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U n iv er si d ad e C at ó lic a d e P er n am b u co 1 FILOSOFIA E FORMAÇÃO INTEGRAL U n iv er si d ad e C at ó lic a d e P er n am b u co 3 FILOSOFIA E FORMAÇÃO INTEGRAL Prof. Dr. Gerson Francisco de Arruda Júnior Educação a Distância Universidade Católica de Pernambuco EaD UNICAP U n iv er si d ad e C at ó lic a d e P er n am b u co 5 UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO - UNICAP Reitor Prof. Dr. Pe. Pedro Rubens Ferreira Oliveira, S. J. Pró-reitor Administrativo Prof. Msc. Márcio Waked de Moraes Rêgo Pró-reitor Comunitário Prof. Dr. Pe. Lúcio Flávio Ribeiro Cirne, S. J. Pró-reitor de Graduação e Extensão Prof. Dr. Degislando Nóbrega de Lima Pró-reitora de Pesquisa e Pós-graduação Profª. Dra. Valdenice José Raimundo UNICAP DIGITAL Diretor Prof. Dr. Pe. Carlos Jahn, S. J. Assessor de EaD Prof. Msc. Valter Avellar Assessora Pedagógica Profa. Msc. Larissa Petrusk Designers Instrucionais Esp. Fernanda Silveira Msc. Flávio Santos Analista de Sistemas Prof. Msc. Flávio Dias Secretário Msc. Valmir Rocha ____ Correção Ortográfica Msc. Fernando Castim Diagramação Msc. Flávio Santos EDIÇÃO 2020 Rua do Príncipe, 526 - Bloco C - Salas 302 a 305 Boa Vista - Recife-PE - Cep: 50050-900 Telefone +55 81 2119.4335 PALAVRA PROFES SOR U n iv er si d ad e C at ó lic a d e P er n am b u co 7 Caro estudante, com esta Unidade chegamos ao trajeto final do nosso caminhar pelas ruas e avenidas da disciplina Filosofia e Formação Integral. E não havia uma melhor maneira de concluirmos esse trajeto, senão considerando uma das temáticas importantes para a formação humana, a saber, a relação entre a filosofia e os valores humanos. Como veremos, trata-se, no fundo, de uma incursão filosófica sobre os principais temas da ética e da sua importância para a formação e existência humanas. Na Unidade 3, discutimos sobre algumas abordagens filosóficas da cultura e da sociabilidade humana. Nela, vimos aspectos importantes da condição e da vivência sociais dos homens. Contudo, a vida em sociedade traz consigo uma série de conflitos e de tensões que, não poucas vezes, comprometem a boa convivência entre os seres humanos. É, pois, na tentativa de melhor compreender esses dilemas humanos que esta Unidade 4 tem o seu conteúdo voltado para a apresentação e discussão de tópicos relacionados à ética e aos valores humanos. Esta Unidade está dividida basicamente em 5 tópicos principais. No primeiro deles, considera-se a relação entre a ética, a fundamentação moral e os valores humanos. Busca-se definir e distinguir ética e moral, e discorre- se sobre alguns fundamentos da moralidade e como eles incidem na elaboração de valores humanos. No segundo tópico, veremos algumas das principais teorias filosóficas sobre a ética. Investiga-se conceitualmente a ética como um ramo da própria filosofia, considerando seus principais desdobramentos teóricos. Logo após, pondera-se sobre a ética e suas implicações diante do tema do multiculturalismo e do respeito. Propõe analisar pontuar algumas dificuldades de nos relacionarmos com o diferente. No quarto tópico, trataremos do tema da liberdade humana, associando-a ao tema da responsabilidade e do cuidado. Destaque aqui para a reflexão dada ao cuidado com o meio-ambiente. Por fim, no quinto e último tópico desta Unidade, consideraremos o tema das chamadas Éticas Aplicadas. O objetivo é perceber a importâncias do agir ético em diversas áreas da vida humana. Sendo assim, desejamos um bom estudo e uma excelente caminhada nesse último percurso do nosso trajeto! OBJE TIVOS U n iv er si d ad e C at ó lic a d e P er n am b u co 9 UNIDADE 4 - Filosofia e Valores Humanos • Apresentar um panorama geral da ética, considerando a sua fundamentação, seus aspectos filosóficos e valorativos, e sua aplicação no nosso dia a dia. • Caracterizar algumas das principais teorias filosóficas sobre a ética, considerando os principais desdobramentos teóricos de cada uma delas. • Analisar os aspectos centrais do discurso ético a partir do tema do multiculturalismo e do respeito, pontuando sobretudo algumas dificuldades teóricas existentes no tratamento desse tema. • Discutir sobre a temática da liberdade humana, considerando-a sob o ponto de vista da responsabilidade e do cuidado conosco, com ou outros e com o meio-ambiente. U n iv er si d ad e C at ó lic a d e P er n am b u co 11 1. Ética, Fundamentação Moral e Valores Humanos A cada instante, somos confrontados com situações que exigem uma decisão moral: devo contar para meu cônjuge um “caso” com alguém no trabalho? O atendente de caixa no supermercado deu-me o troco além do que devia, por que deveria devolver o excedente se o mercado já é rico o bastante? O candidato a vereador do meu bairro ofereceu-me uma vaga de trabalho em troca do meu voto. Devo aceitar ou não? Políticos do alto escalão recebem “dinheiro não contabilizado”, o famoso Caixa Dois, em troca de liberar projetos para grandes empresários. Por que isso é considerado corrupção? Aliás, o que é corrupção? Por que ficamos tão indignados quando se notícia o desvio do dinheiro dos pagadores de impostos que iria para saúde, segurança e educação e vai parar no “bolso” do político? Por que ficamos felizes quando alguém que realmente cometeu um crime é condenado? Ou por que ficamos com raiva quando algum poderoso que, sabidamente, cometeu crimes possui privilégios que o impede de ser condenado? E acerca do aborto, eutanásia, guerra, tortura, pena de morte, racismo, suicídio etc.? Essas perguntas estão relacionadas a três maneiras diferentes de pensar sobre moral: (1) indaga-se se uma ação particular ou que tipo de ação é certa ou errada; (2) indaga-se como encontrar as respostas para essas e outras perguntas desses tipos; (3) indaga-se qual a natureza (metafísica, epistemológicas, semânticas) desse tipo de pergunta, ou seja, qual o(s) fundamento(s) para essas e outras perguntas desses tipos. No primeiro caso, está-se a se interessar por algum tipo de prática ou de agir. No segundo caso, busca-se desenvolver teorias gerais e consideram- se as ações pessoais ou consequências das ações práticas, além de propor o tipo de pessoa que alguém deve ser ou se tornar. Já no terceiro, interessa- se pelo significado da moralidade e qual a natureza de proposições morais como “torturar crianças é sempre errado” ou “alimentar o pobre é uma boa ação”. Estamos no campo da filosofia moral ou axiologia, disciplina interessada nas questões das ações ou moralidade humanas. A filósofa Marilena Chauí (2001, p. 334), ao tratar sobre esse tema, fala de senso moral e consciência moral e nos parece adequado para introduzir- nos à disciplina da filosofia moral. No tocante ao senso moral, trata-se, segundo a autora, de sentimentos que expressamos quando diante de situações quem envolvam situações éticas (a fome no mundo; emoções como medo ou vergonha, honra ou altruísmo, cólera por aquilo que é considerado injustiça etc.), enquanto a consciência moral refere-se à manifestação que exige a decisão sobre o que fazer e o que justificaria as razões para essa decisão que implica uma responsabilidade pelas consequências de tais decisões, sejam pessoais, sejam para os outros. Desse modo, tanto o senso moral quanto a consciência moral estariam envolvidos em julgamento de valores (justiça, honradez, integridade, generosidade etc.) e sentimentos carregados com esses valores (medo, vergonha, remorso, cólera, contentamento etc.). 12 F ilo so fi a e Fo rm aç ão In te g ra l Ora, você já deve notar que esses valores e sentimentos parecem ser construídos sobre valores mais fundamentais. Esses valores mais fundamentais são o bem e o mal (aqui como categorias morais, não metafísicas). Dadas situações éticas, o desiderato ético é fazer o bem e evitar o mal. Todavia, a realização desse desiderato possui, ao que parece, um fim: o de desejar afastar-se da dor e do sofrimento e alcançara felicidade. Isso é interessante porque vamos encontrar essa aspiração na história da filosofia, em especial na Filosofia Antiga e nas milenares tradições religiosas. Bom, você leu até agora uma série de termos que, certamente, você já ouviu ou leu em outros textos. Além do mais, parece que sabemos o que eles significam, e isso numa espécie de primeiros princípios morais relacionados a virtudes em geral, como cogitaram alguns filósofos escoceses como Francis Hutcheson (1694 – 1746), Adam Smith (1723-1790) e Thomas Reid (1710-1796). Por exemplo, Francis Hutcheson, que procurou introduzir o cálculo matemático em sua filosofia moral, tinha como noção central de sua filosofia a ideia de que “há no homem um sentido interno moral” que, à semelhança dos sentidos, é predisposto a “receber as impressões de ordem, harmonia e beleza”. Seria, então, algo como uma faculdade moral. Diz Hutcheson (apud PIMENTA, 2011, p. 160): [...] as disposições naturais do gênero humano operam regularmente mesmo naqueles que nunca refletiram sobre elas ou que não formaram noções justas a seu respeito. Muitos homens que não saberiam dizer o que é a virtude são realmente virtuosos; outros, que aprenderam a explicar as nossas ações como se elas fossem exclusivamente motivadas por amor- próprio, atuam em suas vidas do modo mais desinteressado e generoso. Thomas Reid (2010, p. 270, 271) também afirma que há algo como “primeiros princípios da moral”, tais como “algumas coisas na conduta humana dignas de aprovação e louvor, enquanto outras merecem censura e repre- ensão; e [para] diferentes graus de aprovação ou censura são atribuídos a diferentes ações”. Note que esses dois autores parecem fundar a ética na natureza humana, como algo inato