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A-ESCRAVIDÃO-E-SUAS-REPRESENTAÇOES-APOSTILA

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A Escravidão e suas 
Representações 
 
 02 
 
 
1. A Escravidão e as Suas Representações 4 
 
2. O Tráfico Negreiro 9 
Senzalas, Quilombos, Castigos, Violência 13 
 
3. A Memória dos Negros Escravizados: o Banzo 22 
As Imagens e a Memória: os Abolicionistas 25 
A Imagem Oficial 33 
 
4. Referências Bibliográficas 43 
 
 
 03 
 
 
 
 
 
 4 
A ESCRAVIDÃO E SUAS REPRESENTAÇÕES 
 
1. A Escravidão e as Suas Representações 
 
 
Fonte: Portal da Cidade1 
 
egundo Di Giulio (2003, s/p) 
Iorubás, haussás, bornos, bari-
bas. Para quem ouve pela primeira 
vez, essas palavras podem soar es-
tranhas e sem importância, mas, 
desde o século XVII, elas estão estri-
tamente ligadas à história do Brasil 
e, de algum modo, contribuíram for-
temente para moldar o país como o 
conhecemos atualmente. Se, para a 
maioria dos brasileiros, essas pala-
vras não fazem parte do vocabulário, 
na África elas são sinônimos de dife- 
 
1 Retirado em https://lucasdorioverde.portaldacidade.com/ 
renças: cada uma delas designa um 
povo com língua e costumes diferen-
tes. Povos que, durante o período de 
escravidão, deixaram forçosamente 
o continente africano para fincar ra-
ízes em solo brasileiro. “Povos diver-
sos que foram se formando ao longo 
de milhares de anos. Múltiplos po-
vos com culturas diferentes”, explica 
o pesquisador Valdemir Zamparoni, 
do Centro de Estudos Afro-Orientais 
(CEAO) e professor da Universidade 
Federal da Bahia. 
S 
 
 
5 
A ESCRAVIDÃO E SUAS REPRESENTAÇÕES 
 
Com a escravização, milhares 
de negros das mais variadas culturas 
acabaram se misturando e tiveram 
de passar a conviver juntos, criando 
laços de comunicação e de socializa-
ção. A historiadora Marina de Mello 
e Souza, em seu artigo Destino im-
presso na cor da pele, relata que “ao 
serem arrancados de suas aldeias e 
transportados pelo continente afri-
cano rumo às feiras regionais e aos 
portos costeiros, os escravos de dife-
rentes etnias misturaram-se, apren-
deram a se comunicar, criaram no-
vos laços de sociabilidade que se 
consolidaram durante os horrores 
da travessia atlântica, e se instituci-
onalizaram no seio da sociedade es-
cravista colonial, à qual foram inse-
ridos à força, acabando por encon-
trar formas de integração”. 
Mas, para o pesquisador Hen-
rique Cunha Júnior, que faz parte do 
Núcleo de Estudos Interdisciplina-
res sobre o Negro Brasileiro (NEINB 
- USP), esses povos já mantinham 
contato intenso antes do comércio e 
do escravismo no Brasil. “Os africa-
nos tinham e têm imenso trânsito no 
interior do continente e externo a 
ele. Antes da vinda para o Brasil, eles 
já haviam navegado no Atlântico e 
no Pacífico. Tinham comércio com o 
Caribe e a China”, diz. (DI GIULIO, 
2003, s/p) 
Ainda de acordo com Di Giulio 
(2003, s/p) se já tinham contatos 
antes ou se intensificaram esses la-
ços durante a viagem nos navios ne-
greiros e aqui, não é o mais rele-
vante. O fato é que milhares de ne-
gros vindos de várias partes da Áfri-
ca aportaram em terras brasileiras - 
principalmente na Bahia e, como ex-
plica o historiador João José Reis, 
da Universidade Federal da Bahia, o 
maior número desses escravos per-
tencia a grupos do tronco linguístico 
banto da África Centro- Ocidental, 
que inclui as regiões do Congo, An-
gola e Moçambique. “No interior de 
cada uma dessas grandes regiões 
contam-se dezenas de grupos étni-
cos que vieram para o Brasil no perí-
odo colonial e imperial, até o fim do 
tráfico, em 1850”, diz. Segundo Reis, 
como esses escravos estavam con-
centrados na Bahia, identidades es-
pecíficas foram reconstituídas ou 
construídas novamente. “Os falantes 
do iorubá viraram nagôs os do grupo 
gbe (fon, mahi e ewe, por exemplo) 
viraram jejes”, compara. Na opinião 
do pesquisador, o reagrupamento 
dos negros no Brasil seguiu, sobre-
tudo, a lógica do parentesco linguís-
tico. 
Para Zamparoni - que traba-
lhou no Centro de Estudos Africa-
nos, em Moçambique, durante três 
anos -, a primeira geração de negros 
vindos para cá guardou elementos 
de sua origem, mas as outras gera-
 
 
6 
A ESCRAVIDÃO E SUAS REPRESENTAÇÕES 
 
ções já eram a síntese das várias cul-
turas. “O candomblé praticado no 
Brasil é diferente dos cultos aos ori-
xás que acontecem na Nigéria. Ele é 
fruto das criações culturais daqui”, 
explica. 
Mas, não foi somente no Brasil 
que diferentes povos tiveram de 
conviver. Por causa do processo de 
colonização do continente africano, 
que teve início no século XIX, gru-
pos étnicos diferentes tiveram de vi-
ver no mesmo país, contribuindo 
para uma enorme diversidade cultu-
ral em cada Estado africano. “O de-
senho político dos países africanos 
foi feito seguindo a geografia do co-
lonialismo, daí que grupos étnicos 
historicamente rivais foram coloca-
dos no interior de fronteiras cultu-
ralmente artificiais, assim como gru-
pos mais ou menos homogêneos fo-
ram divididos por essas fronteiras”, 
afirma Reis. “Populações que, mui-
tas vezes, não eram amigas no pas-
sado, acabaram obrigadas a convi-
ver dentro do mesmo Estado. O re-
sultado disso é a instabilidade polí-
tica de muitos países”, acrescenta 
Zamparoni. 
Se tanto no Brasil como em 
cada Estado africano há tamanha di-
ferença cultural, porque muitos 
veem a cultura africana como homo-
gênea e têm a visão de uma só 
África? Parte dessa visão equivocada 
é decorrente do próprio sistema 
educacional brasileiro, que não in-
clui estudos sobre a África e os es-
cravos que vieram para o Brasil. 
“Esse processo de exclusão da histó-
ria africana da cultura nacional faz 
parte das políticas de desigualdades 
de classes produzidas pelo escravis-
mo e pelo capitalismo racista”, ex-
plica o pesquisador Cunha, em seu 
artigo A inclusão da história africana 
no tempo dos parâmetros curricula-
res nacionais. Segundo o pesquisa-
dor, “as percepções sobre o passado 
africano são desinformadas e racis-
tas, e associadas às noções de raça, 
tanto no cotidiano da sociedade co-
mo na educação, produzem um pro-
cesso de representações desfavorá-
veis à percepção igualitária e cidadã 
dos afrodescendentes”. (DI GIULIO, 
2003, s/p) 
Para Zamparoni, de acordo 
com Di Giulio (2003, s/p) esse pro-
cesso de homogeneização da cultura 
africana está relacionado a outros 
mais antigos. Segundo ele, nos pri-
meiros contatos, os europeus já pu-
deram perceber que os africanos 
pertenciam a povos diferentes, com 
culturas e hábitos diversos. “Mesmo 
assim, nada impedia os europeus de 
falarem sobre os hábitos dos negros, 
usando julgamentos depreciativos”, 
diz. Quando começa o tráfico de es-
cravos, que se torna mais forte a par-
tir do século XVII acontece um pro-
cesso de desumanização, na opinião 
 
 
7 
A ESCRAVIDÃO E SUAS REPRESENTAÇÕES 
 
do pesquisador. “Havia aqueles se-
nhores de escravos e os traficantes 
que conheciam as características de 
cada povo. Mas, o negro passou a ser 
tratado como unidade. Não se fala-
vam mais de pessoas, mas de peças”, 
afirma. No século XIX, com o dis-
curso do racismo científico, esse 
processo se acelera ainda mais. “A 
tese de raça abstrai as diferenças 
culturais e busca denominadores co-
muns”, diz Zamparoni. Os traços 
culturais são deixados de lado e o 
que pesa é apenas o fundamento bi-
ológico. “Esse é o grande discurso 
homogeneizador e desumanizador”, 
ressalta ele. 
Em outras palavras, os escra-
vos eram vistos como “peças” iguais. 
Com a tese do racismo científico, to-
dos os negros passam também a ser 
vistos como iguais. “E passa, então, 
a existir a ideia de que existe uma 
África só.” A imagem de um conti-
nente africano semelhante a que é 
mostrada em filmes como Tarzan e a 
ideia da uniformidade cultural são, 
na opinião de Zamparoni, fruto do 
desconhecimento, racismo e de 
“uma própria ignorância”. 
Paraesses pesquisadores, as 
diferentes culturas africanas não 
apenas influenciaram, mas foram 
parte integrante daquilo que hoje 
definimos como cultura brasileira. 
“Os escravos foram 'os pés e as mãos' 
não só dos senhores, mas do Brasil. 
Do ponto de vista da cultura, deixa-
ram a marca por toda a parte porque 
a escravidão existia por toda parte. É 
difícil encontrar um setor da cultura 
em que a mão e o pensamento afri-
cano não tenham tocado”, diz Reis. 
(DI GIULIO, 2003, s/p) 
Cunha segundo Di Giulio (20 
03, s/p) vai mais além. “Tudo, abso-
lutamente tudo que é cultura brasi-
leira durante o escravismo crimi-
noso foi fruto de africanos afrodes-
cendentes. As tecnologias, todas”, 
diz. Como exemplo, ele cita as agri-
culturas comerciais tropicais, que 
eram conhecidas dos africanos, e as 
fundações de ferro, geridas com o 
conhecimento africano. “Mesmo a 
fauna e flora brasileira foram modi-
ficadas pelos africanos. Temos ani-
mais e plantas trazidos por eles. A 
bagagem africana é muito rica”, 
completa. 
“É impossível pensar como in-
fluência, mas sim como fundamento 
da cultura brasileira”, explica Zam-
paroni. “Somos herdeiros das várias 
culturas africanas”, diz. Nesse sen-
tido, ele destaca a importância de es-
tar consciente disso. “O Brasil não 
vai se conhecer enquanto não estu-
dar as culturas africanas e não as 
tratar com respeito.” (DI GIULIO, 
2003, s/p) 
 
 
 
 
 
 
 
 9 
A ESCRAVIDÃO E SUAS REPRESENTAÇÕES 
2. O Tráfico Negreiro 
 
 
Fonte: Conhecimento Cientifico2 
 
ara Silva (s/d, s/p) o tráfico 
transatlântico de escravos de-
senvolveu-se em parte graças à par-
ticipação dos próprios africanos. 
Apesar de o tráfico negreiro ser ge-
ralmente caracterizado como obra 
dos países europeus e americanos, 
os africanos também participaram 
ativamente dessa atividade. O tráfi-
co exigia uma organização comercial 
complexa para a venda e o transpor-
te dos escravos. Essa organização 
encontrava-se baseada nos três con-
tinentes do Atlântico. Na África ela 
concentrava-se nas mãos dos pró-
prios africanos, que determinavam 
quem embarcava ou não para o No-
 
