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ASSISTÊNCIA SOCIAL EM FOCO ANO 01, VOLUME 01, NÚMERO 01 Revista trimestral sobre a política de assistência social. ANDRÉ DÓRIA CONSULTORIA ORG. ANDRÉ DÓRIA Assistência Social Em Foco: volume 1 Organização: André Luiz Novais Dória Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Maurício Amormino Júnior, CRB6/2422) A848 Assistência social em foco / Organizador André Luiz Novais Dória. Vol. 1, n. 1 (nov. 2019). São Cristóvão, SE: André Dória Consultoria, 2019- v. : il. Trimestral. Vol. 1, n. 1 (2019)- ISBN 978-65-81370-00-8 1. Assistência social. 2. Direitos fundamentais. I. Dória, André Luiz Novais. CDD 300 Elaborado por Maurício Amormino Júnior – CRB6/2422 ANDRÉ DÓRIA CONSULTORIA São Cristóvão/SE 2019 2 SUMÁRIO EDITORIAL ............................................................................................................................... 4 PROJETO DE ENFRENTAMENTO À POBREZA - TECENDO NOVOS CAMINHOS: INCENTIVO ÀS MULHERES ARTESÃS/RENDEIRAS DE BAIXA RENDA E USUÁRIAS DOS SERVIÇOS OFERTADOS PELO CRAS ÉRICK DE SOUZA SILVA DO MUNICÍPIO DE COQUEIRO SECO/ AL. ............................................................................... 6 MEU INSS: INCLUSÃO OU EXCLUSÃO? .......................................................................... 14 O DESMONTE DA PROTEÇÃO SOCIAL BÁSICA: UM CONTEXTO DE RETROCESSO SOCIO HISTÓRICO ................................................................................................................ 25 A ASSISTÊNCIA SOCIAL E OS ENTRAVES ENTRE AS DEMANDAS ESPONTÂNEAS E O ACOMPANHAMENTO FAMILIAR NOS CRAS DOS MUNICÍPIOS DE PIRACURUCA - PI E PIRIPIRI – PI ...................................................................................... 34 INTERSETORIALIDADE: ESTRATÉGIA PARA O DESENVOLVIMENTO DAS FAMÍLIAS ACOMPANHADAS PELA ASSISTÊNCIA SOCIAL DE SÃO MIGUEL DOS CAMPOS / ALAGOAS ........................................................................................................... 44 MIGRANTES E ANDARILHOS ENTRE A PROTEÇÃO E DESPROTEÇÃO ................... 54 O LUGAR DO FEMININO NA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: A ATUAÇÃO DO CENTRO REFERÊNCIA ESPECIALIZADA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL (CREAS) NO CONTEXTO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER. ....................................................... 65 A INGERÊNCIA CONSTITUCIONAL (?) DO ESTADO Ante A AUTONEGLIGÊNCIA DOS IDOSOS .......................................................................................................................... 75 GARANTINDO A PROTEÇÃO INTEGRAL PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES ACOLHIDOS INSTITUCIONALMENTE, ATRAVÉS DA ARTICULAÇÃO EM REDE. . 84 PROJETO EXPEDIÇÃO: DESCOBRINDO NOVOS REPERTÓRIOS DE VIDA. ............. 94 DIREITOS SOCIOASSITENCIAIS É DIREITO HUMANO: PARA OS SUJEITOS DE DIREITOS .............................................................................................................................. 102 3 REDE DE PROTEÇÃO SOCIAL NO SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL - SUAS ...................................................................................................................................... 112 O CADASTRO ÚNICO COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO E SUA RELAÇÃO COM O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA NO MUNICÍPIO DE SÃO MIGUEL DOS CAMPOS/AL. ........................................................................................................................ 122 NORMAS PARA PUBLICAÇÃO ......................................................................................... 133 4 EDITORIAL A Revista Assistência Social em Foco inaugura um novo marco no processo de divulgação da produção do conhecimento sobre a Política de Assistência Social e sobre temas que nos são importantes ao pensar, elabora e executar as ações previstas nesta política. Aqui abrimos espaço para que os mais variados perfis de pesquisadores possam divulgar suas produções, sejam a partir de experiências exitosas, seja a partir das pesquisas bibliográficas, ou ainda sob a ótica da pesquisa de campo. Entendemos que a partilha de conhecimentos é fundamental para a defesa intransigente desta política, como campo de intervenção na realidade das famílias brasileiras que se encontram em situação de vulnerabilidade e risco social, tendo assim importância ímpar no processo de fortalecimento da autonomia e da garantia de direitos dessas famílias. Trimestralmente teremos um encontro marcado com o compartilhamento dos muitos sabres, sempre distribuídos de forma gratuita, com intuito de chegar cada vez mais longe, formando e fortalecendo trabalhadores/as do Sistema Único de Assistência Social de todo Brasil, mas não só eles, pautamos também o debate com os conselheiros da assistência social, que tem a nobre tarefa de fiscalizar e auxiliar no processo de construção e fortalecimento desta política. Sendo assim, convido você que me lê neste momento a compartilhar essa nossa revista com todxs que você acredite que precisam acessar este conhecimento, formaremos assim uma rede de compartilhamento de informações que irão nos ajudar a consolidar a Política de Assistência Social, como Política Pública, com financiamento público e participação social. Abraços e boa leitura. Novembro de 2019 André Luiz Novais Dória Assistente Social, Professor e Consultor Especializado no SUAS 5 PROTEÇÃO SOCIAL BÁSICA 6 Jadna dos Santos Cavalcante1 Edjane Aragão Dias de Góes2 Josicleide de Oliveira Freire3 PROJETO DE ENFRENTAMENTO À POBREZA - TECENDO NOVOS CAMINHOS: INCENTIVO ÀS MULHERES ARTESÃS/RENDEIRAS DE BAIXA RENDA E USUÁRIAS DOS SERVIÇOS OFERTADOS PELO CRAS ÉRICK DE SOUZA SILVA DO MUNICÍPIO DE COQUEIRO SECO/ AL. Resumo Este artigo tem como objetivo apresentar as boas práticas desenvolvidas pelo Centro de Referência da Assistência Social − CRAS − Érick de Souza Silva, equipamento da Proteção Social Básica do município de Coqueiro Seco, no tocante ao enfrentamento à pobreza, por meio dos projetos desenvolvidos, com vistas à qualificação, geração de renda, agregação de valores e incentivo ao comércio, com consequente do desenvolvimento da economia local. Entre esses projetos consta o intitulado Tecendo Novos Caminhos, o qual, além de fomentar a aptidão das mulheres artesãs e rendeiras do município, haja vista que são mulheres de baixa renda, inscritas no Cadastro Único e inseridas num contexto de vulnerabilidade e risco social, constitui-se não só como uma fonte de renda, mas como agente que promove a dignidade na vida dessas mulheres, bem como seu direito humano enquanto mulheres e sujeitos de direito, visto que têm históricos de violência intrafamiliar, marcas de uma cultura patriarcal. Palavras-chave: mulher; patriarcalismo; questão social; Tecendo Novos Caminhos. Abstract This article aims to present the good practices developed by the Reference Center for Social Assistance − CRAS − Érick de Souza Silva, equipment of the Basic Social Protection of the municipality of Coqueiro Seco, regarding the confrontation of poverty, through projects aimed at qualification. , income generation, value addition and commercialization for the development of the local economy, among them, the project entitled: Tecendo Novos Caminhos. This project, in addition to fostering the skills of women artisans and lacemakers in the municipality, as they are low-income women, registered in the Single Registry, inserted in a vulnerable situation, is not only a source of income, but also promotes them. women the condition of dignity, of their human right as a woman and right subject, since there are histories of intrafamily violence, marks of a patriarchal culture. Keyword: woman; patriarchy; social issues; Tecendo Novos Caminhos. Introdução Sabe-se que o contexto atualmente vivenciado de desmonte dosdireitos sociais tem deixado muitos segmentos vulneráveis e sem acesso às políticas sociais legitimadas pela 1 Especialista em Gestão de Políticas Públicas pela Universidade Tiradentes (UNIT). Assistente Social, atualmente na coordenação do Centro de Referência de Assistência Social – CRAS – Érick de Souza Silva do município de Coqueiro Seco/AL. 2 Assistente Social, atualmente está na assessoria da Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social da Prefeitura Municipal de Coqueiro Seco/AL. 3 Mestra em Serviço Social pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Assistente Social do Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS – Quitéria Gomes Luciano no município de Coqueiro Seco/AL. 7 Constituição Federal de 1988. Essa atual conjuntura, principalmente no âmbito das políticas sociais, encontrou restrição ao acesso e dificuldade de ingresso de “usuários”, uma vez que algumas políticas sociais têm se tornado mercadoria. Com o advento do neoliberalismo no Brasil, na década de 1990, as políticas sociais têm sofrido um impacto devido à intervenção mínima do Estado na área social, que por sua vez tem realizado algumas intervenções de forma focalizada, seletiva e fragmentada, descaracterizando o caráter de direito e transformando os usuários em meros consumidores das políticas. É dentro desse contexto de precarização das políticas sociais e retomada do Estado nas políticas de combate à extrema pobreza, por meio dos programas de transferência de renda, que nos despertou o interesse em fortalecer o grupo das artesãs e rendeiras no município de Coqueiro Seco. Dessa forma, partiu-se da identificação dos desafios postos à realidade vivenciada por elas, tendo em vista as atividades desenvolvidas pelo Centro de Referência de Assistência Social – CRAS, dentre elas o