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Robert Whitaker - Anatomia de Uma Epidemia Pílulas Mágicas, Drogas Psiquiátricas e o Aumento Assombroso da Doença Mental (2010)

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ANATOMIA DE 
UMA EPIDEMIA 
Pílulas Mágicas, Drogas Psiquiátricas e o 
Aumento Assombroso da Doença Mental 
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ 
Presidente 
Nísia Trindade Lima 
Vice-Presidente de Educação, Informação e Comunicação 
Manoel Barrai Netto 
Editora Fiocruz 
(Gestáo 2017-2020) 
Diretor 
Manoel Barrai Netto 
Editor Executivo 
João Carlos Canossa Mendes 
Editores Científicos 
Carlos Machado de Freitas 
Gilberto Hochman 
Conselho Editorial 
Denise Valle 
José Roberto Lapa e Silva 
Kenneth Rachel de CamargoJr. 
Ligia Maria V ieira da Silva 
Marcos Cueto 
Maria Cecília de Souza Minayo 
Marilia Santini de Oliveira 
Moisés Goldbaum 
Rafael Linden 
Ricardo Ventura Santos 
ANATOMIA DE 
UMA EPIDEMIA 
Pílulas Mágicas, Drogas Psiquiátricas e o 
Aumento Assombroso da Doença Mental 
Robert Whitaker 
Tradução 
Vera Ribeiro 
(psicanalista) 
Revisão técnica 
Paulo Amarante 
Fernando Freitas 
1 ª reimpressão 
EDITC>RA 
FIOC::::RUZ 
Copyright© 2017 do autor 
Originalmente publicado em inglês sob o título 
Anatomy of an Epidemie: magic bullets, psychiatric drugs, and the astonishing 
rise efmental illness inAmerica (Broadway Paperbacks, 2010) 
Direitos para a língua portuguesa reservados com exclusividade para o Brasil à 
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ/ EDITORA 
l ª edição: 2017 
1 ª reimpressão: 20 I 7 
Revisão 
Irene Ernest Dias 
Índice 
Clarissa Bravo 
Capa 
A partir da capa da edição original, criada por Laura D,gjy sobre ilustração de © Dietrich Madsen/Getty Images 
Projeto gráfico e editoração 
Daniel Pose 
Produção gráfico-editorial 
Phelipe Gasiglia 
Catalogação na fonte 
Fundação Oswaldo Cruz 
Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde 
Biblioteca de Saúde Pública 
W5 78a Whitaker, Robert 
Anatomia de uma epidemia: pílulas mágicas, drogas psiquiátricas e o aumento 
assombroso da doença mental. / Robert Whitaker; tradução de Vera Ribeiro. - Rio 
de Janeiro: Editora Fiocruz, 2017. 
421 p.: il.; tab. 
ISBN, 978-85-7541-492-7 
1. Transtornos Mentais - terapia. 2. Psiquiatria. 3. Reforma dos Serviços 
de Saúde. 4. Epidemias. 5. Surtos de Doenças. 6. Saúde Mental. 
7. Esquizofrenia. 8. Doença Crônica.!. Título. 
2017 
EDITORA FIOCRUZ 
Av. Brasil, 4.036, térreo, sala 112 - Manguinhos 
21040-361 - Rio de Janeiro, RJ 
Tek (21) 3882-9039 e 3882-9041 1 Telefax, (21) 3882-9006 
E-mail: editora@fiocruz.br I www.fiocruz.br/editora 
CDD - 22.ed. - 362.2 
Editora filiada 
l■■I 
ASSOCIAÇÃO EIRASIJ.SRA 
DAS EDITORAS UNIVERSITÃIUAS 
Sumário 
Prefácio à edição brasileira ...................................................................................... 9 
Apresentação........................................................................................................... 15 
p ARTE I -A EPIDEMIA 
1. Uma Praga Moderna .......................................................................................... 21 
2. Reflexões Experienciais .. , .................................................................................. 31 
PARTE II-A CIÊNCIA DAS DROGAS PSIQUIÁTRICAS 
3. As Raízes de uma Epidemia .............................................................................. 55 
4. As Pílulas Mágicas da Psiquiatria ..................................................................... 63 
5. A Caçada aos Desequilíbrios Químicos ............................................................ 81 
PARTE III - REsULTADOS 
6. Revelação de um Paradoxo ............................................................................... 1 O 1 
7. A Armadilha das Benzodiazepinas ................................................................... 137 
8. Uma Doença Episódica Torna-se Crônica ....................................................... 159 
9. O Crescimento Explosivo do Transtorno Bipolar ........................................... 183 
10. Explicação de uma Epidemia .......................................................................... 215 
11. A Epidemia Disseminada entre as Crianças ................................................. 225 
12. Quando os Jovens Sofrem ............................................................................... 255 
L 
p ARTE IV - EXPLlCAÇÃO DE UMA ILUSÃO 
!3. A Ascensão de uma Ideologia ..................................................................... 27! 
!4. A História que Foi... e Não Foi Contada .................................................... 29! 
15. Contabilizando os Lucros ............................................................................ 32 1 
PARTE V - SOLUÇÕES 
!6. Projetos de Reforma .................................................................................... 339 
Epílogo ................................................................................................................. 367 
Notas .................................................................................................................... 369 
Agradecimentos .................................................................................................. 40 l 
Índice ................................................................................................................... 403 
Prefácio à edição brasileira 
É com enorme satisfação e honra que prefaciamos este livro do jornalista 
estadunidense Robert Whitaker que, já traduzido em mais de uma dezena de 
idiomas, finalmente chega às mãos do leitor de língua portuguesa. Desde 201 O, 
quando foi publicado nos Estados Unidos,Anatomia de uma Epidemia tem tido uma 
repercussão gigantesca nos diversos cantos do mundo, seja no meio acadêmico, entre 
profissionais da saúde em geral, entre pacientes psiquiátricos autodenominados 
vítimas ou sobreviventes da psiquiatria, ou mesmo entre os psiquiatras, embora 
não nos surpreenda que a maioria ainda reaja ao seu conteúdo. 
Nosso interesse pelo pensamento de Whitaker foi despertado pela leitura 
de um artigo de Mareia Angell publicado no número 59 da revista Piauí, em 
agosto de 2011. O artigo, com o sugestivo título "A epidemia da doença mental", 
é norteado por uma questão, por si própria, bastante intrigante: por que cresce 
assombrosamente o número de pessoas com transtornos mentais e de pacientes 
tratados com antidepressivos e outros medicamentos psicoativos? Após haver lido 
os dois livros de Whitaker sobre psiquiatria até então publicados -Mad in America 
e Anatonry of an Epidemie-, como membros da diretoria da Associação Brasileira de 
Saúde Mental (Abrasme) não poupamos esforços para trazê-lo ao Brasil para dois 
eventos de grande porte organizados pela entidade: o 3° Congresso Brasileiro de 
Saúde Mental, realizado em Manaus em 2014, e o 2° Fórum Brasileiro de Direitos 
Humanos e Saúde Mental, emJoão Pessoa, em 2015. As contribuições trazidas por 
Whitaker foram impactantes. 
Como jornalista investigativo, Whitaker ganhou vários prêmios importantes 
nos Estados Unidos e tem larga experiência em editorias de periódicos científicos 
em medicina. Em Anatomia de uma Epidemia ele assume o desafio de decifrar um 
9 
enigma: está havendo um crescimento vertiginoso de pessoas diagnosticadas com 
algum transtorno mental, com parte considerável da população entrando em 
tratamento psiquiátrico e não se curando com as abordagens psicofarmacológicas; 
muito pelo contrário, ficam mais doentes e dependentes da psiquiatria. Ora, essa 
realidade contraria o pensamento dominante segundo o qual a psiquiatria tem 
tido enorme progresso científico nos últimos cinquenta anos. 
Essa problemática não pode deixar de nos inquietar. Particularmente a 
nós, brasileiros, que temos um processo de reforma psiquiátrica reconhecido 
internacionalmente. Ao deslocar a assistência para o território e oferecer aos 
usuários dos serviços públicos cuidados baseados em abordagens psicossociais, 
temos tido êxito em diminuir significativamente o número de pessoas tratadas 
em hospitais psiquiátricos. Não obstante, verificamos que aqui no Brasil vem se 
produzindo um fenômeno em muito assemelhado ao que se passana maioria das 
sociedades que não contam com uma reforma da assistência tão radical como a que 
temos obtido com muitas lutas. Trata-se do crescimento vertiginoso do número de 
pessoas que são diagnosticadas com algum transtorno mental e não conseguem 
deixar de ser pacientes (usuários) da assistência psiquiátrica. 
Por que isso ocorre? Por que os ''transtornos mentais", como as psicoses, os 
transtornos depressivos, os transtornos de ansiedade, e assim por diante, são 
doenças crônicas em sua maioria? Será que é porque os serviços são carentes 
de recursos humanos, físicos, técnicos ou financeiros? Se assim for, a dimensão 
da "epidemia" é muito maior ainda, porque não faltam relatos de pesquisas a 
afirmarem que há subnotificação diagnóstica, que haveria muito mais pessoas 
que deveriam estar em tratamento se os profissionais estivessem mais bem 
formados academicamente. Será que vivemos uma "epidemia" de transtornos 
mentais de fato? 
O senso comum diz que sim! O impactante na leitura de Anatomia é que 
vários dos fundamentos que sustentam esse senso comum são ilusórios! São mitos 
criados com nenhuma ou pouca fundamentação científica. 
Whitaker nos motiva a refletir profundamente e com coragem sobre o que 
está errado e não sabemos dizer o que é. Guiados pelo senso comum, fazemos 
esforços para escapar dessa "epidemia", mas não podemos. Nosso sofrimento e o 
do outro - depressão, psicoses, dificuldades de relacionamento, insônia, ou medo -
precisa ser compreendido. Tentamos de todas as maneiras negar o sofrimento! 
E quando buscamos um médico, uma orientação, um suporte afetivo-emocional, 
10 
é-nos apresentado um determinado diagnóstico, quase sempre acompanhado 
por uma droga psiquiátrica. O enigma é: por que continuamos a sofrer, física, 
fisiológica e/ou psicologicamente? Por que o sofrimento parece ficar ainda mais 
acentuado com as formas de tratamento hegemônicas? 