2 Retirado em https://conhecimentocientifico.r7.com/ 
vo Mundo. Isso em nada diminui o 
envolvimento dos países europeus e 
americanos no tráfico de escravos, 
mas revela um lado pouco conhecido 
da participação africana nessa ativi-
dade. 
Os africanos escravizavam-se 
uns aos outros por uma questão de 
identidade cultural. Ao contrário 
dos europeus, no princípio do tráfico 
negreiro, e ainda bem depois disso, 
os africanos não se reconheciam co-
mo africanos. Eles se identificavam 
de diversas maneiras, como pela sua 
família, clã, tribo, etnia, língua, reli-
gião, país ou Estado. Essa diversida-
de sugere uma sociedade bem mais 
P 
 
 10 
A ESCRAVIDÃO E SUAS REPRESENTAÇÕES 
complexa do que aquela a que esta-
mos acostumados e designamos por 
“africana” Pouco vale distingui-las 
neste momento. Contudo, deve-se 
atentar para essa diferença, uma vez 
que ela ajuda a entender a origem do 
tráfico de escravos e da escravidão 
no Novo Mundo. (SILVA, s/d, s/p) 
Ainda para Silva (s/d, s/p) a 
escravidão foi uma instituição pre-
sente na maior parte do mundo. Na 
África, ela surgiu antes mesmo da 
era dos descobrimentos marítimos 
dos europeus. Desde a antiguidade 
clássica, escravos negros eram ven-
didos para os mercados da Europa e 
da Ásia através do Deserto do Saara, 
do Mar Vermelho e do Oceano Ín-
dico. Eles eram vendidos entre os 
egípcios, os romanos e os muçulma-
nos, mas há notícias de escravos ne-
gros vendidos em mercados ainda 
mais distantes, como a Pérsia e a 
China, onde eram recebidos como 
mercadorias exóticas. Na própria 
África, os africanos serviam como 
escravos em diversas funções, desde 
simples trabalhadores até coman-
dantes ou altos funcionários de Es-
tado. Portanto, tanto a escravidão 
como o comércio africano de escra-
vos precedeu à chegada dos euro-
peus e à abertura do comércio marí-
timo com o Novo Mundo. 
Com a colonização das Améri-
cas, um novo mercado surgiu para o 
comércio africano de escravos. As 
plantações de açúcar do Brasil e do 
Caribe expandiam progressivamen-
te, demandando cada vez mais mão 
de obra. Contudo, as populações na-
tivas do Novo Mundo, dizimadas em 
grande parte pelas doenças trazidas 
pelos europeus, mal podiam atender 
essa demanda. Os europeus, por ou-
tro lado, viam poucos motivos para 
trabalharem voluntariamente nas 
plantações de açúcar. As condições 
de trabalho eram geralmente precá-
rias e pouco gratificantes, de manei-
ra que mesmo prisioneiros ou indi-
víduos obrigados a um termo de tra-
balho raramente se sujeitavam a tra-
balhar nas plantações de açúcar do 
Novo Mundo. O problema da escas-
sez de mão de obra foi solucionado 
com o tráfico transatlântico de es-
cravos. 
A escravidão na África serviu 
de base para o desenvolvimento do 
tráfico transatlântico de escravos. 
Inicialmente, os europeus organiza-
ram expedições marítimas para cap-
turar e transportar escravos pelo 
Atlântico. Contudo, os riscos e os 
custos dessas expedições eram mui-
to altos em comparação aos ganhos. 
Por isso, decidiram por um método 
menos agressivo para a obtenção de 
escravos, adotando o comércio no 
lugar da força bruta. Os africanos 
responderam positivamente a essa 
decisão, uma vez que já estavam lon-
 
 11 
A ESCRAVIDÃO E SUAS REPRESENTAÇÕES 
gamente familiarizados com o co-
mércio de escravos. A abertura do 
comércio transatlântico com os eu-
ropeus proporcionou aos africanos 
acesso a objetos que eles considera-
vam como de luxo, e não quinquilha-
rias como geralmente se anuncia. Os 
africanos rarissimamente venderam 
escravos por bens de primeira ne-
cessidade. A maioria dos objetos im-
portados pelos africanos consistia 
em bens supérfluos como panos asi-
áticos e europeus, bebidas alcoóli-
cas, tabaco, armas de fogo e pólvora. 
(SILVA, s/d, s/p) 
Continuando Silva (s/d, s/p) 
aponta que havia várias maneiras de 
um indivíduo se tornar escravo na 
África. O mais comum, e talvez mais 
eficiente, era a guerra. Guerras entre 
vizinhos geralmente produzia um 
número de indivíduos capturados 
que poderia ser facilmente vendido 
na costa como escravo. No entanto, 
as guerras eram um método de es-
cravização caro, que somente socie-
dades centralizadas ou estatais po-
deriam sustentar. Outros métodos 
de escravização menos dispendiosos 
e abertos às sociedades africanas 
descentralizadas incluíam as razias, 
o endividamento, e o julgamento por 
crimes ou heresias. Finalmente, em 
tempos de carestia, havia ainda a 
possibilidade de escravização volun-
tária, na qual indivíduos livres en-
tregavam-se à escravidão movidos 
pela fome, pelo abandono ou por ou-
tras ameaças. 
O tráfico transatlântico consu-
miu mais escravos do que qualquer 
outro mercado da África. Contudo, a 
demanda por escravos do comércio 
transatlântico pouco alterou a ma-
neira como os africanos concebiam a 
escravidão na África. Em geral, os 
africanos preferiam mulheres como 
escravas por dois motivos. Primeiro 
porque as mulheres eram responsá-
veis pelo trabalho agrícola na maio-
ria das sociedades africanas, e se-
gundo porque eles poderiam tomar 
essas mulheres por esposas, aumen-
tando assim a sua família e a sua in-
fluência política na comunidade lo-
cal. As crianças também eram consi-
deradas escravos ideais pelos africa-
nos, uma vez que poderiam ser facil-
mente assimiladas pela comunidade 
dos seus senhores. Ao contrário, os 
africanos procuravam se desfazer 
logo de escravos homens, que pode-
riam representar um perigo para a 
sociedade, especialmente em se tra-
tando de soldados capturados em 
guerras. Nesse sentido, o tráfico 
transatlântico de escravos contri-
buiu para aliviar os senhores africa-
nosdesse tipo de escravo, já que as 
plantações do Novo Mundo deman-
davam mais homens do que mulhe-
res e crianças como escravos. (SIL-
VA, s/d, s/p) 
 
 12 
A ESCRAVIDÃO E SUAS REPRESENTAÇÕES 
O tráfico negreiro de acordo 
com Silva (s/d, s/p) atuou diferente-
mente em várias partes da costa afri-
cana. Por isso, torna-se difícil de cal-
cular o impacto dessa atividade no 
continente. Na Baía de Benin e na 
costa do Congo e Angola, onde o trá-
fico foi especialmente ativo, o seu 
impacto é geralmente associado à vi-
olência comercializada, a crises de-
mográficas, e à expansão da escravi-
dão na própria África. Em outras 
partes do continente, as consequên-
cias devem ter sido menos severas, 
apesar de a economia externa afri-
cana viver hoje profundamente vol-
tada para fora do continente. De to-
da maneira, o tráfico transatlântico 
de escravos foi uma atividade na 
qual os africanos atuaram tanto co-
mo vítimas quanto agentes. Talvez, o 
primeiro passo para se compreender 
a história dessa tragédia seja reco-
nhecer que até pouco tempo a escra-
vidão era aceita pela maior parte do 
mundo. Uma prova disso está na 
ocasião em que se celebra o fim da 
escravidão. O 13 de Maio de 1888 re-
presentou o fim da escravidão no 
Brasil. O último país a abolir a escra-
vidão nas Américas, apenas cerca de 
dois séculos atrás. Portanto, seja en-
tre europeus, seja entre africanos, 
havia poucos fatores que pudessem 
inibir o desenvolvimento do tráfico 
transatlântico de escravos. (SILVA, 
s/d, s/p) 
Trazendo mais informações 
sobre o assunto trazemos o parecer 
de Sento Sé (s/d, s/p) que aponta 
que o tráfico negreiro no Brasil per-
durou do século XVI ao XIX. Nosso 
país recebeu a maior parte de africa-
nos escravizados no período (quase 
40% do total) e foi a nação da Amé-
rica a mais tardar a abolição do cati-
veiro (1888). Era uma atividade lu-
crativa e praticada pelos portugue-
ses antes do descobrimento do Bra-
sil. 
As embarcações utilizadas 
para o transporte desses escravos da 
África para o Brasil eram as mesmas 
anteriormente usadas para o trans-
porte de mercadorias da Índia. As-
sim, podemos levantar dúvidas so-
bre o estado de conservação e a se-
gurança dos navios negreiros. 
No início desse “comércio” 
eram utilizadas para o tráfico ne-
greiro desde as charruas até as cara-
velas, com arqueações que variavam 
entre 100 e 1000 toneladas. Mas 
com o passar do tempo os navios 
negreiros começaram a ser escolhi-
dos com mais especificidade, indo 
de naus com apenas uma cobertura 
(os escravos eram transportados 
sem distinção nos porões) a naus 
com três coberturas (separando-se 
homens, mulheres, crianças e mu-
lheres grávidas). Àquela época, esses 
navios eram apelidados de “tumbei-
 
 13 
A ESCRAVIDÃO E SUAS REPRESENTAÇÕES 
ros”, pois devido às condições precá-
rias muitos escravos morriam. Os 
negros que não sobreviviam à via-
gem tinham seus corpos jogados ao 
mar. (SENTO SÉ, s/d, s/p) 
Ainda de acordo com Sento Sé 
(s/d, s/p) os negros que aqui chega-
vam pertenciam, grosso modo, a 
dois grupos étnicos: os bantos, vin-
dos do Congo, da Angola e de Mo-
çambique (distribuídos em Pernam-
buco, Minas Gerais e no Rio de Ja-
neiro) e os sudaneses, da Nigéria, 
Daomé e Costa do Marfim (cuja mão 
de obra era utilizada no Nordeste, 
principalmente na Bahia). (...) O 
motivo para o início do tráfico ne-
greiro no Brasil foi a produção de 
cana-de-açúcar. Os escravos eram 
utilizados como mão de obra no 
Nordeste. Comercializados, escra-
vos jovens e saudáveis eram vendi-
dos pelo dobro do preço de escravos 
mais velhos ou de saúde frágil. Vis-
tos como um bem material, eles po-
diam ser trocados, leiloados ou ven-
didos em caso de necessidade. O 
Tráfico Negreiro foi extinto pela Lei 
Eusébio de Queirós, em 1850. (SEN-
TO SÉ, s/d, s/p) 
 