desenvolvimento de grupos formados pelos usuários assistidos pela política de proteção social básica, com o foco no fortalecimento dos vínculos familiares, de modo a prevenir rupturas, conforme disposto no Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF). Sendo assim, identificar a realidade vivenciada por essas mulheres no município, bem como traçar estratégias para a minimização das refrações da questão social colocaram-se como um desafio para a criação e implementação do projeto. É nesse horizonte que se desenha o projeto Tecendo Novos Caminhos, que tem como objetivo fomentar as aptidões e contribuir para condições dignas de sobrevivência, efetivação do direito humano enquanto mulher e conscientização quanto a ser sujeito de direitos, fortalecendo os vínculos familiares. Perfil socioeconômico das mulheres artesãs/rendeiras do Município de Coqueiro Seco Tendo como objetivo apresentar o projeto Tecendo Novo Caminho destinado às mulheres artesãs e rendeiras do município de Coqueiro Seco, faz-se necessário expor quem são essas mulheres, ou seja, qual o papel que elas ocupam na sua comunidade, bem como as relações que se desenvolvem, seja no plano econômico, cultural ou social. Para tanto, faremos uma exposição de como se manifestam as relações de gênero, a venda da força de trabalho e as expressões da questão social, partindo do todo para explicarmos o particular, isto é, entende-se que tais categorias são a chave para evidenciar as condições de vida do trabalhador e o papel que a mulher ocupa na sociedade capitalista, no caso em tela, as mulheres rendeiras e artesãs do município de Coqueiro Seco/ AL. 8 O município de Coqueiro Seco, localizado na região metropolitana de Maceió, com uma população atual de um pouco mais de 7 mil habitantes, é reconhecida como uma cidade dormitório, visto que a atividade econômica existente na região não é suficiente para empregar e fixar a população ativa, tendo que a maioria dos seus moradores deslocar-se diariamente para Maceió ou municípios circunvizinhos para exercerem sua profissão, haja vista que a atividade comercial é incipiente. Por isso, o setor que mais emprega, no município, é a esfera pública. No que tange ao modo de vida e trabalho da população coqueirense, a atividade predominante se dá às margens da lagoa, com a piscicultura e a extração do sururu, além do artesanato, com o trabalho desenvolvido pelas rendeiras e artesãs. Quanto aos aspectos socioeconômicos, as condições de vida da população é de baixa renda, sendo este o público dos programas de transferência de renda, entre eles o Programa Bolsa Família (PBF), destinado a atender as famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza, visando a garantir a essas famílias o direito à alimentação, o acesso à saúde e à educação, condição para continuidade no programa. Além dos programas de transferência de renda, temos a oferta dos benefícios eventuais da Política de Assistência Social, que são operacionalizados pela Proteção Social Básica, nos Centros de Referência de Assistência Social, sendo este benefício de caráter suplementar e provisório, prestados aos cidadãos e às famílias em virtude de nascimento, morte, situações de vulnerabilidade temporária e de calamidade pública, conforme disposto no artigo 22 da Lei 8.742/93 (BRASIL, 1993). Assim sendo, as condições de vida da população orbitam em atividades de caráter informal, com vínculos precários, e nos programas de transferência de renda, bem como nos benefícios eventuais e serviços ofertados pela proteção social básica. Prova disso é que, segundo dados do IBGE (2010), os domicílios com rendimento mensal de até meio salário mínimo por pessoa representavam 48,3% da população, ou seja, metade dos habitantes, o que a colocava na posição 87 dentre as 102 cidades do estado; e em 1682, das 5570 do Brasil. Em 2015, o salário médio mensal era de 1,5 salários mínimos. A proporção de pessoas ocupadas em relação à população total era de 6,3%. Na comparação com os outros municípios do estado, ocupava as posições 79 de 102 e 66 de 102, respectivamente. Já na comparação com cidades do país todo, ficava na posição 4821 de 5570 e 4634 de 5570, respectivamente. Considerando domicílios com rendimentos mensais de até meio salário mínimo por pessoa, tinha 48,3% da população nessas condições, o que o colocava na posição 87 de 102, dentre as cidades do estado, e na posição 1682 de 5570, dentre as cidades do Brasil (IBGE, 2010). 9 Assim, com a crise instalada no país, o cenário social tem se aprofundado e o número de famílias sem renda tem aumentado significativamente. Como consequência, as demandas aos equipamentos sociais têm crescido de forma considerável nesses últimos anos, o que demonstra que o processo de geração de riqueza no modo de produção capitalista é o responsável por reproduzir a pobreza e demais expressões da questão social na vida do trabalhador, as quais só tendem a se intensificar à medida que o capital se expande e acumula riqueza, visto que, à medida que o trabalhador produz a riqueza, em proporção inversa, reproduz sua condição objetiva de miséria, haja vista que os bens por ele produzido não lhe pertencem. Netto e Braz (2012) afirmam que o desenvolvimento se dá por demandas maiores por máquinas, instrumentos, instalações, materiais e insumo, configurando-se uma menor procura por força de trabalho ou trabalho vivo. Para os autores, ocorre, como consequência para a classe trabalhadora, o aparecimento de um exército industrial de reserva, um contingente de trabalhadores desempregados que não encontram compradores para a sua força de trabalho, o que possibilita ao capitalista pressionar os salários para baixo. Esse contingente constitui a superpopulação relativa, representada pelas seguintes camadas de trabalhadores: camada flutuante, composta por trabalhadores de grandes centros industriais e mineiros, que ora se encontram empregados, ora desempregados; camada latente, que corresponde às áreas urbanas e rurais, quando nelas se desenvolvem relaçõescapitalistas – sendo que esses trabalhadores, quando expulsos ou quando lhe são tirados os meios de produção, passam a migrar para zonas industriais; camada estagnada, composta pelos trabalhadores que jamais conseguem emprego fixo, perambulando entre uma ocupação e outra; e o lumpem proletariado, parcela degradada do proletariado, composta por vagabundos, criminosos, prostitutas, rufiões e os que vegetam na miséria e no pauperismo. O surgimento do exército industrial de reserva trouxe, nesse cenário, outras implicações para a classe trabalhadora, como o processo de pauperização, manifestando-se de forma absoluta e/ou relativa. A pauperização absoluta representa uma degradação nas condições de vida e trabalho da classe trabalhadora, em virtude da queda dos salários, aviltamento dos padrões de alimentação e moradia, intensificação do ritmo de trabalho e aumento do desemprego. Na pauperização relativa, considera-se que, mesmo havendo uma melhoria nas condições de vida dos trabalhadores em termos de alimentação e moradia, o valor criado pelo trabalhador é reduzido, ao mesmo tempo em que cresce a parte que compete ao capitalista. É dessa parcela da sociedade que nos ocupamos no projeto ora referido, tendo 1 0 em vista que são trabalhadores que, dadas as condições de desemprego, compõem um exército industrial de reserva e têm suas condições de vida aviltadas. Destarte, trabalhar as aptidões da população tem sido uma estratégia pensada para minimizar as mazelas oriundas desta contradição entre capital e trabalho na vida do trabalhador, apresentando-se como um meio de geração de renda a essas famílias. É nesse prisma que nasce o projeto de incentivo às mulheres artesãs, beneficiário dos serviços ofertados pelo equipamento da Proteção Social Básica – CRAS. Uma vez que a cultura do município se destaca pela música, culinária, pesca e, em especial, pelo artesanato, ponto forte e significativa fonte de renda da região, e tendo em vista que a atividade na lagoa não tem gerado mais a produção de outrora, muitas famílias, ao não conseguirem prover sua própria subsistência, passaram a fomentar projetos de incentivo à capitação de renda, meio que tem constituído não só uma forma de garantir sua sobrevivência, mas de trabalhar a autoestima, autonomia e empoderamento desse segmento. Ressalta-se que o cunho desse projeto não é apenas promover um meio de geração de renda, mas de trabalhar a autonomia e autoestima dessas mulheres. Desse modo, devemos compreender o lugar que elas ocupam em suas casas e a forma como se dão as relações com seus pares, muitas vezes marcadas pela violência intrafamiliar, fruto de uma cultura patriarcal, em que ainda impera a figura do homem na tomada de decisão em tudo que atinge a família. Com isso, muitas mulheres são silenciadas e perdem o direito sobre seu corpo, sua vida e seus filhos. É essa mulher silenciada, com sua dignidade humana desrespeitada, que constitui o público alvo do projeto Tecendo Novos Caminhos, que a conscientiza de seu papel enquanto sujeito de direito, desenvolvendo aptidões e fomentando informação nas mais diversas áreas. O projeto Tecendo Novos Caminhos, além de se apresentar como uma forma de capacitação, contribui para a aptidão dessas mulheres, constituindo-se como uma fonte de renda. Nessa direção, seu papel vai além daquilo que foi posto, visto que dá a essas mulheres condições de dignidade e de exercício de seu direito humano enquanto mulher e sujeito de direito. É por meio do referido projeto e com uma série de atividades nele incluídas, tais como rodas de conversa, palestras e campanhas, articuladas com as mais diversas políticas públicas, que conseguimos desenvolver junto a essas mulheres a