O primeiro mito abordado por Whitaker é o de que, graças aos avanços 
científicos das últimas décadas, a sociedade conta, cada vez mais, com diagnósticos 
psiquiátricos precisos, com protocolos de intervenção objetivos e confiáveis, 
capazes de identificar problemas que até então ou não eram percebidos ou 
eram abordados de forma não científica, os quais devem orientar o tratamento 
adequado. Por conseguinte, não é surpresa que o número de pessoas com algum 
"transtorno mental" esteja sempre aumentando. Sendo isso quase s_enso comum 
entre nós, o desafio maior seria dotar o sistema de saúde de capacidades para dar 
conta·das demandas (das quais uma parte significativa ainda estaria reprimida!). 
Whitaker desconstrói esse mito recapitulando a história das maneiras como 
a psiquiatria tem tornado problemas normais, usuais - comuns ao cotidiano da 
maioria das pessoas - em "transtornos mentais". Em sua desconstrução, adota a 
própria lógica que supostamente sustenta o discurso psiquiátrico: a das evidências 
científicas. Com a leitura do livro, a cada página somos surpreendidos com a 
constatação de que faltam justamente evidências científicas para a construção das 
categorias de diagnóstico. As sucessivas revisões doDiagnostic and Statistical Manual 
of Mental Disorders (DSM), dizem os seus formuladores, apenas tornam oficial o 
que é observado na prática. Dizem ainda que a causa dos transtornos mentais é 
essencialmente biológica, e por isso mesmo a medicação psiquiátrica é essencial. 
Quer dizer, historicamente o que a psiquiatria tem feito é primeiro nomear 
transtornos para depois buscar causas biológicas. A lógica que fundamenta a 
construção desses manuais é que se um número importante de clínicos sente que 
determinada categoria de diagnóstico é importante em seu trabalho, então essa 
categoria merece estar no manual (muito em particular noDSM, objeto de análise 
de Whitaker). As sucessivas versões doDSM têm como questão saber o quanto de 
consenso há para se reconhecer e incluir um transtorno mental qualquer. Porém, 
para a ciência acordo não necessariamente significa verdade. 
O segundo mito é o de que as drogas psiquiátricas íniciaraffi um extraordinário 
avanço científico. Para a visão oficial, a introdução da clorpromazina na medicina 
asilar em 1955 foi o ponto de partida para uma revolução na psiquiatria, 
comparável à introdução da penicilina na medicina. E em 1989, com a introdução 
dos medicamentos da segunda geração, argumenta-se que ocorre uma nova 
li 
etapa revolucionária. Com "transtornos mentais" bem definidos e medicamentos 
adequados para atingir o "alvo", eis que nós, contemporâneos, podemos, cada vez 
mais, nos ver livres do "sofrimento psíquico" - é o que nos fazem pensar! Ora, 
quando se faz um tratamento para determinada doença, o que se espera é que esta 
desapareça ou pelo menos seja submetida a controle. No entanto, cada vez mais há 
mais pessoas "doentes mentais" e em tratamento por médio e longo prazos. 
Como o medicamento psiquiátrico age no cérebro? Segundo a teoria, há 
um desequilíbrio químico subjacente a cada ''transtorno mental". Por exemplo, 
a teoria da dopamina para a esquizofrenia e da serotonina para a depressão. Não 
obstante essa crença, há muito poucas evidências científicas a confirmar tal teoria. 
Ao contrário, o que aparece são- evidências que a desmentem. O que cada vez mais 
tem ficado evidente é que as drogas psiquiátricas criam perturbações nas funções 
dos neurônios; temporárias, mas desgraçadamente muitas vezes definitivas. 
O que explicaria a razão pela qual as pessoas que começam a tomar antipsicóticos, 
antidepressivos, ansiolíticos não possam mais interromper o tratamento 
medicamentoso, sob o risco de terem recaídas que as deixam em condição muito 
mais grave do que o estado em que se encontravam inicialmente! Tudo parece 
indicar que após poucas semanas de uso de drogas psiquiátricas, o cérebro da 
pessoa passa a funcionar de modo qualitativa e quantitativamente diferente 
daquele como funcionava nos estados normais. 
E o que não faltam são evidências científicas para se entender esse fenômeno, 
tradicionalmente conhecido como iatrogenia. São evidências interculturais 
investigadas pela própria Organização Mundial da Saúde, com clássicos estudos 
de follow-up, nos quais "países em desenvolvimento", cuja população está 
menos psiquiatrizada, apresentam muito melhores resultados de cura dos seus 
cidadãos do que aqueles países onde a presença da psiquiatria é muito forte. São 
experimentos em animais nos quais as patologias "psiquiátricas" são encontradas 
após o uso de drogas psiquiátricas. São estudos prospectivos longitudinais 
que acompanham pessoas, entre pacientes diagnosticados com esquizofrenia, que 
foram ou não tratadas com medicamentos psiquiátricos ao longo de dois, cinco, 
dez, quinze, vinte e 25 anos. São pesquisas com imagens de ressonância magnética 
que demonstram a redução da massa encefálica ao longo do tempo de tratamento 
com medicamentos psiquiátricos. 
Muito provavelmente, o leitor de Anatomia de uma Epidemia ficará surpreso 
como a maioria dos seus leitores nos diversos países têm ficado. Os desafios 
para nós, brasileiros, são enormes, sobretudo porque o uso de medicamentos 
12 
psiquiátricos está tão generalizado entre nós, no cotidiano da nossa população, 
mesmo nos serviços e dispositivos clínicos construídos no bojo do processo de 
reforma psiquiátrica! 
Assim como tem sido trabalhoso para nós superar o modelo asilar de 
assistência, certamente não será menos difícil conseguirmos mudar o paradigma 
da psiquiatria biológica que domina a nossa assistência. Como tratar as pessoas? 
Relativizando não apenas os diagnósticos, mas sobretudo o papel hegemônico 
que a medicação psiquiátrica exerce no cotidiano? É possível obter os resultados 
esperados com as diversas abordagens de natureza psicossocial se os pacientes 
estão sendo submetidos a tratamentos psicofarmacológicos? Como livrar o grande 
número de pacientes das drogas psiquiátricas após meses ou anos de uso? 
Whitaker apresenta alternativas. Detalha o exemplodas experiências na 
Finlândia, conhecidas pela expressão diálogo aberto, em que, com o emprego 
ao nível mais reduzido quanto possível de drogas psiquiátricas, e sempre a curto 
prazo, os resultados com o tratamento da esquizofrenia são os melhores de todo 
o mundo ocidental. O princípio fundamental que orienta essa abordagem é o 
diálogo entre os profissionais, os pacientes, suas redes sociais, explorando todos 
os recursos psicossociais disponíveis no território. A maioria das pessoas é tratada 
em sua própria casa, reduzindo-se ao máximo a necessidade de espaços físicos 
especializados em cuidados em saúde mental. 
Esperamos que este livro seja um instrumento de reflexão para todos os seus 
leitores, mas principalmente para os profissionais que atuam nas práticas clínicas 
e institucionais e que, por uma série de razões - dentre as quais se destacam as 
maciças propagandas e promoções dos laboratórios, inclusive com o financiamento 
de pesquisas, publicações, programas de formação e eventos médicos. E que esses 
profissionais acreditem que é possível melhorar o cuidado dirigido às pessoas em 
sofrimento, assim como a vida destas e a de seus familiares. 
Fernando Freitas 
Psicólogo, doutor em psicologia 
Paulo Amarante 
Médico, doutor em saúde pública 
Pesquisadores titulares do Laboratório de Estudos e Pesquisas em 
Saúde Mental e Atenção Psicossocial da Escola Nacional de 
Saúde Pública Sergio Arouca/Fundação Oswaldo Cruz 
13 
Apresentação 
A história da psiquiatria e de seus tratamentos pode ser uma questão 
controvertida em nossa sociedade, tanto assim que, quando escrevemos sobre ela, 
como fiz num livro anterior, Mad in America [Loucos nos Estados Unidos], é comum 
as pessoas perguntarem como viemos a nos interessar pelo assunto. A suposição é 
que o sujeito deve ter uma razão pessoal para sentir curiosidade sobre esse tema, 
caso contrário preferiria ficar longe do que pode ser um tremendo campo minado 
político. Além disso, em geral, quem pergunta está tentando determinar se o autor 
tem alguma inclinação pessoal que influencie seu texto. 
No meu caso, eu não tinha nenhuma ligação pessoal com o assunto. Cheguei a 
ele de uma forma muito indireta. 
Em 1994, depois de trabalhar alguns anos como repórter de um jornal, deixei 
o jornalismo diário para ser cofundador de uma editora, a CenterWatch, que fazia 
relatórios sobre os aspectos comerciais dos testes clínicos de novos medicamentos. 
Nossos leitores vinham de empresas farmacêuticas, faculdades de medicina, da 
clínica médica particular e de Wall Street, e, na maioria dos casos, escrevíamos 
sobre essa iniciativa de uma forma receptiva à indústria. Víamos os testes clínicos 
como parte de um processo que trazia para o mercado melhores tratamentos 
médicos e informávamos sobre os aspectos financeiros dessa indústria crescente. 
Então, no começo de 1998, deparei com uma matéria que falava dos maus-tratos 
a pacientes psiquiátricos nos meios de pesquisa. Mesmo sendo coproprietário da 
CenterWatch, vez por outra eu escrevia artigos comofteelance para revistas e jornais 
e, naquele outono, fui coautor de uma série sobre esse problema para o Boston Globe. 
Havia vários tipos de "maus-tratos" em que Dolores Kong e eu nos concentramos. 
Examinamos estudos financiados pelo Instituto Nacional de Saúde Mental 
15 
ANATOMIA DE UMA EPIDEl\.flA 
(NIMH)1 que envolviam administrar a pacientes esquizofrênicos um medicamento 
destinado a exacerbar seus sintomas ( os estudos serviam para investigar a biologia 
da psicose). Investigamos as mortes que haviam ocorrido durante os testes dos 
novos antipsicóticos atípicos. Por fim, informamos sobre estudos que envolviam 
retirar de pacientes esquizofrênicos os seus medicamentos antipsicóticos, o que 
nos pareceu ser antiético. Na verdade, consideramos que era ultrajante. 
Nosso raciocínio era fácil de compreender. Diziam que essas drogas eram "como 
a insulina para o diabetes". Fazia algum tempo que eu sabia que isso era "verdade", 
desde a ocasião em que fizera a cobertura do campo da medicina no Albany Times 
Union. Claramente, portanto, era um abuso os pesquisadores psiquiátricos fazerem 
dezenas de estudos sobre a suspensão dos medicamentos, nos quais calculavam 
cuidadosamente a percentagem de pacientes esquizofrênicos que tornavam a 
adoecer e tinham que ser reinternados. Por acaso alguém conduziria um estudo 
que envolvesse retirar a insulina de diabéticos, para ver com que rapidez eles 
tornavam a adoecer? 
