e alguns países, adotavam 
a-construicao-da-igualdade-MIOLO.indb 31 21/05/18 10:16
32 | EDWARD MCRAE
políticas de internação compulsória dos infectados, à maneira dos 
antigos leprosários ou dos campos de concentração.
Novamente, os antigos militantes deixaram de lado suas desaven-
ças e se organizaram para fazer frente à pandemia, formando grupos 
como o GAPA-SP, o GAPA-BA, o GAPA-RJ, a ABIA e outras organiza-
ções em diversas regiões do país. Tinham o propósito inicial de pres-
tar assistência e solidariedade aos pacientes, mas não abandonavam 
suas posturas militantes e aguerridas ao cobrar medidas efetivas do 
governo. Suas atividades foram bastante bem-sucedidas, servindo 
de importantes propulsoras dos programas nacionais e regionais de 
atenção à aids, exigindo a construção de serviços dignos e eficazes 
para a prevenção e tratamento da moléstia. Enfatizavam sobretudo a 
importância de preservar os direitos dos pacientes e de suas comuni-
dades. Logo ficou clara a importância dessas organizações para uma 
resposta adequada à situação e as autoridades nacionais e interna-
cionais começaram a encorajar o surgimento de novos grupos ho-
mossexuais militantes e a financiar as suas atividades, especialmente 
aquelas voltadas para a prevenção, conforme nos relatam Teodorescu 
e Teixeira (2015). Começou então um novo período de crescimento da 
militância, embora, com o passar do tempo, suas conexões oficiais e 
o ingresso de novos agentes, mais familiarizados com os meandros 
da burocracia oficial, tenham levado a uma redução de seu ímpeto 
contestatório inicial.
Durante o período em que pesquisei e militei junto ao movimento 
homossexual, fui frequentemente impactado pelas diferenças entre 
os variados estilos de militância que encontrava. As diferenças tor-
navam-se especialmente visíveis nas relações com que os militantes 
gays travavam participantes de agremiações políticas mais voltadas 
à luta classista. Enquanto estes primavam por suas aparências sérias 
e comedidas em termos corporais, os membros do Somos frequen-
temente recorriam à brincadeira e à “fechação”. Mas, mesmo entre 
os membros dos grupos homossexuais, havia aqueles que preferiam 
uma apresentação sóbria, voltada fundamentalmente a mostrar que 
o homossexual podia ser tão “normal” quanto os outros. Em alguns 
casos, os homossexuais masculinos se esforçavam para mostrar que 
podiam ser tão “homens” quanto os heterossexuais. Mas a eles se 
a-construicao-da-igualdade-MIOLO.indb 32 21/05/18 10:16
EM DEFESA DO GUETO | 33
contrapunham outros que adotavam posturas mais transgressivas 
ou caricaturais. Aproveitei então de um honroso convite para parti-
cipar de uma coletânea com eminentes professores, onde publiquei 
um artigo, sobre os diferentes tipos de militância, que chamei de “Os 
respeitáveis militantes e as bichas loucas”. Relendo atualmente esse 
texto, editado originalmente em 1982, achei importante resgata-lo 
aqui. Considero que continua interessante para aqueles que procu-
ram entender o clima reinante entre os que se opunham ao sistema 
ditatorial então vigente, atuando de diferentes maneiras. Também me 
parece que seja de interesse para os membros dos crescentes grupos 
de jovens, como os que hoje se denominam “não binários”, que vol-
tam a transgredir, com intenções políticas, os papeis tradicionalmente 
atribuídos aos dois sexos, através da vestimenta e de outras formas 
de comportamento.
Um tema que me chamou muito à atenção durante essa época foi a 
da importância do então chamado “gueto” para a construção de uma 
identidade homossexual, algo ainda pouco definido e inconstante. A 
questão era muito discutida entre os militantes, vários dos quais ex-
pressavam um certo desprezo pelos frequentadores dos ambientes 
gays comerciais, a quem chamavam de “bichas desorganizadas”. Mi-
nha própria experiência me apontava o quanto se aprende a ser ho-
mossexual naqueles ambientes e o quanto isso era importante para 
a autoestima do indivíduo. Novamente, encontrei diversas divisões 
entre os frequentadores do “gueto”, em termos de classe social, idade 
e estilo, mas era inegável a importância da maneira como lá se punha 
em questão a “normalidade”, afugentando sentimentos de pecado e 
doença, que viessem assombrar o indivíduo. Sob o incentivo de Flávio 
Pierucci, publiquei algumas reflexões a respeito da importância des-
se espaço lúdico na revista Novos estudos CEBRAP em 1983, no artigo 
“Em defesa do gueto”, também incluído aqui.