conscientização de seus direitos e deveres, bem como, dos meios legais e protetivos conferidos à mulher. No tópico seguinte faremos uma breve exposição sobre o projeto e os principais frutos obtidos com a sua execução. Tecendo Novos Caminhos 1 1 O projeto Tecendo Novos Caminhos surgiu da necessidade de organização e qualificação da cadeia produtiva composta por mulheres artesãs, que confeccionam redes de nó para suprir as necessidades da família, sendo esta a fonte primária para a produção do bordado de filé (Patrimônio Cultural Imaterial de Alagoas). Devido aos reflexos da crise econômica que assola ao país, o número de usuários que procuram atendimento nos equipamentos sociais tem aumentado consideravelmente. Com o crescente número de desempregados e as políticas públicas cada vez mais seletivas, precarizadas, fragmentadas, algumas estratégias têm sido utilizadas pela equipe técnica do CRAS no que se refere à organização de grupos produtivos. Por ser um município muito próximo à capital, Coqueiro Seco recebe muitos “atravessadores”, os quais, por sua vez, adquirem o produto a baixo preço e o levam para Maceió para serem comercializados no valor de mercado. Esses atravessadores também existem no grupo de pescadores. A partir desta problemática, a equipe técnica do CRAS, em parceria com a Secretaria Municipal de Turismo, vem desenvolvendo um trabalho de empoderamento a este grupo de artesãs para capacitá-las e para que possam vender seu produto com qualidade, recebendo o valor de mercado. Como a partir de 2015, a profissão de artesão é regulamentada pela Lei de nº 13.182 de 22 de outubro, nosso primeiro passo foi realizar uma busca ativa e organizar todos os profissionais para que pudéssemos realizar um cadastro e mensurar o quantitativo. Como passo seguinte, começamos a realizar encontros com objetivo de fortalecer o grupo, pois compreendemos a importância desta atividade econômica para o município e, consequentemente, para o estado, já que a rede de nó é considerada fonte primária do bordado filé de Alagoas. Conseguimos, posteriormente, uma parceria com a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico e Turismo (SEDETUR), para que fossem emitidas as carteiras das artesãs e, a partir desse momento, teríamos um divisor de águas nas vidas destas usuárias. A aquisição da carteira do artesão trouxe uma série de benefícios a todas além da garantia de isenção de ICMS na emissão de notas fiscais avulsas na comercialização dos produtos, facilidade ao microcrédito, possiblidade de ser contribuinte autônomo para fins previdenciários, participação em feiras de artesanato nacionais e internacionais, bem como outros. Para que os produtos sejam adquiridos pelo consumidor, há uma série de exigências impostas pelo mercado, como qualidade, tamanho da malha, metragem. Tais exigências permitem ao artesão que faz o bordado de filé elaborar uma peça com qualidade, pois quando 1 2 há alguma falha na confecção da linha de nó, esta faz com que o bordado fique comprometido com algumas falhas. Neste sentindo, conseguimos uma parceria com o Instituto do Bordado de Filé da região das lagoas Mundaú e Manguaba (IBORDAL), considerada a maior referência em bordado filé no Estado de Alagoas, para proporcionar melhor qualificação ao ponto da linha de nó e estímulo ao aperfeiçoamento dos métodos e processos de produção. Com este novo parceiro, novos desafios foram postos, dentre eles a resistência em aperfeiçoar o ponto e seguir os parâmetros do instituto para aprender técnica e aprimorar os conhecimentos, na verdade sair da zona de conforto. Porém, a intenção foi fazer com que as artesãs tivessem uma referência e que pudessem escoar o produto diretamente para o Instituto, para que pudéssemos diminuir ou até mesmo acabar com atravessadores. A qualificação do grupo valorizou a produção da linha de nó e, consequentemente, aumentou as perspectivas das artesãs, que passaram a produzir nos parâmetros exigidos e, com isso, puderam agregar valor para comercializar com qualidade. Além de ter uma referência no IBORDAL, as artesãs também podem adquirir os novelos de linhas a um custo maisacessível. A iniciativa deste projeto junto a outros desenvolvidos possibilitou ao município a participação no Prêmio Sebrae Prefeito Empreendedor na categoria “Políticas Públicas para o desenvolvimento dos Pequenos Negócios”, no qual avaliam-se projetos para aprimoramento do ambiente dos pequenos negócios, por meio da implementação de políticas públicas baseadas na Lei Geral da Micro e Pequena Empresa, voltadas para a melhoria na legislação municipal e no âmbito empresarial e associativo. Esse prêmio foi consequência de um trabalho desenvolvido com êxito pela equipe do CRAS, tendo em vista a valorização dos pequenos negócios, especificamente das artesãs que confeccionam a rede de nó, pois este trabalho manual proporciona a elas parte do sustento das famílias e, consequentemente, é a mola propulsora da economia municipal. Atualmente, o grupo de mulheres artesãs é um grupo contínuo do CRAS. Os encontros acontecem quinzenalmente e já conseguimos expandir para a zona rural. Em meio aos desafios diários, aos contratempos, o grupo está sendo fortalecido e é assistido por uma assistente social que desenvolve oficinas, tendo em vista o empoderamento feminino e o fortalecimento dos vínculos comunitários. Conclusão O fortalecimento dos vínculos comunitários, a organização das artesãs e o empoderamento feminino, especificamente das artesãs que fazem parte do Centro de 1 3 Referência de Assistência Social do município de Coqueiro Seco, têm constituído os objetivos do trabalho desenvolvido desde o ano de 2017. Apesar de pertencer à região metropolitana de Maceió/AL, Coqueiro Seco é um município pobre, que tem mais da metade da sua população em situação de vulnerabilidade social. Os indicadores do município nos motivaram a buscar estratégias para desenvolver e incentivar os usuários que frequentam os equipamentos sociais a gerar renda a partir de suas aptidões, para que possam contribuir com o sustento da família. O trabalho com os grupos tem sido um grande desafio diário, mas com o conhecimento das demandas do território e das aptidões das usuárias, novas estratégias são traçadas para que as famílias consigam minimamente ter sua autonomia. Referências Bibliográficas Brasil. Lei 8.742 de 07 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8742compilado.htm>. Acessado em 12 set. 2019. IBGE − INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Cidades, 2010. Disponível em: <https://cidades.ibge.gov.br/brasil/al/coqueiro-seco>. Acessado em 12 set. 2019. NETTO, J. P; BRAZ, M. A acumulação capitalista e o movimento do capital. In Economia Política: uma introdução critica. 8ª. ed. São Paulo: Cortez, 2012. 1 4 Paula Regina Wenceslau Lloyd4 Jucilaine Neves Sousa Wivaldo5 MEU INSS: INCLUSÃO OU EXCLUSÃO? Resumo O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) está implantando em todas as suas agências o novo modelo de atendimento, também conhecido como INSS Digital com o discurso de agilidade dos serviços e melhoria do atendimento aos cidadãos. Tal dado culmina na Seguridade Social, aqui com o foco na Previdência Social por meio do INSS, regida pela lógica neoliberal na atual conjuntura. Este estudo tem como objetivo central analisar possíveis impactos da implantação do INSS digital para os usuários dos serviços. A metodologia adotada foi de forma estruturada, sendo feito um questionário que foi respondido por profissionais da rede do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) de 12 municípios da região do SUL de Minas Gerais onde esses informaram se está ocorrendo impactos com a implantação do INSS Digital para a população atendida em seus respectivos municípios. É consenso entre os entrevistados o impacto do INSS Digital na vida dos cidadãos sem escolaridade e sem acesso a tecnologias. Outro aspecto quanto à informatização dos atendimentos via INSS digital é a limitação de informação e orientação quando da habilitação virtual, o que poderá trazer um prejuízo enorme ao cidadão que sem informações poderá ter seu benefício indeferido por não possuir toda documentação comprobatória, sendo que no atendimento presencial, havia orientação e informação prévia ao cidadão. Palavras-Chave: seguridade social, neoliberalismo, impactos, INSS Digital, tecnologias. Abstract The National Institute of Social Security (INSS) is implementing in all its agencies the new model of care, also known as INSS Digital with the speech of agility of services and improved service to citizens. This fact culminates in Social Security, here focusing on Social Security through the INSS, governed by neoliberal logic in the current conjuncture. This study aims to analyze possible impacts of the implementation of digital INSS for users of services. The methodology adopted was structured, and a questionnaire was answered by professionals from the Unified Social Assistance System (SUAS) network of 12 municipalities in the south region of Minas Gerais, where they reported whether impacts were occurring with the implementation of the INSS. Digital for the population served in their respective municipalities. It is a consensus among respondents the impact of INSS Digital on the lives of citizens without education and without access to technologies. It is a consensus among respondents the impact of INSS Digital on the lives of citizens without education and without access to technologies. Another aspect regarding the computerization of attendances via digital INSS is the limitation of information and guidance during virtual habilitation, which can cause a huge damage to citizens who without information may have their benefit rejected because they do not have all supporting documentation. face-to-face, there was guidance and prior information to the citizen. Keywords: social security, neoliberalism, impacts INSS Digital, Technologies. 