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Prévia do material em texto

Paulo Astor Soethe
2009
Literatura
COMPARADA
IESDE Brasil S.A. 
Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 
Batel – Curitiba – PR 
0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
Todos os direitos reservados.
© 2009 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização 
por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.
Capa: IESDE Brasil S.A.
Imagem da capa: IESDE Brasil S.A.
S681 Soethe, Paulo Astor. / Literatura Comparada. / Paulo Astor Soethe. — 
Curitiba : IESDE Brasil S.A, 2009.
204 p.
ISBN: 978-85-387-0951-0
1. Literatura – História e Crítica. 2. Literatura comparada. 
CDD 809
Paulo Astor Soethe
Possui pós-doutorado pela Universidade de Tübingen, Alemanha, como bolsista 
da Fundação Alexander von Humboldt.
Doutor e mestre em Letras (Língua e Literatura Alemã) pela Universidade de São 
Paulo (USP).
Graduado em Letras (Alemão e Português) pela Universidade Federal do Paraná 
(UFPR).
Professor de Língua e Literatura Alemã, tradutor.
Literatura: dizer sobre o mundo, dizer sobre o dizer ... 11
Literatura e discurso ................................................................................................................. 12
Literatura e mimese .................................................................................................................. 15
Literatura e estética .................................................................................................................. 21
A literatura entre as nações (e para além) ....................... 29
Contexto e percurso da literatura comparada ............................................................... 29
Culturas nacionais e globalização ...................................................................................... 31
A contribuição latino-americana ........................................................................................ 35
Autores multiculturais: Franz Kafka ................................... 47
O contexto histórico-cultural de Franz Kafka ................................................................. 47
Vida e obra de um escritor à frente de seu tempo ....................................................... 49
A Metamorfose: pop, cult and more .................................................................................... 52
O Processo: os descaminhos nossos de cada dia ........................................................... 57
Textos literários em diálogo: intertextualidade............. 67
As diversas camadas de significado no texto literário: palimpsesto ..................... 67
Raduan Nassar e Lavoura Arcaica ....................................................................................... 70
Cartas ao pai: cenas familiares, o poder e a palavra do outro .................................. 73
Temas e recursos kafkianos em Lavoura Arcaica ........................................................... 75
Sumário
Textos literários em diálogo com a tradição ................... 87
O texto literário: fascículo em coleção .............................................................................. 87
Matrizes consagradas ............................................................................................................. 89
Relato de um Certo Oriente, romance do diálogo inter-religioso ............................. 91
João Guimarães Rosa e as artes visuais ..........................105
Guimarães Rosa: uma obra brasileira para a literatura universal ..........................105
Introdução ao método de criação rosiano ....................................................................107
Guimarães Rosa, aprendiz e fruidor das artes ..............................................................109
Leitura de um episódio “visual” de Grande Sertão: Veredas .....................................113
Literatura e outras artes: a música ...................................133
Heinrich e Thomas Mann, filhos de brasileira ...............................................................133
A música como referência cultural ....................................................................................136
Personagens-artistas e a música na obra de Thomas Mann ....................................140
Literatura e História: artes do tempo ..............................159
Literatura, História: escrituras do inapreensível, marcas da memória .................161
Literatura, História: o que fica .............................................................................................163
Papel social da literatura e dos estudos de literatura comparada .........................169
Gabarito .....................................................................................183
Referências ................................................................................197
Anotações .................................................................................203
Apresentação
Este manual propõe uma reflexão sobre a Literatura como fenômeno social 
e como conjunto de produtos culturais. Entende cada obra como declaração de 
alguém que participa de uma comunidade de comunicação e que, para manifes-
tar-se, recorre a dimensões especiais da linguagem: à capacidade da linguagem 
para encenar situações concretas, revelar-se a si mesma e dizer coisas inesperadas 
sobre a vida, diante das grandes questões (como o amor, a morte, os conflitos e a 
violência, o sentido de nossa existência, a posição que cada um ocupa na socie-
dade e no mundo natural).
Sobre o pano de fundo dessa reflexão geral, este livro oferece conhecimentos 
básicos sobre o surgimento e o desenvolvimento da área de Literatura Comparada 
no âmbito dos estudos literários. Com base em exemplos, apresenta instrumental 
para análise e leitura crítica de obras em particular, relacionadas entre si ou a outras 
áreas do conhecimento e a outras artes. Dedica-se ao trabalho prático com obras de 
autores brasileiros (entre os quais Euclides da Cunha, João Guimarães Rosa, Milton 
Hatoum e Raduan Nassar) e da literatura universal (como Haruki Murakami, Franz 
Kafka, Thomas Mann e Mario Vargas Llosa). Irá relacionar essas obras entre si e a 
outros âmbitos de diálogo: outras disciplinas afins (história, filosofia, geografia e 
psicologia) e outras artes (pintura e música, em especial).
A partir de reflexões e exercícios no âmbito da disciplina de literatura compa-
rada, este manual pretende convidar a ler e espera que seus leitores estabeleçam, 
eles mesmos, comparações: relações que os levem a pensar sobre a literatura e a 
realidade, sobre o lugar que a literatura ocupa no mundo e o lugar que ela oferece 
a cada um.
Encerro a apresentação com uma palavra de agradecimento às colegas Sibele 
Paulino, Elisangela Redel, Solange Rosa Carneiro Leão, Priscila Buse, Tassia Kleine e 
Assionara Medeiros, pelo apoio na concepção deste material. Pensando neles e nas 
alunas e alunos que vão utilizar o material, lembro que o verbo grego didáskein 
significa, ao mesmo tempo, aprender e ensinar, e preciso supor que Guimarães 
Rosa conhecesse essa regência peculiar. Em Grande Sertão: Veredas, o escritor 
opera com a ambivalência do verbo. Zé Bebelo, pretenso mestre, diz a Riobaldo 
no fim do romance: “A bem. Tu foi o meu discípulo... Foi não foi?” Mas então cai 
em si, e percebe ter sido ele o aprendiz; e que só se aprende-ensina convivendo e 
dialogando. Sua conclusão: “A bom, eu não te ensinei; mas bem te aprendi a saber 
certa a vida...”
Literatura: dizer sobre o mundo, 
dizer sobre o dizer
Vamos imaginar que um leitor brasileiro se debruce sobre o romance 
Kafka à Beira-Mar, do escritor japonês Haruki Murakami.
O romance figura duas histórias, que 
em certo momento se entrecruzam.
A primeira é de Kafka Tamura, um 
jovem de 15 anos no Japão contempo-
râneo. Tendo conflitos com o pai, ele 
sai de casa em busca da mãe e da irmã, 
sob a menção direta do mito grego de 
Édipo.
A outra história é ado velho Satoru 
Nakata, que se caracteriza por ser in-
gênuo e simples, mas que é também 
uma espécie de honorável mago, capaz 
de prodígios como falar com gatos ou 
fazer chover peixes e sanguessugas.
Ambas as histórias compõem uma 
teia de referências à cultura ocidental 
(Édipo, contos de fada, obras de Franz 
Kafka e outros escritores e compositores 
europeus) e à cultura japonesa (formas 
da literatura japonesa tradicional, como 
tankas, haikus e haikais1, fatos do Japão moderno e de sua história desde a 
Segunda Guerra Mundial, entre outros).
1 Tanka é uma forma fixa de poema ou estrofe com cinco versos, dos quais o primeiro e o terceiro são livres e os demais têm sempre sete 
sílabas. Historicamente, tanka é a forma básica de poesia japonesa e por isso equivale às vezes ao termo waka, que denota de forma 
geral toda a poesia japonesa em suas formas clássicas. Quando essa literatura clássica ganhou ambientação palaciana, o tanka passou 
a ser composto de maneira dialogada por duas pessoas. Uma compunha os três primeiros versos, o hokku (estrofe inicial), e a outra, os 
outros dois, o wakiku (estrofe lateral). O hokku tornou-se ao longo do tempo uma forma fixa.
Os haikais eram poemas cômicos, muito populares a partir do século XVI. Nessa época, fundiram-se as características da comicidade 
(hai-) e a forma do hokku (-ku), e surgiu então a forma haiku, que foi promovida no século XVII, pelo grande poeta Bashô, a uma forma 
elevada, espiritual e de grande consciência artística. É essa forma haiku que se viu especialmente valorizada pelo poetas concretos, no 
Brasil do século XX, sob a designação geral haikai (sobre esta forma poética, ver, por exemplo, Franchetti; Doi; Dantas, 1996).
Haruki Murakami nasceu na cidade de 
Quioto, no Japão, em 1949. Depois de 
viver longo tempo nos Estados Uni-
dos, voltou ao seu país, morando na 
capital, Tóquio.
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Nosso leitor brasileiro, na poltrona de sua sala, ou no banco de um ônibus 
enquanto vai de casa para o trabalho, lê o romance na boa tradução de Leiko 
Gotoda. O volume foi produzido cuidadosamente pela editora carioca Objetiva, 
mas traz na capa a marca da editora espanhola Alfaguara.
Coisa curiosa: o leitor brasileiro debruça-se sobre uma história que acontece 
literalmente do outro lado do mundo, escrita em um idioma cujo alfabeto ele 
sequer seria capaz de ler. Mesmo assim, graças à boa tradução e sob as facilidades 
do mercado editorial globalizado, vê-se envolvido em uma história inquietante. 
Acaba por identificar-se com as personagens e com situações que parecem suas. 