Foi assim que descrevemos na nossa série os estudos sobre retirada da 
medicação, e esse teria sido o fim dos meus escritos sobre psiquiatria, não fosse o 
fato de ter me restado uma questão não resolvida que me incomodava. Enquanto 
preparava as reportagens dessa série, eu havia deparado com duas constatações de 
pesquisas que simplesmente não faziam sentido. A primeira era de investigadores 
da Faculdade de Medicina de Harvard que anunciaram, em 1994, que os resultados 
observados nos pacientes de esquizofrenia nos Estados Unidos haviam piorado 
durante as duas décadas anteriores, e não estavam melhores agora do que tinham 
sido cem anos antes. A segunda era da Organização Mundial da Saúde (OMS), que, 
em duas ocasiões, havia constatado que os resultados referentes à esquizofrenia 
eram muito melhores em países pobres, como a Índia e a Nigéria, do que nos 
Estados Unidos e em outros países ricos. Entrevistei vários especialistas a respeito 
dos dados da OMS e eles sugeriram que os maus resultados nos Estados Unidos 
se deviam a políticas sociais e valores culturais. Nos países pobres as famílias 
davam mais apoio aos esquizofrênicos, disseram eles. Embora isso parecesse 
plausível, não era uma explicação inteiramente satisfatória e, depois de publicada 
a série no Boston Glohe, voltei atrás e reli todos os artigos científicos relacionados 
com o estudo da OMS sobre os resultados referentes à esquizofrenia. Foi então 
que fiquei sabendo de um fato estarrecedor: nos países pobres, apenas 16% dos 
pacientes eram sistematicamente mantidos com medicamentos antipsicóticos. 
Sigla da denominação original, National Institute ofMental Health. (N.T.) 
16 
Apresentação 
É esta a história da minha entrada no "campo minado" da psiquiatria. Eu 
havia acabado de ser coautor de uma série que, numa de suas partes, tinha 
se concentrado no quanto era antiético retirar a medicação de pacientes 
esquizofrênicos, e, no entanto, ali estava um estudo da OMS que parecia haver 
encontrado uma associação entre os resultados positivos e a não utilização contínua 
desses medicamentos. Escrevi Loucos nos Estados Unidos, que se transformou numa 
história do tratamento dos doentes mentais graves em nosso país, para tentar 
compreender como isso era possível. 
Confesso tudo isto por uma razão simples. Uma vez que a psiquiatria é um tema 
tão controvertido, considero importante os leitores compreenderem que iniciei 
esta longa jornada intelectual como alguém que acreditava no saber convencional. 
Eu acreditava que os pesquisadores psiquiátricos estavam descobrindo as causas 
biológicas das doenças mentais e que esse conhecimento levara ao desenvolvimento 
de uma nova geração de drogas psiquiátricas que ajudavam a "equilibrar" a 
química cerebral. Esses medicamentos eram como "insulina para o diabetes". Eu 
acreditava que isso era verdade, porque era o que me diziam os psiquiatras na 
época em que eu escrevia para jornais. Depois, no entanto, tropecei no estudo de 
Harvard e nas descobertas da OMS, e isso levou a que eu me lançasse numa busca 
intelectual que acabou por se transformar neste livro,Anatomia de uma Epidemia. 
17 
1 
Uma Praga Moderna 
"Esta é a essência da ciência:Jaça uma pergunta impertinente 
e você estará a caminho de uma resposta pertinente." 
� Jacob Bronowski, 19731 
Esta é a história de um enigma da medicina. Trata-se de um emgma de 
natureza extremamente curiosa, mas que nós, como sociedade, precisamos 
desesperadamente resolver, pois ele fala de uma epidemia oculta quevem 
reduzindo a vida de milhões de norte-americanos, inclusive de um número 
rapidamente crescente de crianças. Essa epidemia teve um aumento de tamanho 
e alcance nas últimas cinco décadas, e hoje incapacita 850 adultos e 250 crianças 
diariamente. E esses números estarrecedores dão apenas uma sugestão do 
verdadeiro alcance dessa praga moderna, pois são somente a contagem dos que 
ficaram tão doentes que suas famílias ou seus cuidadores foram autorizados a 
receber do governo federal um cheque de pensão por invalidez. 
Então, eis o quebra-cabeça. 
Como sociedade, passamos a entender que a psiquiatria fez grandes 
progressos no tratamento das doenças mentais nos últimos cinquenta anos. Há 
cientistas descobrindo as causas biológicas dos distúrbios mentais, e as empresas 
farmacêuticas desenvolveram diversos remédios eficazes para esses problemas de 
saúde. Essa história tem sido contada em jornais, revistas e livros, e a prova de 
nossa crença nela como sociedade pode ser encontrada em nossos gastos habituais. 
Em 2007, gastamos 25 bilhões de dólares em antidepressivos e antipsicóticos e, 
para situar essa cifra no panorama geral, ela foi superior ao produto interno bruto 
de Camarões, uma nação de 18 milhões de pessoas.2 
Em 1999, David Satcher, o diretor nacional de Saúde dos Estados Unidos, 
resumiu bem essa história de progresso científico, num relatório de 458 páginas 
intitulado Saúde Mental. Segundo ele, podia-se dizer que a era moderna da 
psiquiatria tivera início em 1954. Antes dessa data, a psiquiatria não dispunha 
de tratamentos que pudessem "impedir que os pacientes ficassem cronicamente 
21 
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA 
enfermos". Mas então foi introduzido o T horazine.1 Essa foi a primeira droga a 
constituir um antídoto específico para um distúrbio mental - era um medicamento 
antipsicótico - e ela deu o pontapé inicial numa revolução psicofarmacológica. Logo 
em seguida, foram descobertos agentes antidepressivos e ansiolíticos, e, como resultado, 
hoje desfrutamos de "uma variedade de tratamentos, de eficácia bem documentada, 
para o conjunto de transtornos mentais e comportamentais claramente definidos 
que ocorrem ao longo da vida", escreveu Satcher. A introdução do Prozac e de 
outros medicamentos psiquiátricos de "segunda geração", acrescentou o diretor 
nacional de Saúde, foi "instigada por avanços das neurociências e da biologia 
molecular" e representou mais uin avanço no tratamento das doenças mentais.3 
Os estudantes de medicina que fazem formação em psiquiatria leem sobre essa 
história em seus livros didáticos, e o público lê sobre ela nas matérias populares 
a respeito desse campo. A torazina, escreveu Edward Shorter, catedrático da 
Universidade de Toronto, em seu livro Uma História da Psiquiatria, de 1997, "iniciou 
na psiquiatria uma revolução comparável à introdução da penicilina na medicina 
geral".4 Esse foi o começo da "era psicofarmacológica", e agora podíamos ter 
certeza de que a ciência havia provado que as drogas do armário de medicamentos 
da psiquiatria eram benéficas. "Dispomos de tratamentos muito eficazes e seguros 
para uma ampla gama de distúrbios psiquiátricos", informou Richard Friedman, 
diretor da clínica de psicofarmacologia da Faculdade de Medicina Weill Cornell, 
aos leitores do New York Times, em 19 de junho de 2007.5 Três dias depois, num 
editorial intitulado "Quando as crianças precisam de remédios", o Boston Globe 
fez eco a esse sentimento: "O desenvolvimento de medicamentos potentes 
revolucionou o tratamento da doença mental".6 
Psiquiatras que trabalham em países do mundo inteiro também creem que 
isso seja verdade. Na 161ª Conferência Anual da Sociedade Norte-Americana de 
Psiquiatria (APA} ,11 realizada em maio de 2008 em Washington, quase metade 
dos vinte mil psiquiatras presentes era estrangeira. Nos corredores fervilhavam 
conversas sobre esquizofrenia, transtorno bipolar, depressão, distúrbio do pânico, 
transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e uma multiplicidade de outros 
distúrbios descritos no Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais, m da APA, 
e, ao longo de cinco dias, quase todas as palestras, seminários e simpósios falaram 
de avanços nesse campo. "Percorremos um longo caminho na compreensão dos 
n 
m 
22 
Torazina, vendida no Brasil com o nome comercial de Amplictil. (N.T.) 
Sigla da denominação original, American Psychiatric Association. (N.T.) 
Diagnostic and Statistical Manual ef Mental Disorders, comumente citado pela abreviatura DSM. 
(N.T.) 
Uma Praga Moderna 
transtornos psiquiátricos, e nossos conhecimentos continuam a se expandir", disse 
à plateia Carolyn Robinowitz, presidente da APA, em seu discurso de abertura. 
"Nosso trabalho salva e melhora inúmeras vidas."7 
Mas aí é que está o enigma. Dado esse grande avanço no tratamento, seria de se 
esperar que o número de inválidosrv por doença mental nos Estados Unidos, numa 
estatística per capita, houvesse declinado nos últimos cinquenta anos. Também 
seria de se esperar que o número de doentes mentais inválidos, numa proporção 
per capita, houvesse diminuído desde a chegada do Prozac, em 1988, e dos outros 
medicamentos psiquiátricos de segunda geração. Deveríamos ter visto uma queda 
em duas etapas nas taxas de invalidez. Ao contrário, à medida que se desdobrou a 
revolução psicofarmacológica, o número de casos de invalidez por doença mental 
nos Estados Unidos teve um aumento vertiginoso. Além disso, tal aumento desse 
número de casos acelerou-se ainda mais desde a introdução do Prozac e das outras 
drogas psiquiátricas de segunda geração. E o mais perturbador de tudo é que esta 
praga da era moderna vem se espalhando agora entre as crianças do país. 
Os dados sobre invalidez, por seu turno, levam a uma pergunta muito mais 
ampla. Por que tantos norte-americanos, na atualidade, ainda que não se hajam 
tornado inválidos por doenças mentais, são atormentados por problemas mentais 
crônicos - por depressões recorrentes, sintomas bipolares e uma ansiedade 
incapacitante? Se dispomos de tratamentos que lidam de maneira eficaz com esses 
distúrbios, por que a doença mental tem se tornado um problema de saúde cada 
vez maior nos Estados Unidos? 
O termo disabled pode ser traduzido para o português como inválido, deficiente, incapacitado. 