Outro texto, “Afirmação de identidade homossexual: seus perigos 
e sua importância”, um artigo escrito enquanto ainda preparava mi-
nha tese, mas somente publicado em 1987, voltava-se mais especifi-
camente para a discussão da identidade homossexual. Numa época 
em que ainda não se tinha notícia das contribuições da teoria queer 
para o debate, embasei minha argumentação nas propostas de Michel 
a-construicao-da-igualdade-MIOLO.indb 33 21/05/18 10:16
34 | EDWARD MCRAE
Foucault. Seguindo seu exemplo, discutia os perigos de uma natura-
lização da identidade homossexual, porém, sem deixar de lembrar de 
sua importância tática na conquista de direitos.
O artigo seguinte foi escrito para a revista Temas IMESC-Sociedade, 
direito e saúde, após completar meu doutorado, quando já me encon-
trava profundamente envolvido com a luta contra a aids. Devido à pou-
ca compreensão de seus mecanismos de disseminação, a prevenção 
à moléstia era baseada em certos elementos do senso comum então 
reinante, com toda a sua carga de preconceitos. Assim, a forma mais 
óbvia de prevenção parecia ser a total evitação das práticas homosse-
xuais e o isolamento dos infectados. Este último recurso era discutido 
em vários lugares e, em alguns casos, chegou a ser posto em prática.
Já a prescrição de abstinência sexual ou de monogamia exclusiva, ia 
contra as práticas costumeiras de grande parte da população homos-
sexual masculina. Para muitos a alternância constante de parceiros era 
uma parte constitutiva da identidade gay. As propostas de sexo segu-
ro, apresentadas como alternativa, evitavam a ênfase dada à questão 
de números de parceiros, para priorizar a adoção de técnicas sexuais 
capazes de diminuir os riscos de contágio. Mas várias condições pa-
reciam impossibilitar esse recurso no Brasil, como a falta de costume 
dos homossexuais de se prevenirem usando camisinha. Afinal, diferen-
temente dos heterossexuais, nunca haviam tido de se prevenir contra 
o risco de gravidez em suas relações e as doenças sexualmente trans-
missíveis até então conhecidas, que os acometiam frequentemente, 
eram facilmente superadas com algumas doses de antibiótico. Outro 
sério empecilho era a relutância de fundo moralista das autoridades 
sanitárias e dos meios de comunicação, em difundirem orientações de 
sexo seguro, que alegadamente encorajariam a promiscuidade.
Este texto foi incluído por forneceruma ideia do clima ameaça-
dor, quando não havia nenhum tratamento mais eficaz para a doença 
e que era percebido pelos homossexuais como colocando em risco 
muitas das conquistas obtidas até então.
Atualmente afortunadamente, parece um tanto defasado, até em 
termos linguísticos. Conseguiu-se evitar os temidos retrocessos de 
direitos e ocorreu um radical desvelamento público das práticas sexu-
ais em geral, devido à necessidade de discutir as suas minúcias para 
a-construicao-da-igualdade-MIOLO.indb 34 21/05/18 10:16
EM DEFESA DO GUETO | 35
fazer frente à aids de modo mais efetivo. Um exemplo do anacronismo 
desse texto é o uso que faço do termo “camisa de vênus”, que parecia 
mais sério e respeitável do que a palavra “camisinha”, na época ain-
da considerada de baixo calão. Essa conotação negativa era normal-
mente atribuída à natureza supostamente nojenta do contraceptivo 
e somente alguns mais audaciosos opinavam que seria possível rea-
lizar campanhas publicitarias que levassem a uma erotização e maior 
aceitação desse objeto. Minha razão para incluir aqui o artigo é para 
que possa servir como registro histórico das preocupações do perío-
do. Receava-se que detectar pessoas soropositivas somente servisse 
para criar uma nova classe de párias sociais, num período em que não 
se poderia oferecer nenhum tipo de tratamento mais resolutivo capaz 
de afastar a inevitabilidade de morte a curto prazo.