Depara-se com referências culturais que são uma mistura de coisas próprias ao 
Japão e ao Ocidente. E já que Haruki Murakami, de forma generosa, muitas vezes 
explicita e explica essas referências, nosso leitor brasileiro (como o leitor japonês, 
ou outro qualquer) informa-se sobre um repertório cultural imenso, pensa, refle-
te e posiciona-se em face de questões fundamentais para qualquer ser humano: 
relações com a família, amor e amizade, o poder e os limites da palavra, os desa-
fios de tornar-se adulto, envelhecer, despedir-se da vida...
Murakami conhece bem a tradição literária japonesa e a ocidental. Deixa isso 
claro ao escrever seu romance. Kafka à Beira-Mar exige do leitor que perceba a 
literatura como fenômeno humano, capaz de ultrapassar fronteiras nacionais e 
idiomas específicos. Exige dele que seja capaz de comparar os contextos e tradi-
ções diferentes que a obra envolve, os diálogos que ela estabelece, os textos e 
referências que confluem para ela.
A literatura comparada, como disciplina acadêmica, ajuda a entender essa 
dimensão das obras literárias: a inserção de cada texto e de cada conjunto de 
textos (uma literatura nacional, ou a literatura de determinado período) em uma 
rede de relações.
Porém, antes de definir e apresentar a disciplina, contar um pouco de sua 
história e analisar obras específicas sob sua óptica, cabe explicar que aspectos 
da literatura iremos destacar.
Literatura e discurso
Em primeiro lugar, vamos definir discurso, que será um conceito central em 
nossa reflexão. Para nós, no sentido de filósofos como Jürgen Habermas e Karl-
Literatura Comparada
13
Literatura: dizer sobre o mundo, dizer sobre o dizer
-Otto Apel, discurso quer dizer a interlocução (a conversa ampla) que se dá em 
um contexto social, histórico e reflexivo determinado. (O termo discurso também 
tem outros usos na linguística ou na psicanálise, mas esses usos não nos interes-
sarão aqui.)
Cada um de nós integra a sociedade como sujeito. Na sociedade, partici-
pamos de comunidades de comunicação mais ou menos formalizadas, em um 
tempo e um espaço específicos. Denominamos discurso o debate e as ações co-
municativas que uma comunidade de comunicação conduz em torno de deter-
minada questão.
Quando pagamos a passagem de ônibus, por exemplo, participamos da or-
ganização estruturada de todo o sistema de transporte coletivo de nossa cidade. 
Se fazemos isso de forma consciente, tanto melhor: então sabemos ser sujeitos 
na organização desse sistema, sabemos ter direitos e deveres diante de todos os 
outros sujeitos que participam dele (prefeitura, planejadores urbanos, empre-
sas de ônibus, motoristas, cobradores, demais passageiros). Pagar a passagem 
de ônibus pode significar: “Participo da comunidade de comunicação que or-
ganiza e utiliza o sistema de transporte coletivo”. E disso decorre a possibilidade 
de propor ou exigir melhorias, reclamar formalmente se o ônibus vem lotado 
demais ou atrasado, ou elogiar se tudo funciona bem. Essas são formas de parti-
cipar do discurso sobre o sistema de transporte coletivo da cidade.
Outro exemplo: se lemos a resenha de um romance no jornal, decidimos 
comprá-lo ou emprestá-lo na biblioteca e o lemos, participamos da comunidade 
de comunicação organizada em torno da literatura, em um discurso específico 
sobre esse romance. Se gostamos do livro e o recomendamos para um amigo que 
também decide lê-lo, integramos o discurso sobre o livro de forma ativa: fazemos 
em nível individual o que o resenhista do jornal faz em nível coletivo, no espaço 
público. Portanto, há um discurso que trata das obras literárias como produtos 
culturais, e integramos esse discurso ao ler e falar sobre literatura, ou estudá-la 
em uma disciplina, como agora. Fazem parte desse discurso escritores e críticos 
especializados, professores e alunos em colégios e universidades, bibliotecários, 
administradores de arquivos literários, editores, os leitores de maneira geral.
O discurso literário, no entanto, tem uma peculiaridade: o produto cultural 
sobre o qual se discute, o texto literário, também integra o discurso como uma voz 
na comunidade de comunicação – não participa de maneira passiva, como objeto, 
mas também como a voz de um sujeito dessa comunidade, em caráter ativo.
14
Assim, um romance, por exemplo, fala sobre si mesmo. Diz de si, inaugura 
um debate sobre si mesmo. Além de falar de si, também traz declarações sobre 
outros assuntos e, portanto, participa de outras comunidades de comunicação. 
O texto fala de outros textos e manifesta-se igualmente sobre outros temas.
O romance de Haruki Murakami, que comentávamos há pouco, fala de si 
mesmo, inaugura o discurso sobre si. Mas participa também do discurso sobre 
Édipo Rei, de Sófocles (496-406 a.C.), e sobre as obras de Franz Kafka (1883-1924), 
entre outras. A literatura comparada tem nesse caso um papel a desempenhar, 
como veremos: ela estuda as relações de contato entre obras e literatura diversas, 
por exemplo. No romance japonês, o protagonista chama-se Kafka e tem uma 
forte semelhança biográfica com o escritor tcheco, na relação tensa com o pai. 
No romance de Murakami, o personagem Kafka tem uma espécie de “amigo 
imaginário” que se chama Corvo (é o significado da palavra kafka em tcheco); e o 
romance ainda diz textualmente, no diálogo entre o protagonista Kafka Tamura 
e seu amigo Oshima:
– Kafka Tamura?– É o meu nome.
– Que estranho.
– Mas é o meu nome – insisto.
– Presumo que você já tenha lido algumas obras do escritor Franz Kafka.
Confirmo com um aceno de cabeça:
– O Castelo, O Processo, A Metamorfose e mais aquela história em que aparece uma máquina 
de execuções estranha.
– Na Colônia Penal – diz Oshima. – Gosto desta história. Existem milhares de escritores no 
mundo, mas só mesmo Kafka seria capaz de escrever esta.
– Das novelas de Kafka, essa é a de que mais gostei.
– Verdade?
Confirmo com um aceno.
– Quais aspectos você aprecia?
Penso um pouco a respeito. Pensar me toma tempo.
– Em vez de tentar explicar nossa condição, Kafka prefere explicar, em termos mecânicos 
simples, esse complexo aparelho. Ou seja... – paro para pensar novamente. – Ou seja, assim ele 
conseguiu explicar de maneira mais eloquente que qualquer outro escritor a condição em que 
vivemos. Isto é, expressou melhor não falando da nossa condição, mas das particularidades 
da máquina.
– Resposta bem formulada – diz Oshima. Depois, põe a mão no meu ombro. Percebo no seu 
gesto uma espécie de simpatia natural por mim.
– Realmente, acho que Franz Kafka concordaria com você. (MURAKAMI, 2008, p. 73-74)
Literatura Comparada
15
Literatura: dizer sobre o mundo, dizer sobre o dizer
Parece não restar dúvida de que seja relevante uma leitura de Kafka à Beira- 
-Mar que compare o romance à obra do escritor judeu tcheco de língua alemã. 
Ou melhor, parece ser relevante uma leitura do romance à luz da obra de Kafka, 
com destaque para as possíveis relações entre ambas.
Além disso, no entanto, o romance japonês fala também de outros assun-
tos que não são estritamente literários. Ele aborda as relações entre o Japão e 
o Ocidente, a presença norte-americana naquele país durante o pós-guerra, e 
questões de interesse geral, como adolescência e amor.
Quem recomenda Kafka à Beira-Mar a um amigo e depois conversa com ele 
sobre os traços adolescentes da personagem Kafka Tamura, os supostos con-
flitos dele com o pai e o papel desses conflitos na caracterização da persona-
gem, por exemplo, participa, junto com Murakami, de um discurso mais amplo 
sobre a adolescência e as possibilidades de formação individual na sociedade 
contemporânea.
Se o livro é discutido sob esse viés em um congresso de psicologia comporta-
mental dedicado ao trabalho com adolescentes, por exemplo, o discurso acerca 
do romance integra-se a um outro discurso formal sobre o assunto, entre psicó-
logos. E aí também entra em cena a literatura comparada, quando se trata de 
aproximar a literatura de outras áreas do saber.
Mas isso significa que a literatura fala sobre a realidade? Significa que ela tem 
um “valor de verdade”? Mas como, se os textos literários apenas figuram situações 
imaginárias, no ambiente da ficção, do fingir? Será que o poeta chega mesmo a 
“fingir que é dor a dor que deveras sente?”, segundo o conhecido poema de Fer-
nando Pessoa (1888-1935)? E, mesmo fingindo, diz algo relevante sobre a vida 
concreta das pessoas e da sociedade?
Literatura e mimese
Cabe introduzir aqui um segundo conceito fundamental para nossa reflexão: 
o conceito de mimese. Durante muito tempo, traduziu-se mimese (ou mímesis) – 
termo usado por Aristóteles já nas primeiras linhas de sua Poética – por “imitação”. 
16
Esse entendimento do termo levou a pensar que a literatura imita a realidade, 
criando uma espécie de “mundo paralelo”, autônomo em relação ao contexto 
em que a obra surge ou é recebida.