No Brasil, tal terminologia não é empregada no campo da saúde mental, por ser considerada 
politicamente incorreta. Nos Estados Unidos, o governo federal, por intermédio da Administração 
do Seguro Social (Social Security Administration), tem dois programas para pessoas que se 
tornam inválidas (disabled) e incapazes para trabalhar. Os doentes mentais consid.erados inválidos 
mencionados no texto de Whitaker são aquelas pessoas que se encontram entre os considerados 
com alguma incapacidade (deficiência, invalidez) devida a doença. Whitaker utiliza o termo com 
o sentido muito específico empregado nos Estados Unidos: o número de pessoas que recebem 
o pagamento do governo por invalidez, porque podem ser declaradas incapacitadas por doença 
mental. Atualmente, os pesquisadores que buscam rastrear o número de inválidos por doença 
mental na era moderna comparam-no com o número de pessoas em hospitais psiquiátricos 
antes da desinstitucionalização, na medida em que eram vistos como uma população incapaz de 
cuidar de si própria. Algo, portanto, muito importante: Whitaker não faz uso de "inválidos por 
doença mental" com algum tipo de sentido genérico para descrever o doente mental. Mas usa tal 
expressão para definir um número de pessoas que recebem do governo federal pagamentos por 
incapacidade, porque são considerados incapacitados para trabalhar devido à sua doença mental. 
(N.R.T.) 
23 
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA 
A Epidemia 
Bem,juro que este não será apenas um livro de estatísticas. Estamos tentando 
solucionar um mistério neste livro, e isto nos levará a urna exploração da ciência 
e da história e, em última análise, a uma narrativa com muitas reviravoltas 
surpreendentes. Masesse mistério brota de uma análise profunda das estatísticas 
do governo e, portanto, como primeiro passo, precisamos levantar os números da 
invalidez nos últimos cinquenta anos, para ter certeza de que a epidemia é real. 
Em I 955, os doentes mentais inválidos eram primordialmente tratados 
em manicômios municipais e estaduais. Hoje em dia, é típico receberem um 
pagamento mensal da Renda Complementar da Previdência (SSI) v ou uma 
pensão do Seguro da Previdência Social por Invalidez (SSDI),VI e muitos vivem em 
abrigos residenciais ou em outras instituições residenciais subsidiadas. Essas duas 
fontes estatísticas fornecem uma contagem aproximada do número de pessoas sob 
a assistência do governo por terem sido incapacitadas por doenças mentais. 
Em 1955, havia 566.000 pessoas em hospitais psiquiátricos municipais e 
estaduais. Entretanto, apenas 355.000 delas tinham um diagnóstico psiquiátrico, 
uma vez que as demais sofriam d e alcoolismo, demência ligada à sífilis, mal de 
Alzheimer e retardas mentais, população esta que não figuraria numa contagem 
dos atuais casos de invalidez por doença mental.8 Portanto, em 1955, um em cada 
468 norte-americanos era hospitalizado por doença mental. Em 1987, havia 1,25 
milhão de pessoas recebendo pensões da SSI ou do SSDI por invalidez decorrente 
de doença mental, ou um em cada 184 norte-americanos. 
Doentes mentais hospitalizados em 1955 
Primeira internacão Pacientes residentes 
Transtornos osicóticos 
Esquizofrenia 28.482 267.603 
Psicose maníaco-depressiva 9.679 50.937 
Outros 1.387 14.734 
Psiconeurose ( Ansiedade i 6.549 5.415 
Transtornos de nersonalidade 8.730 9.739 
Todos os demais 6.497 6.966 
Embora houvesse 558.922 pacientes residentes em hospitais psiquiátricos municipais e estaduais em 
I 955, apenas 355.000 sofriam de doenças mentais. Os outros 200.000 eram pacientes idosos que sofriam 
de demência, sífilis em estágio final, alcoolismo, retardo mental e diversas síndromes neurológicas. 
Fonte: C. Silverman; The Epidemiology ef Depression, 1968: 139. 
V 
"' 
24 
A sigla da denominação original, Supplemental Security Incarne, foi mantida nesta tradução. (N.T.) 
A sigla da denominação original, Social Security Disability Insurance, foi mantida nesta tradução 
(N.T.) 
Uma Praga Moderna 
Ora, pode-se argumentar que isso é comparar alhos com bugalhos. Em 1955, 
talvez os tabus da sociedade a respeito da doença mental levassem a uma relutância 
em procurar tratamento e, por isso, a baixos índices de hospitalização. Também 
é possível que a pessoa precisasse estar mais doente para ser hospitalizada em 
1955 do que para receber uma pensão da SSI ou do SSDI em 1987, e por isso o 
índice de invalidez em 1987 seria tão mais elevado. Entretanto, também seria 
possível elaborar argumentos no sentido inverso. Os números da SSI e do SSDI 
fornecem apenas uma contagem dos doentes mentais inválidos com menos de 65 
anos de idade, ao passo que os hospitais psiquiátricos de 1955 abrigavam muitos 
esquizofrênicos idosos. Também havia muito mais doentes mentais que eram 
moradores de rua e estavam na cadeia em 1987 do que em 1955, e essa população 
não aparece nos cálculos da invalidez. A comparação é imperfeita, mas é a melhor 
que se pode fazer para levantar os índices de invalidez entre 1955 e 1987. 
Felizmente, a partir de 1987, a comparação torna-se direta, envolvendo 
apenas os números da SSI e do SSDI. A Administração Federal de Alimentos e 
Medicamentos (FDA) VII aprovou o Prozac em 1987 e, nas duas décadas seguintes, 
o número de inválidos por doença mental nas listas da SSI e do SSDI saltou 
para 3,97 milhões.9 Em 2007, o índice de invalidez era de um em cada 76 norte­
americanos. Isso equivale a mais do dobro do índice de 1987 e a seis vezes o de 
1955. A comparação direta prova que há alguma coisa errada. 
Se vasculharmos um pouco mais os dados sobre invalidez, encontraremos 
um segundo quebra-cabeça. Em 1955, a depressão grave e o transtorno bipolar 
não incapacitavam muita gente. Havia apenas 50.937 pessoas em hospitais 
psiquiátricos municipais e estaduais com diagnóstico de um desses transtornos 
afetivos.10 Durante a década de 1990, entretanto, pessoas em luta com a depressão 
e com o transtorno bipolar começaram a aparecer nas listas da SSI e do SSDI em 
número cada vez maior, e hoje estima-se que haja 1,4 milhão de pessoas de 18 a 
64 anos que recebem pensão federal por invalidez em decorrência de transtornos 
afetivos.1 1 Acresce que essa tendência vem se acelerando: de acordo com o relatório 
de 2008 do General Accountability Office (GAO),virr 46% dos adultos jovens (de 18 
a 26 anos) que receberam pensão da SSI ou do SSDI por invalidez psiquiátrica em 
2006 foram diagnosticados com algum transtorno afetivo ( e outros 8% tornaram­
se inválidos por "transtorno da ansiedade").12 
Sigla da denominação original, Federal Drug Administration. (N.T.) 
VIII Órgão que tem, nos Estados Unidos, funções similares às da Controladoria Geral da União (CGU) 
no Brasil. (N.T.) 
25 
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA 
Invalidez por doença mental na era do Prozac 
Beneficiários da SSI e do SSDI abaixo de 65 anos com invalidez por doença mental, 
1987-2007 
4.000.000 
3.500.000 
3.000.000 
2.500.000 
2.000.000 
1.500.000 
1.000.000 
1987 1992 1997 2002 
Total 
Beneficiários da S81 
Beneficiários do SSDI 
2007 
Um em cada seis beneficiários do SSDI também recebe pagamentos da SSI, de modo que o número total 
de beneficiários é inferior à soma dos números da SSI e do SSDI. Fonte: relatórios da Administração 
de Seguridade Social, 1987-2007. 
Essa praga das doenças mentais incapacitantes também se espalhou agora 
entre nossas crianças. Em 1987, havia 16.200 crianças abaixo de 18 anos que 
recebiam pensão da SSI como incapacitadas por doença mental grave. Essas 
crianças correspondiam a apenas 5,5% das 293.000 incluídas no rol dos inválidos 
- na época, a doença mental não era uma causa preponderante de invalidez entre 
as crianças do país. A partir de 1990, porém, o número de crianças com doenças 
mentais começou a sofrer uma elevação drástica, e no fim de 2007 havia 561.569 
delas no rol dos inválidos da SSI. No curto intervalo de vinte anos, o número de 
crianças incapacitadas por doenças mentais aumentou 35 vezes. Hoje em dia, a 
doença mental é a principal causa de invalidez nas crianças, e o grupo dos doentes 
mentais abrangeu 50% do total de crianças no rol da SSI em 2007. 13 
A natureza desconcertante dessa epidemia infantil aparece com especial clareza 
nos dados da SSI de 1996 a 2007. Enquanto o número de crianças incapacitadas 
por doenças mentais mais do que duplicou durante esse período, o número de 
crianças no rol da SSI por todas as outras razões - câncer, retardo mental etc. -
diminuiu, baixando de 728.110 para 559.448. Ao que parece, os médicos do país 
estavam progredindo no tratamento de todas essas outras doenças, mas, no que 
dizia respeito às doenças mentais, constatava-se exatamente o inverso. 
26 
Uma Praga Moderna 
Uma Investigação Científica 
Agora o quebra-cabeça pode ser resumido com precisão. Por um lado, sabemos 
que muitas pessoas são ajudadas por medicamentos psiquiátricos. Sabemos que 
muitas pessoas se estabilizam bem com eles e dão depoimentos pessoais sobre 
como os remédios as ajudaram a levar uma vida normal. Além disso, como assinalou 
Satcher em seu relatório de 1999, a literatura científica realmente documenta que 
as drogas psiquiátricas, pelo menos a curto prazo, são "eficazes". Os psiquiatras e 
outros médicos que as receitam atestam esse fato, e muitos pais de crianças que 
tomam remédios psiquiátricos também juram por sua eficácia. Tudo isso compõe 
um poderoso consenso: as drogas psiquiátricas funcionam e ajudam as pessoas a 
levarem uma vida relativamente normal. No entanto, ao mesmo tempo, ficamos 
às voltas com fatos perturbadores: o número de pessoas com invalidez por doença 
mental teve um crescimento drástico desde 1955, e, nas duas últimas décadas, 
período em que houveuma explosão nas receitas de medicamentos psiquiátricos, o 
número de adultos e crianças incapacitados por doenças mentais subiu de maneira 
estarrecedora. Chegamos assim a uma pergunta óbvia, ainda que de natureza 
herege: poderia o nosso paradigma de atendimento medicamentoso, de alguma 
forma imprevista, estar alimentando essa praga dos tempos modernos? 