Finalmente, na última se não mais longa secção desta obra, apre-
sento a versão revisada do livro que escrevi a partir de minha tese A 
construção da igualdade. Esse texto foi submetido a uma cuidado-
sa releitura de natureza basicamente estilística, mas sem nenhuma 
alteração fundamental. Talvez a mais importante e reveladora das 
mudanças ocorridas no campo, desde a escrita da tese e da primeira 
edição do livro, seja a maneira como inicialmente, em consonância 
com o linguajar corrente entre os militantes homossexuais, as traves-
tis eram referidas no masculino. Em respeito às sensibilidades atu-
ais desse segmento da população, fiz as necessárias alterações para 
trata-las no feminino. Outro ponto que atualmente parece afrontar a 
correção política foi meu uso ocasional do termo “homossexualismo”, 
que encontrei em alguns dos artigos. Na época era uma expressão de 
uso corrente, mesmo entre os militantes. Encontrá-lo nesses textos 
serviu para me lembrar que a conotação patologizante atualmente 
atribuída ao termo é relativamente recente. Afinal, o sufixo “ismo” 
nem sempre se refere a doença, como no caso de “socialismo”, ” em-
preendedorismo” ou “lesbianismo”, por exemplo. Reconheço, porém 
a importância da discussão sobre essa forma de expressão, pois tem 
se mostrado uma boa oportunidade de se levantar a questão da “nor-
malidade” dessa orientação sexual. Afinal, o título do livro que Peter 
Fry e eu publicamos em 1983, O que é a homossexualidade, foi cuida-
dosamente escolhido para marcar uma nova e positiva maneira de 
a-construicao-da-igualdade-MIOLO.indb 35 21/05/18 10:16
36 | EDWARD MCRAE
encarar essa orientação sexual. Para tanto, nada melhor do que um 
nome que fugisse do usual.
Referências
COWAN, B. Homossexualidade, ideologia e “subversão” no regime militar. In: 
GREEN, J. N.; QUINALHA, R. (Org.). Ditadura e homossexualidades: repressão, 
resistência e a busca da verdade. São Carlos, SP: EdUFSCar, 2014. p. 27-52.
FRY, P. Da hierarquia à igualdade: a construção da homossexualidade no Brasil. 
In: FRY, P. Para inglês ver: identidade e política na cultura brasileira. Rio de 
Janeiro: Zahar, 1982. p. 87-115.
FRY, P. Homossexualidade masculina e cultos afro-brasileiros. In: FRY, P. Para 
inglês ver: identidade e política na cultura brasileira. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. 
p. 54-86.
GREEN, J.; TRINDADE, R. (Org.). Homossexualismo em São Paulo e outros escritos. 
São Paulo: Ed. UNESP, 2005.
GREEN, J. N.; QUINALHA, R. (Org.). Ditadura e homossexualidades: repressão, 
resistência e a busca da verdade. São Carlos, SP: EdUFSCar, 2014.
LAURINDO-TEODORESCU, L. L.; TEIXEIRA, P. R. Histórias da AIDS no Brasil, 
1983-2003: as respostas governamentais à epidemia de aids. Brasília, DF: 
Ministério da Saúde Secretaria de Vigilância em Saúde: Departamento de DST, 
Aids e hepatites virais, 2015. v. 1
MACRAE, E. O militante homossexual no Brasil da Abertura. 1985. 218 f. Tese 
(Doutorado em Antropologia) – Departamento de Ciências Sociais, Faculdade 
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 
1985.
MACRAE, E. A construção da igualdade: identidade sexual e política no Brasil da 
“abertura”. Campinas, SP: Ed. UNICAMP, 1990.
MACRAE, E. Afirmação de identidade homossexual: seus perigos e sua 
importância. In: TRONCA, Í. A. (Org.). Foucault vivo. Campinas, SP: Pontes, 
1987a. p. 81-88.