O pensador brasileiro Luiz Costa Lima, já nos anos 1980, acompanhou de 
perto a longa discussão e pesquisa filológica que ajudou a compreender melhor 
o conceito aristotélico. Hoje, como resultado dessa pesquisa e discussão, ten-
de-se a traduzir e entender mimese como “emulação” (sentimento de rivalidade 
construtiva que incita alguém a imitar o outro, igualar-se a ele ou mesmo exce-
dê-lo). Por coincidência, é a mesma palavra que se usa em informática para falar 
dos ambientes que imitam situações em um meio digital. Para treinar pilotos de 
avião, por exemplo, criam-se emulações da cabine e das situações de pilotagem, 
como se a pessoa em formação estivesse dentro de um avião de verdade. Mas 
não se está imitando a realidade, e sim, tornando possível que alguém vivencie 
uma realidade própria, com os elementos que haveria na realidade propriamen-
te dita, mas em uma situação única e nova. Vamos entender o raciocínio de Costa 
Lima e em seguida voltar ao nosso exemplo do romance japonês.
Para o pensador brasileiro, desde fins da Idade Média, a produção de textos 
ficcionais vem sendo acompanhada pelo exercício de um controle por parte da 
verdade dominante na sociedade em que se dá tal produção. As regras poéticas 
e um lugar bem delimitado para a literatura seriam instrumentos desse controle, 
que se notava de modo muito claro e formalizado no período entre o Renasci-
mento e o Iluminismo, mas que até hoje ainda se faz notar. Esse controle, que as-
sumiu faces diversas em momentos históricos e circunstâncias sociais diferentes, 
deve-se à própria natureza da ficção literária: como ela cria uma forma discursiva 
diferenciada, insubmissa à verdade empírica, está sempre “passível de entrar em 
choque com o que lhe permite o discurso no poder, o assim chamado discurso 
da verdade” (LIMA, 1988, p. 3).
Vejamos a definição e a caracterização da mimese que Costa Lima oferece. 
De início, ele estabelece alguns pressupostos que devolvem à mimese seu ca-
ráter de participação no tecido comunicativo e social. Para ele, “todo fenômeno 
é recebido pelo agente humano de acordo com um conjunto de expectativas, 
apreendido a partir da cultura a que o agente pertence” (LIMA, 1986, p. 361). Ou 
seja, nada “cai do céu”, mas surge para nós no ambiente cultural em que vivemos, 
segundo o que esperamos ver. É por isso que certos gestos inesperados impres-
sionam e marcam tanto. Um líder religioso, de quem se espera que seja contido 
e sisudo, pode causar sensação se, ao chegar em um país estrangeiro e descer 
do avião, de repente se agacha e beija o chão; ou da mesma forma um cientista 
genial, se de repente mostra a língua diante das câmeras.
Literatura Comparada
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Literatura: dizer sobre o mundo, dizer sobre o dizer
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O papa João Paulo II (1920-2005) beijando o chão ao chegar ao país 
que visitava, conforme costume por ele iniciado.
O físico alemão Albert Einstein (1879-1955), em 
sua foto mais famosa.
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o.
Mas essas são exceções. O receptor do texto ficcional (o leitor) geralmen-
te estará orientado por uma expectativa culturalmente socializada do que se 
deverá ver; e o produtor (o escritor), por sua vez, terá sempre o costumeiro como 
ponto de partida para a representação do que deseja criar. A mimese movimen-
ta-se em uma rede social de representações, pautada pelo conjunto de expec-
tativas comuns.
18
Assim, a atividade literária, como qualquer outra, dá-se primeiro como uma 
atualização de noções comuns às pessoas que constituem o ambiente social e 
cultural de quem produz as obras. Luiz Costa Lima escreve que “a primeira sensa-
ção que a mimese provoca, a sensação de semelhança, deriva da correspondência 
com os quadros de referência e expectativas daí resultantes” (LIMA, 1989, p. 68).
Quando as obras são recebidas, porém, encontram contextos e grupos sociais 
sempre diversos. Ou seja: a sensação de semelhança, que se repete apesar de os 
quadros de referência poderem variar, não esgota a experiência da mimese lite-
rária. Há ainda o acordo tácito entre escritor e leitor, segundo o qual se destaca a 
percepção da diferença entre realidade e ficção. Por isso, o resultado da mimese 
é o oposto de mera imitação: “A mimesis [...] é produção da diferença e não o 
império da semelhança” (LIMA, 1988, p. 359). A mimese, “ao contrário da falsa 
tradução, imitatio, não é produção da semelhança, mas produção da diferença. 
Diferença, contudo, que se impõe a partir de um horizonte de expectativas de 
semelhança” (LIMA, 1986, p. 361).Segundo o estudioso brasileiro, essa diferença se estabelece por conta de 
dois fatores: a resposta individual e criativa de cada um dos produtores e a pró-
pria variação dos quadros históricos e sociais, que impõem novas questões, às 
vezes inadequadas às formas já existentes.
Isto é, o escritor impõe sua criatividade subjetiva, e assim faz irromper o novo 
no discurso social. Poderíamos dizer que ele “beija o chão” ou “mostra a língua 
diante das câmeras”. (E para inovar coloca em questão até mesmo sua individu-
alidade, como veremos.) De outra parte, às vezes são o contexto e as relações 
do discurso que mudam e atualizam de forma inesperada o texto literário (ou 
pretensamente literário). Quem poderia supor que bruxos e magos dominariam 
as preferências do mercado editorial adolescente e adulto na virada do século 
XX para o XXI?...
Assim, um aspecto muito importante para Costa Lima é que a literatura dissi-
pa as regras generalizadas quanto ao uso da linguagem. Mas ela dissipa também 
uma pretensa “expressão do eu”. O autor deixa de expressar uma opinião ou uma 
posição única, e encena diversas possibilidades em suas histórias ou poemas. No 
meio literário ficcional, segundo Costa Lima, “o eu se torna móvel, ou seja, sem se 
fixar em um ponto, assume diversas nucleações”; essa diversidade, no entanto, 
é possibilitada “pelo ponto que o autor empírico ocupa” (LIMA, 1986, p. 238). E 
disso conclui-se que
Literatura Comparada
19
Literatura: dizer sobre o mundo, dizer sobre o dizer
A imaginação permite ao eu irrealizar-se enquanto sujeito, para que se realize em uma proposta 
de sentido. Pois, se é verdade que a unidade do eu é uma ilusão “cartesiana”, não é menos 
verdade que a procura de uma unidade, nunca acabada e sempre provisória, é a condição 
necessária para não nos desagregarmos no contínuo das experiências. [...] pela ficção, o poeta 
se inventa possibilidades, sabendo-se não confundido com nenhuma delas; possibilidades 
contudo que não se inventariam sem uma motivação biográfica. Menos do que disfarce, a 
ficção, poemática ou em prosa, é uma produção direcionada pela unidade (instável) do eu. 
(LIMA, 1986, p. 358-359)
Voltemos ao nosso exemplo. Assim como supusemos que Kafka à Beira-Mar 
pudesse ser relevante para psicólogos que discutem comportamento adoles-
cente, o romance de Murakami também integra de maneira calculada (pelo pró-
prio autor) um debate sobre a identidade cultural japonesa a partir do fim da 
Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Como se sabe, o Japão precisou mudar 
muito a partir do fim da Segunda Guerra, quando foi derrotado pelos Estados 
Unidos, depois de haver cometido o erro histórico de tornar-se o mais importan-
te aliado da Alemanha nazista. Os leitores percebem a participação de Murakami 
nesse debate delicado e buscam interpretar imagens e metáforas do livro sob 
esse viés, perguntando-se o que essas imagens e metáforas poderiam significar 
na discussão sobre o assunto.
De maneira muito própria à literatura, no entanto, não há como afirmar com 
base no romance o que Murakami pensa em definitivo sobre o assunto, porque 
ele não emite opiniões fixas, mas cria situações ficcionais em que o problema 
aparece. Como escritor, lança mão de recursos especiais da linguagem para 
propor perguntas sobre a questão da identidade cultural japonesa. Ele propõe 
“enigmas” literários, por assim dizer, que levam os leitores a pensar sobre o 
assunto. Como Murakami cria um texto autônomo, com personagens, tempo 
e espaço próprios, é possível ler seu texto e entrar nesse debate a qualquer 
momento, desde que se disponha, como leitor, de conhecimentos mínimos 
sobre a participação do Japão na Segunda Guerra Mundial e as consequências 
de sua derrota.
A dicção literária, a voz proferida sob a forma de literatura, destaca de maneira 
especial as condições concretas de pensamento e interação em que ela mesma 
surge. O texto literário enuncia algo e ainda figura, em si mesmo, as condições e 
os elementos dessa enunciação. Haruki Murakami, de dentro do Japão contem-
porâneo, figura uma história no contexto japonês, para pensar sobre seu país. O 
Japão que ele discute, embora seja ficcional, não é “fictício”, não é “de mentira”. 
E aqui surge uma distinção importante, que o pensador alemão Heinz Schlaffer 
explica da seguinte maneira:
20
Ao substantivo ficção relacionam-se dois adjetivos: fictício e ficcional. Denominam-se fictícias 
as noções que não resistem a um exame crítico, quando se trata de verificar se elas são 
verdadeiras; denominam-se ficcionais as noções que renunciaram à pretensão de serem 
verdadeiras e apenas brincam com essa pretensão. Fictício é uma qualidade negativa, ficcional 
é uma qualidade positiva. Que algo seja fictício só se descobre depois; que algo seja ficcional 
aceita-se desde o início. Fictício é um juízo emitido pelo saber; ficcional designa um ato 
voluntário da consciência. (SCHLAFFER, 1990, p. 145, tradução nossa)
Um romance contém e revela marcas reais de quem o enuncia e das con-
dições sob as quais se enuncia. Ele não narra uma história que vamos desco-
brir ser uma inverdade, no final da leitura – já de antemão sabemos que não se 
trata disso: “ficção não é sinônimo de falsidade, mas de suspensão do limite que 
separa os conceitos de falso e de verdadeiro” (SANTOS; OLIVEIRA, 2001, p. 19). 