à pessoa. Por outro lado, considere como o filósofo Immanuel Kant (1724-1804), cuja perspectiva era de fundar a moral na razão prática, uma razão moral universal que se caracteriza por um conjunto de regras (imperativos) que se impõe a todos, uma vez que os Francis Hutcheson (1694-1746) Fonte: Domínio Público Thomas Reid (1710 - 1796) Fonte: Domínio Público U n iv er si d ad e C at ó lic a d e P er n am b u co 13 conceitos morais têm a sua sede e origem completamente a priori na razão [...] que não podem ser abstraídos de nenhum conhecimento empírico e por conseguinte puramente contingente [...] porque as leis morais devem valer para todo o ser racional em geral, é do conceito universal de um ser racional em geral que se devem deduzir (KANT, 2007, p.46). Ainda, como um exercício preambular para a nossa disciplina, considera como a religião judaico-cristã (ou outras religiões), entende o agir ético. Yahweh, o Deus de Abraão, deu os Dez Mandamentos a Moisés. O antigo Israel deveria viver pelos Mandamentos de Deus. Os Cristãos, por outro lado, têm de Jesus Cristo a “regra de ouro” do amar ao próximo, expressa nas palavras “façam aos outros o que vocês querem que eles lhes façam” (Evangelho de Mateus 7:12). Poderíamos, ainda, recordar o antigo documento legal nomeado de Código de Hamurabi, datado do séc. XVIII a.C. na Mesopotâmia e anterior a Moisés. O Código é baseado na famosa Lei do Talião – “olho por olho, dente por dente”. Seriam o Código de Hamurabi, os Dez Mandamentos ou a máxima da Regra de Ouro suficientemente justificáveis para o agir ético ou mesmo a formulação de direitos e deveres? Você vai percebendo que as coisas sobre como, por que e se devemos agir ou considerar uma ação como moralmente virtuosa não é tão simples de encontrar boas razões ou justificativas. Alguém poderia simplesmente agir, mas isso seria um tanto irracional e, sem alguma justificação para tal, não se faria diferença entre ajudar uma senhorinha idosa atravessar uma rodovia movimentada ou empurrá-la entres os carros. É, portanto, por questões assim que a filosofia moral se interessa e busca razões para elas. É por questões como essas que, para melhor caminharmos no oceano do tema da ética, precisamos definir “ética” e “moral”, apresentar algumas teorias para fundamental moral, abordar algumas questões acerca dos valores humanos, em especial os direitos humanos e, depois, apresentar uma síntese de algumas teorias éticas mais correntes. Passemos ao primeiro ponto: definição de ética e moral. 1.1. Definição de Ética e Moral Tantos quantos são os problemas relacionados à ética, tantas são as definições. Desde a definição de Êutifron, registrada no diálogo platônico com esse mesmo nome, que respondeu que piedade, ou um ato piedoso, se distingue da impiedade porque, na primeira, deve-se “perseguir os que cometem injustiças”, até as definições relativistas de que as práticas éticas são partes do modo de vida de cada cultura e época, o que podemos fazer é apresentar o que dizem os estudiosos do assunto. Por exemplo, o escritor e filósofo espanhol Adolfo Sánchez Vasquez (1990, p. 12, 13), em seu manual Ética, começa por colocar a questão afirmando que os problemas teóricos morais não se identificam com os problemas práticos, mesmo que ambos estejam relacionados. A partir disso, segue- se que é um erro confundir a ética com a moral. Isso porque a “ética não 14 F ilo so fi a e Fo rm aç ão In te g ra l cria a moral”, mas é a sua ciência. Mesmo assim, o autor está convicto de que toda moral pressupõe certos princípios, normas ou regras de conduta. Todavia, é a ética que, segundo ele, “os estabelece numa determinada comunidade”. Assim, quando certas práticas morais já estão vigorando em alguma comunidade, a ética se depara “com uma experiência histórico- social” procurando determinar a natureza dessas práticas morais, sua origem, “as condições objetivas e subjetivas do ato moral”, como justificá- los, quais as suas funções etc. Assim, nesse sentido, os princípios morais precederiam a ética. Com base nisso, Vásquez (1990, p. 12, 13) assim define a ética: “a teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade [...] é a ciência da moral, isto é, de uma esfera do comportamento humano”. A moral é o objeto da ética, portanto. Se você notou bem a definição de Vásquez, ele classifica a ética como ciência, pois defende-se a ideia de que a investigação acerca dos princípios morais deve aspirar à racionalidade e objetividade mais completas para, a partir disso oferecer um corpo sistemático e metódico para contínua investigação. Porém, será assim? Ainda que os atos morais possam ser dados empíricos, a natureza do ato e o seu motivo não o são. Pode-se muito bem perguntar como Sócrates: o que é piedade? O que é virtude? O que é a coragem? O que é o bem? E, em muitos casos, receberíamos como respostas atos ou ações que seriam vistas como piedosas, virtuosas, corajosas ou bondosas. Entretanto, a natureza desses princípios morais ou virtuosos não se é acessível aos sentidos. Estaríamos, então, diante de uma instância a priori (como entendida por Kant) ou diante de algum mandamento ordenado pelos deuses? Mesmos esse entendimento não escaparia ao problema. Continuemos, então, a investigar algumas outras definições. Segundo Sandrini (2011, p. 12 – 15), “a ética diz respeito aos grandes horizontes, aos grandes princípios, ao projeto de vida das pessoas”, enquanto a moral se “preocupa com o que [já] está estabelecido, isto é, as leis, as normas, os costumes, os usos, os hábitos”. Perceba que parecer haver uma inversão na relação ética-moral em relação à definição acima. Aqui parece ser o caso de a ética ser o fundamento da moral. https://2.bp.blogspot.com/-_2zcafWUEEQ/XJKZk62Pr3I/AAAAAAAANXc/ rH5SC7805i03f44p6tt3wCzrR6BXaUlCgCLcBGAs/s320/Etica__na_moral.jpg U n iv er si d ad e C at ó lic a d e P er n am b u co 15 Também, conforme Severino (2007, p. 191), porque “o que mais angustia hoje é saber quais são os critérios de nossa ação, é saber como devemos agir, qual a melhor maneira de agir enquanto homens”, a esfera dessa angústia é a moral, cujo campo de investigação é a ética.Assim, a ética é a “área da filosofia que trata das questões do agir dos homens enquanto fundado em valores morais”. Ora, essa definição nos coloca num âmbito de onde a ética é pensada como práxis. Considerando o avanço social e a complexidade de uma sociedade cada vez mais plural, não seria estranho que assuntos relacionados ao convívio social, incluindo política e meio ambiente, estivessem no centro de discussões contemporâneas. Sendo visto como um ser parcialmente livre, um agente, o ser humano e seus atos não estariam mais vinculados à metafísica (Destino, Deus/Deuses, Natureza etc.), nem entregue ao Acaso. Suas ações são vistas sob a perspectiva de compromissos objetivos e subjetivos de uma consciência de um sujeito sócio-histórico. Daí por que Severino (2007, p. 193) afirma que “a práxis é sua [do ser humano] prática real enquanto atravessada pela intencionalidade subjetiva, ou seja, pela reflexão crítica, quando está agindo levando em consideração a totalidade dos esclarecimentos que sua subjetividade pode lhe fornecer quando criticamente aplicada”. Em outras palavras, assim concebida, a ética adquire uma dimensão política. O célebre The Cambridge Dictionary of Philosophy (O dicionário Cambridge de filosofia) (1999, p. 284) define ética como “o estudo filosófico da moralidade”, mas ressalta que a palavra é geralmente usada de forma sinônima com moralidade e, por vezes, de forma mais estrita, aplica-se aos princípios morais de uma tradição, grupo ou indivíduo particular. Nesse caso, costuma-se acrescentar algum outro termo restrito à palavra ética: ética cristã, ética kantiana, ética feminista, e assim por diante. Ao que parece, a forma sinonímica apontaria um caminho conciliatório, ainda mais se consideramos apenas a questão linguística: ética (ethos) é como os gregos chamavam o costume ou hábito de caráter ou adquiridos; a esses, os latinos chamavam moral (mores). Ainda que consideremos apropriado buscar uma definição ou relacionar ética e moral, precisamos avançar para patamares mais amplos e fazer a distinção entre alguns tipos de ética: a metaética, a ética descritiva, a ética normativa e a ética aplicada. A metaética está interessada na natureza dos termos éticos, elaborando teorias e buscando os fundamentos, se houver, e natureza dos valores e obrigações morais. O que significam “bom” e “dever”? Existem verdades morais? Como as crenças sobre certo e errado podem ser justificadas ou racionalmente defendidas? Segundo Gensler (1998, p. 3), a metaética é composta de duas partes: uma que trata na natureza dos julgamentos morais, e a outra que trata de como selecionar os princípios morais. Essa última parte tem uma dimensão metodológica. Por ética descritiva quer-se dizer apenas a descrição acerca do conjunto de ações éticas ou do comportamento de algum grupo ou cultura particulares. Nesse caso, não se procura fazer algum tipo de julgamento de valor sobre tais conjuntos ou comportamentos. Por outro lado, a ética 16 F ilo so fi a e Fo rm aç ão In te g ra l normativa investiga os princípios sobre como se deve viver. Assim, enquanto a ética descritiva trata de descrever que os indígenas tupinambás que viviam no Brasil no século XVI praticavam o canibalismo, a ética normativa pergunta se essa ação é ainda permitida ou não, se merece louvor ou repreensão, se é virtuosa ou não etc. Por fim, a ética aplicada, que obviamente se torna um desdobramento da ética normativa, aplica as descobertas da ética normativa (as teorias éticas normativas) a áreas específicas como negócios, medicina, meio ambiente, política etc. Desse ponto de vista, a ética aplicada diz coisas como “devemos fazer tal e tal...”