É minha esperança que Anatomia de uma Epidemia sirva como uma exploração 
dessa pergunta. Também é fácil perceber o que deveremos encontrar, se quisermos 
resolver esse quebra-cabeça. Precisaremos descobrir uma história da ciência que 
se desdobre no correr de 55 anos, provenha das melhores pesquisas e explique 
todos os aspectos do nosso quebra-cabeça. A história deve revelar por que houve 
um aumento drástico do número de inválidos por doença mental, deve explicar 
por que os transtornos afetivos incapacitantes são tão mais comuns hoje do que 
há cinquenta anos, e deve explicar por que atualmente tantas crianças vêm 
sendo derrubadas por doenças mentais graves. E, se encontrarmos essa história, 
deveremos estar aptos a explicar por que ela permaneceu oculta e desconhecida. 
Também é fácil perceber o que está em jogo. Os números da invalidez são 
apenas um indício do extraordinário tributo que a doença mental tem cobrado de 
nossa sociedade. Em seu relatório de junho de 2008, o GAO concluiu que um em 
cada 16 adultos jovens dos Estados Unidos tem hoje ''uma doença mental grave". 
Nunca houve uma sociedade que visse tamanha praga de doenças mentais em 
seus adultos jovens, e os que entram nas listas da SSI e do SSDI nessa faixa etária 
precoce tendem a passar o resto da vida recebendo pensão por invalidez. O jovem 
27 
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA 
de 20 anos que entra nas listas da SSI ou do SSDI receberá mais de um milhão de 
dólares em benefícios nos próximos quarenta anos, aproximadamente, e esse é 
um custo - caso a epidemia continue aumentando - que nossa sociedade não terá 
corno bancar. 
Há outro aspecto, mais sutil, nessa epidemia. Nos últimos 25 anos, a 
psiquiatria remoldou profundamente a nossa sociedade. Por meio do seu Manual 
Diagn6stico e Estatístico, ela traçou uma fronteira entre o que é "normal" e o que 
não é. Nossa compreensão social da mente humana, que no passado provinha 
de uma mescla de fontes (grandes obras de ficção, investigações científicas 
e textos filosóficos e religiosos), é hoje filtrada pelo DSM. Na verdade, as 
histórias contadas pela psiquiatria sobre "os desequilíbrios químicos" do cérebro 
reformularam nossa compreensão de corno funciona a mente e questionaram 
nossas concepções do livre-arbítrio. Será que somos realmente prisioneiros de 
nossos neurotransmissores? Mais importante, nossas crianças são as primeiras da 
história humana a crescerem sob a sombra constante da "doença mental". Não faz 
muito tempo, os vadios, os gaiatos, os valentões, os cê-dê-efes, os tímidos, os xodós 
dos professores e um sem-número de outros tipos reconhecíveis enchiam os pátios 
das escolas, e todos eram considerados mais ou menos normais. Ninguém sabia 
realmente o que esperar dessas crianças quando chegassem à idade adulta. Isso 
fazia parte da gloriosa incerteza da vida-o mandrião da quinta série podia aparecer 
na comemoração de vinte anos de formatura do curso médio como o empresário 
rico, e a menina tímida, como uma atriz de sucesso. Hoje em dia, no entanto, as 
crianças diagnosticadas com problemas mentais - em especial transtorno do déficit 
de atenção com hiperatividade [TDAH], depressão e transtorno bipolar - ajudam 
a povoar o pátio estudantil. Essas crianças são informadas de que há algo errado 
com seu cérebro e de que talvez tenham que tomar remédios psiquiátricos pelo 
resto da vida, assim como "o diabético torna insulina". Essa máxima da medicina 
ensina a todos os alunos do pátio uma lição sobre a natureza da humanidade, e 
essa lição difere radicalmente do que se costumava ensinar às crianças. 
Portanto, eis o que está em jogo nesta investigação: se for verdadeira a história 
convencional, e se a psiquiatria de fato houver obtido grandes progressos na 
identificação das causas biológicas dos distúrbios mentais e no desenvolvimento 
de tratamentos eficazes para essas doenças, poderemos concluir que tem sido 
benéfica a remoldagem de nossa sociedade pela psiquiatria. Por pior que possa 
ser a epidemia de doenças mentais incapacitantes, será razoável supormos que, 
sem esses avanços da psiquiatria, ela seria muito pior. A literatura científica 
28 
Uma Praga Moderna 
mostrará que milhões de crianças e adultos estão sendo auxiliados pelos 
medicamentos psiquiátricos, e que sua vida tem se tornado mais rica e mais 
plena, como disse Carolyn Robinowitz, a presidente da APA, em seu discurso na 
conferência de 2008 dessa entidade. Mas, se desvendarmos uma história de outra 
natureza - uma história que mostre que as causas biológicas das doenças mentais 
continuam por ser descobertas e que, na verdade, os medicamentos psiquiátricos 
vêm alimentando a epidemia de doenças mentais incapacitantes -, o que dizer? 
Teremos documentado uma história que fala de uma sociedade terrivelmente 
desencaminhada e, poderíamos dizer, traída. 
E, se for esse o caso, passaremos a última parte deste livro examinando o que, 
como sociedade, podemos fazer para construir um futuro diferente. 
29 
2 
Reflexões Experienciais 
"Se valorizamos a busca do conhecimento, devemos ter a liberdade 
de prosseguir nessa busca aonde quer que ela nos leve." 
- Adiai Stevenson, 19521 
O Hospital McLean, em Belmont, no estado de Massachussetts, é um dos 
manicômios mais antigos dos Estados Unidos, pois foi fundado em 1817, quando 
um tipo de atendimento conhecido por terapia moral vinha sendo popularizado 
pelos quacres. Era convicção deles que se devia construir um retiro para os 
doentes mentais num ambiente buc6lico, e até hoje o campus do McLean, com suas 
belas construções de tijolos e seus jardins cheios de sombra, dá a impressão de 
um oásis. Na noite de agosto de 2008 em que lá cheguei, para comparecer a uma 
reunião da Aliança de Apoio a Depressivos e Bipolares (DBSA) ,1 essa sensação de 
tranquilidade foi acentuada pelas condições climáticas. Foi uma das noites mais 
gloriosas do verão e, quando me aproximei da lanchonete onde deveria realizar­
se o encontro, imaginei que talvez a frequência noturna fosse reduzida. A noite 
estava agradável demais para se ficar num recinto fechado. Tratava-se de uma 
reunião para moradores da comunidade, o que significava que eles teriam que 
sair de suas casas e apartamentos para ir até lá, e, considerando que o grupo do 
Hospital McLean se reunia cinco vezes por semana - havia uma sessão vespertina 
todas as segundas, quintas, sextas e sábados, bem como uma reunião noturna 
todas as quartas-feiras -, calculei que a maioria das pessoas ligadas ao grupo 
faltaria a esse encontro. 
Eu estava errado. 
Cerca de cem pessoas enchiam a cafeteria, numa cena que atestava, em 
pequena escala, a epidemia de doenças mentais incapacitantes que eclodiu em 
nosso país nos últimos vinte anos. A Aliança de Apoio a Depressivos e Bipolares 
foi fundada em 1985 (a princípio conhecida como Associação dos Depressivos e 
Maníaco-Depressivos), iniciando-se esse grupo do McLean pouco depois disso, 
Sigla da denominação original, Depression and Bipolar Support Alliance. (N.T.) 
31 
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA 
e hoje a organização conta com quase mil desses grupos de apoio em todo o território 
nacional. Existem sete deles somente na área da Grande Boston, e a maioria -
como o grupo que se reúne no McLean - oferece às pessoas a oportunidade de se 
reunirem e conversarem várias vezes por semana. A DBSA cresceu pari passu com 
a epidemia. 
A primeira hora da reunião foi dedicada a uma palestra sobre a "terapia da 
flutuação" e, à primeira vista, a plateia não era realmente identificável - pelo 
menos não para uma pessoa de fora, como eu - como um grupo de pacientes. Os 
participantes tinham idades muito variadas,estando os mais jovens no final da 
adolescência e os mais velhos na faixa dos 60 anos, e, embora houvesse um número 
maior de mulheres, talvez essa disparidade de gênero fosse esperável, dado que 
a depressão afeta mais as mulheres do que os homens. Quase todos na plateia 
eram brancos, o que talvez refletisse o fato de Belmont ser uma cidade abastada. 
Talvez o único sinal revelador de que a reunião era para pessoas diagnosticadas 
com algum distúrbio mental fosse o fato de um bom número delas estar acima do 
peso. Às pessoas diagnosticadas com transtorno bipolar é muito comum receitar 
um antipsicótico atípico, como o Zyprexa, e esses remédios costumam fazer as 
pessoas engordarem. 
Terminada a palestra, Steve Lappen, um dos dirigentes da DBSA em Boston, 
listou os novos grupos que passariam a se reunir. Havia um de "recém-chegados", 
outro de "familiares e amigos", um terceiro de "adultos jovens", um quarto de· 
"manutenção da estabilidade" e assim por diante, e a última das oito opções era 
um "grupo do observador", que Steve havia organizado para mim. 
Havia nove pessoas no nosso grupo ( excetuando eu mesmo) e, à guisa de 
introdução, cada um fez um rápido resumo de como vinha passando, ultimamente 
- "tenho atravessado uma fase difícil" era um refrão comum - e nos falou de 
seu diagnóstico específico. O homem à minha direita era um ex-executivo que 
havia perdido o emprego por causa de sua depressão recorrente e, à medida 
que fizemos a ronda da sala, essas histórias de vida foram surgindo. Uma mulher 
mais moça falou de seu casamento problemático com um chinês que, em função de 
sua cultura, não gostava de falar em doença mental. Ao lado dela, um ex-promotor 
público contou ter perdido a mulher dois anos antes e disse que, desde então, 
''tenho a impressão de não saber quem eu sou". Uma mulher que era professora 
adjunta numa faculdade da região contou como estava difícil o seu trabalho 
naquele momento, e por fim, uma enfermeira recém-internada no McLean por 
depressão explicou o que a levara para esse lugar sombrio: ela enfrentava a tensão 
32 
Reflexões Experienciais 
de cuidar do pai doente, a tensão do trabalho e anos de convívio com "um marido 
agressivo". 
O único momento mais leve dessa rodada de apresentações veio do membro 
mais velho do grupo. Ele andava passando muito bem nos últimos tempos, e 
sua explicação para sua relativa felicidade agradaria ao personagem George 
Constanza, do seriado Seirifeld: "O verão costuma ser uma época difícil para mim, 
porque todos parecem muito felizes. Mas, com toda a chuva que temos tido, não 
tem sido bem esse o caso neste verão", declarou. 