Por isso o texto literário contém uma dimensão tão forte de relação com o real, 
embora seja irreal: ele se refere a coisas no mundo, à pessoa que se refere a elas 
e aos processos de comunicação dessa referência – um tempo, um lugar, perso-
nagens concretas, e não apenas ideias abstratas. A verdade do texto ficcional é 
devida à sua concretude e à sua especificidade.
O texto literário não finge ser a enunciação de uma voz neutra e objetiva, 
como se fosse a “embalagem” de um mero conteúdo de saber, opinião, sen-
timento... O que a literatura faz é explicitar em si o fato de ser enunciada por 
um sujeito diante de outros sujeitos, e sob condições materiais e comunicati-
vas muito concretas. Com isso, a literatura se despe das ilusões de objetividade 
(como se a verdade surgisse de um sujeito único e ideal diante de um objeto). Ao 
contrário, na literatura, só existe enunciação marcada pelas condições concretas 
do discurso, do debate em que se diz algo. E por isso o texto literário se torna 
mais “objetivo”: ele reconhece, figura e manifesta os limites e as possibilidades 
de sujeitos mergulhados em uma comunidade de comunicação, a qual simples-
mente não existe fora de um contexto social, material e cultural.
Como vimos até aqui, o dizer literário acontece em meio ao discurso de uma 
comunidade de comunicação. A literatura usa recursos da ficção e da mimese, 
da emulação de um ambiente concreto em que os personagens se movem, en-
cenando situações e debates. E essas situações e debates são reconhecidos pelo 
escritor e pelos leitores como suas, já que o interesse que marca os atos da escri-
ta e leitura é entender o mundo e pensar sobre a realidade humana.
De seu lugar discreto, cada poema, cada conto, cada romance resiste à pre-
valência de usos da linguagem natural que se limitam à simples repetição e ao 
controle social. A literatura, sob certo aspecto, é um reduto para o sujeito criativo 
no tecido social comunicativo. Por ser a voz de um sujeito, revela a cada um o po-
tencial de renovação das formas de comunicação e de compreensão do mundo. 
Literatura Comparada
21
Literatura: dizer sobre o mundo, dizer sobre o dizer
Os textos literários carregam em si conhecimentos sobre a vida e a experiência 
humana e aguçam a consciência (individual e social) quanto a certas formas de 
conhecer: ativam a sensibilidade e a imaginação, chamam a atenção do sujeito 
para sua participação no mundo material partilhado com os outros, para sua 
participação em uma comunidade de comunicação que se imagina e se reconfi-
gura a todo momento.
Literatura e estética
Resta explicar um terceiro aspecto do texto literário que para nós será muito 
importante.Trata-se aqui de uma característica central da literatura, que torna 
possível aos escritores e leitores questionar e inovar as formas de comunicação 
no discurso de que participam, bem como interagir com outras tradições artísti-
cas: a dimensão estética do texto literário.
A noção de estética que nos interessa está diretamente relacionada com sua 
origem grega: aisthesis significava, em grego, “sensação”, “percepção proporcio-
nada pelos sentidos” (visão, audição, tato etc.).
A palavra anestesia, por exemplo, tem a mesma origem que a palavra estética. 
Se alguém sofre um corte grave na mão e precisa levar pontos, toma uma anes-
tesia local e deixa de ter sensações ali, para não sentir dor. Deixa de sentir dor e 
também quaisquer outras sensações. Anestesia, portanto, quer dizer sem (an-) 
sensação (aesthesis). Estética, portanto, tem a ver – de um jeito positivo – com as 
sensações proporcionadas pelos sentidos, pelo aparato de nosso corpo que nos 
permite perceber o mundo à nossa volta.
Na literatura, importa muito ativar as sensações físicas, ao contrário do que 
acontece em outros registros neutros e abstratos da linguagem.
Há poemas, por exemplo, em que a sonoridade é no mínimo tão importante 
quanto o que se diz. Ou seja, o que percebemos com nossa audição (os sons 
mesmo, desprovidos de conteúdo intelectual, abstrato) é significativo para a 
fruição do poema, como se ao lê-lo estivéssemos ouvindo música. Veja-se a co-
nhecida estrofe do poema “Violões que choram...”, do catarinense Cruz e Sousa 
(1861-1898), que foi escrito em 1897 e cujas repetições de v e l, organizadas em 
um ritmo regular, tornam presente a regularidade rítmica do violão e aludem à 
sonoridade do vento. Mesmo quem não fale português pode, sem nada enten-
der, perceber a riqueza sonora do texto:
22
Vozes veladas, veludosas vozes,
volúpias dos violões, vozes veladas,
vagam nos velhos vórtices velozes
dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas. (SOUSA, 2009)
Há outros poemas em que a visão desempenha papel central, pois é necessá-
rio ver a forma gráfica do poema para fruí-lo bem. Esse recurso já é explorado há 
séculos pela literatura. O texto a seguir é de 1672 e foi escrito pelo poeta barroco 
Johannes Praetorius. Nesse poema, a disposição dos versos imita o objeto de 
que eles falam: o trevo.
D
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 p
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lic
o.
A dimensão visual dos textos alcançou papel central na produção e discussão 
dos poetas concretistas brasileiros a partir dos anos 1950. A produção e debate 
teórico de autores como os irmãos Augusto e Haroldo de Campos, Décio Pignatari 
e Ronaldo Azeredo mereceram grande atenção na cena literária internacional.
O poema “Velocidade”, a seguir, que Ronaldo Azeredo (1937-2006) publicou 
em 1958, explora a dinâmica visual da letra v e demais letras. Cria, assim, jus-
tamente a impressão de um deslocamento dinâmico da palavra na superfície 
da página e se proporciona a sensação visual da velocidade de um objeto em 
movimento.
Literatura Comparada
23
Literatura: dizer sobre o mundo, dizer sobre o dizer
D
om
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lic
o.
Mas também a leitura silenciosa de um texto linear e “bem comportado” 
na sua forma gráfica ou sonora apela o tempo todo para nossas sensações. Os 
textos literários de maneira geral lançam mão da matéria mais tênue e gratuita 
do nosso repertório de bens culturais (a linguagem natural, que nos é dada na 
infância) e com isso estimulam nosso pensamento, mesmo sem a presença de 
dados figurativos como imagens e sons.
É como se a literatura afirmasse: naquilo que se diz há mais do que se diz, e 
não devemos nos limitar aos conteúdos estabelecidos e prontos. Estamos imer-
sos no mundo de corpo e alma e por isso podemos interferir em nosso ambien-
te. Até mesmo a palavra, que parece tão abstrata e imutável, tem uma dimensão 
concreta, material e inovadora. Quando o escritor cria espaços, cores, luminosi-
dades, dados “físicos” do mundo que cerca seus personagens, opera com a lin-
guagem natural disposto a revelar o funcionamento dela no ambiente discursi-
vo. E torna viva a dinâmica da consciência individual que essa mesma linguagem 
faz presente no ambiente social.
O autor e o leitor de textos literários mantêm-se atentos à dimensão formal e 
à materialidade da linguagem. Quando lemos e escrevemos, figuramos os diver-
sos fatores e operações presentes na situação discursiva em que o próprio texto 
24
surge e se atualiza. O romance destaca as formas de construção do mundo que 
cerca as personagens, a temporalidade e circunstância histórica em que vivem, 
as formas e convenções das relações interpessoais, sentimentos e motivações, 
pulsões e cálculos dos participantes envolvidos nas comunidades de comunica-
ção ali presentes.
No romance Kafka à Beira-Mar, há um momento em que o adolescente Kafka 
Tamura pensa ter visões de uma menina imaginária, que lhe aparece durante a 
noite. Ele começava a se apaixonar por uma mulher bem mais velha, a senhora 
Saeki, e por isso passa a fantasiar a presença dela, só que muito mais jovem. 
O trecho do romance em que o adolescente reflete sobre o que lhe acontecia 
talvez seja uma metáfora muito bonita para explicar a literatura:
Sinto o cheiro do mar no vento que me chega através do bosque de pinheiros. O que vi na 
noite anterior foi sem dúvida alguma a senhora Saeki de 15 anos de idade. Ela está viva, 
naturalmente. Vive no mundo real, como uma mulher real de mais de 50 anos. E neste exato 
momento trabalha sentada à escrivaninha da sala existente no andar superior. Se eu sair daqui 
e subir as escadas, posso me encontrar com ela. E também conversar com ela. Não obstante, o 
que vi ontem à noite tinha sido o “fantasma” dela. Uma pessoa não pode estar em dois lugares 
ao mesmo tempo, dissera Oshima. Pode sim, em algumas situações. Agora sei disso com 
certeza. Pessoas vivas se transformam em “fantasmas”.
E outro fato importante: o “fantasma” me atrai. Não é a senhora Saeki presente aqui e agora 
que me atrai, mas a senhora Saeki ausente, de 15 anos. Uma atração forte, além do mais. 
Inexplicavelmente forte. E isso é real, não há como negar. Pode ser que a garota não seja real. 