Senzalas, Quilombos, Cas-
tigos, Violência 
 
Conforme Santos (2009, s/p) 
durante o longo período escravista 
ocorrido no Brasil, a violência foi 
uma das características marcantes 
desse sistema socioeconômico. Na 
violência implícita à escravidão tem-
se uma parte importante e impres-
cindível da dominação dos senhores 
sobre seus escravos no interior das 
unidades produtivas, ou seja, a vio-
lência foi imposta pela sociedade es-
cravista objetivando submeter e 
controlar as ações de negação dos 
cativos contra as empresas de base 
escravista. 
O castigo do escravo infrator 
apresentava-se como parte do “go-
verno econômico dos senhores”, ali-
ados ao trabalho excessivo e ao ali-
mento insuficiente. Mas o poder do 
senhor sobre o escravo não visava 
destruí-lo, mas, sim, otimizar sua 
produção econômica e diminuir sua 
força política. É justamente o perigo 
da perda de funcionalidade do sis-
tema de dominação do senhor sobre 
o escravo que fez com que a punição 
senhorial fosse agente político, ma-
nifestando-se e se reativando na pu-
nição do escravo faltoso (LARA, 
1988, p.116, apud SANTOS, 2009, 
s/p). 
O reconhecimento social da 
prática dos castigos de escravos, no 
entanto, esbarrava na questão da 
justiça e da moderação, pois somen-
te aplicado nessas condições corres-
ponderia ao que dele se esperava: a 
disciplina e a educação. A punição 
injusta e excessiva provocava, por 
 
 14 
A ESCRAVIDÃO E SUAS REPRESENTAÇÕES 
seu turno, descontentamento e re-
volta. Punir o escravo que houvesse 
cometido uma falta, não só era um 
direito, mas uma obrigação do se-
nhor. Isso era reconhecido pelos 
próprios escravos, mas não quer di-
zer que os castigos eram aceitos, ou 
seja, por intermédio dos castigos, 
caberia a tarefa de educar seus cati-
vos para o trabalho e para a socie-
dade (LARA, 1988, p. 60-61, apud 
SANTOS, 2009, s/p). 
Para a repreensão dos escra-
vos considerados criminosos, havia 
duas justiças paralelas: a oficial, re-
presentada pela máquina judiciária, 
baseada no livro das Ordenações Fi-
lipinas, que previa duras penas co-
mo morte e degredo e a privada, pra-
ticada pelos senhores (APOLINÁ-
RIO, 2000, p. 103, apud SANTOS, 
2009, s/p). 
Um departamento da Casa de 
Correção era apropriado ao castigo 
dos escravos, que para lá eram man-
dados a fim de serem punidos por 
desobediência ou por faltas peque-
nas. Os escravos eram recebidos a 
qualquer hora do dia ou da noite e 
retidos em livro de despesas o tempo 
que os senhores desejassem (KID-
DER e FLETCHER, 1941, p. 173, 
apud SANTOS, 2009, s/p). 
Segundo a autora Emilia Viotti 
da Costa, (1998), nas fazendas o pro-
gresso era muito mais lento do que 
nas cidades. Os conselhos reiterados 
aos fazendeiros para que fossem be-
nevolentes e moderados nas penas 
aplicadas aos escravos sugerem os 
excessos cometidos na solidão das 
fazendas e que a crônica do tempo 
confirma. Nas cidades a lei intervi-
nha, regulava e fiscalizava já nas fa-
zendas, porém, a vontade do senhor 
decidia e os feitores executavam. 
Não que a maioria dos feitores fosse 
necessariamente recrutada entre os 
que gostavam de “dar pancadas”. Os 
critérios de avaliação das penas e de 
aplicação dos castigos ficavam quase 
sempre ao arbítrio do senhor, mas 
sua execução dependia da índole dos 
feitores e estes, não raro, se exce-
diam ao aplicá-los. (SANTOS, 2009, 
s/p) 
Como espetáculo, o castigo fa-
zia parte de um ritual e era um ele-
mento de liturgia punitiva que dei-
xava a vítima infame de si e osten-
tava a todos o triunfo do poder se-
nhorial visando simbolizar no mo-
mento de sua execução, a lembrança 
da natureza do crime. Estabelecen-
do entre o suplício e o crime relações 
decifráveis na certeza de anular o 
crime junto com o culpado (FOU-
CAULT, 1987, p. 31, apud SANTOS, 
2009, s/p). 
Artur Ramos, num artigo pio-
neiro publicado em 1938 e posteri-
ormente analisado e publicado por 
Silvia Hunold Lara (1988), empre-
 
 15 
A ESCRAVIDÃO E SUAS REPRESENTAÇÕES 
endeuuma classificação dos instru-
mentos de castigo e suplício dos es-
cravos, dividindo-os em instrumen-
tos de captura e contenção, instru-
mentos de suplício e instrumentos 
de aviltamento para prender o escra-
vo. Vários foram as formas e os ins-
trumentos utilizados para castigar 
os escravos faltosos e mantê-los obe-
diente e temerosos. Como instru-
mentos destinados à captura e con-
tenção de cativos havia as correntes, 
(dentre as correntes estão a gonilha 
ou golilha, a gargalheira), o tronco e 
o vira-mundo, as algemas, machos, 
cepo e a peia. Apesar de serem clas-
sificados como instrumentos de cap-
tura e contenção podiam tais utensí-
lios transformar facilmente em ins-
trumentos de grandes tormentos, 
pois ao provocarem a imobilidade 
forçada tornava-se um verdadeiro 
suplício. Além dos instrumentos já 
citados, existiam também as másca-
ras de flandes, os anjinhos, o baca-
lhau, à palmatória e o ferro para 
marcar com inscrições o corpo do 
escravo faltoso (APOLINARIO, 
2000, p. 102, apud SANTOS, 2009, 
s/p). 
Os cativos segundo Santos 
(2009, s/p) aprendiam a conhecer 
cada um desses objetos, destinados 
a suplicá-los, desde a mais tenra ida-
de como também saber que qual-
quer falta cometida, seriam castiga-
dos por tais instrumentos (NEVES, 
1996, p 91). A série de instrumentos 
de tortura utilizados nas práticas in-
quisitoriais desafiava a imaginação 
da consciência mais dura. O tronco 
era um velho instrumento usado em 
muitos países, para os condenados 
de todas as raças, e na própria África 
os negros o empregavam com fins 
penais. Depois da abolição da escra-
vatura no Brasil, o tronco ainda foi 
empregado em muitas fazendas, 
para a prisão e castigo de ladrões de 
cavalo e de outros delinquentes. Seu 
objetivo era imobilizar o escravo 
obrigando-o a posições mais ou me-
nos forçadas, torturava-se pelo can-
saço, pela impossibilidade de se de-
fender dos insetos que o atacavam, 
pelo desgaste físico e moral (LARA, 
1988, p. 75, apud SANTOS, 2009, 
s/p). 
O cepo consistia num grosso 
tronco de madeira que o escravo car-
regava à cabeça preso por uma longa 
corrente a uma argola que trazia no 
tornozelo (LARA, 1988, p. 73-74, 
apud SANTOS, 2009, s/p). 
Nesta série de correntes e ar-
golas, está o libambo. Extensiva-
mente é toda espécie de corrente que 
prendia o escravo e, neste sentido, 
está descrito por vários historiado-
res. No Brasil, porém, o libambo 
teve uma significação restrita: serviu 
para designar aquele instrumento 
que prendia o pescoço do escravo 
numa argola de ferro, de onde saía 
 
 16 
A ESCRAVIDÃO E SUAS REPRESENTAÇÕES 
uma haste longa, também de ferro, 
que se dirigia para cima ultrapas-
sando o nível da cabeça do escravo. 
Esta haste ora terminava por um 
chocalho, ora por trifurcação de 
pontas retorcidas. Os anjinhos eram 
instrumentos de suplício que pren-
diam os dedos polegares da vítima 
em dois anéis que comprimiam gra-
dualmente por intermédio de uma 
pequena chave ou parafuso (NEVES, 
1996, p. 91, apud SANTOS, 2009, 
s/p). 
Arthur Ramos (1938, apud 
SANTOS, 2009, s/p) em seu artigo 
afirma que nas cidades, os castigos 
de açoites eram feitos publicamente, 
nos pelourinhos. O espetáculo era 
anunciado publicamente pelos rufos 
do tambor. Era grande a multidão 
que se reunia na praça do pelouri-
nho para assistir ao látego do car-
rasco abater-se sobre o corpo do 
próprio escravo condenado, que ali 
ficava exposto á execração pública. A 
multidão excitava e aplaudia, en-
quanto o chicote abria estrias de 
sangue no dorso nu do negro escravo 
para servir de exemplo aos demais. 
No período da escravidão no 
Brasil, segundo Santos (2009, s/p) 
costumava- se dizer que para o es-
cravo são necessários três P, a saber, 
pau, pão e pano. E posto que come-
cem mal, principiando pelo castigo 
que é o pau, contudo, provera a Deus 
que tão abundante fosse o comer e o 
vestir como muitas vezes é o castigo, 
dado a qualquer causa pouco pro-
vada ou levantada e com instrumen-
tos de muito rigor, ainda quando os 
crimes são certos de que se não usa 
nem com os brutos animais, fazendo 
algum senhor mais caso de um ca-
valo que meia dúzia de escravos 
(NEVES, 1996, p. 92, apud SANTOS, 
2009, s/p). 
De acordo com Santos (2009, 
s/p) o castigo físico enquanto domi-
nação sobre o corpo do “outro” não 
foi um mecanismo de poder exclu-
sivo do escravismo moderno. Em 
outras épocas a cultura ocidental foi 
criando práticas de violência ade-
quada aos interesses das elites. To-
davia é na sociedade escravista mo-
derna que ela vai tomar nuances 
mais elaboradas e fincadas na racio-
nalidade do Estado Moderno e nos 
interesses dos senhores escravistas. 
Isto não significa, porém, que o cas-
tigo dos escravos tenha sido para-
lelo, reflexo ou simplesmente repeti-
ção do que se passava em nível mais 
geral. Perpassado pelas conexões 
mais amplas, os castigos físicos, me-
didos, justos, corretivos, educativo, 
moderado e exemplar dos escravos e 
escravas negras mantinham sua es-
pecificidade: exercício do poder se-
nhorial e na reafirmação da domina-
ção. Sendo que eles estavam ligados 
 