4 Mestranda em Desenvolvimento Sustentável e Extensão, Universidade Federal de Lavras, Assistente Social no Instituto Nacional do Seguro Social. 5 Mestre em Desenvolvimento Sustentável e Extensão, Universidade Federal de Lavras, Assistente Social na Secretaria Municipal de Assistência Social de Perdões-MG. 1 5 Introdução Com a instituição da Constituição Brasileira em 1988 é implantado o termo Seguridade Social que apresenta em seu conceito o tripé constituído pela Saúde, direito universal, destinada para todos; Assistência Social, para quem dela necessitar; e Previdência Social, com cunho contributivo, com intuito de buscar a ampliação das coberturas previdenciárias para todos os cidadãos. Tais direitos surgiram por um processo de lutas de classe e da sociedade organizada, onde buscava-se a ampliação e a universalização no acesso às políticas públicas. Em contraponto, com o decorrer do tempo as políticas públicas vêm sofrendo retrocessos que impactam diretamente na vida de todos os cidadãos e o presente trabalho vêm especialmente tratar essa perspectiva na Previdência Social. Diante do cenário neoliberal que se instalou no país após os anos 90, o acesso aos direitos sociais vai se restringindo se expressando em regressões das políticas sociais, mercantilização dos serviços considerados essenciais para a população a exemplo da educação, da saúde, dentre outros. Nesta perspectiva, o presente trabalho almeja analisar na atualidade o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e o seu novo modelo de atendimento conhecido como INSS Digital. Desse modo, este estudo tem como objetivo central analisar possíveis impactos da implantação do INSS digital. Essa nova modalidade de atendimento é uma realidade em território nacional nas mais de 1500 unidades espalhadas pelo país, aonde o usuário vai à Agência da Previdência Social somente após o agendamento do serviço, ou o seu requerimentoé atendido totalmente em ambiente virtual. Com a promessa de agilidade, ocorre a tramitação eletrônica de todo processo. Outra possibilidade é a concessão automática de benefícios, sem que o usuário tenha que deslocar até a agência, caso já tenha atingido todos os critérios. Entretanto, nesse novo sistema é preciso levar em consideração alguns aspectos que não são mencionados com a inovação virtual do INSS. Assim, todos os serviços, independente da complexidade e da solicitação de benefícios previdenciários, são realizados pelos canais remotos da instituição, sendo eles via telefone, pelo número 135 e/ou pela internet. Vale ressaltar que o processo do INSS digital é apenas um dos reflexos dos desmontes das Políticas Públicas. Como exemplo, temos a PEC 55 aprovada pelo Senado Federal em 13/12/16, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55, que impõe um teto aos gastos públicos pelos próximos 20 anos o que reflete em redução de investimentos na educação, saúde, assistência social. Apresentam-se também pacotes de contenção de gastos por meio de solicitação de várias revisões de benefícios ou chamado “pente fino”. A 1 1 6 paralisação dos concursos públicos é outra ação que impacta a população e sobrecarrega os servidores, aumenta a demanda de trabalho, porém com um número reduzido de funcionários. O presente trabalho abordará no primeiro momento a evolução das políticas públicas com a instituição da Constituição de 88. Em seguida, à regressão dos direitos sociais com o avanço das expressões do neoliberalismo em nosso país. Dando prosseguimento é apresentado os métodos utilizados na pesquisa e os resultados encontrados e por fim breves considerações acerca do estudo. Referencial Teórico No Brasil as primeiras políticas sociais não nasceram para garantir direitos fundamentais, dignidade ou a igualdade entre todos. Desde a abolição do trabalho escravo, o país tentava organizar-se economicamente segundo os princípios do laissez-faire clássico, a doutrina capitalista que antecedeu o liberalismo econômico e preconizava a liberdade absoluta de produção e comercialização de mercadorias. Isso acontecia basicamente nas cidades. Na área rural, porém, mesmo com a abolição, o que acontecia era uma mudança na forma de servidão (SANTOS, 1979). Para Santos (1979) a ideia de cidadania no país se iniciou nos tempos do Império, mas somente começou a vingar após a Revolução de 1930, na Era Vargas, o primeiro momento em que realmente se desenvolveu uma política social. Uma intervenção do Estado no sentido de regulamentar as profissões e, a partir delas, oferecer benefícios seria bem aceita, já que o laissez-faire não se mostrava eficaz para garantir a “felicidade da maioria”, como queriam os utilitaristas clássicos. Após o golpe militar de 1964, o país viveu um período que pode ser classificado como “cidadania em recesso”. A principal característica desse período foi o não reconhecimento do direito dos cidadãos ou da capacidade de a sociedade governar-se. Dessa forma, a sociedade brasileira, que já havia acompanhado o nascimento e desenvolvimento de uma cidadania baseada mais em pequenos ganhos sociais do que no próprio reconhecimento de seus direitos civis, nesse período foi privada de direitos e já não possuía autonomia para exercer a própria cidadania (SANTOS, 1979). Esse período fez crescer na população uma necessidade de criação e consolidação de um Estado de bem-estar no Brasil. Assim, a partir de lutas da classe trabalhadora e de diversos movimentos sociais, surge na legislação o conceito de Seguridade Social, instituído pela Constituição Brasileira, que traz direitos sociais nas áreas da Saúde, da Assistência Social e da Previdência Social. 1 7 Na Saúde, os direitos se universalizam e são destinados para todos. Na Assistência Social é destinada para aqueles que necessitarem, nas situações de dificuldades e faltas. Já a Previdência Social, contributiva, muito embora tenha um cunho de ampliação de coberturas. Suas contribuições geram direitos previdenciários, nas situações adversas e cotidianas da vida, como na invalidez, morte, na velhice, na incapacidade, dentre outras situações, para si e para seus dependentes. Entretanto, neste contexto surgem as ofensivas do capital que com o processo de globalização da economia em ritmo acelerado provoca mudanças importantes nas relações entre Estado, sociedade e nação, que eram o centro da noção e da prática da cidadania ocidental. Na linha de fogo dos ataques encontra-se o próprio conceito de Seguridade Social nos termos em que está inscrito na Constituição de 1988. Os direitos sociais são afetados pelos cortes de benefícios, na descaracterização do estado de bem-estar, no desemprego estrutural, fruto de expressões do capitalismo com tais ofensivas neoliberais, como descreve (CARVALHO, 2001). Não obstante, após os anos 90 surgiram e expressaram as linhas das contrarreformas das diversas políticas públicas, mas aqui trataremos da política de previdência social em especial, que por muitos governos que passaram em nosso país fizeram diversas mudanças, sendo essas foram e são cruciais, pois desencadeiam sempre em recessão de direitos sociais para os cidadãos. As conquistas têm sido cotidianamente questionadas e são alvos de alterações, nesse atual contexto das reformas neoliberais. Nota-se que todas as ofensivas neoliberais levaram a perda de direitos previdenciários de categorias específicas sejam na depreciação de aposentadorias, pensões e outros benefícios de uma forma geral, seja no aumento do tempo de contribuição, na idade para a aposentadoria e outras alterações com intuito único de cercear direitos conquistados anteriormente. A Constituição de 1988 foi um marco quanto ao avanço dos direitos sociais. Entretanto, após a década de 1990 com a adoção do ideário neoliberal, constata-se um recuo nesses direitos. Para Pereira (2011) o capitalismo neoliberal vindo dos países do chamado Primeiro Mundo, e os mecanismos de coerção utilizados por organismos internacionais FMI e Banco Mundial no final da década de 1970 nos países de capitalismo avançado, provocaram a privatização de empresas públicas, algumas delas altamente rentáveis, a reforma dos sistemas previdenciários, resultou no retrocesso das políticas sociais. Desta forma foram feitas contrarreformas na área da previdência social nos anos de 1998, 2003 e 2015. Não obstante, o atual governo em exercício de Michel Temer também sancionou a Lei publicou a Medida Provisória 739/2016 em 07 de Julho de 2016, que altera a 1 8 Lei nº 8.213/91, promovendo alterações nos benefícios de aposentadoria por invalidez, no auxílio-doença, nos benefícios de prestação continuada e no tempo de carência quando se perde o período de graça que todo segurado da Previdência tem direito. A Medida Provisória 739/16 previa a convocação do aposentado por invalidez ou do beneficiário do auxílio-doença e BPC, a qualquer momento, para que o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) constate a permanência da incapacidade laboral, ou impedimento de longo prazo ainda que o benefício tenha sido implantado uma decisão judicial, fazendo a revisão de todos os benefícios já elencados acima, com exceção daqueles que os beneficiários já esteja idoso (60 anos ou mais) que tenham aposentado por invalidez. E nesta leva de desmontes, surge o INSS Digital que vem trajada de modernidade, promessas de agilidade e de avanços tecnológicos para todos os cidadãos indistintamente. Contudo, há de se contestar tal afirmativa, diante de um cenário de desigualdades o que se torna contraditório em uma sociedade