Mas o que palpita com força é o meu coração real. (MURAKAMI, 2008, p. 275)
Essa metáfora – em que o “fantasma” imaginário, mesmo sendo irreal, faz pal-
pitar com força o coração real em busca de alguém – talvez ajude a entender o 
que move milhões de pessoas a ler e valorizar a literatura, mesmo em um tempo 
de tantas outras alternativas de entretenimento e informação. Sendo uma espé-
cie de “máquina” muito sofisticada, cada texto literário mostra-se capaz de ativar 
nossa consciência e nossos sentidos e de conectar-nos a uma comunidade de 
comunicação ilimitada (até com quem está do outro lado do mundo...).
A literatura comparada, como disciplina acadêmica, mostra-se particular-
mente atenta ao potencial de formação individual e integração coletiva dos 
textos literários. E talvez ela de fato represente “mais que uma disciplina acadê-
mica”, como escreveu François Jost, um dos grandes comparatistas, em ensaio 
memorável, de 1974:
A literatura comparada representa uma filosofia das letras, um novo humanismo. [...] é 
uma visão globalizante da literatura, do mundo das letras, uma ecologia humanística, uma 
Weltanschauung2 literária, uma visão globalizante da literatura, englobante e abrangente. 
(JOST, 1994, p. 344)
2 Weltanschauung: visão de mundo.
Literatura Comparada
25
Literatura: dizer sobre o mundo, dizer sobre o dizer
Texto complementar
Autopsicografia
(PESSOA, 2009)
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
Atividades
1. Qual a diferença entre fictício e ficcional?
26
2. Apresente com suas palavras o conceito de mimese proposto por Luiz Costa 
Lima.
3. Qual arelação entre as palavras estética e anestesia?
4. Relacione o poema “Autopsicografia”, de Fernando Pessoa, apresentado 
como texto complementar, e a última citação do romance Kafka à Beira-Mar 
(p. 275, no original). O que ambos têm em comum?
Literatura Comparada
27
Literatura: dizer sobre o mundo, dizer sobre o dizer
Dica de estudo
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brasileira. Não deixe de visitar, ler os textos e apreciar o material audiovisual dis-
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A literatura entre as nações (e para além)
Erro de português
Quando o português chegou
Debaixo duma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português
Oswald de Andrade
Trataremos do surgimento e percurso histórico da literatura comparada 
como área acadêmica. Procuraremos esboçar de maneira breve os dados 
mais importantes das discussões conduzidas na Europa e nos Estados 
Unidos em torno das tarefas e teorias dessa área de estudos, para então 
nos concentrarmos na realidade latino-americana e brasileira.
Contexto e percurso da 
literatura comparada 
Em primeiro lugar, é preciso ter claro que, como área acadêmica, a lite-
ratura comparada nasce de uma concepção de literatura fortemente mar-
cada pelo cultivo das culturas nacionais nas universidades e meios cultu-
rais de países que se consolidam (e também concorrem entre si) ao longo 
dos séculos XIX e XX.
Como relata a professora Sandra Nitrini, em Literatura Comparada: 
história, teoria e crítica (2000, p. 20), nas universidades francesas o ensino 
da disciplina teve início no final da década de 1820. Um nome impor-
tante na época foi, por exemplo, o do historiador da literatura Philarète 
30
Chasles. Para ele, sob um espírito otimista, importava refletir sobre as influ-
ências que, a partir dos trânsitos das literaturas, um caráter nacional pudesse 
exercer sobre outro.
Nessa época, as conquistas do Romantismo – como o reconhecimento da li-
berdade criadora individual e a atenção às formas na natureza e na cultura – tor-
navam muito importantes para a reflexão artística as transformações das obras 
ao longo da história e a existência de realizações distintas em diferentes regiões. 
Diferenças e características particulares eram um fator central para a definição 
de estilos, períodos e obras literárias.
No entanto, pelas circunstâncias daquele contexto histórico, acabava sendo 
mais importante para os estudiosos reunir as obras literárias sob uma mesma 
categoria, segundo a ideia de identidade nacional. As obras de um mesmo país 
eram vistas e valorizadas como manifestação de um caráter e de um destino 
nacional. A história literária estabeleceu-se como instrumento de unificação na-
cional. Tomaram-se obras do passado medieval (como a Chanson de Roland, na 
França; A Divina Comédia, de Dante Alighieri, na Itália; ou a Canção dos Nibelungos, 
na Alemanha) e sobre elas se impôs uma aura de originalidade, como se represen-
tassem, desde um tempo remoto, o caráter nacional francês, italiano ou alemão.
Sob esse espírito, as filologias nacionais se consolidaram nas universidades 
e, a partir do advento do positivismo (fim do século XIX), mesmo a necessida-
de de uma “cientificidade” para a disciplina de letras não colocou em questão 
a perspectiva de que literatura é sempre literatura de um país, manifestação de 
nacionalidade.
Entretanto, no viés assumido pela literatura comparada havia elementos au-
tocríticos e antecipadores de outras possibilidades. Assim, a própria disciplina se 
via de modo crítico e percebia que ela mesma intuía algo para além do naciona-
lismo. Em 1893, o professor Joseph Texte, que lecionava literatura comparada na 
Universidade de Lyon, escreveu que
Produz-se há alguns anos em torno de nós, na Alemanha, Inglaterra e Itália, nos estudos de 
história literária, um movimento voltado para o estudo comparativo das literaturas modernas. 
De nacional ou local, como o era geralmente até aqui, a história literária possui uma tendência 
manifesta de se tornar europeia e internacional. As relações das diversas literaturas entre 
elas, as ações e reações que elas exercem ou sofrem, as influências morais ou simplesmente 
estéticas que derivam destas trocas de ideias, tudo isto constitui um campo de estudos ainda 
quase novo e que, acredita-se, preocupará cada vez mais os historiadores. Talvez haja nisso o 
gérmen de um novo método em história literária. (TEXTE, 1994, p. 26) 
Assim, embora tenha nascido e se consolidado sob o signo da vinculação 
entre literatura e nacionalidade, a literatura comparada pôde antever que iria 
Literatura Comparada
31
A literatura entre as nações (e para além)
ser questionada, no futuro, a premissa de que essas duas coisas estivessem ne-
cessariamente ligadas, como se houvesse para ambas uma “essência” comum.
Culturas nacionais e globalização 
Um marco importante nos estudos da área foi La Littérature Comparée (1931) 
de Paul van Tieghem, uma obra de referência para se entender a assim chamada 
escola francesa, que está visceralmente ligada a essa valorização do caráter na-
cional das literaturas. Tieghem formulou a distinção entre literatura comparada e 
literatura geral, e Sandra Nitrini explica que a literatura comparada 
[...] tem por objeto o estudo das relações entre duas ou mais literaturas. Tais conexões são 
argamassadas por contatos binários entre obra e obra, obra e autor, autor e autor etc. Mas uma 
série de contatos binários, por exemplo, Schiller na França, Rousseau na Alemanha, não dá conta 
de movimentos mais gerais nem integra uma história do romantismo. Daí a função da literatura 
geral, que faria uma síntese dos “fatos comuns a várias literaturas”. (NITRINI, 2000, p. 25)
Ainda sob forte convicção positivista, Thiegem acreditava que, com base 
em cuidados metodológicos, seria possível fazer uma clara distinção entre dois 
campos do saber autônomos. Vamos entender essa distinção a partir de exem-
plos concretos:
a literatura comparada estudaria, por exemplo, a influência específica do �
escritor escocês Walter Scott1 na França;
a literatura geral refletiria sobre o desenvolvimento do romance histórico �
de maneira “geral”, sem restringir-se a um exemplo específico de contato 
entre dois polos (como no primeiro exemplo do item), procurando chegar, 
portanto, a considerações abrangentes sobre essa forma literária, que po-
tencialmente seriam válidas para qualquer ocorrência dessa forma. 
Como se percebe, a concepção de Thiegem ainda supunha a existência de 
conceitos e formas universalmente válidos, no espírito da ciência positivista.
Essa distinção entre literatura comparada e literatura geral foi um dos pontos 
de partida para o diálogo crítico entre a literatura comparada e os estudos de 
caráter formalista. Ninguém menos que René Wellek (1903-1995), o pai do New 
Criticism, criticou essa distinção, de maneira aberta e direta, no Congresso da 
Associação Internacional de Literatura Comparada realizado em 1958. Wellek 
afirmou que
1 Sir Walter Scott (1771-1882) é considerado o criador do romance histórico, que se baseia em pesquisa e reconstrução de dados e fatos do passado. 
É de sua autoria, entre outros, o romance Ivanhoé (1819), que narra a história de um cavaleiro durante os conflitos realmente ocorridos entre saxões 
e normandos no século XII.
32
Essa distinção, sem dúvida, é insustentável e impraticável. Por que se poderia, por exemplo, 
considerar literatura “comparada” a influência de Walter Scott na França, enquanto um estudo 
do romance histórico durante o período romântico seria visto como literatura “geral”? [...] as 
tentativas de se estabelecer fronteiras especiais entre a literatura comparada e a literatura 
geral devem desaparecer, porque a história literária e as pesquisas literárias têm um único 
objeto de estudo: a literatura. (WELLEK, 1994,p. 109) 
René Wellek considera uma incoerência desvincular o estudo dos casos parti-
culares e do estudo dos processos gerais. Ele mesmo, no entanto, resolveu o pro-
blema de maneira também questionável ao reduzir o estudo da literatura a as-
pectos formais dos textos, sem dedicar a devida atenção à história e a dinâmicas 
implicadas na inserção da obra em discursos sociais (nacionais e internacionais). 