. Eis um quadro que resume bem esses tipos de ética, destacando e enfatizando o que as caracteriza. 1.2 Fundamentação Moral Como vimos acima, a metaética é responsável por investigar qual a natureza dos valores éticos ou julgamentos morais. Não apenas formula teorias, mas procura o fundamento (singular ou plural) que servirá para justificar o agir ético. Em outras palavras, qual é a base para os valores éticos/morais? As perspectivas são variadas e procuraremos apresentar algumas propostas, já que não é o nosso objetivo tratar de todas elas. Há visões populares, como aquelas que consideram a fundamentação moral ou moralidade como fruto de convenção social ou sentimento pessoal ou mesmo a vontade de Deus. Bom, ainda que populares, alguns filósofos também defenderam ou defendem essas perspectivas. Por outro lado, há versões de que a moralidade é baseada em verdades éticas autoevidentes ou imperativos racionais, além de versões filosóficas pragmáticas. Seja como for, vamos considerar algumas dessas propostas. Devemos começar na antiguidade grega. 1.2.1 Relativismo “O homem é a medida de todas as coisas” (Protágoras) Como você deve estar lembrado, a filosofia grega teve origem com as questões cosmológicas ou naturalistas. Os primeiros filósofos, os pré- U n iv er si d ad e C at ó lic a d e P er n am b u co 17 socráticos, interessaram-se pela busca dos princípios fundamentais do cosmos. Com o surgimento do movimento sofista, considerado os primeiros educadores, no início do século V a.C., as questões cosmológicas deram lugar às questões antropológicas – se o homem pode realmente conhecer as coisas e como viver bem na cidade. Contemporâneos de Sócrates, sofistas como Protágoras (480 – 410 a.C.) e Górgias (485 – 380 a.C.), manifestam ambição por questões práticas. Assim como entendia não ser possível o conhecimento, atribuindo-o à mera opinião, também as questões éticas são entendidas como convenções sociais, não havendo qualquer fato objetivo. De Protágoras se tem “o homem é a medida de todas as coisas, das que são porque são; das que não são porque não são”. Essa máxima é posta na boca de Protágoras por Platão no Teeteto, cuja interpretação platônica, na pessoa de Sócrates, diz respeito à percepção: um vento parece frio a uma pessoa e quente à outra. A partir dessa avaliação epistemológica, dá-se um salto para o ético e, assim, tal como as coisas são como aparecem a cada um, seja para o indivíduo, seja para a cidade, cada um deve declarar o que é legal (belo e feio, justo e injusto, piedoso ou ímpio etc.) e verdadeiro, sendo a opinião aceita por todos (ou pela imensa maioria) o validador dessas coisas até o tempo que assim o aceitarem. Segundo Vásquez (1990, p. 237), na sofística, “Não existe nem verdade nem erro, e as normas – por serem humanas – são transitórias”. Assim, pode-se definir essa visão da seguinte forma: o fundamento para a ética é a aprovação individual, social ou cultural em determinado tempo e lugar – x é bom ou mau porque é aprovado por y em um tempo t e lugar l. Bom, não queremos emitir algum julgamento sobre isso, mas pense uma dificuldade, entre tantas, levantadas por essa concepção. A escravidão no Brasil começou no período colonial no século XVI quando chegaram os primeiros navios negreiros em nossas terras. Durante quase 350 anos, a escravidão foi mantida e defendida em nosso país. Ora, se a tese relativista é um bom fundamento para a moralidade, então não se pode afirmar que escravidão foi (e é) um mal. Talvez um relativista admitisse que foi para os senhores de escravos e mau para os escravizados. Mesmo assim, isso é, em si, um julgamento ético. Talvez a solução para o relativismo fosse a posição realista de afirmar que as diferenças éticas culturais e Fonte: https://minutodeetica.files.wordpress.com/2016/05/1145.jpg 18 F ilo so fi a e Fo rm aç ão In te g ra l morais poderiam refletir apenas as condições momentâneas e não princípios éticos em si, considerando que, objetivamente, a escravidão é moralmente repudiável em qualquer situação. Deve ficar claro que o relativismo não trata de etiqueta como o lado para se dirigir um automóvel ou a maneira como cumprimentamos uns aos outros. Trata-se de valores éticos que são considerados comuns amuitas culturas ou épocas: o homicídio, a mentira, o roubo, o altruísmo, a honra aos mais velhos e o cuidado com os mais fracos, o cumprimento nas promessas e contratos etc. Você experimentou mentir para um relativista? 1.2.2 Mandamento Divino “Piedade é o que todos os deuses amam, e o contrário – o que todos os deuses detestam – é a impiedade” (Êutifron) Preste atenção no trecho de diálogo abaixo. Trata-se de um diálogo platônico, Êutifron, que tem por tema a piedade. Êutifron e Sócrates se encontram num tribunal (Pórtico do Rei). Sócrates lá está porque Meleto, um jovem da cidade de Pito, o acusou de ser um “fabricante de deuses”. Já Êutifron lá está para acusar o próprio pai de homicídio, o que causa espanto em Sócrates. Por quê? Porque Êutifron acreditava que seu ato era piedoso: “Digo que a piedade é o que eu agora faço: é perseguir os que cometem injustiças – por homicídio, roubo de coisas sagradas, ou qualquer outra falta dessas”. Todavia, isso impõe uma dificuldade, pois não diz o que é piedade, apenas diz que tal e tal atitude é injusta. Sócrates – Mas qual é a matéria da acusação e de que espécie de queixa se trata? Êutífron – De homicídio, Sócrates [...] e dizem que é ímpio um filho acusar o pai de crime, mal sabendo o que para os deuses vale, relativamente ao que é piedoso e o que é ímpio. Fonte: http://3.bp.blogspot.com/-ZvHoLSpTlIE/TmNhWzQDRZI/ AAAAAAAAAFw/OD08x8O3iM0/s400/3678130007_9615c85d54_o.png U n iv er si d ad e C at ó lic a d e P er n am b u co 19 Sócrates – Por Zeus, Êutífron! Julga se conhecer assim tão exatamente as coisas divinas, de qualquer espécie que sejam, relativamente ao que é piedoso e ao que é ímpio? Procedendo desta maneira, não temos, ao entregar o teu pai à justiça, que, ao contrário, que suceda estares a cometer um ato ímpio? [...] E eu, companheiro querido, desejo tornar-me pelo discípulo, por saber isso e por ter compreendido que nenhum outro, nem esse Meleto, parece conhecer. Pelo contrário, a mim, com tal agudeza e facilidade me notaram, que me acusaram de impiedade. Ora, por Zeus, visto que a pouco afirmaste sabê-lo com clareza, dize-me o que se entende por piedade e pôr impiedade, tanto no que respeita ao assassínio quanto as outras coisas? Ou não é o haver em todos os atos uma mesma piedade – ela própria, em si e por si, de todo contrária à impiedade e igual a si própria e tendo um único aspecto – que fará com que uma coisa seja ímpia, pela impiedade [...] fala, pois, e diz-me então que espécie de coisa é a piedade e a impiedade. (PLATÃO, 1983, p. 34 – 35). Porém, de modo mais fundamental, Êutifron acreditava que fazer isso era a vontade dos deuses (parte sublinhada). Ou seja, ele conhecia a vontade dos deuses sobre o agir em relação ao ato (homicídio) e ao próximo (o pai). O personagem que dá título ao diálogo levanta uma questão: qual o fundamento para se fazer e distinguir atos piedosos dos impiedosos. Após responder à pergunta baseando em “perseguir a injustiça”, Êutifron oferece a resposta que ficaria conhecida como teoria do comando (ou ordem) divino e que levantaria um o que ficou conhecido como Dilema de Êutifron. Estamos perante a tese sobrenaturalista quando Êutifron responde que “piedade é o que todos os deuses amam, e o contrário – o que todos os deuses detestam – é a impiedade”: x é bom porque os deuses (ou Deus) deseja x. Isso fundamenta a ética na religião. Na verdade, em um país como o nosso, de grande fervor e expansão religiosa, em especial a religião cristã, não é incomum encontrarmos uma ética baseada em princípios religiosos. Aprendemos, desde cedo e de várias formas, a vontade de Deus nos Dez Mandamentos ou nos princípios cristãos. Voltemos ao diálogo. A resposta de Êutifron levanta uma questão, na verdade um dilema, que se apresenta à tese da teoria do comando divino como fundamentação moral. Eis a pergunta de Sócrates a Êutifron: “a piedade é amada pelos deuses, porque é piedade, ou é piedade, porque é amada pelos deuses?”. Essa pergunta é uma pergunta disjuntiva que se divide em duas respostas esperadas – por isso um dilema. Substituiremos “piedade” por bem, “deuses” por Deus, considerando mais a realidade em nosso país majoritariamente cristão, e “ama” por deseja para dar a forma como o dilema chegou até nós. Além do mais, em um contexto politeísta como no de Êutifron, o próprio Sócrates entendeu justificadamente que o problema é maior, uma vez que essa pluralidade de deuses levaria ao que chamarei de relativismo divino. Porém, no contexto de monoteísta, a questão fica bem interessante. Eis o dilema: (1) o bem é desejado por Deus porque é bem; ou (2) é bem porque é desejado por Deus. A qualquer escolha, impõe-se a seguinte dificuldade: se a escolha for pela primeira disjunta, então o bem é independente de Deus (como Platão acreditava ser: o Bem é uma Forma eterna), sendo Deus mesmo 20 F ilo so fi a e Fo rm aç ão In te g ra l 1) A expressão indica que alguém rejeita as duas soluções e admite que existem outras opções. “Quebrar o chifre do dilema” é rejeitar as duas disjuntas. submetido a ele. Se a escolha for pela segunda disjunta, então a moralidade é arbitrária, pois Deus poderia ordenar o estupro e, por sua ordem (desejo), isso seria um bem. Entretanto, os que adotam a teoria do comando divino “quebram o chifre do dilema1)” por afirmar que sendo Deus onibenevolente e possuindo máxima excelência, como diria Anselmo da Cantuária, a sua vontade não estaria em conflito com sua natureza. Por exemplo, Deus não poderia mentir porque Deus é a própria verdade. “Se Deus é moralmente perfeito em essência, então Deus não iria – na verdade, não poderia – ordenar qualquer tipo de ato” (DEWEESE. MORELAND, 2011, p. 97). 