 17 
A ESCRAVIDÃO E SUAS REPRESENTAÇÕES 
à reprodução de uma relação de ex-
ploração direta do trabalho. (SAN-
TOS, 2009, s/p) 
Explorando os estudos acerca 
das fugas e dos quilombos no Brasil 
o professor Maestri (2005, s/p) pu-
blicou um artigo em aponta que no 
início dos anos 1500, viviam no lito-
ral brasílico em torno de seiscentos 
mil americanos, sobretudo aldeões 
de língua tupi-guarani. Os coloniza-
dores lusitanos ocuparam as terras 
litorâneas; eliminaram, escraviza-
ram ou assimilaram as populações 
nativas; impuseram economia es-
cravista e latifundiária voltada à 
produção de mercadorias. 
Por três séculos e meio, a pro-
dução escravista colonial regeu a so-
ciedade colonial e imperial brasilei-
ra, impondo duríssimas condições 
de existência aos trabalhadores es-
cravizados, primeiros americanos, a 
seguir africanos e afrodescendentes. 
Os trabalhadores feitorizados 
serviram-se de diversos meios para 
oporem-se, em forma consciente, 
semiconsciente e inconsciente à ex-
ploração escravista, destacando-se 
entre eles a resistência na execução 
do trabalho; a apropriação de bens 
por eles produzidos; o justiçamento 
de escravistas e prepostos; o suicí-
dio; a fuga; o aquilombamento; a re-
volta; a insurreição. O cativo resistiu 
ininterruptamente, mesmo quando 
se acomodava à escravidão. (MAES-
TRI, 2005, s/p) 
A principal forma de resistên-
cia do cativo segundo Maestri (20 
05, s/p) à escravidão foi a oposição 
ao trabalho escravizado, através do 
corpo mole, da sabotagem das ferra-
mentas, do auto-ferimento, etc. O 
profundo desamor ao trabalho feito-
rizado impôs a necessidade de que 
o produtor direto fosse estreitamen-
te vigiado, durante a produção, ou 
duramente castigado, quando não 
cumpria suas tarefas, ensejando gas-
tos não produtivos com o controle e 
a vigilância que oneravam duramen-
te essa forma de produção, como 
apontado por Jacob Gorender, no 
clássico O escravismo colonial. 
Uma não menos significativa 
forma de oposição à escravidão foi a 
fuga, através da qual o cativo liber-
tava-se das amarras que o prendia 
ao escravizador, criando as condi-
ções para um exercício autonômico 
de sua força de trabalho. Se a oposi-
ção incessante ao trabalho e as ou-
tras formas de resistência minaram 
a produção escravista, foi a fuga dos 
cativos, concentrados na Centro-
Sul, durante o auge da cafeicultura, 
que assentou o derradeiro golpe à 
instituição, como desvelado no mag-
nífico estudo de Robert C. Conrad, 
Os últimos anos da escravidão no 
Brasil. 
 
 
 18 
A ESCRAVIDÃO E SUAS REPRESENTAÇÕES 
As fugas foram uma hemorra-
gia incessante na produção escra-
vista. Fugiam trabalhadores escravi-
zados, de ambos os sexos, crianças,jovens, adultos ou já idosos; fugiam 
cativos das cidades, das residências, 
das embarcações, das chácaras, das 
fazendas, das olarias, das charquea-
das. Fugia o cativo crioulo, que não 
conhecia outra vida que a vivida no 
jugo da escravidão, fugia o africano 
apenas ou há muito chegado ao Bra-
sil, que vivera em liberdade no Con-
tinente Negro. Fugia o cativo do-
méstico, o trabalhador do eito, o ga-
nhador especializado. Os fujões es-
capavam em grupos ou aos pares, 
mas, sobretudo sozinhos, para visi-
tar amigos e parentes; para viver co-
mo negros livres libertos nas cidades 
e nos campos; para procurar a pro-
teção de acoitador cúmplice; encon-
trar o abrigo em um ermo do inte-
rior. A documentação referente à so-
ciedade escravista está prenha de re-
gistros dessa vontade incessante de 
liberdade e, não raro, da dura von-
tade de mantê-la, mesmo pela força. 
Ali onde era possível, os cativos fu-
giam para além das fronteiras do 
Brasil, onde comumente se reconhe-
cia a sua liberdade. 
Apenas o desconhecimento, 
até a poucos anos, do caráter hege-
mônico da escravidão no Brasil e da 
dominância da oposição entre escra-
vizador e escravizado, impediu a 
correta avaliação e releitura de nos-
so passado a partir daquela contra-
dição. E isso apesar dos trabalhos 
germinais de Benjamin Péret, Que 
foi o quilombo de Palmares? de 19 
56, de Clóvis Moura, Rebeliões Da 
senzala: quilombos, insurreições, 
guerrilhas, de 1959, de Emília Viotti 
da Costa, Da senzala à colônia, de 
1966, entre outros. (MAESTRI, 
2005, s/p) 
Ainda conforme Maestri 
(2005, s/p) até hoje, não contamos 
com estudos gerais sistemáticos so-
bre a fuga de cativos no Brasil, pos-
síveis de serem realizados apenas a 
partir do cruzamento de múltiplas 
fontes. Tentar por exemplo estimar 
a incidência dessas ocorrências atra-
vés dos anúncios de jornais pagos 
pelos proprietários de fujões é uma 
quase inocência historiográfica. Por 
inúmeras razões, apenas uma parte 
dos escravistas utilizava-se desse re-
curso. Nem mesmo as listas de cati-
vos fugidos expressam plenamente a 
dimensão do fenômeno. Em geral, 
elas não abarcam as perdas dos pro-
prietários de poucos cativos, as fu-
gas de breve duração, os fujões já 
presos ou sem título de propriedade, 
etc. 
Praticamente todas as estima-
tivas isoladas, ainda que baseadas 
em uma documentação lacunar su-
gerem que, nos períodos de norma-
lidade institucional, de dois a cinco 
 
 19 
A ESCRAVIDÃO E SUAS REPRESENTAÇÕES 
por cento da população escraviza-
da encontrava-se fugida, o que per-
mite uma ideia aproximativa da for-
te pressão da fuga – assim como a da 
possível fuga – sobre a produção es-
cravista, através dos gastos necessá-
rios de vigilância, das jornadas de 
trabalho jamais recuperadas, da per-
da de capitais investidos, da desva-
lorização do preço do cativo captu-
rado, etc. São muito raros os mo-
mentos em que a ordem capitalista 
conheceu uma atividade grevista sis-
temática de tamanha dimensão. 
Não possuem base documental as 
tentativas da historiografia neo-pa-
triarcal de minimizar a importância 
da fuga e de transformá-la em mera 
resistência cultural; em ação transi-
tória do cativo crioulo, para forçar o 
escravista à “negociação”; em reação 
do africano insatisfeito com o meio 
hostil, pois ainda desconhecido; em 
recurso do cativo querendo “descan-
sar” um pouco, etc. Todos esses fu-
jões sempre vivamente dispostos a 
retornar ao regaço paternal do ne-
greiro, já que “ansiosos” pelo traba-
lho no eito e pelas raras horas con-
cedidas por alguns escravistas para 
“atividades autônomas”. 
Nessas apresentações apolo-
géticas do cativeiro colonial, a resis-
tência transforma-se em uma von-
tade política singular do cativo de 
“transformar a escravidão no seio da 
escravidão”, e não em sua supera-
ção, ainda que através da emancipa-
ção individual. Essa proposta, que 
exigiria do cativo nível de consciên-
cia impossível para a época, se real-
mente procedesse, tornaria desne-
cessários os ingentes gastos de vigi-
lância em feitores, em homens do 
mato, em tropas municipais e regio-
nais e, sobretudo, dispensaria a inti-
midação terrorista a que a popula-
ção escravizada foi submetida. Por 
necessidades estruturais da socie-
dade negreira, e não por ruindade 
dos escravistas, era habitual cativos 
condenados, além das penas de 
morte ou de prisão, a até mil e qui-
nhentas chicotadas, como Solimar 
Oliveira Lima assinalou em seu 
magnífico estudo Triste pampa: re-
sistência e punição de escravos em 
fontes judiciárias no RS, referente 
ao Rio Grande do Sul, região do Bra-
sil já apresentada como terra de 
amos afáveis. (MAESTRI, 2005, 
s/p) 
Nesse sentido Maestri (2005, 
s/p) aponta que ao igual de outras 
regiões da América, desde o início do 
cativeiro, nos campos, mas também 
nas cidades do Brasil, um grande 
número de cativos fugia à procura de 
um ermo qualquer do interior, de 
um abrigo nas escarpas de uma ser-
ra, no coração de uma ilha, nos em-
brenhados de um mangue ou na pro- 
 
 20 
A ESCRAVIDÃO E SUAS REPRESENTAÇÕES 
fundeza de uma floresta. Através do 
exercício da antiga sabedoria dos 
oprimidos de que se “deus é grande, 
o mato é ainda maior”, os cativos fu-
gidos procuravam formar uma co-
munidade de produtores livres em 
um espaço geográfico e social que, 
por suas características, estivesse 
longe do braço pesado do negreiro. 
No Brasil, essas comunidades foram 
conhecidas no passado, sobretudo 
como mocambos ou quilombos. No 
novo espaço de liberdade, o traba-
lhador escravizado escapado usu-
fruía dos produtos de seu esforço, 
empregado na agricultura, no arte-
sanato, na caça, na coleta, no extra-
tivismo, na pesca, na rapinagem, etc. 
Em forma mais ou menos sistemá-
tica, as mais diversas regiões do Bra-
sil escravista conheceram quilom-
bos. Não temos igualmente estimati-
vas sobre o número de minúsculos, 
pequenos, médios e grandes quilom-
bos, formados durante o passado es-
cravista brasileiro. Entretanto, ele 
possivelmente se eleva às dezenas de 
milhares. 
A importância quantitativa e a 
extensão geográfica das fugas e dos 
aquilombamentos influenciou pro-
fundamente a história política, so-
cial, econômica, demográfica, etc. 
do Brasil. Porém, apenas nos anos 
1970 e 1980, o estudo das comunida-
des de cativos fugidos conheceu im-
portante impulso, desenvolvendo-se 
então pesquisas sobre os principais 
quilombos e levantamentos, mais ou 
menos exaustivos, da incidência 
desse fenômeno em praticamente 
todas as regiões do Brasil. (MAES-
TRI, 2005, s/p) 
Concluindo Maestri (2005, 
s/p) nos aponta que esses valiosos 
estudos centraram-se na identifica-
ção e descrição política, social e eco-
nômica do quilombo, considerado, 
porém mais comumente em forma 
isolada, no que se refere ao espaço e 
ao tempo. Foram raras e limitadas as 
tentativas de análises diacrônicas e 
sincrônicas sobre a determinação 
pelos quilombos da história rural 
brasileira, da povoação do interior, 
da fronteira agrícola, da formação de 
comunidades caboclas de origem 
africana, da influência dos padrões 
do português falado no Brasil etc. 
(MAESTRI, 2005, s/p) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 22 
A ESCRAVIDÃO E SUAS REPRESENTAÇÕES 
3. A Memória dos Negros Escravizados: o Banzo 
 
 
Fonte: Jornal Daqui3 
 
e acordo com Haag (2010, s/p) 
- “Vai com a sombra crescendo 
o vulto enorme/ Do baobá.../ E cres-
ce na alma o vulto de uma tristeza, 
imensa, imensamente...”, escreveu o 
poeta parnasiano Raimundo Correia 
no soneto Banzo. Essa tristeza, bati-
zada de banzo, era um estado de de-
pressão psicológica que tomava con-
ta dos africanos escravizados assim 
que desembarcavam no Brasil e se-
ria uma enfermidade crônica: a nos-
talgia profunda que levava os negros3 Retirado em https://jornaldaqui.com.br/banzo/ 
à morte. “No século XIX, obras como 
as do médico francês François Si-
gaud e do naturalista Carl F. Von 
Martius, bem como crônicas de via-
jantes europeus, veicularam essa 
ideia de uma nostalgia fatal dos es-
cravos. Nestes relatos, as mortes vo-
luntárias dos cativos são descritas 
como uma forma passiva de suicídio 
- recusar alimentos e deixar-se mor-
rer de inanição e tristeza - e também 
pelos métodos universais, como en-
D 
 