Afinal, a história e as dinâmicas sociais é que vão considerar qualquer obra um 
“texto literário”. E, somente depois de a ela conferir esse status, a tornarão capaz 
de influir em processos formais de desenvolvimento de determinado gênero. É 
também limitador e simplificador dizer que existe “a” literatura “e ponto final”.
Assim, não é absurda a distinção entre o estudo de casos particulares (casos 
de contato entre obras, autores e tradições) e o estudo de possíveis característi-
cas gerais dos fenômenos literários. Na verdade, esse movimento de formular a 
relação entre o caso específico e uma conclusão mais geral supõe, isso sim, um 
esforço de teorização muito grande. 
Nesse sentido, Hutcheson Macaulay Posnett, um dos primeiros teóricos da 
literatura comparada, escreveu de maneira muito perspicaz (já em 1886!) que
A teoria de que a literatura é uma obra separada de indivíduos que devem ser adorados como 
imagens caídas do céu, que não são conhecidos como artífices da linguagem e ideias de sua 
época e de seu lugar, e a teoria semelhante de que a imaginação transcende as associações de 
espaço e tempo, muito fizeram para ocultar a relação entre ciência e literatura e prejudicar o 
trabalho de ambas. [...]
A questão central [dos estudos comparativos] é a relação do indivíduo com o grupo. Encontramos 
nossas principais justificativas para considerar a literatura passível de explicação científica nas 
alterações ordenadas pelas quais esta relação passou [...]. (POSNETT, 1994, p. 24-25)
Mesmo sob as limitações teóricas da época, Possnet percebe o caráter dis-
cursivo da literatura como dado central para a justa apreensão das obras. Uma 
abordagem adequada não esgota as obras nem como produtos de uma subje-
tividade “inspirada”, nem como objetos desvinculados de uma época e de um 
lugar. Assim, a consideração da obra como meio de “relação do indivíduo com 
o grupo” lhe faz jus como voz discursiva que estabelece um diálogo privilegiado 
com o cotidiano das pessoas e também com o mundo da ciência e das artes.
Isso explica por que uma outra corrente de estudos veio, dali a pouco tempo, 
oferecer uma alternativa à escola francesa – que, muito restrita, aceitava pesqui-
Literatura Comparada
33
A literatura entre as nações (e para além)
sas no âmbito exclusivamente literário e com isso restringia os “trânsitos” da 
literatura em seu diálogo com outras áreas do saber e outras artes. No artigo 
“Comparative literature: its definition and function” (1961), Henry H. H. Remak deu 
a melhor definição da assim chamada escola americana e sua abertura para uma 
interlocução mais ampla:
Literatura comparada é o estudo da literatura além das fronteiras de um país específico, e o 
estudo das relações entre, por um lado, a literatura e, por outro, diferentes áreas do conhecimento 
e da crença, tais como as Artes (por exemplo, a pintura, a escultura, a arquitetura e a música), 
a Filosofia, a História, as Ciências Sociais (por exemplo, a política, a economia, a sociologia), 
as Ciências, a Religião etc. Em suma, é a comparação da literatura com outra ou outras e a 
comparação da literatura com outras esferas da expressão humana. (REMAK, 1994, p. 1)
Décadas de estudos fundados sobre a tradição europeia haviam trazido re-
sultados valiosos, não resta dúvida. A perspectiva de consideração das literatu-
ras de diversos países sob uma óptica internacional havia colocado os pesquisa-
dores diante de um imenso e integrado conjunto de obras, e diante de questões 
históricas e teóricas importantes, que receberam soluções válidas até hoje.
Nesse sentido, também é preciso mencionar aqui a vertente comparatista dos 
países do Leste europeu, que, na tradição do Círculo de Praga, do formalismo russo 
e seus desdobramentos, prestou contribuição importante aos estudos e debates 
mais recentes na disciplina. É o caso da obra de Dionys Durisin, para quem, nas 
palavras de Sandra Nitrini, “a relação do estudo da literatura comparada com a 
historiografia literária é também automaticamente determinado por sua re- 
lação com a teoria literária” (NITRINI, 2000, p. 90).
Um bom exemplo disso é a reflexão sobre gêneros literários. Mencionamos há 
pouco esse aspecto quando nos referimos rapidamente à recepção do romance 
histórico na França, depois de ele ter sido lançado por Walter Scott, no início 
do século XIX. Ora, os estudos sobre a influência exercida pela obra de Scott na 
França e em outros países (em Portugal, por exemplo, com o romance Eurico, o 
Presbítero, de Alexandre Herculano) faz perceber que alterações e constâncias 
de certa forma literária no processo de sua recepção pela tradição literária de 
outros países podem revelar traços fundamentais de determinado gênero.
Mesmo que havendo transformações, alguns traços permanecem e reve-
lam-se mais “essenciais” para a caracterização do gênero, que vai sendo aceita 
e fixada pela comunidade literária internacional. Ou seja, o estudo da aceitação 
e das transformações de um gênero em diversas literaturas nacionais permi-
te aos teóricos e historiadores da literatura tirar conclusões duradouras sobre 
ele, já que tais conclusões são partilhadas e legitimadas por uma comunidade 
muito ampla.
34
No entanto, a discussão sobre as complexas relações entre a narrativa literária 
e a narrativa histórica – tema muito em voga até hoje – só se tornou bem-vinda 
na área dos estudos literários a partir do fortalecimento da escola americana, 
como vínhamos dizendo.
Os comparatistas norte-americanos acrescentaram ao modelo da disciplina 
– até então muito fixado nas literaturas (consequência da segmentação positivis-
ta-cientificista do saber) e nas literaturas nacionais (herança tácita do idealismo 
nacionalista romântico) – algo novo: a abertura para o diálogo com outras áreas 
do saber e com outras artes.
Isso rendeu conquistas interdisciplinares e transdisciplinares (o diálogo com 
a história, por exemplo), inaugurou o importante campo dos estudos interartes 
(relações entre literatura e pintura, literatura e música etc.) e fez jus, afinal, à li-
berdade dos textos literários de estabelecer diálogo com as comunidades de co-
municação que eles integram sem que a pesquisa acadêmica venha impor-lhes 
limites de cima para baixo, por razões metodológicas que nada têm a ver com as 
dinâmicas sociais e comunicativas da literatura.
Após certo período de oposição entre as escolas francesa, americana e eslava, 
as questões que surgiram desse embate foram sendo resolvidas e resultaram em 
abertura para a área dos estudos literários, e em particular da literatura compa-
rada. Ganharam (e ganham) com as contribuições comparatistas diversas espe-
cialidades e tendências na área de Letras, como:
a teoria literária; �
os estudos de gêneros textuais; �
os estudos de temas e motivos; �
os estudos de recepção da literatura; �
os estudos das influências (de um autor sobre outro, de uma literatura so- �
bre outra) como parte da história literária;
os estudos de periodização literária; �
os estudos da tradução literária (atividade imprescindível para o contato �
entre literaturas e autores de comunidades linguísticas diversas);
os estudos interartes; �
os estudos culturais sobre as relações entre literatura e cultura popular; �
os estudos sobre literatura e sociedade. �
Literatura Comparada
35
A literatura entre as nações (e para além)
Entre essas diversas áreas de atividade, vamos destacar uma que se tornou 
particularmente importante na América Latina, e que talvez consista na contribui-
ção mais importante de nosso continente aos estudos de literatura comparada.
A contribuiçãolatino-americana 
Entre os estudos sobre as relações entre literatura e sociedade e literatura e 
cultura popular, devem ser mencionados o brasileiro Antonio Candido (*1918) e o 
uruguaio Angel Rama (1926-1983), com destaque para Transculturación Narrativa 
en América Latina (1984), obra póstuma de Rama, que morreu jovem, em um 
acidente aéreo nas proximidades de Madri.
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Antonio Candido.
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co
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Angel Rama.
As ideias fundamentais de Antonio Candido mostram-se produtivas no Brasil 
(e para além da cena brasileira) desde meados do século XX, quando produziu e 
publicou Formação da Literatura Brasileira (1959), sua principal obra, direcionan-
do-se para uma abordagem crítica própria, central para os estudos comparatis-
tas. Sob o olhar da realidade brasileira, Candido revaloriza o conceito de influên-
cia, talvez o mais importante na discussão sobre literatura comparada.
Esse conceito esteve muito marcado por noções de hierarquia e causalidade no 
comparatismo tradicional. Ou seja, sob uma perspectiva europeia (nacionalista e, 
afinal, eurocêntrica) supunha-se, grosso modo, que autores precedentes exerciam 
36
influência sobre seus sucessores, determinando, de certa forma, os desenvolvi-
mentos de literaturas mais jovens ou periféricas, como se costuma dizer hoje.
Havia aí uma noção hierárquica, tanto temporal (importava quem escreveu 
antes) e causal (a literatura recebida determina as reações de quem a recebe). 
Isso se explicava pela concorrência que havia entre as nações e também por uma 
concepção da história pautada pela linearidade: supostamente, a história levava 
a cabo uma evolução natural da humanidade, e cabia às nações de destaque 
conduzir as outras pelo caminho que já conheciam.
A obra de Antonio Candido nasce no contexto de uma nação jovem e peri-
férica e versa sobre o Brasil do século XIX, época em que o nosso meio cultural 
fez um grande esforço para encontrar soluções próprias não apenas no âmbito 
literário mas também no que diz respeito à sua identidade cultural como um 
todo. A nossa língua oficial era (e continua sendo) o português e o país estava 
em condições de receber a literatura portuguesa no original, mas sentia neces-
sidade de distinguir-se de Portugal, a ex-metrópole. Havia no Brasil várias etnias 
representadas e, para marcar a própria identidade, seria preciso figurá-las nos 
textos literários de um modo agregador.