capitalista. Não há como negar que para uma parte da sociedade os avanços digitais e tecnológicos possam sim, facilitar o acesso aos serviços. Mas, em uma sociedade capitalista onde essas desigualdades estão presentes, tal inovação rebate diretamenteno acesso aos atendimentos, pois focaliza e dificulta o atendimento para determinado público. Segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em números absolutos, a taxa representa 11,5 milhões de pessoas que ainda não sabem ler e escrever. A incidência chega a ser quase três vezes maior na faixa da população de 60 anos ou mais de idade, 19,3%, e mais que o dobro entre pretos e pardos (9,3%) em relação aos brancos (4,0%).Quatorze das 27 unidades da federação, porém, já conseguiram alcançar a meta do PNE, mas o abismo regional ainda é grande, principalmente no Nordeste, que registrou a maior taxa entre as regiões, 14,5%. Os menores foram no Sul e Sudeste, que registraram 3,5% cada. No Centro-Oeste e Norte, os índices ficaram em 5,2% e 8,0%, respectivamente. Ressalta-se que nesses dados, não estão os analfabetos funcionais e digitais, o que pode se inferir que esse público poderá ter significativa dificuldade em acessar os serviços digitais disponibilizados pelo INSS. Sem levar em conta também que nem todos os usuários dos serviços terão produtos tecnológicos para se ter a demanda do serviço atendida. Metodologia A pesquisa desenvolveu-se sob o corpus de matérias jornalísticas, reportagens, que discorrem sobre o processo de informatização, pois não há estudos empíricos sobre o tema. 1 9 Com consultas a sites como: Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social (CNTSSCUT), Sindicato dos Trabalhadores Saúde, Trabalho e Previdência no RS (SINDISPREVRS), Sindicato dos Trabalhadores Federais em Saúde, Trabalho Previdência Social no Estado do Ceará (SINDISPREVCE), OAB. Utilizou-se como instrumento de pesquisa um questionário aberto com quatro questões: Qual o impacto do INSS digital para os usuários de seu município?; O município tem estrutura para atender demandas do INSS digital?; De que forma o município está se organizando para atendimento das demandas do INSS digital?; Está tendo treinamento? Ou já teve, para atender as demandas do INSS digital?. As questões foram respondidas por 36 profissionais da rede do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) de 12 municípios da região do Sul de Minas Gerais onde esses informaram se houve impacto com a implantação do INSS Digital para a população atendida em seus respectivos municípios. A identidade dos municípios mantém-se sigilosas para evitar quaisquer tipos de retaliação. Para identificação foram utilizados o termo entrevistado (E) e número entrevistado, E 1, E 2, E 3, E 4, E 5 sucessivamente. Resultados e Discussões Em uma das reportagens descreve que “o modelo digital implementado pelo INSS dificulta o acesso da população, abre brecha para que intermediadores cobrem para emissão de senhas e para terceirização de serviços que deveriam ser públicos” (SINDISPREVRS, 2018, online). Sendo essa assertiva confirmada nas falas dos municípios em resposta à questão qual o impacto INSS digital para os usuários de seu município: “Trata-se de um município de pequeno porte, e os usuários do serviço socioassistencial são pessoas que não tem acesso ao computador nem a internet. Sendo assim, muitos ficam sem informação e são privados de terem acesso aos direitos previstos em lei” E1. “A maioria dos usuários que utilizam os serviços do INSS em meu município, são pessoas de baixa escolaridade e entendimento. Sendo assim, nem sempre conseguem, inclusive relatar os processos utilizados de contribuição” E11. “Impacto negativo quanto à linguagem técnica para pessoas analfabetas ou com grande dificuldade para ler e escrever. A tecnologia não substitui o contato com os profissionais que se preparam e qualificam para esse processo, mas que quase sempre trabalham de maneira precarizada” E26. “Infelizmente nossos usuários não estão preparados para tais mudanças, pois para os profissionais está sendo um desafio. Foi uma mudança positiva no sentido de que se tornou mais prático a solicitação de determinados benefícios do requerente na agência do 2 0 INSS. As solicitações podem ser realizadas no ambiente com mais facilidade, no entanto, acredito que o usuário tenha muita dificuldade” E12. Um total de oito profissionais confirmou que o analfabetismo como questão central sendo um ponto negativo no processo de implantação do INSS digital. Assim como, nove profissionais afirmaram que os usuários dos serviços não têm acesso a internet, neste sentido, ficarão dependentes de terceiros. Sobre a questão dos intermediários também é confirmada na entrevista com os municípios: “O INSS digital burocratizou e lentificou o processo, e em função disso a demanda aumentou. Aumento das dificuldades de entendimento dos cidadãos isso inibe busca por orientações. Aumento da procura por advogados para requerer o benefício” E16. “Dificuldade de acesso ao portal digital, na escolha dos serviços solicitados. Acesso aos produtos tecnológicos (computador, celular com internet). Muitos usuários irão depender de terceiros para preenchimento dos serviços solicitados” E31. “Acredito que nem todos os usuários têm acesso a internet. Já a questão dos agendamentos serem realizados pelo 135 dificulta a vida do usuário, haja vista que, nem todos tem acesso, a mais, não sabem selecionar a opção correta” E27. Outra característica apontada SINDISPREVRS (2018) é em relação que “não há uma discussão transparente sobre a implementação do INSS e nem garantias sobre metas que serão definidas para o INSS digital, bem como sobre o modelo de tele trabalho. Nesse sentido argumenta, “quem arcará com os custos dos equipamentos para o servidor trabalhar fora de sua unidade de atendimento, quais serão os direitos garantidos ao tele trabalhador, o sistema de segurança contra invasões de hackers.” (SINDISPREVRS, 2018, online). Em relação a transparência não foi divulgado informações na mídia, ou outras formas de comunicação. Sendo essa assertiva observada na fala no entrevistado 6 “teve impacto negativo, pois não houve esclarecimento sobre o programa para a população e nem para os profissionais da área, o programa não é simples, de difícil acesso até para os profissionais”. Nesse contexto, “o INSS digital faz parte do processo de reforma da previdência e é por isso que a direção do Instituto não discute sua implementação com a categoria” (SINDISPREVRS, 2018, online). Sobre os custos recairá na Secretaria de Assistência Social, já que é um órgão de maior proximidade dos usuários em especial o Centro de Referência de Assistência Social e necessariamente além dos serviços e demandas diários assumirão as questões relacionadas ao INSS digital. Sobre este aspecto o entrevistado três discorre que além de dificuldade de “entendimento do usuário em acessar”, irá acontecer a “sobrecarga dos profissionais do 2 1 SUAS”. Assim como apontado também pelo entrevistado 15“aumento de tarefas para os profissionais do SUAS podendo tomar o tempo que seria dedicado ao Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF)”. Além das afirmativas citadas outros profissionais têm opiniões que o INSS digital possui dados divergentes, e quando há erro nas perguntas demora 24 horas para realizar nova tentativa isso faz com que o usuário tenha que voltar ao serviço novamente e se novamente errar ir até uma Agência do INSS. “Demora no atendimento dos agendamentos. Dificuldade para entrar no INSS. Dados divergentes para cadastrar a senha, dados da carteira não bate com as perguntas. Não tem serviço específico suficiente para atender a demanda com isso os profissionais ficam sobrecarregados. Dados confusos, fazendo assim com que o usuário volte à agência” E13. “Nesse primeiro momento estou percebendo dificuldades no acesso. Não é fácil criar senha e quando não é possível pede para aguardar 24 horas quando não conseguimos acessar e temos que recorrer ao atendimentopelo telefone demora dias o tempo de espera cerca de 10 e o agendamento para atualizar cadastro, por exemplo, demora dias para o atendimento. Enfim, o que era resolvido antes com rapidez, hoje está demorando muito mais” E32. A falta de diálogo e divulgação desse processo do INSS digital repercute diretamente nos municípios, pois os mesmos, em muitos casos, não têm estrutura para atender tal demanda em decorrência da falta de computadores e recursos humanos. E com o corte de gastos propostos pela PEC ficam impedidos de quaisquer melhorias. Para tanto, como irão atender os usuários? Além de serviços precarizados, a sobrecarga de trabalho para os funcionários do SUAS. “O município não está organizado, pois não foi passado um treinamento para os profissionais. Sendo assim fazemos o possível para atender e não deixar o usuário sair sem o atendimento” E1. “No momento ainda não tenho conhecimento de nenhuma organização, apenas aumentou muito a demanda no meu setor” E7. “Não! O município não tem funcionários suficientes para atender a demanda, a infraestrutura também é precária, dificultando ainda mais o atendimento” E9. Há profissionais afirmam que estão buscando capacitações e que elas são dadas pela agência que pertencem: 2 2 “Através das orientações nas acessórias e também tentando nos informar na própria internet aos poucos vamos aprendendo e nos organizando para atender as demandas do INSS digital” E8. “Através dos atendimentos os usuários estão sendo conscientizados e orientados sobre as mudanças. Já está sendo analisada a questão sobre a importância de comprar computadores de qualidade para atender as demandas” E12. O questionamento sobre se há treinamento ou se já