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1 A PAIDÉIA CRISTÃ EM SANTO AGOSTINHO: O AMOR COMO ELEMENTO FORMATIVO SILVA, Roseli Gall do Amaral da (UEM) PEREIRA MELO, José Joaquim (UEM) Os filósofos gregos sempre disseram que o homem bom é aquele que sabe e conhece, pois o bem e a virtude são a ciência. (REALI, 1990). Já Santo Agostinho, ao contrário, defende que o homem bom é o que ama, e adverte: o que ama o que deve amar. Nesse sentido, faz-se importante, esclarecer a historicidade contida no termo “amor”, nos conceitos atribuídos e agregados a seu significado, principalmente neste período de transição, de rupturas e manutenções, da cultura clássica para cristã. O primeiro a propor uma nova conceituação a respeito do amor foi Paulo de Tarso, por volta do século I, na carta aos coríntios, no capítulo 13, Paulo de Tarso tece um elogio ao amor, afirmando não somente uma nova conceituação, mas também, carregando o termo de sentidos pedagógicos essenciais para a formação do homem cristão. Esta concepção paulina de amor apresenta uma natureza bem diferente do conceito construído pelos gregos de Eros, sobretudo em Platão, na admirável teoria do Eros, desenvolvida na obra O banquete. Para Platão Eros, não é Deus, porque é desejo, é busca, é tensão mediadora, força mediadora que tende a Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Realce Talvez, esse tenha sido o problema da filosofia grega, isto é, haver esquecido a sabedoria dos antigos, vitos que, na verdade, de acordo com Viktor D. Salis, se preocupa, a mitologia grega se ocupa, em grande medida, com a sabedoria de viver e amar. Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Riscado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado 2 conquistar a dimensão do divino. O Eros grego é falta e posse, é força de conquista e ascensão, que ascende sobre tudo a luz da beleza. (REALE, 1990). Na obra “Dicionário de Filosofia”, os gregos viram no amor uma força unificadora e harmonizadora, que move as coisas que as une e as mantém juntas, e a entenderam baseada no amor sexual, na concórdia política e na amizade. (ABBAGNANO, 2003) No “Dicionário de Mitologia Greco-Romana” (1976), nas páginas 63 e 64, o Eros, uma das divindades primordiais, é definido como uma força fundamental do mundo; assegurando não somente a continuidade das espécies, como a coesão interna do Cosmos. Na obra “O Banquete”, de Platão, Eros aparece como um “dáimon” força espiritual misteriosa, sempre em busca de seus objetivos, uma força insatisfeita e inquieta. Já o novo conceito bíblico de amor em Paulo de Tarso, não é primordialmente subida do homem, mas, descida de Deus em direção dos homens. Não é conquista, mas “dom”. Para os gregos é o homem que ama, não Deus, para os cristãos, é, sobretudo Deus que ama, porque amar é sua essência, Deus é amor.(JOÃO,3:16). Portanto, o homem só pode amar, na dimensão do novo amor, passando por um processo radical de transformação interior que lhe permita tornar-se semelhante a Deus, imitando o seu comportamento. Foi no mandamento do amor que Cristo resumiu, segundo os evangelhos, a essência dos mandamentos: “Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo” (MT. 22: 37-40). O termo grego utilizado por Paulo de Tarso para caracterizar amor é ágape, está associado tanto ao próprio conceito de Deus que é apresentado como pai, como também a condição para a vida cristã. O conceito cristão de amor caracteriza-se como dom, por apresentar Deus como quem ama a humanidade a ponto do sacrifício, mas ao mesmo tempo traz em si a definição grega de força unificadora e harmonizadora da humanidade (ABBAGNANO, 2003, p.38-41). Em Santo Agostinho, o conceito de amor, traduzido por Paulo de Tarso, ganhou corpo teórico, e definição de suas especificidades quanto à ação Esdras Emmanuel Realce Podemos tentar conciliar o amor cristão com o amor grego se consideramos que este é um reflexo impreciso, uma adaptação possível daquele ao mundo humano. Seria o nível de amor possível que o homem natural seria capaz de alcançar em vida. Mas, será mesmo que são diferentes? Em última análise, a Beleza suprema a qual, conforme os gregos antigos, o homem procura não coincidiria com o mesmo ideal cristão de amor, a saber, o ágape?! Não foi o próprio Agostinho, ou outro Pai da Igreja dos primeiros séculos da era cristã, quem afirmou, a partir do conhecimento da filosofia grega, que a alma humana é cristã?! Talvez, um equívoco, diante da doutrina da Graça, seria afirmar que o homem, pelo seu esforço próprio de amar, seria capaz de se tornar semelhante a Deus ou aos deuses. O homem já foi criado semelhante a Deus, mas há uma dimensão do esforço ético e técnico necessárias. No entanto, nem a semelhança nem este esforço farão dele digno da vida eterna prometida por Cristo. Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Nota Então, o negócio é harmonizar o impulso de viver ou de beleza com o impulso da coesão, da harmonia, da unificação para que aquele não se degenere em competição negativa que destrói o outro e a harmonia. Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Nota Há uma dimensão humana do amor e quanto a ela os gregos estão corretos. Na linguagem cristã, a mitologia e a filosofia gregas, portanto, se referem ao chamado homem natural que difere do homem carnal. (1Co. 3:1-4;12:14-16) Mas, confesso que tenho dúvidas se foi somente a este nível ao qual a cultural grega fez referência. O próprio Cristo afirmou "O vento sopra ONDE QUER, você escuta o seu som, mas NÃO SABE DE ONDE VEM, NEM PRA ONDE VAI; assim ocorre com todos os nascidos do Espírito. (...) Explicou-lhe Jesus: “Tu és mestre em Israel e não compreendes essas verdades? 11Em verdade, em verdade te asseguro que nós dizemos do que conhecemos e testemunhamos do que temos visto; contudo, não acolheis o nosso testemunho. 12Se, falando de assuntos da terra, não me credes, como crereis, se vos falar dos celestiais? 19E o julgamento é este: que a luz veio ao mundo, mas os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque as suas obras eram más. 20Pois todo aquele que pratica o mal odeia a luz e não se aproxima da luz, temendo que as suas obras sejam expostas. 21Mas quem pratica a verdade vem para a luz, para que se veja claramente que as suas obras são realizadas em Deus.” (Jo.3) Sendo assim, se entendi bem, o monopólio da salvação temporal e espiritual é, exclusivamente, da Divindade ou do Logos Eterno e não das religiões ditas cristãs. Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Nota Não só a humanidade, mas também está com o meio ambiente natural e com o cosmos como um todo. Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Realce 3 pedagógica que norteou a formação do homem cristão neste período, século V d.C. O contexto vivido por Santo Agostinho pode nos esclarecer o porquê da importância em estabelecer um vínculo social, que para o autor é o amor. A grande crise do século III, segundo Le Goff (1983), minou o edifício. A unidade do mundo romano havia desfeito e a fortaleza romana, estava ela própria cercada por volta do século IV.E no século V, as invasões bárbaras assumem um caráter catastrófico, contribuindo efetivamente para modificar profundamente a aparência do ocidente. A decadência romana, o Império corrompido, os bárbaros dentro das fronteiras, este era o quadro histórico que Agostinho presenciava de sua Numídia natal e episcopal. Agostinho viveu o declínio da cultura, da civilização que havia sido a sua; assistiu, da África, a queda do Império Romano, a tomada de Roma por Alarico, em 410. Foi, pois, vivenciando a experiência de seus contemporâneos, pagãos e cristãos, extremamente confusos, os primeiros, batendo em retirada diante da invasão dos bárbaros e os outros, frívolos, sem a têmpera dos mártires, foi precisamente dentro desta condição histórica que Agostinho escreveu a Cidade de Deus. Seus interlocutores não são abstratos, um público genérico, mas pessoas concretas, conhecidas, refugiados, que chegavam à África fugindo das invasões, cheios de medo e de mágoa, sem perspectiva, sem futuro. Roma, o símbolo de uma civilização, havia caído. Com a queda de Roma, caía também toda a esperança para o homem. A Cidade de Deus quer ser, pois, um procedimento retórico real para humanizar o homem e o salvar (CAMPOLINA MARTINS, 2003). Segundo Hamman no livro “Os Padres da Igreja”, a vida de Santo Agostinho está intimamente ligada à história do Baixo Império. Roma esforça-se para estabelecer uma situação política ameaçada internamente e externamente, graças a uma ditadura e as invasões bárbaras. Agostinho já em idade madura assiste a queda de Roma, sob os golpes dos visigodos de Alarico, por volta do ano 410, acontecimento grave, que deixou nos romanos feridas mal cicatrizadas, segundo Le Goff. Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado 4 Os campos devastados, cidades em ruínas, precipitaram o declínio agrícola, o recuo urbano, a recessão demográfica e as transformações sociais. Os camponeses livres tiveram cada vez mais que colocar-se sob a proteção dos grandes proprietários, que assim assumiam a chefia dos bandos militares, e a situação do colono estava cada vez mais próxima da do escravo. E a miséria dos camponeses transformou-se, por vezes, em revoltas trazendo uma fragilidade interna. Le Goff, em “A civilização do ocidente Medieval” (1983), relata alguns aspectos das invasões bárbaras: Em primeiro lugar, as invasões quase sempre foram uma fuga para diante. Os invasores eram fugitivos pressionados por outros mais fortes ou mais cruéis que eles.A sua crueldade era muitas vezes a crueldade do desespero, em especial quando os romanos lhes recusavam o abrigo que eles tantas vezes pacificamente lhes pediram.[ ]De facto, há duas atitudes romanas tradicionais perante os bárbaros. A princípio, conforme as circunstâncias e os homens, dispunham à porta e, mediante o estatuto de federados, respeitavam-lhes as leis, os costumes e a originalidade; desse modo lhes moderavam a agressividade e faziam deles em proveito, soldados e camponeses -minorando a crise de mão-de- obra militar ou rural. Os imperadores que praticaram esta política não ficaram com boa reputação junto aos tradicionalistas, para quem os Bárbaros eram mais bestas que seres humanos- e esta segunda atitude foi mais freqüente. (LE GOFF, 1983, p. 31). Pode-se observar, nos relatos do historiador, que havia divergências quanto a maneira que se encaravam os povos Bárbaros. Santo Agostinho, embora deplorando as infelicidades dos Romanos, recusou-se a ver na tomada de Roma por Alarico, em 410, mais que um fato corrente, doloroso como tantos outros que a história romana conheceu; e acentuou que, ao contrário da maioria dos generais romanos vitoriosos, que se distinguem pelo saque das cidades que conquistavam e pelo extermínio dos seus habitantes, Alarico, acedeu a considerar as Igrejas cristãs como lugar de asilo e respeito-as. Faz-se importante frisar as observações feitas por Le Goff, com relação ao contexto do período: Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Nota Ou seja, Agostinho considerou a queda de Roma como um ato de juízo divino ou uma consequência da quebra das leis Divinas. De tal modo que os bárbaros foram menos cruéis ou ímpios que os romanos durante suas conquistas militares, pois considerou as Igrejas cristãs um lugar de asilo a ser respeitado. 5 A verdade é que os Bárbaros beneficiaram da cumplicidade activa ou passiva da massa da população romana. A estrutura social do Império Romano, em que as camadas populares eram cada vez mais esmagadas por uma minoria de ricos poderosos, explica o êxito das invasões bárbaras (LE GOFF, 1983, p. 37). Marcus Cruz, no texto “Virtudes Romanas e valores cristãos” in “ Idade Média: Ética e política” , salienta: Nesta crise o aspecto religioso assume uma importância fundamental, para Peter Brow nada demonstra melhor o irrefutável fato de que a vida nos moldes e critérios clássicos havia se tornado intolerável, em decorrência dos problemas enfrentados pela sociedade imperial ao longo do III século, do que o desenvolvimento e consolidação no seio desta estrutura social de um conjunto de crenças diverso da religiosidade clássica (DE BONI, 1996, p. 25). A vida do homem tornou-se um campo de batalha entre os séculos II e IV, a crença presente no sobrenatural e sua intervenção na vida dos homens povoava o imaginário da sociedade tardo antiga. Na obra “A cidade de Deus” escrita entre 413-426, Santo Agostinho reflete sobre a invasão de Roma e busca justificar as acusações de que isso acontecera por causa do abandono dos antigos deuses (BOEHNER, 1970, p. 141). E na verdade, defende a tese de que o que realmente importa, é a salvação e a cidadania celeste; e que o mal é o amor a si mesmo (a soberba), e o bem é o amor a Deus, ou seja, amor pelo verdadeiro bem. De forma simples, acessível aos homens que buscava orientar, Agostinho materializa, as teorizações da ética e da moral cristã dando corpo para as ações humanas, permitindo que o mais inculto dos seres compreende-se: as ações mediadas pelo sentimento que todo ser trás em si de preservação e segurança. Universalizando as relações sociais e apregoando um reino em que todos são iguais e que devem viver em harmonia. Partindo da premissa de que o homem já traz na alma, impresso na memória, a presença oculta de Deus. Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Nota Não havia amor por parte do governo imperial romano e da sua elite política e econômica para com sua própria população. Disto, naturalmente, decorre o apoio da população aos bárbaros. Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Nota Ou seja, a crise do séc. III, tornou a vida do cidadão romano intolerável, fazendo com que ele se apegasse a um religiosidade diversa, a saber, a cristã. Esdras Emmanuel Riscado Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel RealceEsdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Riscado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Nota Amor próprio para a preservação pessoal que, em sociedade, depende do outro. E isto leva à reflexão de que o amor próprio deve ser estendido ao outro. Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Nota ...que é Amor. 6 Mas como poderíamos amar a verdade e a felicidade se não tivéssemos nenhum conhecimento delas? Pelo que devem encontrar-se ali onde já havíamos descoberto a verdade, isto é, na memória: [...] De forma que o amor encontra o seu objeto no mesmo sítio, em que já a razão o descobrira: no mais íntimo da alma, onde a memória se abre para Deus e onde mora a verdade. Na doutrina de Agostinho, a metafísica é inseparável da ética (BOEHNER, 1970,p. 167). E é segundo Santo Agostinho, essa presença oculta de Deus na alma humana que deve orientar o seu comportamento. Cabe ao homem então, educar- se para a interioridade. Todo desejo de saber e todo esforço de conhecer é uma espécie de amor. Mas como se há de amar e procurar o desconhecido? Agostinho admite que não se pode amar o que desconhece, por outro lado, não se procura senão o que se ama. Mas que espécie de amor é este que impulsiona aos que desejam saber? É claro, pois, que ninguém ama o desconhecido. Para poder tender a um objeto é necessário que a alma já possua dele uma representação prévia, por vaga ou confusa que seja. Ela forja em seu interior uma figura daquilo que deseja atingir. E o que é mais: ele tem amor a esta imagem, a ponto de sentir-se desiludida se o objeto for desconforme à aquela imagem ideal. Portanto nós amamos o desconhecido no conhecido (BOEHNER, 1970, p. 165). Nesse aspecto, a definição de amor encontrada em Santo Agostinho, guardadas as devidas proporções, traz em si vestígios do conceito de amor dos gregos, o de busca: como um “dáimon” força espiritual misteriosa, sempre em busca de seus objetivos, uma força insatisfeita e inquieta. E que em Platão, na obra “O Banquete”, é sistematizado em graus. Nesta, diversos oradores discursam sobre o que consideram ser o amor e qual o seu papel na formação do homem. O debate caminha em torno do “amor” personalizado na figura de Eros, como resposta aos anseios humanos por uma totalidade do ser, representada no processo de aperfeiçoamento do próprio eu, segundo o qual os seres tornam-se completos a partir de uma relação de amizade recíproca; como se a perfeição só se concretizasse numa unidade entre os próprios seres. Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Nota Metafísica é Deus; ética é Amor. Logo, Deus é Amor! E podemos encontrá-LO na memória, isto é, no mais íntimo da alma. A alma humana é cristã, é amorosa, reflexe o Logos. O próprio Logos nos constitui a Todos, crentes ou não, em alguma medida. Em outras palavras, temos a Imago Dei. Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Nota ... foi a Eco a quem Narciso desprezou. Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Nota Se bem que se relacionar amorosamente com o próximo, para a tradição cristã, de alguma forma também corresponde a amar a Deus. O Ap. Paulo chega a asseverar, num determinado momento, que o único mandamento consistiria em amar o próximo: "Pois toda a Lei se resume num só mandamento, a saber: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”. (Gl.5:14) Podemos entender que isso se dá porque: 1. Deus ordena que amemos uns aos outros. Ao obedecê-LO estamos amando a Deus; 2. Porque todos temos uma medida de Deus em nós. É a Imago Dei. E nisto, muitas religiões estão de acordo, embora hajam alguns diferenças conceituais peculiares a cada uma delas neste tópico. O fato é que embora tenhamos uma medida da presença de Deus em nós, não somos o próprio Deus. Poderíamos dizer que, de certa forma, somos uma forma de deuses reduzidos, menores ainda do que os próprios anjos que seriam deuses intermediários entre humanos e a Divindade suprema. 3. Portanto, não se pode dizer que amar o próximo significa, literalmente, amar a Deus diretamente porque não somos Deus, o pleroma ou a plenitude, está em Cristo. 