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Júlia Figueirêdo – MEDICINA LEGAL (2020) ASFIXIAS MECÂNICAS: A asfixia mecânica é a síndrome caracterizada pelos efeitos da ausência do oxigênio no ar por impedimento mecânico (bloqueio entre o ar atmosférico e o pulmão) e violento nas mais variadas situações. Tal privação pode ser completa ou incompleta (depende da gravidade da situação), rápida ou lenta (dependente da velocidade de instalação), de origem interna (de interesse para a medicina clínica) ou externa (relevante para a medicina legal). Esse tipo de asfixia pode ser classificado em: Asfixia pura: são manifestadas pela hipóxia e pela hipercapenia; Asfixia complexa: resulta da interrupção da circulação cerebral, manifestada também por hipóxia e hipercapenia, tendo como causas a compressão de elementos nervosos do pescoço; Asfixia mista: apresenta graus variados de apresentação de sequelas nervosas, respiratórias ou vasculares. De forma geral, as asfixias contam com sinais de caráter externo e externo, que podem ser descritos por: Sinais externos: o Cianose facial e de leitos ungueais; o A máscara equimótica, pode indicar asfixia, porém é necessário se ater à história clínica anterior ao óbito, uma vez que pode também ser resultante de quadros como o infarto agudo do miocárdio. o Língua protusa; o Petéquias na pele ou em mucosas; o Cogumelo de espuma (criado por meio da penetração de fluidos na árvore brônquica, típica do afogamento). Sinais internos: o A Tríade Asfíxica corresponde a sinais internos presentes em quase todas as modalidades desse quadro, sendo formada por: Sangue fluido, geralmente escuro; Congestão poli-visceral (sinal de Etienne-Martin), é decorrente da falência cardíaca que precede a morte (sobrecarga hepática, por exemplo). Representa um sinal de difícil identificação e caracterização; Equimose ou mancha de Tardieu, encontrada nas regiões subconjuntival, sub-pleural e subepicárdica. O processo de instalação da asfixia se divide em fases, a saber: Dispneia inspiratória: o Dura cerca de um minuto; o Há grande esforço (em indivíduos conscientes) para receber oxigênio; o É reflexo da hipoxemia. Dispneia expiratória: o Persiste por 2 a 3 minutos; o O indivíduo perde gradualmente a consciência, podendo apresentar convulsões; o É resultado da hipercapenia. Esgotamento: o Se estende por 2 a 3 minutos; o O indivíduo encontra-se inconsciente; o Ocorre a parada respiratória, sinal de morte aparente. Morte. ASFIXIAS PURAS: Júlia Figueirêdo – MEDICINA LEGAL (2020) A asfixia pura pode ser causada por três grupos principais de situações, a saber: Contato com gases irrespiráveis: o Confinamento; o Exposição ao monóxido de carbono. Obstrução à penetração do ar nas vias aéreas: o Sufocação direta e indireta. Substituição do ar por outros meios: o Soterramento; o Afogamento. CONFINAMENTO: O confinamento pode ser definido como a permanência em um ambiente restrito ou fechado, no qual não há condições de renovar o ar respirável. Há discordâncias quanto ao mecanismo causador de óbito nessa condição, com embates entre a teoria química, que defende a alteração do caráter dos gases, e a teoria física, que atesta a alteração da temperatura como critério determinante. Na maioria dos casos, os óbitos são acidentais, podendo haver a presença de lesões de defesa, que indicam tentativas por parte da vítima em escapar do local. MONÓXIDO DE CARBONO: A exposição a níveis excessivos de monóxido de carbono (CO) é prejudicial ao organismo, uma vez que esse composto, ao ter contato com os glóbulos vermelhos, produz carboxiemoglobina, impedindo permanentemente o aporte de oxigênio por essas células. Os indícios que corroboram a hipótese de asfixia por CO num cadáver são a presença de face rosada, sangue vermelho carmim e fluido, comprometimento da circulação, formando depósito de líquido, pulmões vermelhos, rigidez tardia e de menor duração, e retardo da putrefação. A pesquisa de monóxido de carbono diluído no sangue acumulado no coração também é um mecanismo eficiente de comprovar a causa da morte. É válido ressaltar que, para esse método de asfixia, a causa geralmente é o suicídio, em oposição ao método supracitado. OBSTRUÇÃO À PENETRAÇÃO DO AR NAS VIAS AÉREAS: Nessa categoria de asfixia estão incluídos os mecanismos que interferem de alguma