teve, configurou-se como outra indagação para compreender o andamento do atendimento das demandas do INSS digital no município, desse modo, “Diretamente só se sabe o assunto, temos orientação na APS numa capacitação que fazemos uma vez por mês, mas gostaríamos que se possível o INSS elaborasse um treinamento são do INSS digital” E2. “Sim. A agência de referência do município está realizando reuniões mensais com os servidores da prefeitura (Secretaria Municipal de Assistência Social)” E4. “Em nosso município não está tendo treinamento para o INSS digital, através das acessórias às técnicas estão aprendendo bastante sobre algumas demandas sobre o mesmo. Na medida do possível vamos aprendendo sem nenhum treinamento específico” E8. Em contrapartida há muitos que afirmam que não tiveram treinamento: “Não teve treinamento. Também são cogita nada a respeito” E10. “Não. Há orientações do AS da APS, no entanto, sentar e mexer no sistema, não teve nenhum treinamento” E11. “Já foi falado, mas não houve um treinamento, pois ainda não existe conhecimento dos funcionários do INSS de forma clara para repassar para o público” E18. “Não, pois é uma nova forma de atendimento dos usuários ainda desconhecida por profissionais da rede socioassistencial e até mesmo pelo cidadão comum, que vem a agência do INSS deveria ter uma ampla divulgação pela televisão dessa nova forma de atendimento uma divulgação pela mídia seria boa forma de trazer ao conhecimento do usuário” E31. Diante das considerações e apontamentos dos entrevistados ampara-se no questionamento de SINDISPREVRS (2018, online) “Com a implementação do INSS digital, quais serão as atribuições do servidor público? Se estagiários protocolam e um sistema concede os benefícios automaticamente, o que vai restar para o servidor fazer? - questionou Vasques)”. E com certeza fica a incerteza de ações que repercutem diretamente nos usuários dos serviços. Desse modo, “com esse modelo, o INSS está sendo preparado para ser extinto”. E é por isso que precisamos discutir e defender nossa carreira, com organização e resistência. 8 2 3 O INSS digital precisa ser um complemento do serviço oferecido. Não pode significar o desmonte do INSS – finalizou o servidor (SINDISPREVRS, 2018, online). Considerações Finais A Seguridade social com seu tripé foi um avanço substancial para ampliação dos direitos sociais e consecutivamente na ampliação das políticas públicas nas três áreas: Saúde, Assistência Social e Previdência Social. Nesse contexto, as políticas públicas sofrem regressões, introduzindo critérios que focalizam, restringem e precarizam os direitos sociais. Na previdência social, a realidade aqui já exposta, demonstra qual grande foi o prejuízo com as contrarreformas nos anos subsequentes a instituição da seguridade social. No atual momento, mais uma tratativa neoliberal desponta, na área da Previdência Social, o INSS Digital que como mencionado é ambíguo. Ao mesmo tempo em que é uma ferramenta de acesso por meio das tecnologias digitais, que poderão ser usufruídas por um público que tenha acesso às tecnologias e à instrução para o acesso, também traz em seu arcabouço uma exclusão silenciosa, onde deixam milhares sem acesso aos direitos sociais, por não conseguirem terem os serviços e suas demandas atendidas por não compreenderem os processos, os fluxos para o atendimento, por falta de escolaridade e instrução suficiente, além de não terem acesso aos produtos tecnológicos e tecnologias. Diante das considerações em relação ao INSS Digital, o primeiro ponto abordado observa-se que há muitos servidores aposentando e os postos de trabalho não são repostos. Os servidores que ficam trabalham sobrecarregados, tendo que cumprir uma rotina de trabalho árdua, o que pode comprometer sua saúde física e emocional. Outro aspecto quanto à informatização dos atendimentos via INSS digital é a limitação de informação e orientação quando da habilitação virtual, o que poderá trazer um prejuízo enorme ao cidadão que sem informações poderá ter seu benefício indeferido por não possuir toda documentação comprobatória, sendo que no atendimento presencial, havia orientação e informação prévia ao cidadão. Além do mais, muitos ficarão em uma fila virtual. Por fim, o último aspecto, talvez seja o mais prejudicial aos cidadãos, principalmente para àqueles que não têm acesso à internet ou os que são analfabetos. Esse público além da falta de informação sofrerá ainda com a ausência de estrutura digital para pleitear os benefícios previdenciários, por não possuírem condições tecnológicas, sociais e educacionais, levando-os a terem que pagar por serviços que antes eram ofertados presencialmente nas Agências da Previdência Social. Abrindo aqui, brechas para intermediários realizarem os serviços e cobrarem pelos mesmos, muitas vezes esse público não tem recursos disponíveis. O 9 2 4 que era para ser um direito público acaba indo para a esfera privada. Nesse sentido, são impactos que podem ser mensurados a longo prazo por meio de mais pesquisas diretamente com os usuários desses serviços e também com os servidores do SUAS que diariamente os atende. Referências Bibliográficas CARVALHO, José Murilo. Cidadania no Brasil o longo caminho. Rio de Janeiro; Editora Civilização Brasileira, 2001. IBGE. Agência IBGE Notícias. Analfabetismo cai em 2017, mas segue acima da meta para 2015. Disponível em: < https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia- de-noticias/noticias/21255-analfabetismo-cai-em-2017-mas-segue-acima-da-meta-para-2015> acesso em: 01 Out. 2018. INSS. INSS Digital: nova forma de atender aos segurados. Disponível em: < https://www.inss.gov.br/inss-digital-nova-forma-de-atender-aos-segurados/>. Acesso em: 13 Jul.2018. NÓS DO INSS. INSS Digital. Disponível em: <https://nosdoinss.blogspot.com/search?q=inss+digital >. Acesso em: 13 de Jul. 2018. PEREIRA, Potyara. Cap II: Trajetória da política social: das velhas leis dos pobres ao Welfare State. IN: Pereira. P. Política Social: temas e questões. 3 ed. São Paulo :Cortez, 2011. pp.59a 95. SANTOS, Wanderley Guilherme. Cap 4. Do Laissez-faire repressivo à cidadania em recesso. IN: Cidadania e Justiça. Rio de Janeiro: Ed. Campus, 1979. https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/21255-analfabetismo-cai-em-2017-mas-segue-acima-da-meta-para-2015 https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/21255-analfabetismo-cai-em-2017-mas-segue-acima-da-meta-para-2015 2 5 Adeilza Clímaco Ferreira6 Layana Silva Lima7 Vivian Lúcia Rodrigues de Oliveira8 O DESMONTE DA PROTEÇÃO SOCIAL BÁSICA: UM CONTEXTO DE RETROCESSO SOCIO HISTÓRICO Resumo: O presente estudo versa sobre o desmonte da proteção social básica, com vistas a demonstrar a realidade de retrocesso de suas políticas componentes. Para esse fim, o mesmo resgata os fundamentos da questão social enquanto fomento da criação da proteção social; os avanços da proteção social e por fim o desmonte da proteção social na contemporaneidade. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica de literaturas que se debruçam de forma crítica na historicidade da proteção social. Palavras-chave: fundamentos da questão social, proteção social básica, desmonte das políticas. Abstract: The present study deals with the dismantling of basic social protection, with a view to demonstrating the backward reality of its component policies. To this end, it rescues the foundations of the social question as a fostering of the creation of social protection; the advances of social protection and finally the dismantling of social protection in contemporary times. The methodology used was the bibliographical research of literatures that critically address the historicity of social protection. Keywords: foundations of social issue, basic social protection, disassembly of policies. FUNDAMENTOS DA QUESTÃO SOCIAL E SEU TRATO ATRAVÉS DA PROTEÇÃO SOCIAL O presente artigo busca traçar uma reflexão acerca dos fundamentos da questão social, cujas expressões sofrem intervenção das políticas sociais, as quais revelam um caráter contraditório diante do modo de produção capitalista. Em seguida, estabelece relação entre os direitos sociais enquanto conquistas históricas e a proteção social básica para, adiante, expor os aspectos que têm embasado a conjuntura atual e que têm proporcionado o desmonte das políticas sociais e acarretado num retrocesso socio histórico. Desse modo, pauta-se no método do materialismo-histórico dialético e na revisão bibliográfica para consolidar as análises expostas a seguir. 