Diante do desafio de pensar a formação de uma literatura brasileira, Candido, 
desenvolveu uma forma de pensar que concebe um sistema literário com exis-
tência concreta (autores, obra, meio editorial, público) e se afasta portanto de 
uma ingênua concepção “essencialista”, que se baseia sobre um conceito idealis-
ta de nação. Por seu cuidado histórico, e por observar o discurso literário em sua 
concretude, ele também pensou acerca do desenvolvimento da cena literária, 
levando em conta as predominâncias de períodos (o realismo que se opõe ao 
romantismo, por exemplo), fases, gerações de escritores etc., mas sem esquecer 
que estava tratando de generalizações que poderiam conter lacunas.
A atenção do crítico precisa estar redobrada para perceber a relação entre o 
elemento externo à literatura (as dinâmicas sociais) e seu papel na constituição 
da forma da obra analisada, ou seja, sua transformação em elemento interno da 
obra. Uma de suas discussões centrais é a consideração das influências “à luz da 
dependência causada pelo atraso cultural” (CANDIDO, 1987, p. 151). Em virtude 
de sua história anterior de submissão à metrópole, os países latino-americanos 
teriam se afastado das antigas metrópoles, buscando modelos nas literaturas de 
outros países, especialmente a França. E essa é a razão, inclusive, para o conti-
nente não se chamar América Ibérica e sim América Latina, pelo peso, na época, 
que se atribuía à latinidade como componente da identidade cultural francesa.
Literatura Comparada
37
A literatura entre as nações (e para além)
Assim, mesmo buscando diferenciar-se da Europa, os escritores e intelectuais 
brasileiros e latino-americanos buscam modelos e interlocução com literaturas 
europeias. E mesmo o diálogo com Portugal e Espanha prossegue, apesar dos 
sinais de distância e estranhamento. Por isso, Candido considera inevitável des-
tacar que o uso de formas importadas continuou sendo uma marca da literatura 
em nosso continente, mas que ali se teriam manifestado temas e sentimentos pró-
prios. Isso possibilitaria superar uma relação de dependência, e então se passaria 
a cultivar uma relação de “participação e de contribuição a um universo cultu-
ral ao qual pertencemos, que ultrapassa as nações e os continentes” (CANDIDO, 
1987, p. 152). As deformações impostas às formas importadas, vistas de maneira 
positiva como força criadora, romperiam as noções de causalidade e de hierar-
quia. E com isso a perspectiva comparatista de Candido ganharia uma dimensão 
nova. Sobre a questão, Sandra Nitrini comenta que
O conceito de influência [de Antonio Candido] se libera da carga semântica determinista, 
colonialista, positivista e etnocêntrica, tornando-se um instrumento comparatista 
independente da chamada “escola francesa” da primeira metade [do século XX] ou de qualquer 
outra. (NITRINI, 2000, p. 209) 
Assim, essa tensão entre as soluções locais da cena brasileira (o indigenismo 
de um José de Alencar, por exemplo) e internacionais (como a relação dessa obra 
com o indigenismo francês e o reconhecimento dos romances de Alencar na 
Europa e na América) seriam um motor importante para a constituição da litera-
tura em nosso país e, de maneira geral, em nosso continente. Como vemos, tal 
exercício da literatura comparada ganha dimensões novas, por revelar a maneira 
como as dinâmicas sociais se cristalizam nas formas literárias, e como a literatura 
é também agente no discurso social em que nasce e do qual participa. 
Nesse sentido, um grande interlocutor de Antonio Candido no mundo his-
pano-americano foi o uruguaio Angel Rama. Também ele confrontou-se com 
conceitos de independência e originalidade, estando particularmente preocupa-
do com as vinculações entre literatura e cultura. Com grande erudição sobre as 
literaturas de língua espanhola no continente, e considerando em suas reflexões 
vários autores e pensadores brasileiros, como Guimarães Rosa e Gilberto Freyre, 
Rama colocou no centro de suas reflexões o conceito de transculturação narrati-
va, que em vários pontos coincide com noções e intuições de Candido.
No sentido da superação dos limites da abordagem comparatista europeia 
tradicional, Rama antecipa aspectos importantes da presença das muitas vozes 
do povo e da cultura popular que ganham forma entre os escritores de nosso 
continente:
38
[...] na originalidade da literatura latino-americana está presente, como um norte, seu afã 
internacionalista, movediço e inovador, que mascara outra fonte de alimentação mais vigorosa 
e persistente: a peculiaridade cultural desenvolvida no interior, que não foi obra única de suas 
elites literárias, mas sim o esforço dedicado de vastas sociedades construindo suas linguagens 
simbólicas. (RAMA, 2007, p. 17, tradução nossa) 
Na percepção de Rama, em relação aos processos coletivos que a literatura do 
continente passava a incorporar, confirmava-se uma vez mais o caráter discursi-
vo da literatura, seu afã, sua vontade de figurar mais que uma voz subjetiva. Esse 
esforço das “sociedades do interior” por fundar, elas mesmas, um discurso sobre 
questões tão suas talvez conquistasse na literatura brasileira e hispano-ameri-
cana, pela primeira vez, forma apta para a discussão de um problema urgente 
no debate internacional: a contribuição de nosso continentente – multicultu-
ral e multiétnico – antecipava desafios da internacionalização em nível global 
e apontava para possibilidades e riscos da preservação ou desaparecimento de 
muitas vozes locais diante daunificação de comportamentos e estruturas cada 
vez mais complexas, reguladas e padronizadas.
Textos complementares
O Estado nacional europeu: sobre o passado e o 
futuro da soberania e da nacionalidade
(HABERMAS, 2002) 
Como revela a designação Nações Unidas, hoje a sociedade mundial é 
constituída por Estados nacionais. O tipo histórico decorrente da Revolução 
Francesa e da Revolução Norte-americana impôs-se em todo o mundo. E 
essa circunstância não é nada trivial.
As nações-Estado clássicas no Norte e Oeste Europeus surgiram no inte-
rior de Estados territoriais já existentes. Eles eram parte do sistema estatal 
europeu que já havia tomado forma na Paz Westfaliana de 1648. Em contra-
partida, as nações “tardias”, a Itália e a Alemanha em primeiro lugar, assumi-
ram um outro desenvolvimento, típico também para as formações nacionais 
da Europa Central e Oriental. Aqui, a formação do Estado seguiu os vestígios 
de uma consciência nacional precipitada e disseminada com recursos de 
propaganda. A diferença dessas duas trilhas (from state to nation versus from 
Literatura Comparada
39
A literatura entre as nações (e para além)
nation to state) reflete-se na origem dos atores que constituíam a vanguarda 
na formação do Estado ou da nação, caso a caso. De um lado estavam ju-
ristas, diplomatas e militares que pertenciam ao Estado-maior em torno do 
rei e que criaram uma “entidade estatal” racional; de outro, havia escritores 
e historiadores, sobretudo eruditos e intelectuais, que, com a propagação 
da unidade mais ou menos imaginária de uma “nação cultural”, estiveram 
ocupados em preparar a unificação estatal imposta (apenas em um segundo 
momento) por via diplomático-militar (por Cavour ou Bismarck, por exem-
plo). Uma terceira geração de Estados nacionais muito diversos surgiu após a 
Segunda Guerra Mundial, como decorrência do processo de descolonização, 
sobretudo na África e na Ásia. Não raro, esses Estados fundados nos limites 
do domínio colonial precedente já reclamavam soberania antes mesmo que 
as formas de organização estatais importadas pudessem lançar raízes sobre 
o substrato de uma nação – que ultrapassava os limites tribais. Nesses casos, 
Estados artificiais tiveram que ser “preenchidos” com nações que iam cres-
cendo posteriormente. Por fim, a tendência à formação de Estados nacionais 
independentes continuou na Europa Oriental e Meridional, após o colapso 
da União Soviética, na trilha de secessões mais ou menos violentas; na situ-
ação social e econômica precária desses países, os velhos apelos etnonacio-
nais foram suficientes para mobilizar populações vacilantes de modo que 
assumissem a luta pela independência.
Hoje, portanto, o Estado nacional impôs-se definitivamente sobre as for-
mações políticas mais antigas. [...] também reapareceram as estruturas dos 
impérios da Antiguidade, inicialmente sob a forma do Sacro Império Roma-
no-germânico, e mais tarde nos Estados pluriétnicos dos impérios russo, oto-
mano e austro-húngaro. Mas nesse ínterim, o Estado nacional recalcou essas 
heranças pré-modernas. No momento, observamos a profunda transforma-
ção da China, o último dos antigos impérios.
Na concepção de Hegel, toda formação histórica, a partir do momento 
de sua maturidade, está condenada à decadência. Não é preciso adotar sua 
filosofia da história para reconhecer que essa marcha vitoriosa do Estado 
nacional tem também sua face irônica. A seu tempo, o Estado nacional foi 
uma resposta convincente ao desafio histórico de encontrar um equivalente 
funcional às formas de integração social tidas na época como em processo 
de dissolução. Hoje, estamos novamente diante de um desafio análogo. A 
globalização do trânsito e da comunicação, da produção econômica e de seu 
40
financiamento, da transferência de tecnologia e poderio bélico, em especial 
dos riscos militares e ecológicos, tudo isso nos coloca em face de problemas 
que não se podem mais resolver no âmbito dos Estados nacionais, nem pela 
via habitual do acordo entre Estados soberanos. Salvo melhor juízo, tudo 
indica que continuará avançando o esvaziamento da soberania de Estados 
nacionais, o que fará necessária uma reestruturação e ampliação das capaci-
dades de ação política em um plano supranacional que, conforme já vimos 
observando, ainda está em fase incipiente. Na Europa, na América do Norte 
e na Ásia, estão se constituindo formas de organização supraestatal para “re-
gimes” continentais, que poderiam até mesmo ceder a infraestrutura neces-
sária às Nações Unidas, ainda hoje muito ineficientes.