7 Ao finalizar a discussão pelos lábios de Sócrates, Platão (1979. P.41-43), acrescentando que Eros representa um anelo de qualquer coisa que não se tem e se deseja ter, e, nesse sentido, estabelecendo relação entre Eros e a Filosofia, ampliou a busca pela perfeição humana no encontro com o próprio “eu”, que só se completava ao adquirir conhecimento. O que Santo Agostinho substituirá é a filosofia pela verdade, e essa verdade materializa-se num Deus pessoal e íntimo dos homens (BOEHNER, 1970). Criador de todas as coisas e que na doutrina agostiniana é o fundamento da existência de uma ordem objetiva. Esta ordem é o efeito da vontade divina, que é a lei interna regendo as criaturas em harmonia com as normas eternas da divina sabedoria criadora (BOEHNER, 1970, p. 187). Para Santo Agostinho a ordem social não é senão um prolongamento da ordem moral fundamental, ou seja, da reta ordem do amor. A concepção Agostiniana da moralidade ou da vida feliz é inseparável de sua doutrina social: a vida moral e a felicidade pressupõem uma vida em comunidade. Numa leitura residual da Cidade de Deus, se depreende uma visão de história como construção do Reino. Para Santo Agostinho, a história não é cíclica, como os Gregos a concebiam, mas é bíblica e, portanto, linear. (BOEHNER, 1970, p. 141). Santo Agostinho parte de um acontecimento que ocorreu uma única vez na história, segundo ele, a Encarnação do Cristo. Este evento quebra a síntese do eterno retorno e inaugura um fim para a história baseado numa mensagem soteriológica, em que o homem torna-se um peregrino na Terra e cujo alvo mais elevado é construir uma cidadania celeste. O caráter espiritual da Cidade de Deus é patente no pensamento de Santo Agostinho. Não se trata aqui, contudo, de uma teologia para gerir teocraticamente a sociedade. A cidade terrestre possui a sua autonomia, esta pode ser tanto a oposição a Deus quanto o lugar onde se coloca em prática uma ordem de coisas segundo a sua vontade, cujo princípio norteador dessas relações, segundo Agostinho é o charitas, ou o amor caridade. Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Nota Que tipo de conhecimento? Mitológico ou religioso e filosófico. Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Nota Em comparação com a perspectiva de Agostinho, a filosofia platônica, se mal compreendida, pode conduzir ao narcisismo. Mas, se entendemos que somos o reflexo de uma Beleza maior, o amor por si mesmo ou o desejo de conhecer quem somos (o conhece-te a ti mesmo da filosofia) nos remeterá a e Deus. Ou seja, a beleza menor que somos nós fará com que consideremos a beleza maior que é Deus. Esdras Emmanuel Realce Esdras EmmanuelSublinhado Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Realce Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Sublinhado Esdras Emmanuel Realce 8 Nesta obra, no livro nono capítulo XXVIII, Santo Agostinho estabelece o contraponto entre o bem e o mal tendo como base a cidade dos homens e a cidade de Deus. A primeira centrada no amor a si mesmo e no desprezo por Deus e pela vida comunitária; e a segunda centrada na compreensão de que o amor a Deus pressupõe mudanças de comportamento e valorização dos seus pares e da vida em comunidade, cuja máxima é não colocar-se em primeiro plano, mas viver para Deus. Dois amôres fundaram, pois, duas cidades, a saber: o amor próprio, levado ao desprezo a Deus, a terrena; o amor a Deus, levado ao desprezo de si próprio, a celestial. Gloria-se a primeira em si mesma e a segunda em Deus, porque aquela busca a glória dos homens e tem esta por máxima glória a Deus [...] (AGOSTINHO, 1961, p. 285). E no mesmo livro, capítulo VI, salienta a determinação da vontade e de como o homem deveria inclinar-se a educar-se para a vida social: estimulando a força motriz que segundo ele é o amor, e que remata na caridade. Sua força orientadora é a vontade, que culmina na liberdade: Em suma, como se escandila ou ofende a vontade do homem, segundo os diferentes objetos que apetece ou recusa, assim a vontade do homem se transforma em tal ou tal afeição. Por isso o homem que vive segundo Deus e não segundo o homem precisa gostar do bem e, em conseqüência, odiar o mal. E como ninguém é mau por natureza, pois tudo quanto é mau o é por vício, quem vive segundo Deus deve ódio perfeito aos maus. Tal ódio há de manter-se nesta linha: não odiar o homem pelo vício nem amar o vício pelo homem, mas odiar o vício e amar o homem. Sanado o vício, ficará unicamente o que deve amar e nada odiar (AGOSTINHO, 1961, p. 247-248). Segundo Santo Agostinho, o amor é uma atividade decorrente