1.2.3 Emotivismo “As exortações à virtude moral não são proposições, mas ejaculações ou ordens que são designadas para provocar o leitor a uma ação de um certo tipo” (Alfred J. Ayer) Compare essas três frases: (1) a água é H2O; (2) Nenhum solteiro é casado; (3) matar é errado. Logo você nota que das três, a (3) não parece ser possível verificar sua verdade. A (1) pode-se atestar indo ao laboratório e fazendo testes químicos. Ela é empírica. A (2) parece ser uma verdade por definição, uma vez que falar que alguém é solteiro implica dizer que não é casado. Ela é analítica. Mas, como sabemos se (3) é verdadeira ou falsa? Não pode ser empírica e nem é analítica. Mas se (3) não é verdadeira nem falsa, o que significa então? Segundo a corrente ética do Emotivismo, (3) e todas as afirmações éticas são expressões emocionais positivas ou negativas sem valor de verdade, ou seja, nem verdadeira nem falsa. Dizer que algo é bom ou mau é o mesmo que dizer “Uau!”, “Viva!”, “Vai, Coríntias!” ou “Eca!” ou “Que nojo!”: x é bom ou x é mau significa “viva (ou eca!) x!”. Implica, portanto, em dizer que não existem verdades morais significativas e as expressões morais não são cognitivas. O filósofo britânico Alfred Jules Ayer (1910 – 1989) e o filósofo americano Charles L. Stevenson (1908–1979) são os primeiros a elaborarem a concepção emotivista da ética. Há de se considerar que o filósofo austríaco Wittgenstein já havia dito, no aforismo 6.42 da sua obra Tractatus (1921), que “tampouco pode haver proposições na ética” e “é claro que a ética não se deixa exprimir. A ética é transcendental”. Se isso colocaria Wittgenstein como um emotivista, ainda é discutível. Todavia, certamente a concepção pragmática de linguagem é mais propícia às avaliações de Ayer e Stevenson acerca das declarações éticas. Como visto acima, Ayer e Stevenson, como no positivismo lógico, sustentam que somente as declarações (1) e (2) são declarações genuínas de afirmações verdadeiras, ou seja, com valor de verdade. Por outro lado, as declarações de juízos éticos, são destituídas de valor de verdade, não U n iv er si d ad e C at ó lic a d e P er n am b u co 21 sendo nem verdades lógicas nem declaraçõesde fatos. Nesse caso, ao falarmos de juízos éticos estamos apenas usando a linguagem para realizar outra coisa ou para expressar aprovação ou reprovação sobre os atos das pessoas. Por exemplo, ao dizer “matar é errado”, segundo os emotivistas, isso pode querer dizer apenas “sinto-me triste quando alguém morre” ou “sinto-me mal em relação ao homicídio”. Afirmar “cumprir promessas é o certo a ser feito” expressaria algo como “parabéns por cumprir promessas”. Dizer algo como “aborto é crime” teria algo como “não aborte!”. Aliás, é preciso dizer que mesmos essas expressões não expressam sentimentos morais, pois diriam alguma declaração de fato – como alguém se sente. Mesmo essas expressões, do ponto de vista emotivista, querem apenas dizer interjeições de aplausos ou vaias (DEWEESE; MORELAND, 2011, p. 82). No entanto, assim como o positivismo lógico sucumbiu sobre seu próprio princípio, o emotivismo ético não resiste ao próprio princípio. Ora, o que os emotivistas dizem é que para uma declaração possuir algum valor de verdade ela deve ser testada empiricamente (pelos sentidos) ou ser uma verdade analítica (verdade por definição). Coloquemos em forma de frase: 1 Uma declaração será verdadeira ou falsa se: (a) for empiricamente testável ou (b) uma verdade analítica. Espero que você esteja vendo o problema bem diante de você. Caso contrário, deixaremos a declaração acima para que você possa encontrar uma forma empírica de testá-la ou encontrar nela a própria definição analítica. Ainda que existam outras concepções para fundamentação da moral, o que aqui foi apresentado servirão de norte para que você possa continuar Fonte: http://4.bp.blogspot.com/-clyvq3NZFFE/T1RP08bpptI/AAAAAAAAAUY/jYsP8jrgjXQ/s1600/ valoresx1.jpg 22 F ilo so fi a e Fo rm aç ão In te g ra l a investigação. No final da unidade você encontra uma boa bibliografia para maiores informações. 1.3 Valores Humanos É intuitivo que há diferenças entre os seres humanos e animais. Mesmo assim, é possível que alguém pegue uma pena judicial mais alta se, por exemplo, alguém tirar a vida de alguma animal em risco de extinção. Também imagine a decisão a ser tomada quando uma gestante, correndo risco de morte, o obstetra fica entre salvar a mãe ou a criança em seu ventre. Por que precisamos de amigos? Ao reconhecer um gesto de gentileza, agradecemos. Procuramos ser honestos com outras pessoas e solidário com os necessitados. Os exemplos poderiam multiplicar-se e, seja para o convívio social ou para o próprio indivíduo, essas ações indicam que o valor que consideramos a nosso respeito ou aos demais da mesma espécie. São valores que dizem respeito à dignidade e moral. Parece-nos, então, que os valores humanos são teleológicos, ou seja, ações éticas e ideais a serem alcançados para desenvolvimento pessoal e coletivo. No entanto, assim como vimos acima, os valores são buscados de forma a serem aplicados também ao convívio social. Assim, procuram-se por valores objetivos, não sujeitos à cultura ou ideologias. Digamos que o direito à vida seja um valor a ser cultivado e aplicado, não estando sujeito a fatores temporais ou culturais. Por outro lado, valores com aspectos subjetivos são entendidos segundo as atribuições de valor relativo (não confunda com relativismo) à cultura, religião, educação etc. Por exemplo, a liberdade crença religiosa ou descrença que cada ser humano pode expressar. Uma posição mais conciliadora é a tentativa de ver a dinâmica objetivo-subjetivo como a relação sujeito – sociedade. Percebemos, então, que por valores humanos está-se falando daqueles princípios éticos/morais que conjugam os seres humanos para viver em harmonia e boa convivência social. Por aspectos de valores subjetivos, alguns valores humanos precisam ser validados e reavaliados de tempo em tempo levando em consideração especialmente o desenvolvimento do ser humano e da própria sociedade. Basta pensar, por exemplo, nas liberdades e conquistas das mulheres como o sufrágio político. Por outro lado, alguns valores são transcendentais, não estando sujeitos a mudanças ou reformulações, como por exemplo, a liberdade humana. Levanta-se, assim, uma questão: os valores humanos estão aí na realidade constituída e nós os descobrimos ou os valores são construídos? Os realistas morais entendem que em alguns valores humanos existem realidade e nós os descobrimos e os descrevemos. Ser gentil, ter coragem, evitar os danos, proteger os fracos, honrar os mortos, honrar os pais etc. seriam valores intuídos pelos humanos antes mesmo de qualquer formulação teórica. Por outro lado, os construtivistas pensam que devemos ver os valores humanos como resultado de um processo que construímos, tornando os valores humanos fruto de deliberação e acordos. Ora, não é necessário argumentar muito em favor dessa concepção, uma vez que também temos valores humanos construídos. Por exemplo, ainda que a igualdade entre os seres humanos U n iv er si d ad e C at ó lic a d e P er n am b u co 23 seja um valor pressuposto em sociedade democráticas, a criação de “igualdade perante a lei” é uma tentativa de impedir a impunidade dos poderosos, ainda que utópico. Como esforço da aplicação desses valores, sejam eles reais ou elaborados, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), promulgada em 10 de dezembro de 1948, na Assembleia Geral das Nações Unidas, em seu preâmbulo, reconhece “a dignidade inerente a todos os membros da família humana” e “seus direitos iguais e inalienáveis” como “fundamento da liberdade, justiça e da paz no mundo”. Assim, em seu Artigo I, reconhece que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.” Ora, essa afirmação carrega em valores objetivos – nascer livre e iguais em dignidades e fraternidade. Por outro lado, por ser dotado de razão e consciência, é racional que todos ajam segundo esses princípios. É um bom exercício ler a DUDH a fim não apenas de conhecer os valores humanos que se aplicam universalmente, mas também ver o esforço coletivo para convivência entre os povos. Eleanor Roosevelt mostra a versão impressa da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Fonte: https://www.conectas.org/wp/wp-content/uploads/2018/12/ Eleanor_Roosevelt_and_United_Nations_Universal_Declaration_of_Human_Rights_in_Spanish _09-2456M_original.jpg 24 F ilo so fi a e Fo rm aç ão In te g ra l 2. Filosofia e Teorias Éticas Você se lembra do gráfico acima sobre metaética, ética descritiva etc., não lembra? O que tratamos até a seção 1.3 dizia respeito à metaética (você sabe explicar o que é?). Agora, nessa seção final, queremos tratar um pouco da ética normativa, ou seja, daquela área que nos procura dizer como devemos agir. É importante entender que as teorias concebidas na ética normativa são de cunho filosófico. Por que é preciso dizer isso se você está lendo um texto de filosofia? Porque o agir ético precisa de avaliação, princípio e deliberação. Uma coação a agir de certo modo que o agente não deseje não é uma ação ética. Assim, é preciso que vejamos a ética como um ramo da própria filosofia e, assim, dedicar-se a pensar a ética/moral é fazer filosofia. Isso deveria ser trivial e, de fato, parece não haver disputa sobre esse fato. Porém, tal como a filosofia é um tipo de investigação conceitual que se utiliza do rigor lógico para analisar as grandes questões, a ética, ainda que possa ser aplicada a áreas distintas, é também uma investigação acerca dos valores e juízos morais. Passemos, agora, a discorrer acerca de algumas teorias éticas. 