6 Doutoranda do programa de pós-graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e bolsista CAPES. E-mail: 7 Doutoranda do programa de pós-graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail:layana_limasso@hotmail.com 8 Doutoranda do programa de pós-graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e bolsista CAPES. E-mail: vivianoliveirajp@gmail.com 2 6 Num sistema direcionado pela expansão e movido pela acumulação, a política social possui uma função específica na reprodução social. Embora vivencie-se um sistema que não se importa com as necessidades humanas, à medida em que se produz riqueza, produz-se pobreza e com isso, ocorre a demanda de minimizar os danos provocados pela mesma, seja ela absoluta ou relativa. Para dar conta das expressões da questão social9, a política social tem um duplo caráter: suprir as necessidades da classe trabalhadora e contribuir na manutenção da ordem sem onerar os capitalistas. Desse modo, pode-se inferir que ela é contraditória e está em constante processo de luta de classe. Nesse sentido, entende-se que o fundamento da questão social, a qual requer uma ação específica sobre si, é a lei geral da acumulação capitalista. Esta lei expressa o caráter antagônico da acumulação capitalista e explica a existência de uma população sobrante, a qual é denominada de superpopulação relativa ou exército de reserva. A respeito desta lei, Marx (1988) infere que Quanto maiores a riqueza social, o capital em funcionamento, o volume e a energia de seu crescimento, portanto, também a grandeza absoluta do proletariado e a força produtiva de seu trabalho, tanto maior o exército industrial de reserva. [...], mas quanto maior esse exército industrial de reserva em relação ao exército ativo de trabalhadores, tanto mais maciça a superpopulação consolidada, cuja miséria está em razão inversa do suplício de seu trabalho. Quanto maior, finalmente, a camada lazarenta da classe trabalhadora e o exército industrial de reserva, tanto maior o pauperismo oficial. Essa é a lei geral da acumulação capitalista. Como todas as outras leis, é modificada em sua realização por variadas circunstâncias, cuja análise não cabe aqui (MARX, 1988, p. 200). É justamente esta população sobrante10 que será o público alvo da proteção social básica11, pois embora ela seja para todos de que dela necessite, num contexto de restrição e ajuste fiscal, a orientação é que contemple aquelas pessoas em maior situação de risco e vulnerabilidade social. 9 A “questão social” representa um “[...] conjunto de problemas políticos, sociais e econômicos que o surgimento da classe operária impôs no curso da construção da sociedade capitalista [...]” (NETTO, 2006, p. 17). 10 Maranhão (2008, p. 44) considera que a criação dessa superpopulação relativa precisa ser analisada como elemento necessário ao desenvolvimento capitalista e resultado dessa relação histórica e " [...] não como produto exterior, distúrbio do sistema de produção, ou mera inadequação da gestão estatal [...] ". 11 Cuja finalidade é desenvolver ações de prevenção de risco, buscando fortalecer os vínculos familiares e comunitários. 2 7 Assim, a questão social possui três dimensões: a base material pautada na lei geral da acumulação capitalista, o aspecto político fincado na organização e luta de classe por melhores condições de vida e trabalho e a intervenção estatal sobre essas expressões. É no período do capitalismo monopolista que as expressões da questão social se intensificam e exigem intervenção direta por parte do Estado sobre as mesmas, a qual se dará por meio das políticas sociais (BEHRING e BOSCHETTI, 2007). Caracterizada como direito social, a política social passa por várias reformas e contra-reformas, sendo a mais significativa a que ocorre a partir de 1970, com o avanço do neoliberalismo no contexto brasileiro, financeirização e reestruturação produtiva, que acarretou numa contenção de gastos estatais no âmbito social. Como Behring e Boschetti (2008, p.147) afirmam, o movimento de “[...] obstacularização e/ou redirecionamento das conquistas de 1988 do Estado brasileiro era fortemente difundido sobre o pretexto de que a crise econômica e social vivida pelo país centrava-se na ineficiência orçamentária e administrativa dos setores públicos”. Apesar deste processo de contra-reforma, é pertinente ressaltar que o modelo brasileiro de proteção social não partiu de uma lógica universalista, pois a seletividade sempre esteve presente na sua operacionalização. Segundo Sposati, A perspectiva de universalidade da proteção social mostra-se como confronto com as regras do capital, da acumulação, pois confere significado de igualdade em uma sociedade que, pelas regras do mercado, é fundada na desigualdade. Esse confronto se manifesta em formas múltiplas e permanece presente em contínua luta. Analisar os rumos da proteção social brasileira significa identificar incompletudes cuja superação vem sendo contínua luta social e sindical. A lentidão desse processo em superar suas incompletudes faz com que ao se chegar a uma medida, como a atual inclusão do trabalho doméstico nos direitos trabalhistas, as necessidades e características da sociedadejá reclamam por outro modelo protetivo face, por exemplo, às alterações demográficas e a amplitude que segue ganhado a terceira idade (SPOSATI, 2013, p. 661). Vale salientar que até a Constituição Federal de 1988, a proteção social no Brasil esteve pautada na perspectiva de seguro social. Desse modo, foi a partir da CF 88 que houve a consolidação de uma percepção de proteção social, incluindo a política de assistência social como direito do cidadão e dever do Estado, sendo partícipe do tripé da seguridade social. PROTEÇÃO SOCIAL BÁSICA E CONQUISTAS HISTÓRICAS 2 8 É no decurso dos anos de 1980 e 1990 que a assistência social passou a ser direcionada como política pública constituindo juntamente com a saúde e a previdência social a Seguridade Social brasileira. Todavia, mesmo assumindo um caráter de política pública, o direcionamento da assistência social não possui um caráter universal no direcionamento de suas ações. No ano de 1993 podemos observar os avanços mais significativos no que diz respeito a política de assistência social, sobretudo quando consideramos a aprovação da Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS, por meio da Lei nº 8.742 de 13 de dezembro de 199312, afirmando-a como direito do cidadão e dever do Estado. De acordo com Yasbeck (2009), enquanto política de Estado, a assistência social se constitui-se “como estratégia fundamental no combate à pobreza, à discriminação, às vulnerabilidades e à subalternidade econômica, cultural e política em que vive grande parte da população brasileira” (YASBEK, 2009, p. 20-21), ampliando seu campo de intervenção. No ano de 2004, as novas modificações e alterações culminaram com a aprovação da Política Nacional de Assistência Social – PNAS; em 2005 a Norma Operacional Básica do SUAS – NOB/SUAS, que foi atualizada em 2012, em 2006 a Norma Operacional de Recursos Humanos NOB/RH, bem como a resolução de nº109/2009, na qual dispõe sobre a tipificação nacional dos serviços socioassistenciais que devem ser implementados nos municípios brasileiros considerando a especificidade de cada região. É neste cenário de evolução da presente política que foi implementado no ano de 2005 o Sistema Único de Assistência Social – SUAS passando a se instituir como um sistema público descentralizado, não contributivo, participativo, que direciona a gestão da proteção social no país. Deste modo, ao pensarmos a gestão do SUAS, podemos identificar que [...] está voltado à articulação em todo o território nacional das responsabilidades, vínculos e hierarquia, do sistema de serviços, benefícios e ações de assistência social, de caráter permanente ou eventual, executados e providos por pessoas jurídicas de direito público sob critério de universalidade e de ação em rede hierarquizada e em articulação com iniciativas da sociedade civil (COUTO, YAZBEK e RAICHELIS, 2010, p. 38). É com as prerrogativas da PNAS e do SUAS que a proteção social passou a ser pensada de forma diferenciada sendo dividida entre proteção social básica e proteção social 12 De acordo com o artigo 01, “a assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas”. 2 9 especial (de média e alta complexidade). A proteção social básica, foco analítico da presente reflexão, tem como elemento norteador formas de prevenção objetivando desenvolver ações que contribuíam para a inclusão social, fortalecimentos dos vínculos familiares e comunitários, e acesso aos serviços nos seus territórios. Conforme as prerrogativas da PNAS, suas ações são destinadas a, [...] a população que vive em situação de vulnerabilidade social, decorrentes da: pobreza, privação (ausência de renda, precária ou nulo acesso aos serviços públicos), fragilização dos vínculos afetivos – relacionais e de pertencimento social (discriminações etárias, étnicas, de gênero ou por deficiência, entre outras) (SILVA, 2013, p. 05). Para tanto, seus serviços são executados no Centro de Referência de Assistência Social – CRAS, uma vez que, trata-se de [...] um equipamento público estatal de base territorial que estrutura a Atenção Básica, tem como objetivo contribuir para a prevenção e o enfrentamento de situações de vulnerabilidade social; a inclusão de grupos e/ou indivíduos em situação de risco social nas políticas públicas, no mundo do trabalho e na vida comunitária e societária, tem como função prioritária proteger as famílias, seus membros e indivíduos, cujos direitos fundamentais já se encontrem violados, mas que mantém os vínculos ou laços de pertencimentos familiar. Para atender a estes propósitos, o CRAS, segundo a PNAS, deve implementar ações intersetoriais para promoção da proteção social destas famílias em situação de vulnerabilidade social (SILVA, 2013, p. 06). Cabe destacar que o CRAS possui duas funções exclusivas, sendo elas: gestão territorial da rede socioassistencial local e a execução do Serviço de Proteção e Atendimento Integral a Família - PAIF. Este, foi instituído através da portaria nº78 em abril de 2004 pelo Ministério do Desenvolvimento Social – MDS e em maio do mesmo ano passou a integrar a rede de serviços socioassistenciais de ação continuada e se constituindo como principal programa da proteção social básica como atribuições de oferta de serviços e ações básicos continuados destinados a famílias e indivíduos em situação de vulnerabilidade social. Por meio deste serviço são prioritários no atendimento, os beneficiários que atendam aos critérios de participação de programas de transferência de renda e benefícios assistenciais, além de pessoas com deficiência e pessoas idosas que vivenciam situações de fragilidade. E suas atividades contam com a oferta de oficinas de convivência, grupos, acompanhamento familiar dentre outras. Essas atividades