MACRAE, E. AIDS: prevenção ou nevo tipo de segregacionismo? Tema IMESC-
Sociedade, Direito e Saúde, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 73-81, 1987b.
MACRAE, E. Em defesa do gueto. NOVOS ESTUDOS – CEBRAP, São Paulo, v. 2, 
n. 1, p. 53-60, abr. 1983.
SILVA, J. F. B. da. Aspectos sociológicos do homossexualismo em São Paulo. 
Sociologia, v. XXI, n. 4, p. 350 – 360, out. 1959.
a-construicao-da-igualdade-MIOLO.indb 36 21/05/18 10:16
Os respeitáveis militantes 
e as bichas loucas1
Durante alguns meses nos anos de 1980 e 1981, um jornal alternati-
vo editado em São Paulo resolveu, por conta própria, convidar al-
guns militantes do Movimento Homossexual para formarem uma 
editoria homossexual, prometendo-lhes um espaço mais ou menos 
regular na sua publicação. Apesar de não terem uma ideia muito 
clara sobre o que era o Movimento Homossexual no Brasil, os edito-
res daquele periódico procuravam ser coerentes com o seu princí-
pio de apoio às reivindicações das chamadas “minorias” e estavam 
dispostos a dar bastante respaldo aos seus novos companheiros.
Obviamente surgiram vários problemas, principalmente devido 
a diferenças nas escalas de prioridades. O jornal, apesar de preten-
der ocasionalmente ceder espaço para matérias sobre os homosse-
xuais, não era o Lampião e tinha como um de seus objetivos princi-
pais a construção do então recém-criado Partido dos Trabalhadores. 
Além disso, há indícios que sua direção não era totalmente autônoma, 
1 Texto publicado originalmente em EULÁLIO, A. (Org.). Caminhos Cruzados: linguagem, 
antropologia, ciências naturais. São Paulo: Brasiliense, 1982. p. 99 - 111. Posteriormente, 
voltou a ser publicado em: COLLING, L. (Org.). Stonewall 40 + o que no Brasil? Salvador: 
EDUFBA, 2011. p. 21-35.
a-construicao-da-igualdade-MIOLO.indb 37 21/05/18 10:16
38 | EDWARD MCRAE
devendo prestar contas a uma organização de inspiração trotskista, 
com ramificações em várias regiões do país, para a qual o jornal ser-
via como uma espécie de porta-voz. Por outro lado, no seio do Movi-
mento Homossexual, acabava de ocorrer uma série de incidentes ex-
tremamente penosos e algo decepcionante. Esses haviam resultado 
do esfacelamento do Grupo Somos-SP, pelo qual muitos, com maior 
ou menor razão, culpavam a atuação de integrantes de outra entida-
de trotskista; a Convergência Socialista que, segundo se afirmava na 
época, teria tentado “atrelar” o grupo à sua organização. Como con-
sequência, instaurou-se no Movimento Homossexual uma profunda 
suspeita de qualquer tipo de atividade político-partidária. Os novos 
responsáveis pela editoria homossexual nem mesmo estavam inscritos 
no Partido dos Trabalhadores, então em campanha para conseguir o 
número mínimo de filiados que lhe possibilitasse uma existência le-
gal. Mas, apesar de sua posição herética no jornal, eram convidados 
a participar de todas as reuniões de pauta, onde suas opiniões eram 
devidamente ouvidas e discutidas.
Todo esse relato está aqui para caracterizar o inusitado grau de 
boa vontade estendida ao Movimento Homossexual e para carac-
terizar as divergências que surgiram, não como resultado de mero 
preconceito heterossexual, mas das dificuldades tanto a nível táticoquanto estratégico de um entrosamento da luta dos homossexuais 
organizados com a militância socialista.
Durante algumas semanas conseguiu-se estabelecer um modus 
vivendi razoavelmente satisfatório e chegou-se a publicar artigos 
questionando os papéis sexuais e até a forma tradicional de militân-
cia esquerdista. Por exemplo, uma manchete encimando um artigo 
de página inteira sobre a atuação política das lésbicas organizadas, 
proclamava: “Chanacomchana”, o primeiro jornal lésbico do Brasil, 
declara: “Por uma prática de erotizar a subversão”.