2.1 Princípio da Maior Felicidade: Consequencialismo e Utilitarismo A nossa primeira ética normativa é chamada de consequencialismo, que tem como seu melhor representante o Utilitarismo. Outros representantes seriam o hedonismo, o egoísmo e o pluralismo. O filósofo John Stuart Mill, emseu livro Utilitarismo (2005, p. 48), dá a seguinte definição para sua filosofia: O credo que aceita a utilidade, ou o Princípio da Maior Felicidade, como fundamento da moralidade, defende que as ações estão certas na medida em que tendem a promover a felicidade, erradas na medida em que tendem a produzir o reverso da felicidade. Por felicidade. Entende-se o prazer e a ausência de dor; por infelicidade, a dor e a privação de prazer. Você deve ter notado que o consequencialismo é teleológico, ou seja, o alvo da avaliação moral são os resultados que os atos promovem. No caso da forma utilitarista de proceder, isso implica que uma escolha ética deve Famoso “Dilema do Trem” – para qual lado você puxaria a alavanca? Fonte: https://verdadenapratica.files.wordpress.com/2015/05/trolley_2.jpg U n iv er si d ad e C at ó lic a d e P er n am b u co 25 ser aquela que promova o maior bem possível para o maior número possível de pessoas. Note que nas palavras de Mill, esse seria o princípio fundamental da moralidade; as ações certas são aquelas que promovem a felicidade; as ações erradas as que promovem a infelicidade. Trata-se, portanto, de um cálculo a ser pensado e a decisão deveria ser em favor daquilo que tem como consequência a máxima felicidade ou bem. Ainda que resumido aqui, talvez você possa pensar em dificuldades com o consequencialismo mesmo em qualquer versão. Pergunte-se: o que seria maior bem para o maior número, dar R$ 100,00 a uma única pessoa faminta ou dar R$ 1,00 a cem pessoas famintas sabendo que esse valor não é suficiente para saciar a fome? Talvez oferecer R$ 50,00 reais a duas pessoas dentre as cem, isso seria um bem, mas não é máximo. Essa ação até poderia deixar você feliz, mas sua ação deixaria os outros infelizes? Então a sua ação seria boa aos seus olhos, mas injusta aos olhos dos demais? E como se calcula o bem ou a felicidade? 2.2 Ética da Virtude “Louvamos as pessoas justas e corajosas, e de um modo geral as pessoas boas e a própria excelência moral, por causa das ações destas pessoas e dos respectivos resultados” (Aristóteles) Os pais da Ética da Virtude são Platão e Aristóteles. Também Tomás de Aquino é um expositor dessa teoria. De modo claro, a Ética da Virtude enfatiza o agir virtuoso do agente levando em conta seu caráter com o fim de alcançar a felicidade. Não confunda com o Utilitarismo. Aqui a ênfase do agir não recai nas consequências das ações ou nos deveres ou regras a serem obedecidas ou não. Antes, o agente moral procura agir com bom senso baseando nas virtudes morais, ou seja, a ação é realizada porque agir pelo bem é virtuoso e o seu contrário é um vício. Vê-se que a normatividade recai sobre a primazia do caráter do agente e sua liberdade. Ora, o que está a se dizer é que o caráter e o ato estão em conformidade. Se a bravura é virtuosa, o seu fim também é virtuoso. Desse modo, nas palavras de Aristóteles, “o bem do homem nos aparece como uma atividade da alma em consonância com a virtude, e, se há mais de uma virtude, com a melhor e mais completa”. Deve-se considerar que em Aristóteles, a virtude é uma disposição de escolher o meio termo, isto é, a justa medida entre o excesso e a falta. Assim, o meio termo entre o egoísmo e a prodigalidade é a generosidade – a virtude está no meio, como se diz. A fim de desenvolver sempre um caráter virtuoso, o agente deve criar o hábito. 26 F ilo so fi a e Fo rm aç ão In te g ra l Apenas a título de informação, em anos recentes, começou-se a pensar em uma epistemologia da virtude, ou seja, assim como se buscam as virtudes éticas para o bem proceder com vistas à felicidade, buscam-se as virtudes epistêmicas para o correto pensar com vistas à verdade. 2.3 Ética Deontológica “Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal” (Immanuel Kant) De certo modo, as teorias éticas aqui apresentadas não deixam de ter algum caráter deontológico, isto é, de normatividade ou obrigação. Porém, de modo distinto, a Ética Deontológica é baseada nos deveres. Enquanto o Utilitarismo baseia-se nos resultados e a Ética da Virtude baseia-se no agente, a Ética Deontológica baseia-se nos deveres. Assim, algumas ações são boas ou más em si e não decorrentes do agente ou porque provoquem alguma consequência. Representante dessa perspectiva, o filósofo alemão Immanuel Kant (1742- 1804) propôs o que chamou de imperativo categórico, expresso na frase que abriu o parágrafo acima. Como se nota na citação, trata-se de uma fórmula ética que se exprime por verbos como dever, agir, obrigar-se etc. O imperativo constitui-se uma obrigação – daí o nome deontológica – declarando que certa ação é “objetivamente necessária sem que a sua Fonte: http://4.bp.blogspot.com/-3lBqSw3KxAk/TtvFOgkGIWI/AAAAAAAABEE/Id1nJq5YjzE/ s1600/aristoteles.jpg U n iv er si d ad e C at ó lic a d e P er n am b u co 27 realização esteja subordinada a um fim ou a uma condição; por isto, é uma norma que vale sem exceção” (VÁSQUEZ, 1990, p. 168). Desse modo, normas como “não mentir”, “não quebrar uma promessa”, “não matar” etc., são categóricas e devem ser cumpridas. Os filósofos DeWeese e Moraland (2011, p. 96) dão como exemplo a seguinte questão para compreender o imperativo categórico de Kant: “Suponha que você se pergunte se deve colar na prova de anatomia, pensando que, se colar, você será aceito na escola de medicina e sabe que poderá ser um médico muito compassivo. Mas você poderia universalizar essa regra? Se sim, você confiaria em algum médico ou cirurgião, sabendo que é possível que ele também tenha colado na prova de anatomia?”. Porém, esse princípio de universalização de normas morais com base no imperativo categórico não parece promissora. Kant mesmo reconheceu que está disposto a aceitar alguma mentira visando a algum bem, mas não estaria disposto a aceitar uma lei universal de mentir (KANT, 2007, p. 34). E o que dizer do “não mentir” como um imperativo categórico? Levado ao extremo, alguém não poderia mentir ao ser indagado sobre se estava escondendo judeus perseguidos pela Staatspolizei de Hitler. Enfim, ainda que o imperativo categórico pareça interessante, assim como as demais teorias, também tem seus dilemas, dilemas sobre os quais você, a partir de agora, poderá refletir filosoficamente sobre os assuntos aqui discutidos. 3. Ética, Multiculturalismo e Respeito O respeito ao outro sempre configurou o princípio originário da ética. À medida que o cânone da filosofia ocidental se complexificava e ganhava outros contornos, o lugar, a fala e o papel do outro nas relações éticas ganhavam também novas e variadas direções. À medida que o ethos da humanidade se mostrava cada vez mais distante e amplo da ideia eurocêntrica de cultura e da própria configuração do homem grego, o multiculturalismo se afirmava como uma categoria enérgica e importante para o debate atual: a compressão dos dilemas humanos nas suas especificidades geográfica, histórica e cultural. Quando refletimos sobre a real possibilidade de estabelecer um ambiente multicultural, cremos que seja necessário abordar algumas questões que representam possíveis obstáculos ou questões válidas para a viabilidade dessa proposta no campo dos estudos éticos. “O que é o multiculturalismo?” é a pergunta que inaugura esta reflexão, haja vista que entender o conceito é indispensável para podermos compreender suas possibilidades e seus obstáculos. Após definir o termo e suas características, é necessário pensar acerca da responsabilidade e das ferramentas de que dispomos para aplicação dessa reflexão no nosso cotidiano. Agora, a pergunta central é, portanto, saber quais valores afirmaremos no pluralismo cultural. Consideremos, assim, cada uma delas separadamente. Como, então, podemos definir multiculturalismo? Poderíamos utiliza, com uma certa liberdade, a seguinte metáfora: as expressões culturais de 28 F ilo so fi a eFo rm aç ão In te g ra l um povo são os adornos que compõem a morada do homem (morada aqui no sentido grego de ethos, de onde derivamos o termo ética). Quando visitamos uma casa, encontramos uma certa disposição e configurações para cada cômodo nela existente. Porta-retratos, móveis, quadros, decoração, objetos novos, antigos, relíquias, etc. que apontam para o modo como os seus residentes expressam suas personalidades, humores e gostos. De modo semelhante, e em sentido amplo, o multiculturalismo é a compressão do lugar dessa pluralidade de elementos culturais diversos e dos modos singulares de expressão dessas realidades. Nessa empreitada, o multiculturalismo compreende e sinaliza, portanto, um contexto transdisciplinar marcados por modelos (teóricos e práticos) diferentes de educação, história, antropologia, sociologia, filosofia, economia, política, artes, literatura, comunicação, etc. Historicamente, pode-se dizer que a defesa e o reconhecimento desse pluralismo de identidades e modos de ser ganharam espaços no debate acadêmico com maior pujança no fim da Guerra Fria. Nesse