 23 
A ESCRAVIDÃO E SUAS REPRESENTAÇÕES 
forcamento, afogamento, uso de ar-
mas brancas etc.”, explica a psiquia-
tra Ana Maria Galdini Oda, profes-
sora adjunta do Departamento de 
Medicina do Centro de Ciências Bio-
lógicas e da Saúde da Universida-
de Federal de São Carlos, que ana-
lisou o banzo em sua pesquisa Dos 
desgostos provenientes do cativeiro: 
uma história da psicopatologia dos 
escravos brasileiros no século XIX. 
(...) “Invariavelmente, os narradores 
atribuíam esse desejo de morrer a 
uma enfermidade melancólica, rela-
cionada à situação de cativeiro: o 
desgosto causado pelo afastamento 
violento da África, a revolta pela per-
da de liberdade e as reações aos cas-
tigos pesados e injustos.” (...) Segun-
do a pesquisadora, a análise históri-
ca da enfermidade reafirma a neces-
sidade de desfazer explicações sim-
plificadoras sobre os males de escra-
vos, seja o banzo, seja a sua forma 
extrema, o suicídio, como decorren-
tes dos “desgostos provenientes do 
cativeiro”, fórmula usada no século 
XIX para encobrir a natureza vio-
lenta da relação entre escravos e se-
nhores. Na história do banzo, então, 
se cruzam várias rotas da história: 
histórias da psicopatologia, do trá-
fico transatlântico de escravos e das 
doenças. “A enfermidade sempre 
aparece numa dupla posição: ela é 
uma entidade clínica, uma variação 
da nostalgia europeia nos trópicos, 
associada a outras doenças dos ne-
gros e, ao mesmo tempo, não se dis-
socia dos debates políticos sobre o 
cativeiro negro”, observa a pesquisa-
dora. (...) (HAAG, 2010, s/p) 
Segundo ainda Haag (2010, 
s/p) essa imagem do banzo como 
fruto da crueldade do tráfico esten-
deu-se à primeira metade do século 
XIX e foi incorporada às narrativas 
de viagem, aos compêndios de medi-
cina tropical e a teses de medicina. 
“É a vocação do banzo para ser um 
tipo de enfermidade-argumento”, 
mobilizada na luta contra a escravi-
dão”, lembra a autora. Sigaud, em 
Do clima e das doenças do Brasil 
(1844), lançado pela primeira vez 
em português este ano pela editora 
Fiocruz, considerava o banzo como 
uma doença mental, uma variante 
da nostalgia-melancolia desencade-
ada por causas morais tais como as 
saudades da África ou o ressenti-
mento por castigos injustos. Já Mar-
tius, em Natureza, doenças, medi-
cina e remédios dos índios brasilei-
ros (1844), faz uma comparação en-
tre o banzo do negro e do índio, afir-
mando que em ambos a melancolia 
reina como causa da morte, com a 
ressalva de que os negros pareciam 
sentir mais do que os indígenas os 
sentimentos dolorosos, já que estes 
últimos seriam frios e distantes em 
oposição aos africanos, emotivos e 
 
 24 
A ESCRAVIDÃO E SUAS REPRESENTAÇÕES 
passionais. Joaquim Manuel de Ma-
cedo, em sua monografia sobre a 
nostalgia, escrita em 1844 (o mesmo 
ano da publicação de A moreninha) 
como tese apresentada à Faculdade 
de Medicina do Rio de Janeiro para 
a obtenção do título de doutor, con-
sidera o banzo como uma moléstia 
mental originada das saudades da 
pátria, tendo como sede o cérebro. 
(...) - Lar: Surge mesmo uma nova 
etimologia para a palavra: banzo se-
ria ligado ao quimbundo mbanza, al-
deia, e assim significaria a “saudade 
da aldeia” e, por extensão, do lar. “A 
origem africana da palavra me pa-
rece um pouco incerta. No Vocabu-
lário, de Bluteau, por exemplo, a pa-
lavra “banzar” aparece como a ação 
de “pasmar com pena” e “banzeiro” 
seria algo “inquieto, mal seguro”. Há 
quem acredite na origem portuguesa 
da palavra.” Em 1933, o conceito re-
apareceu nas páginas finais de Casa-
Grande & Senzala (1933), de Gil-
berto Freyre, cuja visão marcou os 
relatos modernos da palavra: “Não 
foi de todo alegria a vida dos negros. 
Houve os que se suicidaram comen-
do terra, enforcando-se, envenenan-
do-se. O banzo, a saudade da África, 
deu cabo de muitos. Houve os que de 
tão banzeiros ficaram lesos, idiotas”, 
escreveu Freyre. Em 1939 começa-
ram a surgir visões médicas da mo-
léstia, como a do parasitologista Ma-
noel Augusto Pirajá, que afirmava 
ser o banzo uma forma da doença do 
sono, a tripanossomíase africana, 
hipótese descartada atualmente. 
“Uma proposta a se considerar é a do 
psiquiatra Álvaro Rubim de Pinho, 
da Faculdade de Medicina da Bahia, 
exposta em Aspectos históricos da 
psiquiatria folclórica no Brasil 
(1982). Segundo ele, o banzo seria 
aproximado das chamadas “síndro-
mes de campo de concentração”, diz 
a autora. O modelo é multicausal: o 
mal dos escravos seria um quadro 
em que se superporia um estado 
mental depressivo (característico de 
situações de terror, fome, confina-
mento etc.) a sintomas decorrentes 
da acentuada carência nutricional e 
de vulnerabilidade a doenças graves, 
várias das quais seriam as responsá-
veis pelos sintomas físicos e mentais 
do banzo.” (...) (HAAG, 2010, s/p) - 
Assassinatos - “O índice de mortes 
voluntárias” entre escravos, quando 
comparado ao de homens livres, era 
duas ou três vezes mais elevado e, 
em geral, atribuído ao banzo”, afir-
ma o historiador Renato Pinto Ve-
nâncio, da Universidade Federal de 
Ouro Preto e autor de Ancestrais: 
uma introdução à história da África 
Atlântica. “Mas, como todo testemu-
nho do passado, isso deve ser lido 
com olhos críticos: o registro de sui-
cídio pode encobrir assassinatos 
praticados por senhores. Isso não 
implica diminuir o banzo como uma 
 
 25 
A ESCRAVIDÃO E SUAS REPRESENTAÇÕES 
das expressões trágicas da loucura 
comum a milhões de pessoas vítimas 
do tráfico de escravos. A divulgação 
desse sofrimento nos jornais deve 
ter contribuído para a formação da 
sensibilidade abolicionista na socie-
dade imperial. Daí se entender o 
banzo como uma forma não intenci-
onal de protesto político, um exem-
plo primário de luta pela não violên-
cia.” Os números esconderiam ou-
tras motivações. “Os homens livres 
ocultavam seus casos procurando 
evitar sanções morais e religiosas, 
que impediam o sepultamento em 
cemitérios, o que pode explicar o nú-
mero elevado de mortes de cativos”, 
explica o historiador Jackson Fer-
reira, da Universidade Federal da 
Bahia e autor do artigo Por hoje se 
acaba a lida: suicídio escravo na Ba-
hia (1850-1888). “Os atos suicidas 
foram mais que expressão e meca-
nismos de desespero, mas formas de 
negociar melhores condições, de re-
sistir às condições de cativeiro ou li-
bertar-se dele, abandonando defini-
tivamente esta “terra de vivos”, co-
mo escreveu o escravo Timóteo em 
sua nota de suicídio.” (HAAG, 2010, 
s/p) 
 
As Imagens e a Memória: 
os Abolicionistas 
 
Os discursos: Segundo Macha-
do (2007, p. 1) apagar a “mancha da 
escravidão” era o objetivo de intelec-
tuais que atuavam na imprensa ou 
no Parlamento, na década de 1880, 
no Rio de Janeiro. Para que a propa-
ganda atingisse maior número de 
pessoas, eles também participavam 
de diversos eventos, como conferên-
cias e comícios, para denunciar as 
mazelas do cativeiro. Os senhores, 
representantes do “atraso e conser-
vadorismo” eram acusados de difi-
cultar a entrada do Brasil no rol das 
“nações civilizadas”. Faziam tam-
bém parte do movimento grupos ur-
banos que não dependiam direta-
mente do braço escravo. O Rio de 
Janeiro era um espaço repleto de 
contrastes, caracterizado pela incor-
poração das novidades europeias e 
das ideias de progresso e civilizaçãoque se opunham ao escravismo. Essa 
peculiaridade da cidade favoreceu o 
envolvimento da população na cam-
panha abolicionista. Libertos, mula-
tos e brancos pobres se juntavam 
aos propagandistas nas ruas contra 
o cativeiro. O crescimento urbano e 
a existência de um contingente ex-
pressivo de escravos ou de seus des-
cendentes facilitaram essa mobiliza-
ção de caráter popular que marcou o 
abolicionismo no Rio de Janeiro. 
Deve-se acrescentar ainda a circula-
ção mais rápida das notícias devido 
ao aumento da publicação de jor-
nais. Especialmente na década de 
 
 26 
A ESCRAVIDÃO E SUAS REPRESENTAÇÕES 
1880, a imprensa começou a adqui-
rir um papel fundamental na veicu-
lação das ideias abolicionistas. Os 
assuntos políticos e o abolicionismo 
ganharam as ruas junto com os pe-
riódicos e os segmentos urbanos ti-
veram maior facilidade de externar 
as suas reivindicações. (MACHADO, 
1998, p. 71-76, BERGSTRESSER, 
1973, apud MACHADO, 2007, p. 1) 
 