Porém, as dificuldades ficaram explícitas quando se quis publicar 
um artigo enviado pelo Grupo Gay da Bahia, a respeito do 1º Encontro 
de Homossexuais Organizados do Nordeste. Este artigo, escrito na 
linguagem comumente usada pelos integrantes do Movimento Ho-
mossexual, procurava transmitir não só as reivindicações levantadas, 
mas também o clima da reunião. A certa altura, eram transcritas as 
a-construicao-da-igualdade-MIOLO.indb 38 21/05/18 10:16
OS RESPEITÁVEIS MILITANTES E AS BICHAS LOUCAS | 39
palavras de ordem que haviam sido gritadas durante uma pequena 
passeata promovida pelos participantes do encontro.
Estas eram frequentemente escandalosas ou aparentemente le-
vianas, como se pode ver pelos seguintes exemplos.
Au, au, au, é legal ser homossexual.
Éte, éte, éte, é gostoso ser gilete. 
Ado, ado, ado, ser viado não é pecado. 
U, u, u, é gostoso dar o cu.
Ona, ona, ona, é legal ser sapatona. 
O coito anal derruba o capital. 
Algumas das opiniões dos participantes que foram transcritas 
pareciam especialmente provocativas às pessoas engajadas em uma 
militância ortodoxa esquerdista, como a que dizia:
Diversidade não é divisão. É pluralismo, é criatividade. Quanto 
mais diferente, melhor. Somos pelo show pirotécnico! Pela escu-
lhambação organizada! 
Logo de início, ao receberem o artigo, os responsáveis pela edito-
ria homossexual constataram que seria impossível a sua publicação 
em versão integral devido a problemas de espaço, mas no resumo 
que fizeram mantiveram algumas das palavras de ordem, como as 
que diziam que é legal ser homossexual e que é gostoso ser gilete, 
que consideraram as menos escandalosas. Mesmo assim, os resulta-
dos desta autocensura levantaram inúmeras dúvidas entre os outros 
membros do corpo editorial. Estes, embora dispostos a publicar o 
artigo por uma questão de democracia interna, não deixaram de dar 
vários conselhos a respeito da matéria da orientação que estava sen-
do dada àquela editoria em geral. Alegava-se que a linguagem usada 
era apropriada a uma publicação voltada a um mercado gay, mas que 
naquele jornal ela serviria somente para confirmar preconceitos, re-
forçando a imagem caricatural do homossexual como palhaço e ridí-
culo. Também foi lembrado que alguns leitores já haviam reclamado 
do espaço excessivo que estaria sendo reservado a essas matérias de 
importância considerada secundária.
Nesta ocasião, o resumo do artigo acabou sendo publicado, mas 
provavelmente só porque seu conteúdo tratava de uma importante 
a-construicao-da-igualdade-MIOLO.indb 39 21/05/18 10:16
40 | EDWARD MCRAE
reunião dos grupos homossexuais do Nordeste, caindo, portanto, na 
categoria de “militância”, tão cara à direção do jornal. Tivesse ele uma 
natureza mais reflexiva, discutindo em mais profundidade a questão 
homossexual, suas dificuldades de aceitação certamente seriam maio-
res, se persistisse em empregar tal linguagem. Ficou então colocado 
para os editores homossexuais, de forma bastante clara, as contra-
dições que defrontavam na sua tentativa de levar a discussão da ho-
mossexualidade para um campo dominado por uma concepção de 
política como relacionada primária e quase exclusivamente à luta de 
classes. Para serem ouvidos e entendidos, pediam-lhes que higieni-
zassem a homossexualidade, reduzindo seus praticantes à categoria 
mais facilmente assimilável de “grupo oprimido lutando por seus di-
reitos”, conceptualmente não muito diferente de uma associação de 
favelados talvez lutando pela abertura de uma escola em seu bairro 
para possibilitar a integração de seus filhos na estrutura social em 
uma posição mais vantajosa.