ínterim, o mundo se abria a novas formas econômicas e à ideia de uma globalização, com progresso para todos: seria uma marca a ser alcançada. Contudo, indaga-se se de fato a globalização corroborou para a afirmação de outras culturas em um ambiente econômico e cultural universal. Na verdade, tende-se a defender a ideia segundo a qual a globalização não cumpriu a sua meta, e proporcionou a cristalização de uma cultura de consumo e afirmação dos e valores de determinadas culturas. Sobre essa perspectiva, Bauman (1999, p. 27) considera a falácia da globalização um exemplo de desordem mundial: O significado mais profundo transmitido pela ideia da globalização é o do caráter indeterminado, indisciplinado e de autopropulsão dos assuntos mundiais; a ausência de um centro, de um painel de controle, de uma comissão diretora, de um gabinete administrativo. A globalização é a “nova desordem mundial” de Jowitt com um outro nome. Esse caráter, inseparável da imagem da globalização, coloca-a Fonte: http://www.justificando.com/2017/07/27/democracia-radical-multiculturalismo-e-estado- democratico-de-direito/ U n iv er si d ad e C at ó lic a d e P er n am b u co 29 radicalmente à parte de outra ideia que aparentemente substituiu, a da “universalização”, outrora constitutiva do discurso moderno sobre as questões mundiais mas agora caída em desuso e raramente mencionada, talvez mesmo no geral esquecida, exceto pelos filósofos. Dessa perspectiva, as expressões culturais só ganham o interesse do mundo globalizado quando se abrem para o processo de transformação em mercadorias comercializáveis, a fim de seguir o trilho da economia de mercado, principalmente por influência da industrialização trazida pelas multinacionais e a própria indústria cultural. É, pois, contra tal hegemonia que as reflexões sobre o multiculturalismo estão tendo lugar e ganhado força e espaço nos meios acadêmicos, para colocar em pauta a pluralidade humana e o compromisso de defesa dessa expressão plural das culturas. Grande parte das discussões giram em torno da questão de saber quais como as formas plurais de expressão culturais terão voz e protagonismo em nosso cotidiano. Nessa nova discussão, o diferente, o outro, que é objeto da ética, reivindica novos contornos, que exigem que a equidade e o respeito sejam elementos indissociáveis da reflexão ética. Desse modo, o diferente é ressignificado para além das clássicas categorias de ameaça, do que é exótico, do que nos traz perigo, do desconhecido ou até mesmo do que é marginal. Um dos grandes desafios de um amplo debate sobre o multicul- turalismo nasce, em um primeiro momento, de uma associação equivocada ao debate a uma imagem puramente ideológica a ser perseguida por grupos que profes- sam certas práticas fundamenta- listas. A perseguição é justificada como uma defesa de valores tradicionais que devem ser preser- vados a todo custo. Nesse movi- mento, o fundamentalismo aponta suas energias a um inimigo fantas- magórico que viria de fora para destruir sua cultura e seus valores. Essas formas de negação, ou agressão, são vistas atualmente nas crises migratórias testemunhadas nas últimas décadas, que têm como grande potencializado da agressão a xenofobia e a uma gama de preconceitos que rompem qualquer possibilidade de dialética entre os diferentes. Como acentuou o Papa Francisco, discursando em Marrocos, em março de 2019, a responsabilidade pela vida do outro está no núcleo da reflexão ética e dos debates multiculturalistas. Do ponto de vista do Sumo Pontífice, Este Pacto permite reconhecer e tomar consciência de que «não se trata apenas de migrantes» (cf. Tema do Dia Mundial do Migrante e do Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/ Papa_Francisco#/media/ Ficheiro:Franciscus_in_2015.jpg 30 F ilo so fi a e Fo rm aç ão In te g ra l Refugiado em 2019), como se as suas vidas fossem uma realidade alheia ou marginal que nada tivesse a ver com o resto da sociedade; como se o seu estatuto de pessoa com direitos ficasse «suspenso» por causa da sua situação atual; «efetivamente, um migrante não é mais ou menos humano segundo a sua localização dum lado ou do outro da fronteira (FRANCISCO, 2019) Os grupos que têm assumido suas particularidades étnicas e culturais como uma bandeira na construção de uma vasta cadeia de reflexão defendem o compromisso com a responsabilidade e o protagonismo da diversidade em tornar visível outras tantas formas de expressão culturais e identitárias na ação e reflexão, que, durante milênios na história ocidental, foram renegados à marginalidade ou ao apagamento. À medida que a diversidade conduz ao inevitável contato entre cosmovisões diversas e divergentes, é necessário esvaziar qualquer medida bélica, ou beligerante através da caridade e do respeito. Caridade e respeito são valores afirmativos e necessários para se pensar uma viabilidade para um ambiente multicultural e uma humanidade mais cosmopolita. A dissolução das relações desumanas também são compromissos indispensáveis para um pensar e agir em torno do respeito. Afinal, não defendendo simplesmente o lugar do outro como um objeto passivo de observação, o compromisso é que todos tenham voz para juntos edificarmos as “pontes” para uma relação e interação mais respeitosa e caridosa entre os povos. Como bem afirma o filósofo prussiano Immanuel Kant, em sua obra À Paz Perpétua, Uma vez que agora, com o estabelecimento consistente de uma comunidade (mais estrita ou mais ampla) entre os povos da terra, chegou-se tão longe que a violação do direito em lugar da terra é sentida em todos, então a ideia de um direito cosmopolita não é um modo fantástico e exagerado de representação do direito, mas um complemento necessário do código não escrito, tanto do direito do Estado quanto do direito das gentes, para o direito público dos seres humanos e assim para a paz perpétua da qual, apenas sob essa condição, podemos nos lisonjear de nos encontrarmos em uma contínua aproximação (KANT, 2020, p. 50). O multiculturalismo se propõe ser uma ação ética que promova a convivência pacífica e respeitosa entre os diferentes povos e suas diferentes maneiras de viver. Afinal, esse movimento de convivência ultrapassa o limite da tolerância, pois implica o respeito como sendo uma afirmativa de valor e dignidade do outro. O respeito reserva ao outro as condições política e existencial de dignidade. A partir disso, podemos então conceber uma relação ética ampla que esteja baseada na garantia da vida do outro, e essa garantia de vida é a garantia de todo o conjunto de acepções próprias da história, língua, arte e modo de vida particular de cada povo. Esse reconhecimento ético da dignidade do outro não é apenas um método de conciliação de conflitos e divergências, ou mesmo de U n iv er si d ad e C at ólic a d e P er n am b u co 31 estreitamento de laços políticos econômicos. É a ampliação dialética da condição da vida que busca, na face do outro, uma condição de igualdade e de justiça. Como podemos pensar em uma reflexão ética plural em circunstâncias de vidas perturbadas pela desigualdade e pela violência de todos os tipos? É, pois, sob essa perspectiva que a reflexão multiculturalista da ética deve abraçar sua forma mais prática e ativa nas comunidades humanas. Para se pensar a real viabilidade de um mundo eticamente plural, como vimos anteriormente, são necessários um desprendimento e uma ação concreta no implemento de políticas e práxis cotidianas que estejam voltadas para a harmonia e respeito das diversas formas de expressões culturais locais e distantes. Os primeiros passos para isso seriam reintegrar compromissos e afirmar a dignidade do outro como um ser autônomo e livre que coexiste neste mundo e é digno de existir por si só. Como comenta Kant, na citação acima, que o agravo a um ser humano é um agravo a toda comunidade humana sobre a terra. As considerações acerca do multiculturalismo apresentam-se de forma ampla e propõem uma ação frutífera de ressignificação da própria sociedade em laços e modelos diferentes dos atuais meios de vida. Pensar a ética como compromisso plural na construção de uma sociedade ética plural é um frutífero exercício de deslocamento dos nossos valores para campos mais amplos de reconhecimento e fraternidade. A responsabilidade pela garantia da vida do outro acena como um compromisso para todos os homens que desejam um mundo mais harmônico e menos castigados pelas práticas predatórias de um antigo e violento regime de exclusão e cristalização de valores que não conseguiram promover a paz e a harmonia entre todos os povos. 