Abolicionistas 
 
 
Fonte: 
https://www.huffpostbrasil.com/ 
 
Em 1880, de acordo com Ma-
chado (2007, p. 1) foi criada por um 
grupo de propagandistas, entre os 
quais Joaquim Nabuco, a Sociedade 
Brasileira contra a Escravidão, se-
melhante à sua congênere inglesa - 
AntiSlavery Society. Suas reuniões e 
conferências atraíam um grande nú-
mero de pessoas. Em 1883, a Confe-
deração Abolicionista do Rio de Ja-
neiro, liderada por João Clapp e Jo-
sé do Patrocínio, incorporou várias 
associações, como o Centro Abolici-
onista Ferreira de Menezes e o Clube 
de 2 Libertos de Niterói. (MACHA-
DO, 1991) Paralelamente à mobiliza-
ção desses intelectuais e das entida-
des antiescravistas, ocorriam deba-
tes cada vez mais intensos na Câma-
ra sobre a questão servil, transcritos 
nos jornais, aumentando a repercus-
são junto à opinião pública, apesar 
das dificuldades decorrentes do alto 
grau de analfabetismo. 
A luta antiescravista ocupou 
vários espaços no Rio de Janeiro: do 
Parlamento às ruas, dos teatros às 
igrejas e jornais, das casas grandes 
às próprias senzalas. Assim, o aboli-
cionismo se desenvolveu em diver-
sos palcos que serviam para criticar 
o que Joaquim Nabuco denominava 
a “nefanda instituição”. (NABUCO, 
1949) Festas beneficentes e quer-
messes também eram organizadas 
para angariar a simpatia popular e 
recursos destinados à alforria dos 
cativos. A ação nas vias públicas, 
através de comícios, para convencer 
os proprietários dos males do cati-
veiro também era outro artifício usa-
do pelos militantes. André Rebouças 
registrou este tipo de atuação dos 
abolicionistas: Fizemos, recorda de-
pois, o papel de empresários de es-
petáculos para o público, a 500 réis 
por pessoa; varremos teatros e pre-
gamos cartazes; éramos simultanea-
mente, redatores, repórteres, reviso-
res e distribuidores, leiloeiros nas 
 
 27 
A ESCRAVIDÃO E SUAS REPRESENTAÇÕES 
quermesses; propagandistas por to-
da a parte, nas ruas, nos cafés, nos 
teatros, nas estradas de ferro. (NA-
BUCO, C., 1958, p. 106, apud MA-
CHADO, 2007, p. 2) 
Os abolicionistas da Corte uti-
lizavam uma estratégia que surtia 
um efeito devastador sobre os se-
nhores. Era o que eles denomina-
vam a limpeza das ruas, que consis-
tia em pressionar proprietários de 
escravos de algumas ruas do centro, 
escolhidas previamente, para liber-
tarem os seus cativos, sob a ameaça 
de publicação de seus nomes nos 
jornais. Cada propagandista ficava 
responsável por uma rua, devendo 
persuadir os senhores a eliminar a 
mancha que sujava a cidade. A lim-
peza da Rua do Ouvidor e do Largo 
de São Francisco, onde se situava a 
Escola Politécnica, em abril de 1884, 
foi saudada de forma entusiástica 
pelos jornais abolicionistas da cida-
de, com festas e bandas de música. 
(GAZETA DA TARDE, 23/4/ 1884, 
apud MACHADO, 2007, p. 2) 
A divulgação da campanha 
abolicionista era feita pelos jornais, 
distribuídos por vendedores ambu-
lantes “rapazinhos italianos, negros 
e mulatos, que nos deixam quase 
surdos com a sua gritaria”, confor-
me nos informa um contemporâneo. 
(KOSERITZ, 1980, p. 52-53) Os 
pontos de venda eram os quiosques 
que distribuíam também livros, im-
pressos, flores, doces, charutos, ci-
garros, café e refrescos. Locais por 
onde circulavam as notícias e as úl-
timas novidades europeias. O au-
mento do público leitor ocorria em 
função de uma verdadeira leitura de 
ouvido. Assim, as ideias abolicionis-
tas eram difundidas mesmo para os 
analfabetos. (MACHADO, 1991, p. 
18, apud MACHADO, 2007, p. 2) 
Machado (2007, p. 3) aponta 
que a imprensa era caracterizada 
por Joaquim Nabuco como “fator 
importante na história da democra-
tização do país”, destacando a sua 
importância para os historiadores 
quando futuramente estudassem a 
escravidão. (1949, 104) José do Pa-
trocínio registrou também o papel 
que os jornais desempenharam na 
propaganda antiescravista. Às vés-
peras da extinção legal da escravi-
dão, ele ressaltou como o “atrito da 
imprensa” e o “calor da palavra” ser-
viram “para limar os grilhões de três 
séculos de cativeiro”. (CIDADE DO 
RIO, 30/4/1888) 
Em relação à Cidade do Rio, 
jornal de sua propriedade, assinalou 
que ele ficará “(...) na memória das 
gerações livres do Brasil, e os histo-
riadores hão de fazê-lo depor no 
processo histórico de nossa pátria, 
na primeira fila das testemunhas ho-
nestas e altivas do nosso tempo (...)”. 
 
 28 
A ESCRAVIDÃO E SUAS REPRESENTAÇÕES 
(28/9/1889) Exageros à parte, in-
questionavelmente a ação dos jor-
nais na veiculação de matérias que 
retratavam a sociedade escravista 
contribuiu enormemente para a sua 
derrocada. 
Os jornais não se limitam, ape-
nas, a noticiar o fato, possuem o po-
der de ampliar a sua dimensão, in-
fluenciando a opinião pública. Por-
tanto, a matéria jornalística não se 
restringe ao acontecimento, ela tem 
o poder de, segundo Darnton, “mol-
dar os fatos ao dar-lhes cobertura”, 
como ocorreu na Revolução Fran-
cesa, “(...) quando o jornalismo sur-
giu pela primeira vez como uma 
força nos negócios de Estado (...)”. 
(DARNTON, 1990, p. 16) Da mesma 
forma, no final do século XIX estrei-
taram-se as relações entre a im-
prensa e o Poder no Brasil, na me-
dida em que se iniciou o desenvolvi-
mento de empresas jornalísticas. 
(BARBOSA, 2000, p. 21-25) Os pe-
riódicos, portanto, tiveram parcela 
de responsabilidade na construção 
de uma sociedade pautada em novos 
valores, inspirados nos ideais de 
progresso e civilização, em oposição 
à escravidão. Assim, a divulgação 
sugestiva e interessada dos jornais 
exerce uma pressão psicológica so-
bre as atitudes e comportamentos 
das pessoas na medida em que uti-
liza, muitas vezes, “slogans” direcio- 
nados para um determinado fim. 
Por exemplo, quando José do Patro-
cínio, influenciado por Proudhon, 
terminava os seus editoriais afir-
mando que: “A escravidão é um rou-
bo e todo dono de escravo é um la-
drão”, tinha o objetivo de angariar a 
simpatia de um maior número de 
adeptos para a causa abolicionista. 
(...) (MACHADO, 2007, p. 4) 
Nas páginas dos jornais de 
José do Patrocínio – Gazeta de Notí-
cias, Gazeta da Tarde e Cidade do 
Rio - circulavam sistematicamente 
críticas à “herança do passado”, res-
ponsável pelo “atraso” do Brasil. A 
escravidão era denunciada na me-
dida em que ela não se coadunava 
com os exemplos externos que ates-
tavam o triunfo do “século do pro-
gresso”. Os editoriais convocavam 
os homens “sensatos” para que reti-
rassem o Brasil da “inércia” provo-
cada pelo cativeiro, que o impedia de 
galgar os mesmos degraus das na-
ções “civilizadas”. (MACHADO, 
2007, p. 4) 
Já para De Deus (s/d, s/p) o 
pensamento abolicionista, como to-
da doutrina reformadora no Brasil 
nasceu do liberalismo europeu do 
século XIX, que na Europa contava 
com o suporte da Revolução Indus-
trial, a urbanização aceleradae o 
crescimento econômico, mudanças 
que foram possíveis pela aplicação 
 
 29 
A ESCRAVIDÃO E SUAS REPRESENTAÇÕES 
da ciência e da tecnologia. Entretan-
to, o liberalismo, no Brasil, surgiu 
como resultado de tendências des-
providas do respaldo de qualquer 
mudança econômica profunda. Mes-
mo assim as ideias abolicionistas 
vão crescendo pouco a pouco, em-
bora levem longo tempo para torna-
rem-se uma força política decisiva. 
Aqui e ali, de vez em quando, umas 
poucas vozes isoladas tinham cla-
mado pela abolição geral desde o co-
meço do século XIX. Dentre as vozes 
isoladas, a mais famosa foi a de José 
Bonifácio em 1825, logo após a inde-
pendência do Brasil. Sua proposta, 
porém, não foi levada em conta e o 
tráfico de africanos continuava em 
grande escala, pois ninguém ousava 
a ele se opor, até que a pressão bri-
tânica forçasse o seu término em 
1850. 
Com o suprimento de escravos 
cortado, e com as alforrias, embora 
o tráfico clandestino permaneça por 
algum tempo, é natural que a popu-
lação servil aos poucos vá decres-
cendo. Dessa forma, há uma certa 
reorganização interna e a escrava-
tura deixa de ser uma questão polí-
tica por algum tempo. A calmaria, 
entretanto, foi quebrada em 1866, e 
novamente por pressão externa, 
neste caso, a pressão veio da França, 
no mesmo ano, quando um grupo de 
abolicionistas franceses apelou ao 
imperador D. Pedro II solicitando-
lhe que exercesse sua autoridade pa-
ra acabar com a escravidão. Em res-
posta ao grupo, o imperador com-
promete-se e esta passa a ser a pri-
meira promessa formal de abolição 
de um sistema que vai entrando em 
falência, cuja derrocada será apenas 
uma questão de tempo. O certo é que 
os abolicionistas, desde o começo, 
deveram muito à opinião estrangei-
ra, e quando muito, ao menos pelos 
princípios cristãos que deveriam 
nortear um país oficializado católico 
pela Constituição de 1824, D. Pedro 
II era obrigado a responder às pres-
sões estrangeiras. (...) 
Ainda de acordo com De Deus 
(s/d, s/p) o que pensavam os aboli-
cionistas sobre a questão da raça? Os 
abolicionistas eram conhecedores 
das teorias racistas vindas da Amé-
rica do Norte e da Europa, e carrega-
vam consigo um certo drama: o de 
pertencer a uma sociedade miscige-
nada e de maioria negra. As análises 
explicativas do Brasil elaboradas em 
fins do século XIX e início do século 
XX surpreendem pelo cunho clara-
mente racista. A escravidão impu-
nha limites epistemológicos para o 
desenvolvimento pleno do país. A 
população negra estava fora da pre-
ocupação dos governantes. Somente 
com o movimento abolicionista é 
que o negro é integrado às preocupa- 
 