do próprio ser humano, ele não pode deixar de ser algo apreciável. Donde se segue que tudo quanto se faz por amor se faz por prazer. Partindo da física grega, de que todo corpo tende ao seu lugar natural em virtude do seu próprio peso, também a vontade tem seu “peso”: o seu amor. Daí Decore a premissa de que o amor é a 9 própria essência do homem, e por isso, ele não encontra repouso enquanto não encontrar o seu “lugar”. Um ser capaz de amar tende forçosamente, quer ao bem, quer ao mal. Importa a Santo Agostinho esclarecer e educar este homem para estabelecer uma ordem de prioridades em sua vida e habilitá-lo a discernir o que considerava a reta escolha das coisas a serem amadas. Quando o amor do homem volta-se para Deus, ou seja, amando os seus pares e as coisas em função de Deus, o termo utilizado é ágape, que no latim assumiu a terminologia Charitas, e que assim como Paulo de Tarso lançou as suas bases, Agostinho desenvolveu e consolidou. Sistematizando-o, estabelecendo critérios, constituindo e materializando em forma de regras e normas essa abstração, que foi o centro da Paidéia cristã. O critério para o amor estabelecido por Agostinho, distingui entre o uti e frui. Os bens finitos devem ser usados como meios e não serem transformados em objeto de fruição e deleite, como se fossem fins. E assim, a virtude dos homens, que os filósofos gregos haviam determinado em função do conhecimento, é recalibrada por Agostinho em função do amor (REALE, 1990, p.459). Segundo Santo Agostinho, a virtus é ordo amoris, ou seja, amar a si mesmo, aos outros e as coisas, segundo a dignidade ontológica própria a cada um desses seres. Essa expressão de amor devia levar necessariamente a essa reinterpretação do homem, de sua história como indivíduo e de sua história como cidadão na perspectiva do amor. E, é nesse aspecto, que o amor incorpora sua função formativa, e assume papel pedagógico na formação do homem cristão no século V: ama, et fac quod vis. Com efeito, um preceito nos foi dado: amar-nos mutuamente. Trata-se, porém, de saber se o homem deve amar seu semelhante por ele próprio ou por outro fim. [,,,] É preciso, pois, ensinar ao homem a medida de seu amor, isto é, a maneira como deve amar-se a si próprio, para que esse amor lhe seja proveitoso. Duvidar de que ele se ama e deseja o próprio bem é pura demência. É preciso também ensinar o homem como 10 deve amar seu corpo, para que tome cuidado dele, com ordem e prudência (AGOSTINHO, 2002, p. 63). Santo Agostinho soube trabalhar com esse imaginário e, explorar a imaginação do homem num momento em que as necessidades fisiológicas desse homem, são sua, maior preocupação. Dado ao contexto do período, ao estabelecer o paralelo entre as duas cidades, a terrena vivenciada naquele período e a celeste, a cidade ideal, modelo a ser conquistado; onde todos são iguais e cessam as disputas, Agostinho consegue se fazer entender e atrair a atenção de seus pares e a partir daí desenvolver um novo projeto: o que esse homem precisaria aprender a fazer para viver nessa cidade paraíso. Passa a estabelecer então um plano educacional a fim de formar este novo modelo de homem, que pode ser observado na “Doutrina Cristã” (397-430). Na obra, Amor e a caridade, apresentam-se desde logo como elementos dos quais, se deve partir para se chegar à compreensão das Sagradas Escrituras. Sob a alçada do novo mandamento, apresentado no Novo Testamento (Mat. 22, 37), o amor a Deus e ao próximo constitui um elemento fundamental na formação do novo cristão. De tudo o que foi dito anteriormente ao tratarmos sobre as coisas (de rebus), esta é a suma: que se entenda ser a plenitude e o fim da lei, como de toda a Escritura divina, o amor àquela Coisa que será nosso gozo (Rm 13,10 e 1Tm 1, 15); e o amor dos que podem partilhar conosco desta fruição (AGOSTINHO, 2002, p. 76). Concluímos, pois, afirmando que todo aquele que houver entendido ser o fim da lei [...] poderá abordar com segurança o estudo dos Livros sagrados (AGOSTINHO, 2002, p. 81). Na Obra “Doutrina Cristã” (397-426-7), o amor e a caridade, estabelecem as fronteiras que permitem ao homem conhecer essa “ luz eterna", de que fala Santo Agostinho, uma ordem dogmática e moral serviu de base para a explanação de uma sociedade intitulada por ele de “reino do amor”. Seguiu-se um segundo livro onde os signos e algumas das dificuldades que estes apresentam são discutidos e tratados segundo um processo que torna possível a interpretação. Num terceiro 11 livro, as ambigüidades provenientes