Ao longo da hora seguinte, a conversa saltou de um assunto para outro. 
Houve uma discussão sobre o estigma enfrentado pelos doentes mentais na nossa 
sociedade, particularmente no trabalho, e sobre como os familiares e amigos, 
passado algum tempo, perdem a empatia. Ficou claro que era por isso que muitos 
integrantes do grupo estavam lá - achavam útil a compreensão compartilhada. 
A questão da medicação veio à baila e, nesse tema, as opiniões e experiências eram 
muito variáveis. O ex-executivo, embora ainda sofresse regularmente de depressão, 
disse que sua medicação fazia "maravilhas" por ele e que seu maior medo era que 
ela "parasse de funcionar". Outros falaram de haver tentado um remédio após 
outro, até encontrarem um regime medicamentoso que proporcionasse algum 
alívio. Steve Lappen disse que os remédios nunca haviam funcionado para ele, 
enquanto Dennis Hagler, o outro dirigente da DBSA na reunião (que também 
concordou em ser identificado), disse que uma dose alta de um antidepressivo 
tinha feito toda a diferença do mundo em sua vida. A enfermeira disse ter reagido 
muito mal aos antidepressivos em sua hospitalização recente: ''Tive uma reação 
alérgica a cinco remédios diferentes", afirmou. "Agora estou experimentando um 
dos novos [antipsicóticos] atípicos. Espero que funcione." 
Terminadas as sessões grupais, as pessoas se reuniram na lanchonete em grupos 
de duas ou três, conversando informalmente. Isso criou um momento agradável; 
havia na sala um sentimento compartilhado de entusiasmo, e era perceptível 
que a noite havia levantado o ânimo de muitos. Era tudo tão comum que aquilo 
poderia facilmente ser o encerramento de uma reunião de pais e professores, ou 
uma reunião social da igreja, e, enquanto eu andava para o carro, foi esse aspecto 
corriqueiro que mais me impressionou. No grupo do observador, houvera um 
homem de negócios, um engenheiro, um historiador, um promotor público, uma 
professora universitária, uma assistente social e uma enfermeira (as outras duas 
pessoas do grupo não tinham falado de sua história profissional). No entanto, 
até onde pude perceber, apenas a professora universitária estava empregada 
33 
.ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA 
naquele momento. E este era o enigma: as pessoas do grupo do observador tinham 
instrução e todas tomavam medicamentos psicotrópicos, mas, ainda assim, muitas 
eram tão atormentadas pela depressão persistente e por sintomas bipolares que 
não conseguiam trabalhar. 
Mais cedo, Steve me dissera que cerca de metade dos membros da DBSA 
recebia pensão da Renda Complementar da Previdência (SSI) ou do Seguro 
da Previdência Social por Invalidez (SSDI) porque, aos olhos do governo, essas 
pessoas estavam incapacitadas por suas doenças mentais. É esse o tipo de paciente 
que vem inchando as listas da SSI e do SSDI nos últimos 15 anos, enquanto a 
DBSA tornou-se a maior organização de pacientes com doenças mentais do país 
durante esse período. Agora a psiquiatria tem três classes de medicamentos que 
usa para tratar os distúrbios afetivos - antidepressivos, estabilizadores do humor 
e antipsicóticos atípicos -, mas, seja por que for, um número cada vez maior de 
pessoas aparece nas reuniões da DBSA em todo o país, para falar de sua luta 
persistente e duradoura com a depressão, a mania, ou ambas. 
Quatro Histórias 
Na medicina, as histórias pessoais dos pacientes diagnosticados com uma 
doença são conhecidas como "estudos de caso", e há um entendimento de que, 
embora esses relatos experienciais possam trazer a compreensão profunda de uma 
doença e de seus tratamentos, não têm como provar se determinado tratamento 
funciona. Somente os estudos científicos que examinam os efeitos do conjunto 
podem fazê-lo e, mesmo assim, é comum ser nebuloso o quadro que emerge. 
A razão de os relatos experienciais não poderem fornecer essa comprovação é 
que as pessoas podem ter reações sumamente variáveis aos tratamentos médicos, 
o que é particularmente verdadeiro na psiquiatria. Podemos encontrar pessoas 
que nos falam de corno os remédios psiquiátricos lhes trouxeram imensa ajuda; 
podemos encontrar pessoas que nos dirão como os remédios arruinaram sua 
vida; e podemos encontrar pessoas - e estas parecem ser a maioria, na minha 
experiência - que não sabem o que pensar. Não conseguem propriamente decidir 
se os medicamentos as ajudaram ou não. Ainda assim, ao nos propormos resolver 
o enigma da epidemia moderna de doenças mentais incapacitantes nos Estados 
Unidos, os relatos experienciais podem ajudar-nos a identificar perguntas que será 
conveniente vermos respondidas em nossa investigação da literatura científica. 
Vejamos quatro dessas histórias de vida. 
34 
Reflexões Experienciais 
Cathy Levin 
Conheci Cathy Levin em 2004, não muito depois de publicar meu primeiro 
livro sobre psiquiatria, Loucos nos Estados Unidos. Tornei-me um admirador imediato 
do seu espírito de luta. A última parte deste meu primeiro livro indagava se os 
medicamentos antipsicóticos estariam piorando o curso da esquizofrenia a longo 
prazo (tema explorado no Capítulo 6 do presente livro), e Cathy objetou a essa 
ideia, de certa maneira. Apesar de ter sido inicialmente diagnosticada com um 
transtorno bipolar ( em 1978), seu diagnóstico fora posteriormente substituído 
por um distúrbio "esquizoafetivo" e, na sua própria avaliação, ela fora salva por 
umantipsicótico atípico, o Risperdal. Em certo sentido, a história que eu havia 
relatado em Loucos nos Estados Unidos ameaçava a experiência pessoal de Cathy, 
que me telefonou várias vezes para me dizer o quanto essa droga lhe fora útil. 
Nascida em 1960 num subúrbio residencial de Boston, Cathy havia crescido no 
que recordava como um mundo "dominado pelos homens". Seu pai, professor de 
uma universidade na área de Boston, era veterano da Segunda Guerra Mundial, e 
sua mãe, do estilo dona de casa, via esses homens como "a espinha dorsal da ordem 
social". Seus dois irmãos mais velhos, ela se lembrou, costumavam "intimidá-la" 
e, em mais de uma ocasião, desde quando era bem pequena, vários meninos do 
bairro a haviam molestado. "Eu vivia chorando quando era criança", disse ela, que 
não raro fingia estar doente para não ter de ir à escola, preferindo, em vez disso, 
passar os dias sozinha em seu quarto, lendo livros. 
Embora se saísse bem no segundo grau, em termos acadêmicos, Cathy 
tinha sido "uma adolescente difícil, hostil, raivosa, retraída". No segundo ano 
do bacharelado, na Faculdade Earlham, em Richmond, estado de Indiana, seus 
problemas afetivos se agravaram. Ela começou a se divertir com os rapazes do 
time de futebol americano, ansiosa "por transar", disse, mas, ao mesmo tempo, 
com medo de perder a virgindade. "Eu ficava confusa quanto a me envolver com 
algum cara. Ia a uma porção de festas e não conseguia mais me concentrar nos 
estudos. Comecei a levar pau na faculdade." 
Cathy também estava fumando muita maconha, e logo começou a agir de 
maneira excêntrica. Pegava roupas emprestadas de outras pessoas para usar, e 
circulava pelo campus com "tamancos enormes, um macacão por cima da roupa 
comum, uma jaqueta de aviador e um chapéu engraçado, que comprei numa loja 
de artigos do Exército e da Marinha". Uma noite, ao voltar de uma festa para 
casa, ela jogou fora os óculos, sem a menor razão para isso. Suas ideias sobre sexo 
35 
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA 
evoluíram aos poucos para uma fantasia com o comediante Steve Martin. Sem 
conseguir dormir a noite inteira, ela acordava às 4 horas da manhã e saía para 
caminhar, e às vezes, era como se Steve Martin estivesse no campus a espreitá-la. 
"Eu achava que ele estava apaixonado por mim e correndo pelos arbustos, sem se 
deixar ver", disse. "Estava me procurando." 
A mania e a paranoia foram se combinando numa mistura volátil. O ponto 
de ruptura veio na noite em que ela atirou um objeto de vidro na parede de seu 
quarto, no dormitório. ''Não limpei aquilo, fiquei andando em volta. Fiquei tirando 
cacos de vidro dos pés, sabe? Estava completamente fora de mim." 
Funcionários da faculdade chamaram a polícia e Cathy foi levada às pressas 
para um hospital, e foi nesse momento, dias antes de ela completar 18 anos, 
que teve início sua vida medicada. Ela foi diagnosticada com psicose maníaco­
depressiva, informada de que sofria de um desequilíbrio químico no cérebro e 
tratada com Haldol [haloperidol] e lítio. 
Nos 16 anos seguintes, Cathy entrou e saiu ciclicamente de hospitais. Ela 
"detestava os remédios" - o Haldol lhe enrijecia os músculos e a fazia babar, ao 
passo que o lítio a deixava deprimida - e, muitas vezes, parava abruptamente de 
tomá-los. "Era maravilhoso sair da medicação", disse-me, e até hoje, ao se lembrar 
dessa sensação, ela parece perder-se no puro deleite de uma lembrança do passado 
distante. "Quando você larga os remédios, é como tirar um casaco de lã molhado 
que estava usando, apesar de ser um lindo dia de primavera, e, de repente, sentir­
se muito melhor, mais livre, com mais prazer." O problema era que, sem os 
medicamentos, ela "começava a descompensar e a ficar desorganizada". 
No início de 1994, Cathy foi hospitalizada pela décima quinta vez. Era vista 
como doente mental crônica, passara a ouvir vozes de vez em quando, e recebeu 
um novo diagnóstico (transtorno esquizoafetivo) e um coquetel de drogas: Haldol, 
Ativan, Tegretol, Halcion e Cogentin, sendo esta última droga um antídoto contra 
os efeitos colaterais desagradáveis do Haldol. No entanto, depois de receber alta 
naquela primavera, um psiquiatra lhe disse para experimentar o Risperdal, um 
novo antipsicótico que acabara de ser aprovado pela Administração Federal de 
Alimentos e Medicamentos (FDA). "Três semanas depois, minha mente estava 
muito mais clara", disse Cathy. "As vozes começaram a desaparecer. Deixei os 
outros remédios e passei a tomar apenas esse. Melhorei. Pude começar a fazer 
planos. Parei de conversar com o Diabo.Jesus e Deus pararam de travar batalhas 
na minha cabeça." 