4. Liberdade, Responsabilidade e Cuidado Chegamos, assim, ao tema da liberdade. Para alguns filósofos, a liberdade é uma condição necessária da existência humana. Outros, porém, compreendem a liberdade como uma categoria que está condicionada a uma série de causas e efeitos anteriores à própria ação, ou ainda consideram a liberdade como uma deliberação estritamente humana, um valor que deve ser atingido de forma coletiva e dialogal. O conceito da liberdade se apresenta na tradição filosófica como um grande e basilar problema a ser debatido e nunca exaurido. Afinal, quando falamos de liberdade tratamos da ação de sujeito em relação aos outros sujeitos. Fonte: https:// saladefilosofiaunisal.blogspot.com/ 2017/08/o-conceito-de-felicidade-na.html 32 F ilo so fi a e Fo rm aç ão In te g ra l Conhecer ou refletir sobre a liberdade é uma ação filosófica de tentar responder: até onde pode o homem? Do ponto de vista do senso comum, o indivíduo espera ser livre para agir sobre o mundo, sobre os outros, ou mesmo pelos outros. Nesse caso, pensar a liberdade é pensar as consequências da ação e, refletindo sobre a ação, encontrar os contornos do conceito que podem dar a ele uma forma e um limite. Sim, para pensar a liberdade humana é necessário pensar nos seus limites e desmitificar a ideia de total liberdade. Na ação humana, encontramos os limites da responsabilidade e da ética como norte para delimitar a ação. Uma vez encontrando o limite da responsabilidade, evitamos que ela (liberdade) não se torne barbárie, e os sujeitos não venham a confundir abusos e violências com a liberdade. Uma liberdade que não está entrelaçada com a responsabilidade não é liberdade, mas totalitarismo. Antes que possamos adentrar as questões da liberdade e da responsabilidade propriamente, é indispensável discorrer ainda sobre uma questão que se impõe na tentativa de delimitar a ação humana. Eis a questão: a liberdade é fruto autônomo da condição humana ou todas as nossas ações são determinadas e nossa liberdade não passa de um apelo retórico que mascara os fios de controle? Ou seja: nosso agir é livre ou determinado? Essas são questões que também movem o debate ético acerca da liberdade. Afinal, se consentimos que não somos autônomos em nossa ação, mas sim correspondemos à autoridade determinada, como podemos pensar os termos da responsabilidade? Em outros termos, se somos livres, onde está respaldada a responsabilidade ética? Como foi mencionado anteriormente, a questão da liberdade é, até agora pelo menos, um problema ético não resolvido. Filosoficamente, a questão se impõe por meio da busca pela compreensão do fundamento último da liberdade. Onde está fundamentada a liberdade do homem? Há dois recorrentes pontos de partidas entre os polos do debate acerca desse tema: um polo que tende responder a essa problemática recorrendo à Fonte: https://pantokrator.org.br/po/wp-content/uploads/2013/04/marionetes.jpg U n iv er si d ad e C at ó lic a d e P er n am b u co 33 espiritualidade em suas mais variadas formas de transcendência, e os que partem de uma premissa materialista e de negação de qualquer espécie de transcendência. Só a título de exemplo e comparação, podemos considerar dois grandes expoentes da tradição filosófica que discorreram sobre isso, cada um ao seu modo: o filósofo cristão Santo Agostinho e o filósofo ateu francês Jean Paul-Sartre. Santo Agostinho tratou o problema da liberdade em sua obra O Livre- arbítrio. Nessa obra, o filósofo-teólogo expõe argumentos que visavam a responder à questão do problema do mal, atrelada à liberdade do homem (Cf. AGOSTINHO, 2004, p.68-69). Para esse pensador cristão, o homem vive sob a condição de pecador, e isso é o que afasta o ser humano das coisas eternas e da vontade do Deus, que é o Sumo Bem. Entretanto por ser dotado de razão, o ser humano pode deliberar entre o mal e o bem. A liberdade se realiza na escolha do homem em se aproximar da divindade. Pois, como polos opostos, as coisas eternas e as coisas materiais se repelem, indo para caminhos opostos. O mal existe, pois o homem tem livre-arbítrio para escolher afastar-se ou aproximar-se de Deus, que é a fonte de toda bondade, e em quem o que é bom, justo e belo se mantêm e se expressam. Como o ser humano procede de Deus, pois Ele o criou à sua imagem e semelhança, assim, o indivíduo pode optar em abraçar a providência divina que se manifesta nas boas ações e no que é justo. [...] Ag: Por outro lado, se o homem carecesse do livre-arbítrio da vontade, como poderia existir esse bem, que consiste em manifestar a justiça, condenando os pecados e premiando as boas ações? [...] Ora, era preciso que a justiça estivesse presente no castigo e na recompensa, porque aí está um dos bens cuja fonte é Deus. Conclusão, era necessário que Deus desse ao homem vontade livre [...] (AGOSTINHO, 2004, p.75). Dito isso, compreendemos a íntima relação entre a liberdade humana e a graça de Deus que concede ao homem o livre-arbítrio. Da mesma forma, o indivíduo deve buscar utilizar bem sua liberdade para rejeitar o pecado e aproximar-se da graça de Deus. Quanto mais próximo de Deus mais claro e evidente é o agir. O homem não vive sob a escravidão das paixões e pode racionalizar o sumo bem e a justiça, e escapar de eventuais punições da justiça divina. Esse é um dos aspectos da compreensão espiritual da liberdade e da responsabilidade nas ações humanas. Entretanto o problema da liberdade também foi encarado por outras linhas de pensamentos filosóficos, uma delas é a que nega os fundamentos transcendentes da liberdade buscando, dessa forma, outros fundamentos para a compreensão da ação e da responsabilidade humanas. É o caso do existencialismo sartreano que influenciou, de forma impactante, todo o pensamento filosófico do século XX. O existencialismo sartreano negava completamente a metafísica cristã e o tipo de espiritualidade por ela defendido. Em O ser e o nada, o filósofo francês Jean-Paul Sartre fundamenta as bases de sua teoria existencialista, que tem como fundamento um universo vazio de transcendências e onde o sujeito é 34 F iloso fi a e Fo rm aç ão In te g ra l necessariamente livre. Para ele, a própria condição humana é necessariamente liberdade. Com efeito, se a existência precede a essência, nada poderá jamais ser explicado por referência a uma natureza humana dada e definitiva, ou seja, não existe determinismo, o homem é livre, o homem é liberdade (SARTRE, 1987, p. 9). O humanismo radical do existencialismo de Sartre concentra-se na figura do indivíduo, desvinculando a responsabilidade humana de qualquer determinismo transcendente. Se a existência antecede a essência, a liberdade é o termo primeiro e originário de qualquer ação formadora do homem. Essa nova dimensão inaugurada pela obra de Sartre subverte a ideia clássica de liberdade que poderia ser resumida em uma ponderação entre certo e errado, entre justo e injusto. A liberdade aqui é encarada como o fundamento de qualquer possibilidade da ação humana, e está entrelaçada diretamente com a responsabilidade do homem de si e dos outros que estão ao seu redor. Isso abre uma profunda dimensão do engajamento na obra do filosofo francês. Sem dúvida, a liberdade enquanto definição do homem, não depende de outrem, mas, logo que existe um engajamento, sou forçado a querer, simultaneamente, a minha liberdade e a dos outros, não posso ter objetivo a minha liberdade a não ser que meu objetivo seja também a liberdade dos outros (SARTRE, 1987, p. 199). A forma como a liberdade é posta no sistema sartreano pressupõe a responsabilidade e engajamento do ser humano. O homem é livre, mas sua liberdade está diante das outras liberdades e existências. O indivíduo pode mentir para si e para os outros para criar, para si, uma realidade diferente da sua. Esse ato de mentir, de tentar evadir-se da responsabilidade, será chamado de “má-fé”. O homem que se esconde sob mentiras, evasões e desculpas está representando um personagem em um palco. Se somos humanos, somos livres; se somos livres, somos responsáveis pelas nossas ações. O homem é o único legislador de si mesmo. O existencialismo ateu, que eu represento, é mais coerente. Afirma que, se Deus existe, há pelo menos um ser no qual a existência precede a essência, um ser existe antes de poder ser definido por qualquer conceito: este ser é o homem (SARTRE, 1987, p. 6). Seja a liberdade encarada sob o prisma espiritual ou ateu, o problema da ação sempre será norteado pela compreensão da responsabilidade e do cuidado. Seja nossa existência determinada pela vontade superior ou mesmo um fruto do acaso de fenômenos, nossa condição ética cobra que a reflexão se dedique ao lugar do outro em nossa liberdade. Quando pensamos sob esses termos, é necessário que nossa liberdade, ou a reflexão da razão sobre a ação, compreenda a dignidade e necessidade da preservação e do cuidado do outro. U n iv er si d ad e C at ó lic a d e P er n am b u co 35 Atualmente, essas reflexões e ponderações sobre a liberdade e responsabilidade têm tido incidência direta sobre o tema do cuidado do homem com o meio ambiente. Esse olhar de cuidado com a preservação da natureza compreende um novo lugar para a ação humana. Por muitos séculos, principalmente com o advento da modernidade e das revoluções industriais, a relação do homem com o ecossistema foi concebida sob a forma de domínio e apropriação. O homem moderno concebia-se como um imperador e dominador da natureza, chegando ao ápice do descaso com esse grandioso sistema vivo que forma o planeta. À medida que a terra é desgastada e as mudança no clima se tornam irreversíveis, a reflexão ética visa à necessidade de mudar a forma como a ação humana e o meio ambiente se construiu para que as próximas gerações tenham um mundo para expressar sua liberdade e seu cuidado pelo outro e pela natureza. Como acentua José Ordóñez: A primeira responsabilidade é para com a vida: o homem é convocado não apenas a conservá-la, mas a mantê-la e enriquecê-la, de modo que a ação humana se paute pelo compromisso de um uso da natureza referenciado à vida humana plena, com o enriquecimento das condições de vida sobre a Terra, isto é, que o mundo em que vivemos se torne mais habitável (ORDÓÑEZ, 1992, p.48; 51). Por fim, podemos acentuar a complexidade do problema da liberdade humana e o mundo que o cerca. O homem depositando os fundamentos da sua liberdade em um fundamento espiritual ou material, estará sempre sendo confrontado com a dimensão relacional que se estabelece com seus semelhantes e com a natureza que o cerca. Por hora, fica a provocação dessa reflexão para um posterior aprofundamento das questões que orbitam e interagem nessa dimensão prática da ética. 