 30 
A ESCRAVIDÃO E SUAS REPRESENTAÇÕES 
ções nacionais, até porque o sistema 
escravagista não permitia a entrada 
do progresso, sendo um entrave ao 
avanço econômico, político e cultu-
ral do país. 
É então sob a ótica racista am-
parada pela “ciência” que vão sendo 
tecidas as culturas brasileiras. A 
miscigenação aparece como uma 
única saída para resolver o grande 
“dilema” que se impõe: como aspirar 
ao progresso e ao desenvolvimento, 
se a maioria da população está con-
denada ao atraso, conforme as teo-
rias científicas raciais? A ordem, 
portanto, era injetar o “sangue bran-
co” e cada vez mais branquear a po-
pulação. Imbuídos dessas ideias, ao 
mesmo tempo em que clamam pelo 
fim da escravidão, os abolicionistas 
pertencentes à elite urbana come-
çam a pensar no “branqueamento” 
do Brasil, pois acreditam na supre-
macia do “sangue branco”. É claro 
que poucas vezes o desejo de “bran-
queamento” é dito e pronunciado 
com todas as letras, mas ele está 
sempre subjacente nas campanhas 
migratórias, às vezes de forma eufe-
mística, raríssimas vezes de forma 
direta, como podemos verificar no 
dizer de Joaquim Nabuco: “O que os 
abolicionistas queriam”, explicou 
ele em 1883, “era um país em que, 
atraída pela fraqueza das nossas ins-
tituições e pela liberdade do nosso 
regime, a imigração europeia traga 
sem cessar para os trópicos uma cor-
rente de sangue caucásico vivaz, 
enérgico e sadio, que possamos ab-
sorver sem perigo (...)”. (DE DEUS, 
s/d, s/p) 
De outra feita, segundo De 
Deus (s/d, s/p) a sociedade rejeita, 
com certa veemência, a proposta de 
um grupo de fazendeiros que em 
1870 propôs que o Brasil, impor-
tasse trabalhadores chineses. Nesse 
caso as vozes foram mais alteradas, 
para dizer que os chineses não iriam 
contribuir para a melhoria do país, 
pelo contrário, o Brasil precisava era 
de “sangue novo” e não de “suco en-
velhecido” e “envenenado”. 
Essas vozes estão eivadas de 
racismo, embora seus portadores 
não admitam, porque a crença geral 
é a de que a sociedade brasileira não 
abrigava preconceito racial. Tal 
crença foi sendo tecida ao longo do 
tempo em conjunto com o ideal de 
“branqueamento” que vai sendo es-
timulado, na medida em que alguns 
mulatos ascendem, o que comprova 
ser o Brasil uma sociedade multirra-
cial e que, ao contrário dos Estados 
Unidos, não possuía barreira de cor 
institucionalizada. No entanto, o 
que não é dito é que a população ne-
gra estava fadada à extinção pelo 
processo de “branqueamento”, via 
miscigenação. A tese do “branquea-
 
 31 
A ESCRAVIDÃO E SUAS REPRESENTAÇÕES 
mento” baseava-se na suposta supe-
rioridade branca, às vezes substitu-
ída pelo eufemismo de “raças mais 
adiantadas” em oposição às “raças 
menos adiantadas” e ainda pelo fato 
de deixar em aberto a questão de ser 
a inferioridade inata. O que não é di-
to claramente também, é que não se 
deve falar da questão racial por não 
ser considerada relevante, na me-
dida em que deixará de existir pelo 
desaparecimento do próprio negro, 
que gradualmente será absorvido 
pela raça branca. Miscigena-se, por-
tanto, para “embranquecer” jamais 
para “empretecer”. (DE DEUS, s/d, 
s/p) 
De outro lado, segundo aponta 
Ferreira (2007, p. 78) a introdução 
de trabalhadores brancos e livres 
atenderia às necessidades mais ur-
gentes que se apresentavam ainda 
na primeira metade do século XIX. E 
para comprovar os benefícios e as 
vantagens da colonização espontâ-
nea, seus idealizadores precisavam 
apresentar os efeitos e os males cau-
sados pela escravidão, assim, além 
do trabalho escravo, o negro foi sen-
do pintado das mais variáveis cores 
que pretendiam mostrar não só a 
improdutividade de seu trabalho, 
como sua própria inferioridade em 
relação ao branco europeu. Dessa 
forma, estes textos contrapunham 
as imagens do imigrante ideal, intro-
dutor e agente do progresso e da ci-
vilização ao negro sempre estigmati-
zado pela escravidão, inimigo inter-
no que marca a sociedade com seus 
maus costumes. O jogo dos contrá-
rios foi a estratégia mais utilizada 
para chamar a atenção, que com a 
constante oposição de imagens po-
deria refletir sobre o que seria bom, 
se baseando no que acreditavam ser 
ruim. (...) Dentro desse jogo foram 
invocadas as qualidades que forma-
vam imagem de um trabalhador per-
feito, europeu e branco o oposto do 
que se tinha o escravo, africano ou 
descendente de africano, negro e su-
postamente bárbaro e cheio de ví-
cios. (...) (FERREIRA, 2007, p. 79) 
Conforme FEREIRA (2007, p. 
79) a grande questão discutida é a 
população total livre do Brasil, que 
por ser pequena em relação ao terri-
tório nacional não contribui como 
deveria para o progresso da nação. A 
proposta de incentivo à introdução 
de colonos europeus viria a atender, 
além da necessidade de um mercado 
interno, ao progressivo aumento e 
branqueamento da população brasi-
leira livre, a qual seria a verdadeira 
população capaz de solidificar a 
grandeza e a força do Império. (...) 
Na formação da “verdadeira nacio-
nalidade brasileira” não tinha lugar 
para o trabalho escravo nem para o 
negro maculado pela escravidão. Pa-32 
A ESCRAVIDÃO E SUAS REPRESENTAÇÕES 
ra legitimar a colonização europeia 
foi preciso mostrar o quanto a escra-
vidão era prejudicial à sociedade e 
que o melhor meio de reverter a si-
tuação de crise - imagem sempre 
evocada neste tipo de discurso - em 
que ela se encontrava era a morali-
zação e civilização dos costumes, pa-
pel destinado ao imigrante europeu. 
E para reforçar a imagem de 
superioridade do imigrante, en-
quanto agente de civilização e do 
progresso, foi preciso recorrer à 
ideia de inferioridade do escravo ne-
gro mostrando-o como represen-
tante da desordem e símbolo da ne-
gação do progresso. A escravidão 
sempre foi tida como culpada pela 
corrupção dos costumes e pela de-
gradação da sociedade, e a entrada 
maciça de africanos como nociva a 
moralidade, a civilização e a liber-
dade do povo brasileiro. A missão do 
imigrante europeu seria, então, re-
verter esse quadro não só através de 
seu sangue e cor, como também de 
seus costumes. 
De novo uma crítica severa é 
feita à resistência contra a imigração 
europeia. Sobre este assunto, Emília 
Viotti da Costa (1998) aponta para 
os motivos de ordem social, hábitos 
intelectuais e mentais que manti-
nham o apego da classe senhorial 
pelo trabalho feito por escravos que 
os fazia criarem um vínculo tão 
forte, que não conseguiam ver outra 
possibilidade de imigração senão a 
forçada de africanos. Outro ponto 
tocado no artigo diz respeito às pri-
meiras experiências na introdução 
de colonos estrangeiros frustradas 
pelos mais variados motivos, que no 
geral se resumem a despreparação 
de homens tão acostumados a serem 
servidos por escravos e não saberem 
lidar com trabalhadores livres, o 
que manchou enormemente a ima-
gem do Brasil no exterior. Esse tra-
tamento dado aos colonos pode ser 
explicado justamente por esse des-
preparo, por não estarem acostuma-
dos com exigências diretas dos no-
vos submissos, por terem que en-
contrar outros meios, que não a vio-
lência, para impulsionarem a produ-
ção, por terem que adotam um sis-
tema completamente diverso do 
qual estavam habituados. 
Tudo isso só deixa transpare-
cer a força da mentalidade escravista 
na sociedade brasileira. Por isso, al-
guns jornalistas acreditavam que só 
mesmo a cessação definitiva do trá-
fico de africanos para o Brasil incen-
tivaria a substituição da mão-de-
obra escrava pela mão-de-obra livre. 
(...) Aqui outra questão se desenha, 
a questão da superioridade do traba-
lho livre em relação ao escravo que 
será outro discurso a favor da imi-
gração europeia. Para valorizar o 
 
 33 
A ESCRAVIDÃO E SUAS REPRESENTAÇÕES 
trabalho livre foi preciso inferiorizar 
o trabalho escravo, e para isso bus-
caram-se argumentos no próprio es-
cravo, enquanto agente executor do 
trabalho. Buscaram comprovar a in-
ferioridade do escravo negro para 
julgar seu trabalho improdutivo. 
Mais difícil ainda, foi a missão de 
mostrar que o trabalho dignifica o 
homem enquanto a escravidão mos-
trava o contrário. A revalorização do 
trabalho foi o primeiro passo na di-
reção de conseguir trabalhadores es-
trangeiros disponíveis a vir para o 
Brasil. Parecia inconcebível a ideia 
de ter trabalhando lado a lado ho-
mens livres e escravizados, pelo ní-
vel de aviltamento a que atingiu as 
atividades manuais tanto no campo 
como nas cidades. (FERREIRA, 
2007, p. 80) 
Concluindo FERREIRA 
(2007, p. 82-83) aponta que os que 
construíram a ideia do trabalho 
como uma forma de remissão para 
conseguir dominarem os africanos 
convencendo-os da pretensa inferio-
ridade que os condenava à situação 
de escravos, são os mesmos, ou pelo 
menos têm os mesmos interesses, 
que farão todo possível para criticar 
os escravos negros pelos males cau-
sados ao trabalho. Mais uma vez re-
corre-se às imagens do negro pre-
guiçoso, ocioso, imoral e dado a ví-
cios para provar que foi a índole dos 
escravizados que contribuiu para a 
desvalorização do trabalho. (FER-
REIRA, 2007, p. 82-83) 
 
A Imagem Oficial 
 
Para Menezes (2009, p. 87) o 
Brasil se transforma de colônia em 
país independente, mas com um re-
gime diferente dos seus vizinhos: 
Estado unitário, uma monarquia 
constitucional sob uma constituição 
outorgada, com um poder executivo 
forte e um parlamento consentido e 
limitado. A escravidão é mantida. O 
governo imperial assina com a In-
glaterra, em 1826, um tratado para o 
final do tráfico de escravos que não 
é levado a efeito. Em 1831, como de-
corrência dos acordos assinados em 
1826 com a Inglaterra para o reco-
nhecimento da Independência, é 
aprovada a Lei Evaristo de Morais, 
que “declara livres todos os negros 
que sejam ingressados no território 
nacional”. No entanto, sua aplicação 
foi frequentemente burlada, a ponto 
de que o aumento da repressão por 
parte da Inglaterra e a reação brasi-
leira à mesma causam conflitos en-
tre as duas nações. As mudanças no 
campo político se implantam sem 
que a discussão sobre a escravidão 
seja enfrentada até mesmo em mo-
vimentos separatistas que ocorrem 
nas diversas províncias brasileiras, 
 