forma na passagem do oxigênio inspirado em direção aos pulmões, sendo subdividida em: Sufocação direta: há o tamponamento das vias respiratórias de condução, podendo ser descrita por duas categorias: o Oclusão da boca e das fossas nasais: É quase sempre criminosa, sendo comum no infanticídio; Nesse tipo de asfixia, nota-se uma desproporção grande de força entre o agressor e a vítima, que pode ser deixada com marcas na face caso essa restrição seja feita com as mãos (é possível identificar as polpas digitais). o Oclusão das vias respiratórias: A maioria dos óbitos por essa modalidade de asfixia é acidental, sendo bastante rara em Júlia Figueirêdo – MEDICINA LEGAL (2020) apresentações suicidas e homicidas; Popularmente é conhecida como “engasgamento”, sendo causada por um grande número de corpos estranhos e até mesmo por condições pré-existentes (ataque epilético, embriaguez). Sufocação indireta: diz respeito à compressão do tórax, como na congestão compressiva de Perthes ou em fraturas costais múltiplas, que impede os movimentos respiratórios. o Pode também ocorrer de forma acidental, como por meio de pisoteamento por multidões, acidentes de trânsito com indivíduos presos a ferragens, compressões contra grades ou por pesos que desabam sobre pessoas. SOTERRAMENTO: O soterramento pode ser definido como a obstrução das vias aéreas por terra ou outras substâncias pulverulentas, que são também encontradas na boca, no esôfago e no estômago. Geralmente, esse quadro está associado a outras lesões traumáticas, sendo, em sua maioria, acidentais (desabamento ou desmoronamento), com rara frequência em suicídios ou homicídios. AFOGAMENTO: O afogamento é a condição na qual o ar respirável é substituído por meio líquido ou semilíquido, não sendo necessária submersão total do corpo da vítima para que ocorra esse fenômeno. Juridicamente, verifica-se que as causas são frequentemente acidentais, raramente homicidas e às vezes suicidas. A fisiopatologia do afogamento é resultado da combinação de três etapas, a saber: Defesa: há apneia voluntária com manutenção da consciência; Resistência: movimentos reflexos são observados, seguidos por perda da consciência e movimentos inspiratórios profundos, que preenchem os pulmões com líquido; Exaustão: há hipóxia cerebral, com parada total da respiração (morte aparente) e dos reflexos, seguida por parada circulatória (morte real). As vítimas desse fenômeno dividem-se em afogados azuis ou úmidos, que apresentam coloração cianótica e líquidos nas vias aéreas (“afogado verdadeiro”), e afogados brancos ou secos, que correspondem a 2% dos óbitos, nos quais não há a presença de obstrução. Nesse último caso, a morte ocorreu no meio líquido, porém o processo que desencadeou o óbito foi independente desse ambiente. O corpo, caso esteja submerso, pode sofrer lesões após o óbito decorrentes do arrastamento deste pelo meio (ex.: correnteza de um corpo d’água). A disposição desses padrões é decorrente do posicionamento do organismo, que apresenta a pelve elevada, a coluna vertebral encurvada e o polo cefálico em maiores profundidades devido à diferença de densidade entre essas regiões. Além dessas lesões provocadas pelo arrastamento, é possível observar outros sinais internos e externos associadosao afogamento: Sinais internos: o Presença de líquido ou corpos estranhos nas vias aéreas; Júlia Figueirêdo – MEDICINA LEGAL (2020) o Lesões pulmonares (enfisema aquoso sub-pleural e equimoses subpleurais, como as manchas de Tardieu e Paltauf); o Diluição sanguínea; Hemorragia temporal; Hemorragia etmoidal. o Presença de líquidos no aparelho digestivo e no ouvido médio; o “Mãos de lavadeira” (ondulação da epiderme dos dedos). Sinais externos: o Baixa temperatura da pele; o Pele anserina (contração geral dos músculos piloeretores, causando “arrepiamento”); o Retração mamilar, escrotal e peniana; o Livores avermelhados no cadáver; o Cogumelo de espuma mais evidente; o Erosão dos dedos das mãos e corpos estranhos sobre as unhas; o Equimoses na face e na conjuntiva; o Lesões post mortem causadas por animais. A flutuação também deve ser considerada na análise de um cadáver com suspeita de afogamento. Esse fenômeno apresenta distintas apresentações, a saber: Primeira imersão: nesse momento, a densidade do corpo é maior que a da água. Ocorre