5. Éticas Aplicadas Vejamos, agora, a ética na vida prática ou ética aplicada. Certamente, muitas são as áreas em que a ética é aplicada, e essa é um ramo da ética que mais tem crescido nos últimos anos. Ainda que se ocupe com questões morais, muitas das quais relacionadas à vida e a morte, tais como eutanásia ou pena de morte, mas também acerca da guerra, engenharia genética, mídias sociais, etc. Exigiria de nós um livro inteiro para avançarmos nas mais diversas áreas. Na bibliografia, você encontrará uma referência adequada ao tema. Aqui passaremos a apenas algumas poucas implicações dos estudos éticos. Ética e Economia. Em sua Ética a Nicômaco, Aristóteles afirma que o fim, telos, da “economia é a riqueza”. Segundo ele, assim como a medicina e engenharia naval, a economia é também uma arte. Como visto em nossa abordagem da cultura, a valoração de bens parece ser um aspecto da relação homem-mundo e as atividades relacionadas a essa valoração constituem-se as modalidades daquele aspecto. No exemplo dado no começo da unidade, um bloco de mármore que é transformado em escultura pode ter algum valor meramente afetivo ou hedonista. Porém, o 36 F ilo so fi a e Fo rm aç ão In te g ra l seu “trabalho” pode ser reconhecido como valor monetário e, assim, cumprir outra função como aquela que Aristóteles implicou. Essa relação torna-se política e, a partir daí, deve-se procurar o que fazer entre as partes. Ora, nesse caso, dissociar a ética dessa relação é desumanizar a própria relação, pois “o vínculo monetário, que jamais constitui um laço social robusto, não é forte o suficiente para subjugar as ideologias fanáticas, nem para garantir a prosperidade [...] se o desenvolvimento material é o principal objetivo de um povo, não resta mais nenhum controle moral sobre os meios empregados na aquisição de riqueza: a violência e a fraude tornam-se práticas comuns” (KIRK, 2013, p. 197, 199). Ética e Vida Profissional. Por "ética e vida profissional" quer-se dizer da ética que se ocupa das mais diversas profissões. Poderíamos falar em ética médica, ética jornalista, ética jurídica etc., mas, ao usarmos "ética e vida profissional", estamos nos referindo ao geral, não ao particular. Nesse sentido, deve haver uma zona comum entre os ofícios para além das distinções. Tomemos, por exemplo, o caso sobre a mentira. Uma definição adequada sobre a mentira é que o conteúdo linguístico difere intencionalmente do conteúdo mental. Ou seja, quando alguém mente de fato, deve saber que é contrária à verdade e ter a intenção de enganar. Seria ético a um advogado mentir sabendo que seu cliente é culpado por um crime? Ou seria ético um empregado conseguir atestado médico sem estar doente? Seria ético a um empregador mentir aos seus empregados sobre seus pagamentos? Em certos aspectos, a teoria casuística da aplicação ética parece prevalecer nas relações profissionais, mesmo havendo acordos e códigos de ética para aquela profissão. No geral, quando não implicado por alguma regra moral estabelecida, os acordos morais parecem ser do senso comum: devemos ser honestos, honrar compromissos, sermos bondosos com os semelhantes etc. Por "senso comum" entenda-se a existência de princípios morais, ou princípio do dever, sobre os quais os demais repousariam e adquiridospor hábitos e contatos. Por exemplo, parece haver uma aprovação ou elogio para certas condutas. Um profissional é elogiado ou reprovado segundo suas ações: um médico por salvar uma vida, um professor por ensinar com dedicação, um advogado por fazer cumprir a justiça, um vendedor por bom Fonte: https://parallaxis.com.br/wp-content/uploads/2014/10/banca-etica1.jpeg U n iv er si d ad e C at ó lic a d e P er n am b u co 37 atendimento e preço justo, um jornalista por relatar as matérias sem distorcê-las etc. Ética e Ciência. De modo geral, na atualidade, por ciência se pensa a distinção, feita por Dilthey, em ciências da natureza (física, química, biologia, astronomia, etc.) e ciências do espírito ou humanas (psicologia, sociologia, história, linguística, etc.). A ciência, como entendida popularmente, é caracterizada pela manipulação do domínio da natureza a fim de transformá-la. O filósofo Ed Miller (1984, p.17) afirma que o método por trás das ciências da natureza é mais restrito que o método filosófico. A ciência consiste de um “conjunto de proposições ou juízos sobre aquilo que as coisas são: enunciam ou indicam aquilo que alguma coisa é” (VÁSQUEZ, 1999, p. 87). Isso quer dizer, então, que suas formulações indicariam apenas como as coisas são, mas não é possível indicar o que fazer, pois esse é campo da ética. As ciências podem dizer a composição de uma substância do tabaco e dizer o que ele causa no corpo humano, mas não pode dizer se isso é bom ou mau, certo ou errado, uma vez que esse juízo deixa o campo natural para o campo ético. Devemos lembrar-nos, também, que cientistas possuem crenças metafísicas e éticas que podem influenciar seus julgamentos e confundir um enunciado científico com um enunciado ético. Tomemos, por exemplo, a questão sobre o aborto. A escolha da definição sobre o que é o ser humano e quando se inicia a vida são questões metafísicas e irredutíveis a um aspecto meramente genético, sem levar em consideração aspectos éticos. “A definição científica de vida humana será sempre o resultado de uma escolha, de uma decisão epistemológica e dificilmente poder-se-ia encontrar aí os fundamentos de uma justificação absoluta de qualquer coisa” (FOUREZ, 1995, p. 185). Ética e Ecologia. Segundo Fourez (1995, p. 30), o termo “ecologia” pode gerar certa ambiguidade porque ou indicaria uma “moral relativa ao meio ambiente” ou uma disciplina relacionada à Biologia. Observando o desenvolvimento tecnológico e crescimento dos grandes centros urbanos, é certo que surgem questões relacionadas ao meio ambiente. Por mais estranho que pareça, a relação ética e ecologia passa a ressignificar a aplicação dos cuidados na menor unidade social, a casa (do grego oikos, daí eco, casa) para a unidade social maior: o homem em seu ambiente. Certamente que questões ecológicas terminam por impactar outras áreas da vida humana, tais com a política ou economia. Isso implicaria uma disposição lógica, mas não meramente racionalista dos meios de correção e promoção do “bem viver” em sociedade e, em especial, da relação homem-natureza. O caráter racionalizante desumanizaria a sociedade humana por priorizar a relação inversa mundo-homem. Se bem que o mundo aí estivesse antes dos homens, não seria significativo por não haver que o significasse – a menos que o Criador do mundo seja levado em consideração. Ora, a agir do homem no mundo se entrelaçam entre o ser e o agir no homem em sua “casa”. Assim, “não existe o problema ecológico, direta ou indiretamente, isolado da questão humana, pois todos os problemas ecológicos são manifestações de problemas humanos” (SIQUEIRA, 1985, p. 91). O homem, 38 F ilo so fi a e Fo rm aç ão In te g ra l ao mesmo tempo que procura soluções imediatas e urgentes para o equacionamento dos problemas ambientais e naturais, preocupa-se também com a história futura ou com o futuro ecológico e suas consequências para as gerações humanas vindouras. Essa são, pois, algumas áreas nas quais a aplicação da ética se torna necessária. Existem outras áreas, mas essas são suficientes para mostrar que a ética é importante para a boa efetivação das relações humanas. Síntese da Unidade Esta Unidade teve como temática geral a relação entre a filosofia e os valores humanos, ou seja, teve como objeto de análise a ética e os seus aspectos mais fundamentais. Ao tratar de uma temática como essa, é pertinente fazer uma caracterização geral daquilo que essencialmente distingue a ética, a partir das variadas propostas de fundamentação da nossa realidade moral e de sua aplicação no nosso dia a dia. Isso fizemos sobretudo no primeiro tópico da Unidade. Na continuação da Unidade, partimos para uma ponderação conceitual a algumas das principais teorias filosóficas sobre a ética. Na verdade, discorremos sobre algumas das principais correntes éticas, considerando os mais significativos desdobramentos teóricos de cada uma delas. Depois disso, consideramos o nosso tema do ponto de vista da pluralidade de cultura e de costumes. Efetivamente, analisamos os aspectos centrais do discurso ético contemporâneo a partir do tema do multiculturalismo e do respeito, pontuando sobretudo algumas dificuldades teóricas existentes no tratamento desse tema. Por fim, e tendo como pano de fundo todas as reflexões anteriormente estabelecidas, discutimos um dos assuntos mais complexo dos estudos filosóficos sobre a ética, que é a questão da liberdade humana. Nessa ocasião, pontuamos e analisamos duas correntes filosóficas principais (o espiritualismo e o existencialismo/materialista), considerando-as sob o ponto de vista da responsabilidade e do cuidado conosco, com ou outros e com o meio-ambiente. A Unidade encerrou-se com uma apresentação geral da aplicação da ética a várias áreas da realidade e da existência humanas. U n iv er si d ad e C at ó lic a d e P er n am b u co 39 Referências AGOSTINHO. O livre-arbítrio. 4. ed. Trad. de Nair de Assis Oliveira. São Paulo: Paulus, 2004. AUDI, Robert (org.). The Cambridge Dictionary of Philosophy. 2. ed. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1999. BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed., 1999 CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 12. ed. São Paulo: Editora Ática, 2001. DEWEESE, Garret J.; MORELAND, J.P. Filosofia concisa: uma introdução aos principais temas filosóficos. São Paulo: Vida Nova, 2011. FRANCISCO, Papa. 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