contribuem para a proteção social de forma integral. Diante o exposto, podemos sinalizar que os avanços que instituíram a assistência social enquanto política pública são um dos principais desafios a serem enfrentados no país, 3 0 sobretudo quando consideramos o contexto social, político e econômico e cultural no qual o país tem vivenciado, sobretudo a partir dos anos de 1990. Do mesmo modo, os serviços de proteção social básico, no âmbito dos municípios brasileiros encontram dificuldades para a realização efetiva no direcionamento dos seus serviços. São eles elementos que buscaremos retratar no item a seguir. CONTEXTO CONTEMPORÂNEO E O DESMONTE DA PROTEÇÃO SOCIAL Os avanços trazidos com a Constituição de 1988 no Brasil são imensuráveis, visto que o país possui uma dívida histórica com seu povo em relação a implementação dos direitos, sejam eles políticos, civis ou sociais. As relações de trabalho instauradas desde a formação sócio-histórica foram pautadas em coesão, fato que repelia qualquer forma de legitimação com vistas à noção de direitos. O advento da proteção social no Brasil estabeleceu pela a primeira vez no país o acesso da população aos direitos mais basilares da cidadania. Os brasileiros tiveram assegurados via constituição direitos universais, a exemplo da saúde, à previdência social, via contribuição e a assistência social, para quem dela necessitar dos mínimos sociais operacionalizados pelo Estado13. Contudo, a legitimação e implementação da proteção social no país se deu em uma conjuntura desfavorável para sua materialização de forma ampla, pautada nos preceitos de cidadania. Tratava-se do momento de ingresso de forma intensa das orientações neoliberais, que traziam por primazia o desmonte das políticas sociais no sentido amplo, sendo assegurado apenas o caráter paliativo e emergencial que as contornamde forma contraditória ao expresso na Carta Magna. Assim, os Estados Nacionais passam a ser conduzidos por diretrizes que fomentem áreas que promovem rentabilidade para o capital, ao passo que se ver impelido a onerar o orçamento voltado ao financiamento das políticas públicas, sobretudo as componentes da seguridade social (BEHRING, 2008). Sob as exigências impostas aos países dividendos da dívida pública, os organismos internacionais, a exemplo do Fundo Monetário Internacional – FMI, coloca uma série de orientações aos Estados. Tais orientações tendem a desconstruir à lógica das políticas públicas 13 É importante ressaltarmos que a noção de direito firmada na Constituição vai contra a perspectiva paternalista ou caritativa que vinham sendo realizadas anteriormente. 3 1 em prol do direcionamento de parte do seu orçamento para o pagamento da dívida. Isso resulta em políticas inoperantes segundo o promulgado via constituição. O comprometimento do orçamento das políticas de seguridade social faz com que ocorra uma intensa fragilidade no processo da materialização dos direitos da população. As políticas perdem o caráter de integralidade e se voltam ao atendimento de casos emergenciais pautados da seletividade dos pobres entre os mais pobres, sendo os direitos acessados por via de judicialização, a exemplo da saúde. A população inserida na realidade de desemprego14 e recorrência a informalidade não consegue adquirir meios satisfatórios no provimento de suas necessidades sociais, fato que faz recorrer cada vez mais a seguridade sociais que encontra-se em processo de desmonte. Assim, os usuários ao buscarem os direitos sociais se deparam com uma realidade de seletividade, que tende a reportar sob as pessoas que não se enquadra no “perfil de acesso” a responsabilidade da superação de sua realidade de vulnerabilidade. Assim, são fomentados pelo governo programas pautados no empreendedorismo, porém sem voltar na absorção das pessoas no mercado de trabalho15. Desse modo, o não acesso aos direitos via proteção social traz o agravamento dos reflexos da questão social na contemporalidade, da qual sua reconfiguração sinaliza uma intensificação e complexificação. (IAMAMOTO, 2015). No tocante a assistência social, da qual traz o salto histórico de ser negligenciada pelos governos, sendo somente vista como direito somente a partir de 1988, a contração orçamentária contribui para o ingresso de práticas conservadora, voltadas para a moralização da questão social, como se as pessoas que possuem sua existência dependente dos programas de transferência de renda tivessem nessa condição por opção. Assim, os beneficiários são marginalizados por parte da sociedade ao passo que se submetem ao cotidiano de fiscalização empreendido pelo governo. Tal visão não considera o desemprego estrutural, e que por conta das oportunidades que os usuários dessa política não possuem, dificilmente irão ingressar no mercado formal de trabalho. Já a saúde vem sofrendo a perda de sua universalidade, sendo sucateada em detrimento do alavancamento do setor privado, a exemplo dos processos de privatizações. Os níveis de proteção são comprometidos, sendo ressaltado o caráter básico, que atualmente não abrange a perspectiva de proteção e promoção, e a complexidade é direcionada ao setor 14 As metamorfoses no mundo do trabalho tende a repeli cada vez mais a população empobrecida do mercado de trabalho, sobretudo os jovens, mulheres e negros. 15 Partimos do entendimento que o globo vivencia a realidade de desemprego estrutural, ou seja, na contração cada vez mais de postos de trabalho. 3 2 privado, por ser mais rentável. A previdência social vivencia um contexto de contrarreforma que alarga o fosso do cidadão do seu direito de aposentadoria, bem como contribui para induzir a população a recorrer as previdências privadas. Assim, os contribuintes não possuem a seguridade previdenciária, devem estender seu tempo de contribuição/trabalho sem ter a ressalva de garantia na velhice. É importante ressaltarmos que as políticas ora elucidadas se complementam entre si, que uma vez um ingresso fragilizado em uma determinada política compromete a seguridade dos cidadãos, fato que limita a vivencia da cidadania e contribui para a intensificação dos reflexos da questão social. Isso posto, podemos entender que a não preocupação em prover níveis de seguridade social a população por parte do Estado compromete a qualidade de vida da nação, que adentra em relações de vulnerabilidade. Assim, é perceptível que os avanços do neoliberalismo incidem no processo de erosão da proteção social no Brasil, que ainda que recente na história secular da nação trouxe acesso a cidadania para a população que historicamente era repelida dos direitos. Essa realidade demonstra a necessidade de resistência da população contra as medidas de austeridades implementadas pelo grande capital, que em prol de sua valorização reporta para a população o ônus de sua reprodução. CONSIDERAÇÕES FINAIS Compreender os fundamentos da questão social torna-se pertinente, pois permite o entendimento acerca dos limites e possibilidades das políticas sociais e sua efetividade. Desde a sua idealização, a proteção social encara grandes desafios, mas não se deve perder de vista as conquistas que a constituição federal brasileira de 1988 trouxe. O atual contexto de reformas que coloca em xeque os direitos da classe trabalhadora, fazer com que as políticas da seguridade social estejam articuladas torna-se uma necessidade urgente e um entrave para a efetivação dos direitos sociais consolidados na CF 88. Os avanços neoliberais mostram hostis aos preceitos de cidadania, desconfiguram o caráter de seguridade e o volta ao emergencial pautado em ações paliativas e reforçadoras do conservadorismo. Assim, a contemporaneidade demonstra a emergência da organização política por parte da população no empreendimento de lutas em prol das conquistas históricas expressas na seguridade social brasileira. Tal tarefa é vital para o sustentáculo dos princípios de cidadania que o capital tende a erodi, repelindo as pessoas a seara de total desproteção frente ao processo de desigualdade gestado por sua lógica. 3 3 Referências Bibliográficas BEHRING, E. R.; BOSCHETTI, I. Política social: fundamentos e história. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2007. ______. Política social no Brasil contemporâneo: entre a inovação e o conservadorismo. In: ______. (org.). Política Social: fundamentos e história. 5 Ed. São Paulo: Cortez, 2008. BRASIL. Lei n. 8.742 de 7 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da assistência social e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8742.htm. Acesso em 03 de set. 2019. COUTO, B. R. YASBEK, C.; SILVA E SILVA, M. O. da; RAICHELIS, R. O Sistema Único de Assistência Social no Brasil: uma realidade em movimento. SãoPaulo: Cortez, 2010. 301 p. IAMAMOTO, M. V. Serviço social em tempo de capital fetiche: capital financeiro, trabalho e questão social. ed.9ª São Paulo: Cortez, 2015, 495p. MARANHÃO, C. H. Capital e superpopulação relativa: em busca das raízes contemporâneas do desemprego e do pauperismo. In: Trabalho e Seguridade Social: percursos e dilemas. BEHRING, E. R.; ALMEIDA, M. H. T. de. (orgs.). São Paulo: Cortez; Rio de Janeiro: FSS/UERJ, 2008, p. 38-58. MARX, K. O Capital: crítica da economia política. L. I. Vol. I. 3º ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988. NETTO, J. P. capitalismo monopolista e Serviço Social. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2006. SPOSATI, A. Proteção social e seguridade social no Brasil: pautas para o trabalho do assistente social. IN: Revista Serviço Social e Sociedade. São Paulo: Cortez, n. 116. 2013. YASBEK, M. C. O significado sócio-histórico da profissão. In: Serviço Social: direitos sociais
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