ingestão e aspiração de líquidos; Primeira flutuação: é devida à putrefação, havendo a formação de gases e a diminuição da densidade corporal, estendendo-se de 24 horas a 5 dias; Segunda imersão: ocorre pela ruptura de tecidos moles e da pele, com o esvaziamento dos gases; Segunda flutuação: decorre da formação da adipocera, substância gordurosa de consistência cerosa que é formada por tecidos animais em decomposição, havendo redução do peso específico do corpo. ASFIXIAS COMPLEXAS: As asfixias complexas dizem respeito às constrições cervicais, podendo ser causadas por enforcamento, estrangulamento ou esganaduras. ENFORCAMENTO: O enforcamento corresponde à constrição do pescoço por um laço fixo, tendo como agente lesivo o peso corporal da própria vítima. A etiologia mais comum desse evento é o suicídio. As lesões decorrentes do enforcamento têm múltiplas áreas de intercorrência, graças à densa estrutura de vasos, músculos e nervos. Os principais sinais internos encontrados são: Hemorragia da adventícia da carótida; Júlia Figueirêdo – MEDICINA LEGAL (2020) Laceração da camada íntima da carótida; Fratura do hioide; Ruptura das cordas vocais; Lesão nas veias jugulares; Lesões em nervos; Fratura ou luxação das vértebras C1 e C2; Ruptura e hemorragia da musculatura cervical. Dois mecanismos combinados, o vascular e o respiratório, resultam na morte, sendo o primeiro o mais importante, ocorrendo devido à impossibilidade de manter o fluxo sanguíneo cerebral por conta do laço. Caso haja uma queda longa (maior que 1,5m), o óbito é decorrente da fratura da coluna cervical, porem em situações sem essa diferença de altura, a morte ocorre após 5 a 10 minutos, período de tempo muito maior que os 10 segundos necessários para a perda de consciência. Sobre a suspensão do corpo, esta pode ser típica (chamada também de completa), quando não há nenhum ponto de apoio para o organismo, ou atípica (conhecida como incompleta), na qual há apoio de qualquer parte do corpo. O tipo de laço é bastante variável, porém o posicionamento de seu nó é bem estabelecido, estando na região posterior ou lateral do pescoço, raramente anteriorizado. Alguns aspectos do exame físico do cadáver devem ser pontuados, a saber: Aspecto geral: o Cabeça voltada para o lado oposto ao nó; o Face branca ou arroxeada; o Espuma sanguinolenta em boca e narinas, língua cianótica e projetada para fora, pavilhão auricular violáceo, olhos protrusos e otorragia ocasional; o Membros estendidos ao longo do corpo; o Manchas de hipóstase na metade inferior do corpo; o Equimoses post-mortem. Sinais externos: o Suco típico, de formato oblíquo (de baixo para cima e de frente para trás. A marca desse sulco é variável conforme a região do pescoço; O sulco pode ou não ser interrompido pela presença do nó; Sua coloração e profundidade são variáveis. Sinais internos (já descritos anteriormente). ESTRANGULAMENTO: O estrangulamento pode ser definido como a constrição do pescoço por um laço acionado por forças estranhas ao organismo da vítima. Nesses casos, a natureza jurídica é sempre de cunho homicida. Júlia Figueirêdo – MEDICINA LEGAL (2020) Para diferenciar esse quadro do enforcamento, é necessário observar o sulco formado pelo laço, que numa lesão por estrangulamento é horizontal, contínuo e uniforme ao longo do pescoço (podem ser múltiplos, decorrentes do enrolamento de uma corda), situado abaixo da cartilagem tireoide, diferindo da marcação oblíqua do cenário supracitado. A causa da morte é principalmente respiratória, devido ao estreitamento da traqueia, porém acometimentos nervosos e circulatórios também são encontrados. ESGANADURA: A esganadura é causada pela constrição do pescoço pelas mãos, sendo sempre homicida devido à impossibilidade de suicídio e acidente. Os sinais gerais são semelhantes aos das outras formas de asfixia complexa, porém é possível observar escoriações e marcas ungueais do agressor na pele do pescoço da vítima. Enforcamento Estrangulamento Oblíquo ascendente Horizontal Variável no pescoço Uniforme no pescoço Interrompido no nó Contínuo Em geral único Frequentemente múltiplo Acima cartilagem tireóide Abaixo cartilagem tireóide Quase sempre apergaminhado Excepcionalmente apergaminhado Profundidade desigual Profundidade uniforme
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