36 
Reflexões Experienciais 
O pai de Cathy assim resumiu a situação: "A Cathy voltou". 
Embora vários estudos financiados pelo Instituto Nacional de Saúde Mental e 
pelo go.verno britânico tenham constatado que, de modo geral, os pacientes não 
se saem melhor com o Risperdal e os outros antipsicóticos atípicos do que com 
os antipsicóticos mais antigos, ficou patente que Cathy respondeu muito bem a 
esse novo agente. Voltou a estudar e se formou em rádio, cinema e televisão na 
Universidade de Maryland. Em 1998, começou a sair com o homem com quem 
vive hoje, Jonathan. Em 2005, aceitou um emprego de meio expediente como 
editora de Voices .for Change, um boletim de notícias publicado pelo M-Power, um 
grupo de consumidores de Massachusetts, e conservou esse emprego por três 
anos. Na primavera de 2008, ajudou a conduzir uma campanha do M-Power para 
fazer a Câmara dos Deputados de Massachusetts aprovar uma lei para proteger 
os direitos dos pacientes psiquiátricos nos prontos-socorros. Apesar disso, ela 
continua a receber pensão do SSDI - "sou uma mulher sustentada", brinca - e, 
embora haja muitas razões para isso, acredita que o Risperdal, justamente a droga 
que tanto a ajudou, tem se revelado uma barreira ao trabalho em horário integral. 
Ainda que ela costume ter muita energia no começo da tarde, o Risperdal a deixa 
tão sonolenta de manhã que ela tem dificuldade de se levantar. O outro problema 
é que sempre teve dificuldade para se relacionar com outras pessoas, e o Risperdal 
agrava esse problema, ao que ela diz. "Os remédios isolam a gente. Interferem na 
empatia. Há uma certa apatia, e por isso a gente sempre se sente constrangida com 
as pessoas. Eles tornam difícil nós nos relacionarmos. Os remédios podem cuidar 
da agressividade, da ansiedade e de um pouco da paranoia, sintomas desse tipo, 
mas não ajudam na empatia que contribui para nos darmos bem com as pessoas." 
O Risperdal também cobrou um tributo físico. Cathy tem 1,58m de altura, 
cabelo castanho ondulado e, apesar de sua razoável forma física, deve estar uns 27 
quilos acima do que seria considerado o peso ideal. Também desenvolveu alguns 
dos problemas metabólicos, como o colesterol elevado, que os antipsicóticos 
atípicos sempre costumam causar. "Posso enfrentar qualquer velhinha, em pé de 
igualdade, com um rosário dos meus problemas de saúde", diz ela. "Problemas 
com os pés, a bexiga, o coração, os seios nasais, o aumento de peso, tudo isso eu 
tenho." Mais alarmante ainda foi que, em 2006, sua língua começou a enrolar 
na boca, sinal de que ela estaria desenvolvendo uma discinesia tardia. Quando 
aparece, esse efeito colateral significa que os gânglios basais, a parte do cérebro 
que controla o funcionamento motor, está ficando permanentemente disfuncional, 
danificada por anos de tratamentos medicamentosos. Mas Cathy não consegue 
37 
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA 
passar bem sem o Risperdal e, no verão de 2008, isso a levou a um momento de 
profundo desespero: "É claro que, daqui a alguns anos, terei um aspecto meio 
horripilante, com os movimentos involuntários na boca". 
Assim tem sido o curso da sua vida com os medicamentos. Dezesseis anos 
terríveis, seguidos por 14 anos bastante bons com o Risperdal. Cathy acredita 
que hoje essa droga é essencial para sua saúde mental e, na verdade, poderia 
ser vista como uma garota-propaganda local na promoção das maravilhasdesse 
remédio. No entanto, se pensarmos no longo curso de sua doença e remontarmos 
à sua primeira hospitalização, aos 18 anos de idade, seremos forçados a perguntar: 
ela teve uma história de vida aprimorada por nosso paradigma de tratamento 
medicamentoso dos distúrbios mentais, ou será que teve uma história de vida 
piorada? De que maneira poderia ter se desenrolado a sua vida se, ao sofrer seu 
primeiro episódio maníaco, no outono de 1978, ela não tivesse sido imediatamente 
medicada com lítio e Haldol, e se, em vez disso, os médicos houvessem tentado 
outros meios - repouso, terapias psicológicas etc. - para restaurar sua sanidade? 
Ou se, depois de estabilizada por esses medicamentos, ela tivesse sido incentivada 
a se desabituar deles? Teria ela passado 16 anos entrando e saindo de hospitais? 
Teria sido incluída no SSDI e permanecido nele desde então? Como estaria hoje a 
sua saúde física? Como teria sido sua experiência subjetiva da vida ao longo desses 
anos? E, se houvesse conseguido passar bem sem as drogas, quantas outras coisas 
teria realizado na vida? 
Esta última era uma questão em que Cathy, dada a sua experiência com o 
Risperdal, não havia pensado muito, antes de nossas conversas. Mas, depois que a 
levantei, pareceu obcecada com essa possibilidade, a qual trouxe à baila repetidas 
vezes em nossos encontros. "Eu teria sido mais produtiva sem os remédios", disse, 
na primeira vez. "Eu ficaria desolada" se pensasse nisso, afirmou posteriormente. 
Em outra ocasião, lamentou que, passando a vida com antipsicóticos, ''a gente 
perca a alma e nunca mais a recupere. Fiquei empacada no sistema e na luta para 
tomar remédios". Por fim, ela me disse isto: "O que eu lembro, quando olho para 
trás, é que, no começo, eu não estava realmente tão doente assim. Na verdade, 
só estava confusa. Eu tinha todas aquelas questões, mas ninguém conversava 
comigo sobre isso. Ainda hoje, eu gostaria de poder largar os remédios, mas não 
há ninguém para me ajudar nisto. Não sei nem começar um diálogo". 
Não há como saber, é claro, o que teria sido uma vida sem remédios para Cathy 
Levin. Entretanto, mais adiante neste livro, veremos o que a ciência tem a revelar 
sobre o possível curso que sua doença teria tomado se, naquele momento fatídico 
38 
Reflexões Experienciais 
de 1978, depois do episódio psicótico inicial, ela não tivesse sido medicada nem 
informada de que teria de tomar remédios pelo resto da vida. A ciência deveria 
poder dizer-nos se os psiquiatras têm razões para acreditar que seu paradigma 
de tratamento medicamentoso altere para melhor ou para pior os efeitos a longo 
prazo. Mas Cathy acredita que essa é uma questão que os psiquiatras nunca 
consideram: "Eles não fazem a menor ideia de como essas drogas nos afetam 
a longo prazo. S6 tentam estabilizar a pessoa naquele momento, e procuram 
controlá-la de semana em semana, de um mês para outro. É s6 nisso que eles 
pensam". 
George Badillo 
Atualmente, George Badillo mora em Sound Beach, em Long Island, e sua casa 
caprichosamente arrumada fica a uma pequena distância da praia. Aos quase 50 
anos, ele está em boa forma, penteia o cabelo ligeiramente grisalho para trás e tem 
um sorriso fácil e caloroso. Seu filho de 13 anos, Brandon, mora com ele - "Está no 
time de futebol americano, na equipe de luta romana e no time de basquete, e está 
no quadro de honra", disse-me George, com compreensível orgulho -, e a filha de 
20 anos, Madelyne, que é aluna da Faculdade de Staten Island, estava lhe fazendo 
uma visita no dia em que estive com ele. Mesmo à primeira vista, era patente que 
os dois estavam felizes por passarem esse tempo juntos. 
Como muitas pessoas diagnosticadas com esquizofrenia, George se lembra de 
ter sido "diferente1' na infância. Quando menino, crescendo no Brooklyn, sentia­
se isolado das outras crianças, em parte porque seus pais porto-riquenhos só 
falavam espanhol: "Eu me lembro de todos os outros garotos conversando e sendo 
camaradas e extrovertidos, convivendo uns com os outros, mas eu não sabia fazer 
isso. Sentia vontade de falar com eles, mas sempre ficava apreensivo", recordou. 
George também tinha um pai alco6latra que sempre batia nele, e por isso começou 
a achar que "as pessoas viviam tramando coisas e querendo me machucar". 
Ainda assim, ele se saiu bem na escola, e s6 no fim da adolescência, quando era 
aluno do Baruch College, foi que sua vida começou a dar errado: "Entrei numa 
vida de discotecas", explicou. "Comecei a usar anfetaminas, maconha e cocaína, 
e gostei. As drogas me relaxavam. S6 que a coisa fugiu do controle e a cocaína 
começou a me fazer pensar numa porção de maluquices. Fiquei paranoico de 
verdade. Achava que havia conspirações e tudo o mais. As pessoas me perseguiam, 
e o governo estava envolvido nisso". George acabou fugindo para Chicago, onde 
foi morar com uma tia e se retirou do mundo que julgava persegui-lo. Assustada, a 
39 
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA 
família o persuadiu a voltar para casa e o levou à unidade psiquiátrica do Hospital 
Judaico de Long Island, onde ele foi diagnosticado corno esquizofrênico paranoide. 
"Ficaram todos me dizendo que meu cérebro estava estragado e que eu ficaria 
doente pelo resto da vida", comentou. 
Os nove anos seguintes passaram-se num remoinho caótico. Tal corno Cathy 
Levin, George detestava o Haldol e os outros antipsicóticos que os médicos o 
mandavam tomar e, em parte por esse desespero induzido pelas drogas, fez 
múltiplas tentativas de suicídio. Brigou com a família por causa dos medicamentos, 
largou as drogas e voltou para elas, passou por um ciclo de várias hospitalizações 
e, em 1987, tornou-se pai, quando sua namorada de 18 anos deu à luz Madelyne. 
Casou-se com a namorada, decidido a ser um bom pai, mas Madelyne era uma 
criança doentia, e ele e sua mulher sofreram crises nervosas na tentativa de 
cuidar da menina. A avó dele levou Madelyne para Porto Rico, e George acabou 
divorciado e morando num asilo para inválidos. Ali conheceu e se casou com uma 
mulher igualmente diagnosticada como esquizofrênica paranoide e, após uma 
série de aventuras e desventuras em San Francisco, também eles se divorciaram. 