do sentido das locuções, assim como da pontuação e da enunciação são tratados sob o prisma da crítica textual. Um último livro completa esta obra, tratando da oratória, sendo, no entanto, escrito posteriormente aos três primeiros. Intitulado como “Um Manual de formação cultural cristã”, a obra visa proporcionar o conteúdo e os métodos de boa formação com base bíblica. Nela demonstra-se toda a problemática que percorre no seu essencial, aos signos e às coisas. Ao iniciar a sua análise pode-se, de imediato, reportar-se a um elemento de grande importância que é, por conseguinte o amor. Essa força tendente a substituir a ordem da individualidade pela união, terá na imitação de Deus, designadamente de Cristo - imitatio Christi - o seu grande motor. Ao falar do amor e da caridade Agostinho refere-se à necessidade da compreensão das Escrituras para que a partir daí se torne possível a sua edificação. Tomaros signos pelas próprias coisas é segundo Santo Agostinho “uma miserável servidão da alma”, pois se não se compreenderem os signos que atravessam toda a Bíblia, também a compreensão da mensagem divina se torna impossível. Deste modo, edificar o amor e a caridade, finalidade última das Escrituras, torna-se conseqüentemente impossível, uma vez que as incoerências provenientes da ignorância, quer das línguas, quer dos signos não o permitem. Agostinho alerta logo no livro I, capítulo 39, da “Doutrina cristã”, que para aqueles que fundam a sua vida na fé, na esperança e na caridade e vivem nestas três virtudes, as escrituras servem de instrumento apenas para ensinar os outros (AGOSTINHO, 2002, p.80). Percebe-se com o decorrer da obra que Deus aparece como vida e sabedoria, como centro de amor de toda a criatura racional, tendo o homem que purificar o seu espírito de modo a gozar e a ver aquela verdade que vive imutavelmente (AGOSTINHO, 2002, p. 10-1). Ao sublinhar a importância do amor nesta obra, Agostinho, aponta para a interioridade do indivíduo, para a capacidade que este tem de fazer despertar em 12 si o amor humano, fundando este no amor divino. Abre-se, então o caminho para a enunciação de um determinado conjunto de pressupostos que irão ajudar o homem a descortinar o sentido das Escrituras. Contudo estas já não apontam somente para uma interioridade afetiva do homem, mas também para o formalismo lingüístico e para os problemas que os signos colocam à sua interpretação. Serão os signos a colocar problemas de interpretação, sendo, no entanto, dificuldades ultrapassáveis se tomar em linha de conta as soluções apresentadas pelo próprio autor. A não compreensão das palavras metafóricas, seguindo-as à letra, é entendida como se fosse própria, não se sabendo qual a sua verdadeira significação. Ora, para que tal não aconteça, diz Santo Agostinho, há que examinar com diligente consideração o que se lê “para se chegar a uma interpretação que nos conduza ao reino da caridade” (AGOSTINHO, 2002, p. 15). Caridade que é o fim e a plenitude das Escrituras, princípio donde Agostinho retira todas as conseqüências, pode ser corrompida por uma interpretação errada, mas se for própria a edificar a caridade não é perniciosa. Quando um cristão encerra em si a fé, a esperança e a caridade não têm necessidade das Escrituras senão para instruir os outros visando a edificar o reino da caridade, “o amor a Deus e ao próximo”, o olhar da mente eleva-se, então, acima das coisas corpóreas. Todo o bem procede de Deus: a existência pela criação, a verdade pela iluminação, a virtude ou a retidão da vontade por uma iluminação ou fortalecimento da ordem moral. A fim de lançar alguma luz sobre a maneira em que o homem individual chega a uma vida moral perfeita [...] (BOHENER, 1970, p. 103). Na concepção de Santo Agostinho, as Sagradas Escrituras são apresentadas como uma mediação que permite ao homem mortal reconhecer o Verbo imortal, no entanto apesar de ser um meio necessário, é, contudo um meio provisório. 