 34 
A ESCRAVIDÃO E SUAS REPRESENTAÇÕES 
com poucas exceções: a Cabanagem, 
no Pará, em 1835, e a Balaiada, no 
Maranhão, em 1838, que têm cará-
ter de sublevação popular, com par-
ticipação de negros e mulatos, inclu-
sive de escravos aquilombados. A 
Confederação do Equador, em Per-
nambuco, se “defende” da acusação 
de antiescravista, dizendo: “muito 
nos honraria, porém temos a com-
preensão de que a Abolição deve ser 
Gradual”. (MENEZES, 2009, p. 87) 
A discussão conforme Mene-
zes (2009, p. 87) sobre o final do trá-
fico será conduzida, por um lado, pe-
las pressões da Inglaterra e, do ou-
tro, pelas pressões internas, inclu-
sive pelo medo que se implanta en-
tre os proprietários pelos levantes 
dos negros, em especial na Bahia. O 
processo abolicionista no Brasil, de-
senvolvido ao longo de mais de um 
século, passou por etapas e fases que 
vão se sucedendo ao influxo das con-
tradições e conflitos entre os propri-
etários e seus representantes e os di-
versos atores a favor da extinção da 
escravidão. 
A história dos tratados com a 
Inglaterra para o final do tráfico e o 
patrulhamento da costa brasileira 
pelos navios da Armada Britânica é 
bastante longa. Tem início ainda sob 
a Regência do Príncipe D. João, de-
pois da chegada da família real por-
tuguesa no Brasil, fugindo da inva-
são francesa. Antes mesmo da Inde-
pendência são editados onze atos 
contra o tráfico, assinados pelo Prín-
cipe Regente D. João e obedecendo 
às determinações resultantes das 
pressões da Inglaterra. (...) A Lei de 
07 de novembro de 1831 declara Li-
vres todos os escravos vindos de fora 
do Império. A rigor, aí deveria ter 
acabado o tráfico. No entanto ele se-
gue até meados da década de 50. Até 
aí encontramos notícias de contra-
bando de escravos; aparece em leis 
de orçamento, previsão de recursos 
para o combate ao contrabando. Nas 
décadas de 30 e 40 do séc. XIX tra-
vou-se um intenso conflito entre 
Brasil e Inglaterra, a ponto da insta-
lação de um bloqueio do porto do 
Rio de Janeiro e o rompimento das 
relações entre os dois países. É difí-
cil acreditar nas reais intenções de 
combate ao tráfico a partir da Lei de 
1831, quando se encontram promul-
gadas duas medidas opostas com re-
lação à sua repressão: em outubro de 
1831 o Congresso, ao aprovar o 
Orçamento para o período 34/35, 
autoriza o ministério da Marinha a 
gastar 100.000$000 em embarca-
ções para o combate ao tráfico; no 
entanto, no mesmo ano outra lei 
manda suspender estes gastos. 
No final da década de 1840, 
após a subida ao poder do Príncipe - 
logo aclamado Imperador - e cum- 
 
 35 
A ESCRAVIDÃO E SUAS REPRESENTAÇÕES 
prido o programa de unificação do 
país, são retomadas as pressões e os 
debates sobreo final do tráfico. Fi-
nalmente, após crises no relaciona-
mento do Brasil com a Inglaterra, 
com os navios destas invadindo as 
águas territoriais brasileiras para 
aprisionar navios negreiros, em 
1850 é aprovada a Lei Eusébio de 
Queiroz, para o combate ao tráfico 
clandestino. As medidas de repres-
são ao tráfico instaladas de aí até 
1860 são de caráter econômico, cri-
ando-se taxas sobre os escravos, so-
bre sua transmissão, sua consigna-
ção; a sua venda é taxada pelo mes-
mo critério das “casas de moda”. 
Gastos com a repressão só vão rea-
parecer em 1851, sendo consignadas 
verbas para tanto no orçamento do 
Império até 1862 (sendo que a partir 
de 60 aparece associada com uma 
“despesa secreta”). O controle mais 
eficaz da posse do escravo - via im-
posto - só vai se dar, no entanto, em 
1867, quando a Lei nº 1507 aumenta 
significativamente o valor da taxa 
anual sobre o escravo, em especial 
nas cidades, estabelecendo inclusive 
um escalonamento de acordo com 
tamanho destas. (MENEZES, 2009, 
p. 89) 
Ainda de acordo com Menezes 
(2009, p. 89) a partir de 1850, com a 
eficácia crescente da repressão ao 
tráfico, há uma queda no debate so-
bre a “questão servil”, sobre a neces-
sidade de extinguir a escravidão. Era 
como que o Brasil, aceitando sua 
“vocação agrícola”, aceitasse tam-
bém uma “vocação escravocrata”. 
Neste sentido seus interesses se 
identificaram com os interesses dos 
escravistas norte-americanos. A 
própria sociedade parece aceitar-se 
como escravista, vendo a escravidão 
como natural. (...) Com o final do 
tráfico os escravos se tornam extre-
mamente caros e há um interesse em 
cuidá-los melhor. Aparecem manu-
ais de instrução de como fazer para 
que “durem mais”. Instala-se uma 
crise de mão de obra que faz com 
que as zonas de expansão da agricul-
tura, mais que tudo São Paulo, bus-
cassem um intenso processo de atra-
ção de mão de obra, voltando-se 
para o trabalhador livre nacional – 
que, no entanto, se recusava a qual-
quer tipo de trabalho compulsório, 
sob as normas/pautas a que se sub-
metiam os escravos – e para o tráfico 
interno, com compra dos escravos 
dos estados no Norte e Nordeste do 
país. Tem início a ideia da atração de 
imigrantes, inicialmente sob a forma 
de colônias de povoamento. Este 
modelo não dá certo. Os fazendeiros 
acusavam os imigrantes, europeus, 
de serem preguiçosos e desordeiros 
- “a ralé da Europa” - e de não respei-
tarem os termos dos acordos. Paga a 
 
 36 
A ESCRAVIDÃO E SUAS REPRESENTAÇÕES 
dívida que tinham com os fazendei-
ros, os colonos migravam para as ci-
dades. 
Por isso investem, neste mo-
mento, fortemente, no tráfico inter-
no. Cresce o número de escravos en-
volvidos no plantio do café, mor-
mente nas províncias do Rio de Ja-
neiro, Minas Gerais e São Paulo, 
mostrando a presença forte destas 
províncias na manutenção da escra-
vidão, contra a ideia passada de que 
estes teriam sido, por mais moder-
nos, os interessados no final da es-
cravidão, contra os interesses dos 
plantadores do Nordeste açucareiro. 
(...) (MENEZES, 2009, p. 90) 
No contexto conforme Mene-
zes (2009, p.90) em 1870 é lançado 
o Manifesto Republicano que nada 
diz sobre a escravidão. Um decreto 
de 15 de setembro de 1869 proíbe a 
venda de escravos debaixo de pregão 
e em exposição pública. Começára-
mos a ter vergonha da escravidão. 
Finda a Guerra com o Paraguai, o 
próprio governo leva a debate a Lei 
de Ventre Livre que não só a declara 
livres os filhos de escrava que nas-
cem daí em diante, como prevê e re-
gulamenta outras formas de liberta-
ção. (...) O projeto da Lei do Ventre 
Livre sofre enorme oposição, dentro 
e fora do Parlamento, por estar ex-
tinguindo a ideia da hereditariedade 
da condição de escravo. Enxergava-
se um atentado ao direito de propri-
edade. Por sua vez, a Lei não prevê 
uma educação das crianças livres; 
preocupa-se com sua criação e ma-
nutenção até os 8 anos de idade, 
sendo que a partir daí e até os 21 
anos, o jovem deveria, como retri-
buição, prestar serviços ao senhor de 
sua mãe, que tinha o direito, inclu-
sive de castigá-lo. Aliás, a única re-
comendação educativa é de que o 
castigo não seja demasiado rigoroso, 
pois com isso o senhor poderia per-
der o direito aos serviços do menor. 
Apesar de seus defeitos e de estar 
longe de atender aos interesses dos 
escravos, a aplicação da Lei foi pro-
telada e burlada. Os diversos autores 
falam em demora na regulamenta-
ção e na execução da nova matrícula 
de escravos que, ao registrar a idade, 
permitia verificar a existência de es-
cravos em situação ilegal, cuja en-
trada no país se havia dado depois 
de 1831; a estes, lhes aumentavam a 
idade. Com relação ao registro dos 
recém-nascidos, os registravam co-
mo anteriores à lei, mantendo-os co-
mo escravos. 
Com relação ao Fundo de 
Emancipação criado, a sua formação 
foi demorada, mas pior ainda foi sua 
eficácia. O repasse de recursos às 
províncias e aos municípios se fez de 
forma tão lenta e as dúvidas quanto 
aos critérios para classificação dos 
 
 37 
A ESCRAVIDÃO E SUAS REPRESENTAÇÕES 
que deveriam ser libertos foram tan-
tas que André Rebouças, em 1874, 
registrava a existência de uma quan-
tia, imobilizada no Fundo, suficiente 
para libertar 4.000 escravos. Em 
1884 Rui Barbosa cita que, até aque-
le momento, apenas 17.000 escravos 
haviam sido libertados pelo Fundo, 
enquanto que 70.000 por iniciativa 
própria ou de particular. (MENE-
ZES, 2009, p. 90) 
Por fim segundo Menezes 
(2009, p. 90) cabe lembrar que ne-
nhum dos ingênuos chegou à liber-
dade pelo mecanismo da Lei do Ven-
tre Livre: quando da Abolição final, 
em 1888, tinham apenas de 16 para 
17 anos os mais velhos. Calcula- se 
que formavam um contingente de 
500.000 pessoas, as quais, somadas 
aos mais de 700.000 escravos liber-
tados, dão a dimensão numérica dos 
efeitos da chamada Lei Áurea. A ins-
tituição desmoronava, em 1888, po-
rém atingia ainda a muita gente. (...) 
A terceira fase, em que se caracteriza 
o movimento popular pela Abolição, 
são adotadas três vias: a) a via parla-
mentar, legal; b) a Campanha Popu-
lar, propriamente dita, através da 
edição de jornais, da criação de So-
ciedades Abolicionistas, revivendo 
uma, congregando outras, da agita-
ção através da promoção de Encon-
tros, Conferências Públicas, Con-
gressos, eventos, Quermesses, não 
só com a finalidade de manter vivo o 
debate sobre a Abolição como para 
angariar fundos e realizar liberta-
ções de escravos; e c)a ação direta, 
através do incentivo à fuga dos es-
cravos e mesmo, a libertação de 
bairros inteiros, cidades inteiras, 
províncias inteiras, tanto por alfor-
ria paga, como gratuita. Estas três 
fases, por sua vez, comportam duas 
concepções para a extinção do insti-
tuto da escravidão: o emancipacio-
nismo e o abolicionismo. 
Em 1880 Joaquim Nabuco 
apresenta um projeto de extinção da 
escravidão. São os seguintes os pon-
tos principais do projeto: Cessação 
imediata da compra e venda de cati-
vos e em consequência, fim do trá-
fico interprovincial; As associações 
organizadas para emancipar escra-
vos receberiam terras, para o estabe-
lecimento de colônias de libertos; 
Proibição da separação das mães de 
seus filhos, para serem alugadas 
como amas de leite, como criadas ou 
outro fim; Libertação imediata dos 
escravos mais velhos, doentes, ce-
gos ou comprovadamente nascidos 
na África (veja-se que, mesmo que 
fossem recém-nascidos ao chegar 
aqui, as vítimas do tráfico ilegal, in-
gressados a partir de 31, já estariam, 
naquela data, com pelo menos 50); 
Os irmãos mais velhos dos “ingê-
nuos” seriam libertados em dois 
anos; Proibia- se o uso de ferros, cor-
rentes, bem como qualquer forma de 
 
 38 
A ESCRAVIDÃO E SUAS REPRESENTAÇÕES 
castigo corporal; O ensino primário 
seria estabelecido,

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