Não se deve criticar demasiado o corpo editorial do jornal por isso, 
pois a atitude que recomendavam foi adotada durante muito tempo 
pelos próprios batalhadores pelos direitos dos homossexuais. Desde 
os primórdios daquela campanha, tentou-se mostrar que eles pode-
riam ser cidadãos tão bons, decentes e integrados quanto os heteros-
sexuais. No século passado chegou-se ao ponto de inventar a ideia de 
um “terceiro sexo” para o qual a homossexualidade seria “natural”, 
por ser uma tendência congênita. Mas, ao lado desta aristocracia, 
homossexual por nascimento, haveria um bando desclassificado de 
parvenus degenerados, os “pervertidos”, cuja homossexualidade era 
“adquirida” e, portanto, ilegítima e passível a todo tipo de repressão.
Os militantes homossexuais de então eram realmente bastante 
respeitáveis, frequentemente escudando suas reivindicações atrás 
de títulos médicos e quase invariavelmente procurando angariar as 
simpatias do establishment. Em seu livro de memorias Christopher 
and his kind, o romancista inglês Christopher Isherwood descreve 
o contato que ele teve com Magnus Hirschfeld, provavelmente o 
mais importante dos primeiros militantes homossexuais. Em 1929, 
visitando o Instituto de Ciência Sexual, alojado em um belo palá-
cio da antiga Berlim, ele se surpreendeu com o clima de seriedade 
a-construicao-da-igualdade-MIOLO.indb 40 21/05/18 10:16
OS RESPEITÁVEIS MILITANTES E AS BICHAS LOUCAS | 41
e respeitabilidade do que era então uma espécie de quartel general 
do movimento homossexual.
O mobiliário era clássico, com pilares e guirlandas, mármores pe-
sados, cortinas solenemente esculturais e gravuras sóbrias. O almoço 
era uma refeição de decoro e sorrisos graciosos, presidida por uma 
senhora grisalha de amável dignidade: uma garantia viva de que o sexo 
naquele santuário era tratado com seriedade. Como não seria? Sobre a 
entrada do Instituto havia uma inscrição em latim com os dizeres: “Sa-
grado ao Amor e à Mágoa”. (ISHERWOOD, 1977, p. 15, tradução nossa)
Mas, apesar de toda a sua dignidade, o Instituto não resistiu à 
ascensão de Hitler e foi o primeiro alvo da campanha nazista contra 
livros “pouco germânicos” e, já em maio de 1933, foi saqueado e sua 
biblioteca de 10.000 volumes incinerada em uma fogueira pública 
junto com um busto do próprio Hirschfeld.
O advento do nazismo e do stalinismo significou o fim de toda 
militância homossexual até a conclusão da II Guerra Mundial e foi 
somente em 1948 que se voltou a retomar a campanha por direitos 
para os homossexuais. Nos Estados Unidos formou-se o Mattachine 
Society, inicialmente uma organização semiclandestina que, adotando 
uma linha de moderação e cautela, visava a integração dos homosse-
xuais na sociedade. Seus associados muitas vezes aceitavam a noção 
da homossexualidade ser uma doença, frequentemente adotavam 
pseudônimos e enfatizavam a sua respeitabilidade. A própria palavra 
“homossexual” era rejeitada devido à sua ênfase no “sexual” e outros 
neologismos eram adotados como “homófilo” e “homoerótico”. Esta 
postura aparentemente tímida pelos padrões atuais é bastante com-
preensível, se levarmos em conta a natureza repressiva da sociedade 
americana de então, e a ameaça constante que o macartismo repre-
sentava para qualquer atuação política mais radical. Em outros paí-
ses também começaram a surgir grupos similares, como o Arcadie da 
Franca, o Forbundet 48 da Dinamarca, o COC da Holanda, etc.
Porém, no final da década de 60, depois do aparecimento do mo-
vimento hippie e da contracultura, após os eventos de maio-junho de 
68 em Paris, surgiu o Gay Liberation Front, nos EUA, advogando uma 
postura muito mais radical e questionadora da sociedade. Para carac-
terizar a ruptura que ele representou com os métodos tradicionais de 
a-construicao-da-igualdade-MIOLO.indb41 21/05/18 10:16
42 | EDWARD MCRAE
militância; basta lembrar que o marco simbólico de seu aparecimento 
foi uma batalha de três noites, travada por homossexuais, incluindo 
muitos travestis e prostitutos, contra a polícia no gueto gay de Nova 
York em junho de 1969. A luta foi bastante violenta e os homossexu-
ais, além de evidenciar uma fúria inusitada contra seus tradicionais 
repressores, também gritaram palavras de ordem insólitas para a 
época, como:
Poder Gay
Sou bicha e me orgulho disso
Eu gosto de rapazes, etc.