13 Como é referido na obra “Doutrina cristã”, todo o estudioso das Escrituras não encontra nelas, outra coisa senão, que há de amar a Deus e ao próximo por Deus. Convém lembrar que o projeto educacional de Agostinho visava alcançar um povo em sua maioria ágrafo, a linguagem e a memória, e especialmente a linguagem oral, são a forma de os homens preservarem seus conhecimentos. Segundo Étienne Gilson, Deus é apresentado por Agostinho como um movimento de caridade, que atrai em direção a si suas criaturas, já que as mesmas, segundo o autor trazem inatas, ou seja, forjadas e em si, uma representação por mais vaga e confusa que seja desse movimento: o amor. Nesse sentido nosso pensamento é a memória de Deus. Logo há no homem algo mais profundo que o próprio homem (GILSON, 2007, p. 151-6). Esse conceito se expressa em termos de conhecimento, no esforço de uma razão que trabalha para se voltar do sensível para o inteligível, essa mesma razão em seu esforço para se desprender do individual sensível e se elevar progressivamente à contemplação intelectual precisa ser estimulada. Partindo do princípio de que todos os conhecimentos derivam das sensações, o que se pode conceber é o que se viu, mesmo que de forma imaginária, todas as metáforas de Deus, segundo Agostinho apontam para a sua concretude enquanto realidade ao mesmo tempo íntima ao pensamento e transcendente a ele. De forma que o amor encontra o seu objeto no mesmo sítio que a razão, e a razão é estimulada para a busca daquilo a que se atribui o bem; ser feliz é o objetivo final de todo ser humano; ara selo segundo Agostinho faz-se necessário voltar- se para o bem supremo Deus e unir-se a seus pares. Os homens que amam a Deus são unidos aos seus pares pelo amor que tem em comum. Para o autor, um povo, uma sociedade, é o conjunto dos homens unidos que na busca e pelo amor de um mesmo bem. (GILSON, 2007, p. 156). Segundo Santo Agostinho, o Estado de Deus é uma comunidade espiritual, que pressupõe um amor comum e visa um objetivo também comum: a paz. 14 No fundo vem retomar o que séculos antes havia sido dito pelos Evangelhos. E é esta a “luz eterna”, a iluminação de cujo caminho passa pela Bíblia para chegar a Deus. Um Deus que não poderemos conceber de forma alguma como uma entidade abstrata formal, mas uma realidade viva, pessoal mesmo quando diluída nos epítetos gregos: Imutável, Unidade, Bem, Luz. Ao estabelecer a necessidade do homem individual por certos limites ao amor e aos objetos, consoante ao valor deles, instaura-se uma ordem prática, que outra coisa não é senão uma aculturação e uma atividade civilizadora dentro de um padrão de regras e normas que visavam ajuizar o homem bárbaro e uma sociedade em ruínas ao exercício do sentimento comunitário. A função do amor, então, na comunidade é levar esse homem a libertar-se da escravidão da lei e aceitá-la e “amá-la” por amor de Deus. Essa mudança de entendimento, leva esse mesmo homem a comprometer-se de livre e espontânea vontade a criar laços sociais dentro de uma ordem moral e social que pontuava ávida e o bem comum. O núcleo da ética agostiniana, segundo Maria na Século in “Idade Média: ética e política”, é levar o homem a buscar o superior a parti da reflexão sobre sua própria natureza. O que Agostinho salienta estabelecendo a partir da criação a primazia do homem sobre os animais e a natureza, destacando a soberania humana para planejar e organizar suas ações. O autor salienta também a necessidade deste mesmo homem educar-se para o bem. Ao sistematizar a formação humana norteada pelo amor, Santo Agostinho, está propondo uma reeducação para o bem comum como princípio básico que poderia dar suporte para as outras necessidades fundamentais para o homem que só tem sentido na vida em sociedade como: conhecimento, cultura e educação, na verdade o seu foco direto era humanização do homem. REFERÊNCIAS 15 A Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Paulus, 3ª ed.2004. AGOSTINHO. A cidade de Deus. Vozes, Petrópolis, 1990. ______. Doutrina Cristã. Paulus, São Paulo, 2002. BOEHNER, Philotheus. GILSON, Etienne. História da Filosofia Cristã. Petrópolis, RJ. Ed. Vozes, RJ, 1970. CAMPOLINA MARTINS, Antonio Henrique. A Cidade de Deus. Revista Ética & Filosofia Política,Volume 6, Número 2, Novembro, 2003. DE BONI, Luis Alberto. (org). Idade Média: Ética e Política. 2ª Ed. EDIPUCS, 1996. GILSON, Étienne. A Filosofia na Idade Média. Martins fontes, São Paulo,2007 HAMMAN. A. Os padres da Igreja.Edições Paulinas, 3ª Ed. São Paulo, ____. LE GOFF, Jacques. A civilização do Ocidente Medieval. Ed. Estampa, Lisboa, 1993. NUNES, Ruy Afonso da Costa. História da Educação na Antiguidade Cristã: O Pensamento educacional dos Mestres e Escritores Cristãos no Fim do Mundo Antigo. São Paulo: EPU: Ed.Da Universidade de São Paulo, 1978. OLIVEIRA, Terezinha. Agostinho e a Educação Cristã: um Olhar da História da Educação. ESDC/CEMROC-Feusp/IJI-Universidade do Porto.2008. Disponível em WWW.hottopos.com/notand17/terezinha. REALE, Giovani. História da Filosofia: Antiguidade e Idade Média. I Vol. I. São Paulo: Paulus, 1990.