No começo de 1991, desanimado e novamente paranoide, George baixou no Centro 
Psiquiátrico Kings Park, um hospital estadual dilapidado em Long Island. 
E veio então seu mergulho no desamparo completo. Depois de tentar introduzir 
clandestinamente uma pistola no hospital, para poder se matar, ele recebeu uma 
sentença de dois anos numa ala de acesso restrito. Em seguida, ao se aproximar o 
Natal daquele ano, aborreceu-se quando vários pacientes que eram seus colegas 
não receberam autorização para passar as festas em casa e ajudou-os a fugir, 
quebrando uma janela em seu quarto e amarrando lençóis uns nos outros para 
que eles pudessem descer até o chão. O hospital reagiu mandando-o para uma ala 
destinada a pessoas que estavam internadas havia décadas. "Fiquei então numa 
ala com pessoas que se urinavam", recordou. "Eu era um perigo para a sociedade 
e fui dopado. A pessoa fica sentada o dia inteiro, vendo televisão. Não pode nem ir 
para o lado de fora. Achei que minha vida tinha acabado." 
George passou oito meses nessa ala de doentes mentais incuráveis, perdido 
numa névoa de drogas. Entretanto, foi finalmente transferido para uma unidade 
em que podia sair dos recintos fechados e, de repente, lá estavam o céu azul para 
ver e o ar puro para respirar. Ele começou a reter a medicação antipsicótica na 
língua e a cuspi-la quando o pessoal hospitalar não estava olhando. "Voltei a poder 
pensar", contou. "As drogas antipsicóticas não me deixavam pensar. Eu parecia 
um vegetal e não conseguia fazer nada. Não tinha emoções. Ficava lá sentado, 
40 
Reflexões Experienciais 
vendo televisão. Mas, nessa ocasião, eu me senti com um controle maior. E foi 
ótimo voltar a me sentir vivo." 
Por sorte, George não sofreu um retorno dos sintomas psicóticos e, não mais 
tendo o corpo amolecido pelos remédios, começou a fazerjogging e levantamento 
de peso. Enamorou-se de mais uma paciente do hospital, Tara McBride, e, em 
1995, depois que os dois receberam alta e se transferiram para uma residência 
comunitária próxima, Tara deu à luz Brandon. George, que nunca havia perdido 
inteiramente o contato com a filha, Madelyne, passou a ter um novo objetivo na 
vida: "Percebi que eu tinha uma segunda chance. Eu queria ser um bom pai". 
No começo, as coisas não correram bem. Tal como Madelyne, Brandon nasceu 
com problemas de saúde -tinha uma anomalia intestinal que precisou de cirurgia-, 
e Tara entrou em crise, em função do estresse, e tornou a ser hospitalizada. Como 
George continuava morando numa residência para doentes mentais, o Estado 
julgou que ele não tinha condições para cuidar de Brandon, que foi entregue à irmã 
de Tara para ser criado. Em 1998, porém, George começou a trabalhar em regime 
de meio expediente como facilitador entre pares no Serviço de Saúde Mental do 
Estado de Nova York, orientando pacientes internados sobre seus direitos, e, três 
anos depois, pôde apresentar-se ao tribunal como alguém capaz de ser um bom 
pai para Brandon. "Minha irmã Madeline e eu obtivemos a custódia", contou. "Foi 
a melhor sensação possível. Simplesmente dei pulos de alegria. Parece ter sido a 
primeira vez que alguém no sistema obteve a custódia dos filhos." 
No ano seguinte, uma das irmãs de George comprou-lhe a casa em que ele 
mora atualmente. Embora ainda receba pensão do SSDI, ele trabalha sob contrato 
para um órgão federal, a Administração de Serviços de Saúde Mental e Controle 
de Abuso de Drogas, e faz trabalhos voluntários com jovens hospitalizados em 
Long Island. Sua vida é repleta de sentido e, como atesta o sucesso de Brandon na 
escola, George tem se revelado o bom pai que sonhava tornar-se. Madelyne, por 
sua vez, orgulha-se escancaradarnente do pai. "Ele queria o Brandon e eu na sua 
vida", disse. ''Isso o fez querer dar a volta na sua situação. Ele queria ser um pai 
para nós. E é a prova de que uma pessoa pode se recuperar da doença mental." 
Embora a história de George seja claramente inspiradora, ela não prova 
nada, em um sentido ou em outro, sobre os méritos globais dos antipsicóticos. 
Mas instiga uma indagação de ordem clínica: dado que sua recuperação começou 
quando ele parou de tomar antipsicóticos, será possível que algumas pessoas que 
sofrem de doenças mentais graves, como a esquizofrenia ou o transtorno bipolar, 
venham a se recuperar na ausência de medicação? Porventura a história dele é uma 
41 
ÁNATOMIA DE UMA EPIDEMIA 
anomalia, ou proporciona um discernimento do que seria um caminho bastante 
comum de recuperação? George, que hoje toma Ambien [zolpidem] ou uma dose 
baixa de Seroquel [quetiapina], ocasionalmente, para dormir à noite, acredita 
que, pelo menos no seu caso, foi o abandono dos medicamentos que lhe permitiu 
melhorar: "Se eu tivesse continuado a tomar aqueles remédios, não estaria onde 
estou hoje. Estaria preso num asilo para adultos em algum lugar, ou no hospital. 
Mas estou recuperado. Ainda tenho umas ideias estranhas, mas agora as guardo 
para mim. E supero qualquer estresse emocional que apareça. Ele fica comigo 
algumas semanas, depois vai embora". 
Manica Briggs 
Manica Briggs é uma mulher alta, marcante e, como tantas pessoas que atuam 
no movimento de "recuperação dos pares", imensamente agradável. No dia em 
que almocei com ela, num restaurante do bairro de South Boston, Manica chegou 
à mesa mancando, apoiada numa bengala, por ter se machucado em data recente, 
e, quando lhe perguntei como tinha ido até lá, ela sorriu,- discretamente satisfeita 
consigo mesma: "Vim de bicicleta", disse. 
Nascida em 1967, Manica é de Wellesley, no estado de Massachusetts, e, como 
adolescente criada naquela comunidade abastada, parecia ser a última pessoa 
fadada a ter pela frente uma vida de doença mental. Vinha de uma família culta 
- a mãe era professora da Universidade de Wellesley e o pai lecionava em diversas 
faculdades da área de Boston - e, na infância, tinha sido uma criança que se 
sobressaía em tudo que fazia. Era boa atleta, tirava as mais altas notas e exibia um 
talento especial para a pintura e a literatura. Ao concluir o curso médio, recebeu 
vários prêmios sob a forma de bolsas de estudos e, ao ingressar na Faculdade de 
Middlebury, em Vermont, no outono de 1985, acreditou que sua vida seguiria um 
rumo muito convencional: ''Achei que eu iria para a faculdade, me casaria, teria 
um labrador cor de chocolate e uma casa num subúrbio residencial, com um SUV. 
( ... ) Eu achava que tudo aconteceria assim". 
Depois de um mês como caloura na Middlebury, Manica foi atingida de 
surpresa por um grave episódio depressivo, que pareceu não ter causa alguma. 
Ela nunca tivera problemas afetivos até então, não havia acontecido nada de mau 
em Middlebury e, ainda assim, a depressão a atingiu com tal força que ela teve de 
deixar a faculdade e voltar para casa. "Eu nunca tinha abandonado coisa alguma", 
disse. "Achei que minha vida estava acabada. Achei que aquilo era um fracasso de 
que eu nunca poderia me recuperar." 
42 
Reflexões Experienciais 
Meses depois, ela regressou a Middlebury. Estava tomando um antidepressivo 
(desipramina) e, com a aproximação da primavera, seu estado de ânimo começou 
a melhorar. Mas não melhorou simplesmente num nível "normal". Em vez disso, 
seu ânimo disparou para além do que parecia ser uma situação muíto melhor. Ela 
ficou com energia para dar e vender. Passou a fazer longas corridas e se entregou 
à pintura, produzindo rapidamente autorretratos esmerados a carvão e a pastel. 
Sentia tão pouca necessidade cle sono que abriu uma empresa de camisetas. "Era 
fantástico, genial", disse. "Eu não me achava Deus nem nada, mas me sentia muito 
perto de Deus, àquela altura. Isso durava várias semanas, e depois eu desabava 
durante o que parecia ser uma eternidade." 
Era o começo da longa batalha de Monica com o transtorno bipolar. A depressão 
dera lugar à mania, seguida por uma depressão ainda pior. Apesar de ter conseguido 
concluir o primeiro ano com média 9, ela começou a passar por episódios cíclicos de 
depressão e mania e, em maio do segundo ano, tomou um punhado de comprimidos 
para dormir, com a intenção de se matar. Nos 15 anos seguintes, foi hospitalizada 
três vezes. Embora o lítio mantivesse a mania sob controle, a depressão suicida 
sempre voltava, e os médicos receitavam um antidepressivo após outro, na tentativa 
de encontrar a pílula mágica que a ajudaria a ficar bem. 
Entre as internações, houve períodos em que Monica ficou razoavelmente 
estável, e ela os aproveitou ao máximo. Em 1994, bacharelou-se na Faculdade de 
Pintura e Desenho de Massachusetts e, depois disso, trabalhou para várias agências 
de publicidade e editoras. Tornou-se membro atuante da Associação Nacional de 
Depressivos e Maníaco-Depressivos e desenhou o logotipo da instituição, o "urso 
bipolar". Em .2001 , porém, depois de ser demitida do emprego, por haver passado 
uma semana em casa por causa da depressão, seus impulsos suicidas voltaram 
para valer. Ela comprou um revólver, mas só conseguiu que ele falhasse seis vezes 
quando tentou se matar. Passou três noites num viaduto acima de uma rodovia, 
querendo desesperadamente atirar-se na autoestrada lá embaixo, mas se abstendo 
por achar que poderia causar um acidente que feriria outras pessoas. Foi internada 
várias vezes e então, em 2001, sua mãe morreu de um câncer no pâncreas, e suas 
batalhas mentais tomaram um rumo ainda pior. "Fiquei psicótica, alucinando, 
vendo coisas. Achei que tinha superpoderes e podia alterar o curso do tempo. 
Achei que tinha asas de três metros e podia voar." 
Foi nesse ano que ela entrou no SSDI. Dezessete anos depois de seu episódio 
maníaco inicial, ela ·se tornou oficialmente inválida, em decorrência de transtorno 
bipolar. "Detestei isso", afirmou. "Eu era uma moça de Wellesley dependendo 
43 
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA 
da previdência social, e não

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