Poucos meses depois, o Gay Liberation Front, já mais estruturado, 
lançaria seu próprio jornal, chamado Come Out – que pode ser tradu-
zido como Assuma-se – e consagraria o dia 28 de junho como o “Dia 
de Orgulho Gay”.
O exemplo de Nova Iorque logo foi seguido em outras partes 
dos Estados Unidos, e também na Europa, onde surgiram grupos 
radicais que, além de adotarem táticas de luta muito mais diretas 
e às vezes violentas, tinham reivindicações qualitativamente dife-
rentes. Indo muito além de uma exigência por direitos civis, despre-
zavam os “homófilos” por desejarem uma integração à sociedade 
existente. Eles exigiam uma mudança radical na própria sociedade, 
preconizando a abolição das diferenças entre os papéis sexuais de-
sempenhados pelo homem e pela mulher, juntamente com os pa-
drões estereotipados de masculinidade e feminilidade. Até mesmo 
a dicotomia hetero/homossexual foi criticada, advogando-se a bis-
sexualização da sociedade. Procurava-se acabar com a sociedade 
dos “normais”, incorporando às táticas de agressão e aos padrões 
e valores estabelecidos a desmunhecação e outros comportamen-
tos homossexuais extremamente estereotipados, em alguns casos, 
adotando o travestismo.
O uso da desmunhecação e do escândalo, por parte de militantes 
homossexuais, é suscetível de várias abordagens e, dada a frequên-
cia de sua recorrência, não pode ser ignorado em qualquer aborda-
gem mais aprofundada do tema da militância homossexual. Uma das 
a-construicao-da-igualdade-MIOLO.indb 42 21/05/18 10:16
OS RESPEITÁVEIS MILITANTES E AS BICHAS LOUCAS | 43
formas interessantes e produtivas de encarar o fenômeno é vê-lo à 
maneira de Goffman (1968), como uma tática para lidar com uma iden-
tidade estigmatizada.
Como ele nos mostra, o indivíduo estigmatizado, além das outras 
dificuldades inerentes à sua condição específica, ainda está sujeito 
a um permanente bombardeio de “conselhos” sobre como portar-se 
e como encarar a sua identidade. Porém, esses conselhos, parecidos 
com os dados aos responsáveis pela editoria homossexual do jornal 
esquerdista mencionado anteriormente, são geralmente contraditó-
rios, enfatizando, ao mesmo tempo, a necessidade do estigmatizado 
se integrar na sociedade tão bem quanto possível e a importância 
dele não tentar negar o seu estigma e o grupo de estigmatizados ao 
qual pertence. Dependendo da forma como ele resolve esta charada 
o indivíduo será então julgado “alienado” ou “autêntico”. (GOFFMAN, 
1968, p. 135) Mesmo que ele queira ignorar o seu estigma, sempre lhe 
é cobrado um posicionamento e, portanto, torna-se compreensível, 
especialmente da parte de indivíduos mais auto afirmativos, um com-
portamento que, ao menos ocasionalmente, enfatize a condição es-
tigmatizada. Outros indivíduos poderão optar por um modo de ação 
contrário, adotando uma prática de camuflagem de sua condição es-
tigmatizada. Mas Goffman (1968) nos chama a atenção para o fato de 
que muitas vezes se espera que o indivíduo se identifique com o agre-
gado de seus companheiros de infortúnio porque este é considerado 
o seu grupo verdadeiro, aquele ao qual ele pertence naturalmente. 
Todas as outras categorias ou grupos, aos quais o indivíduo também 
pertence, não são considerados como realmente seus. Ele não é um 
deles. Portanto em termos de sua identidade de ego, ou seja, a forma 
como ele deveria se avaliar, a posição da camuflagem pode ser dema-
siadamente penosa. (GOFFMAN, 1968, p. 139)
Já vimos como os participantes do Encontro de Homossexuais 
Organizados do Nordeste, de 1981, adotaram atitudes estereotipa-
das como maneira de marcar sua presença. Essa prática está também 
presente em todos os grupos de militância homossexual que eu já 
tive a oportunidade de ver atuando no Brasil. A propósito, durante 
uma passeata promovida em 1980 para protestar contra a repressão 
policial em São Paulo, um dos slogans mais repetidos era: “Agora, já, 
a-construicao-da-igualdade-MIOLO.indb 43 21/05/18 10:16
44 | EDWARD MCRAE
queremos é fechar”.2 Igualmente, durante bastante tempo entre os 
grupos de São Paulo, discutiu-se o esvaziamento da conotação pe-
jorativa da palavra “bicha” que passou a ser usada pelos militantes 
para se referirem uns aos outros.
O que estaria ocorrendo aqui é a recuperação, por parte de mi-
litantes, das práticas e de uma linguagem corrente em certos meios 
homossexuais mais imediatamente visíveis. Sua negação ou reprova-
ção seriam mais uma forma de reprimir os gays mais arrojados e “es-
candalosos” que, embora de modo até agora desorganizado e pouco 
teorizado, representariam a ponta de lança da afirmação homossexual. 
Essa política, porém, é alvo de muitas críticas por parte daqueles que 
receiam uma nova normatização da homossexualidade. Mas Foucault 
pode ser invocado aqui para nos ajudar a clarear nossos pensamentos 
sobre o assunto quando ele discute a polivalência tática dos discursos 
que, segundo ele, devem ser entendidos como uma multiplicidade de 
elementos discursivos capazes de entrar em estratégias diferentes. 
Como ele diz: “É preciso admitir um jogo complexo e instável em que 
o discurso pode ser, ao mesmo tempo, instrumento e efeito do poder, 
e também escora, ponto de resistência e ponto de partida de uma es-
tratégia oposta”. (FOUCAULT, 1979, p. 96)
Portanto, seguindo sua lógica, reforçar novas categorias ou iden-
tidades não é simplesmente normatizar, mas também pode ser uma 
tática inteligente de resistência para fazer valer as reivindicações de 
um discurso geralmente desqualificado.
Existe também uma outra discussão possível da questão, infor-
mada em parte pela releitura de Freud como a feita por Guattari. Ele 
fala sobre uma trupe teatral francesa As Mirabelles (GUATTARI, 1981, 
p. 43), bastante semelhante aos Dzi Croquetes brasileiros. Usavam o 
travestismo não somente para imitar mulheres mas para perturbar o 
espectador, questionando suas ideias recebidas a respeito da femini-
lidade e da masculinidade de uma forma análoga, embora talvez, mais 
trabalhada, à “fechação” de alguns militantes homossexuais. Segundo 
ele, aquela trupe de travestis coloca uma nova questão que não é mais 
2 Fechar: uma expressão de gíria homossexual que se refere a um comportamento caricato, 
desmunhecado e escandaloso.
a-construicao-da-igualdade-MIOLO.indb 44 21/05/18 10:16
OS RESPEITÁVEIS MILITANTES E AS BICHAS LOUCAS | 45
a de saber se vamos desempenhar o papel feminino contra o mascu-
lino, ou o contrário, e sim fazer com que os corpos, todos os corpos, 
consigam se livrar das representações e dos constrangimentos do 
“corpo social”, bem como das posturas, atitudes e comportamentos 
estereotipados, da “couraça” de que falava Wilhelm Reich.
Para Guattari (1981) o movimento operário e revolucionário esta-
ria atualmente esclerosado, devido à sua postura de surdez perante 
os verdadeiros desejos do povo e esta situação só poderia ser reme-
diada se nós pudermos nos colocar à escuta de nosso próprio desejo 
e daquele de nosso entorno mais imediato. O efeito da atuação das 
Mirabelles como também o da “fechação” seria então o de explorar, 
impulsionados pelo nosso desejo, o caminho que nos remete a nos-
sos corpos, um devir-OUTRO, um tornar-se diferente daquilo que o 
corpo social repressivo nos destinou autoritariamente. Guattari vai 
mais além na sua formulação e levanta também a ideia de que, em-
bora não se pretenda substituir a luta de classe pelas lutas do dese-
jo, mesmo assim os pontos de junção entre

Continue navegando