Contudo, esse passo abstrativo ainda incompleto dá apenas continui-
dade a um processo para o qual a atuação integradora do Estado nacional 
constitui um primeiro grande exemplo. Por isso defendo a opinião de que 
podemos nos orientar nesse caminho incerto rumo às sociedades pós-nacio-
nais justamente segundo o modelo da forma histórica que estamos prestes 
a superar.
Candido e Rama
(MARTINEZ, 2009)
Uma obra fundamental para compreensão dessa coerência de um legado 
crítico interno é Formação da Literatura Brasileira: momentos decisivos, de An-
tonio Candido. Desde a sua primeira publicação, em 1959, a obra do crítico 
brasileiro estabeleceu um divisor de perspectivas crítico-histórica e analítica 
na questão da origem da literatura brasileira utilizando os conceitos meto-
dológicos de manifestações literárias e sistemas literários. Segundo o autor, a 
literatura é um sistema dinâmico que tem como componente a relação inter-
-humana estabelecida entre autor e leitor mediante a linguagem simbólica 
da literatura. Em conjunção, os três elementos (autor – obra – público) esta-
belecem a diferenciação entre os conceitos metodológicos propostos por 
Antonio Candido. Em linhas gerais, o autor igualmente reflete a literatura 
brasileira como um processo formativo que leva em consideração quando há 
Literatura Comparada
41
A literatura entre as nações (e para além)
uma tradição literária interna e a constituição de um público leitor legitimado 
nesse espaço, como também a configuração de particularidades que definem 
a literatura brasileira como individual no legado literário universal, havendo, 
assim, a consolidação do sistema literário brasileiro. Nota-se nos trabalhos 
de Antonio Candido a sua visão sociológica no sentido de que a literatura é 
fruto da sociedade, logo, é importante para a sua cultura. 
Tal perspectiva é correlata a dos estudos de Angel Rama, que tratava a 
literatura como elemento integrante da cultura, e não como um mero objeto 
artístico independente do sistema cultural das civilizações. A partir da mul-
tidisciplinaridade, os estudos de Angel Rama sobre as narrativas latino-ame-
ricanas transcendem o objeto artístico (a obra literária). Em outras palavras, 
inserindo a obra em contextos literários e avaliando-a como parte de um 
processo histórico-cultural, Angel Rama discutiu sobre a importância da lite-
ratura na sociedade da América Latina. Assim, a noção de cultura serve como 
postulado teórico e metodológico que o crítico em questão teve como base 
de toda sua produção intelectual. Igualmente, os estudos de Angel Rama de-
senvolveram os conceitos de comarcas e de geração para tratar das especi-
ficidades dos sistemas literários latino-americanos. Em linhas gerais, o termo 
comarcas refere-se ao território geográfico, social e cultural das regiões da 
América Latina que, em alguns estudos, correlacionam as dimensões geo-
gráficas do Brasil e da América Hispânica. Se o termo nação era insuficiente 
para analisar as literaturas latino-americanas – devido à própria amplitude 
do território geográfico e cultural – o termo comarcas analisaria como que as 
especificidades culturais, territoriais e sociais das regiões do continente lati-
no-americano são elementos constituintes desses sistemas literários. A razão 
e a importância do conceito criado por Rama visam a apreciar como que as 
obras literárias que abordam a tradição regional em paralelo com a tradição 
universal partemda concepção de homogeneidades (cultural, geográfica e 
linguística) para a construção da cosmovisão literária que, simbolicamente, 
representaria o universo cultural da América Latina. Nessa avaliação, há nos 
estudos de Rama, por exemplo, a apresentação de que na literatura da Amé-
rica Latina predominaram as abordagens das macrorregiões (ou sistemas 
nacionais) e das microrregiões (ou subsistemas regionais), sendo que o pro-
cesso de transculturação na narrativa no século XX ocorre a partir dos subsis-
temas culturais para chegar ao significado das comarcas da América Latina. 
42
Em outras palavras, isso significa que um sistema não exclui o outro, mas sim 
o engloba. O resultado dessa união é a apresentação de um sistema orgânico 
que Rama classificou como cultura integrada. Quanto ao significado do con-
ceito geração, Angel Rama buscou compreender como que determinados 
grupos de intelectuais constroem conscientemente projetos culturais, tais 
como os escritores das gerações romântica e realista da América Hispânica 
que reivindicavam a autonomia da literatura hispano-americana na grande 
maioria do século XX. Ou seja, para o autor, os escritores não são apenas su-
jeitos contemporâneos, sobretudo são grupos de intelectuais engajados na 
promoção da cultura interna das sociedades. Por essa razão, o crítico trabalha 
sob a visão de cultura militante que seria justamente essa atitude consciente 
e também política dos escritores de se fazer projetos culturais que indicas-
sem o progresso das novas nações. Quanto a essa questão, destacamos a cor-
relação com a proposta de Antonio Candido no que diz respeito à tradição 
e consciência entre os autores nessa construção de uma literatura própria. 
Segundo Angel Rama, os impulsos modeladores dos sistemas literários his-
pano-americanos – independência, originalidade e representatividade – são 
inteligíveis nas perspectivas da crise de identidade e de autonomia literária. 
Nos dois últimos séculos (XIX e XX), os impulsos modeladores estão regidos 
pelo movimento pendular entre o polo externo (Ocidente) e o interno (Amé-
rica). A partir do impulso da representatividade da região, que modelou a 
visão nacionalista dos realistas do século XIX na medida em que a região 
era concebida como cultura, a literatura hispano-americana dos primeiros 
decênios do século posterior apresenta duas perspectivas: a primeira, cos-
mopolita e a segunda, realista-crítica. Em resumo, a visão cosmopolita dos 
regionalistas promovia o mito da pátria das nações emancipadas, ao tempo 
em que na geração realista-crítica o progresso das nações, sobretudo das 
metrópoles (a capital urbana), esbarra nas questões políticas e econômicas. 
A disputa entre os regionalistas e os vanguardistas ocasionou na intensifica-
ção da ambivalência narrativa: campo versus cidade, rural versus metrópoles, 
tradição versus modernização. Porém, segundo Angel Rama, a importância 
das divergências literárias entre os dois grupos deve-se à modernização da 
representatividade das regiões e de suas culturas.
Literatura Comparada
43
A literatura entre as nações (e para além)
Atividades
1. O que distingue as escolas francesa e norte-americana na área de Literatura 
Comparada?
44
2. Qual a restrição feita por René Wellek à literatura comparada e como se resol-
ve o impasse decorrente de sua crítica?
3. A literatura comparada precisou superar que grande restrição conceitual, he-
rança do Romantismo, para abrir-se e desenvolver-se como disciplina?
Literatura Comparada
45
A literatura entre as nações (e para além)
4. Explique qual a contribuição especial do pensamento latino-americano para 
os estudos de Literatura Comparada. 
Dicas de estudo
Para uma boa compreensão da história recente dos Estudos Literários, em 
que a Literatura Comparada ocupa um lugar especial, recomenda-se a leitura 
das três obras a seguir:
NITRINI, Sandra. Literatura Comparada: história, teoria e crítica. São Paulo: 
Edusp, 1997.
TADIÉ, Jean-Yves. A Crítica Literária no Século XX. Rio de Janeiro: Bertrand, 
1992.
EAGLETON, Terry. Teoria da Literatura: uma introdução. São Paulo: Martins 
Fontes, 2001.
Autores multiculturais: Franz Kafka
O contexto histórico-cultural de Franz Kafka 
Franz Kafka nasceu em 1883 e morreu em 1924. Embora não tenha che-
gado em vida sequer ao final do primeiro quarto do século XX, é um dos 
escritores mais característicos e conhecidos de todo esse período. E certa-
mente um dos mais lidos, em especial seus textos breves e enigmáticos, 
como A Metamorfose, de que vamos nos ocupar mais adiante, recebem a 
atenção de milhões e milhões de leitores até hoje, em todo o mundo.
Sem ter vivido os horrores do totalitarismo fascista (Hitler subiu ao poder 
na Alemanha em 1933), Kafka anteviu os horrores e o absurdo de uma so-
ciedade dominada pela burocracia e controlada por sistemas de poder 
autonomizados e violentos. Soube tratar essa situação com formas inova-
doras, combinando a criação de personagens e histórias surpreendentes, 
relatadas, porém, com linguagem sóbria e distante, às vezes perpassada de 
um humor fino e ácido, às vezes marcada por desespero e agonia.
Kafka nasceu em Praga, a “cidade das mil torres”, capital da atual Repú-
blica Tcheca. Era uma cidade milenar, de grande tradição cultural, e mar-
cadamente eslava. A maioria da população falava o idioma tcheco (kafka é 
a palavra tcheca para “corvo”).
D
iv
ul
ga
çã
o.
D
om
ín
io
 p
úb
lic
o.
As torres de Praga.
48
Durante quase toda a vida do escritor, no entanto, a cidade e toda a Boêmia 
(região de que Praga era capital) fizeram parte do Império Áustro-Húngaro, que 
era, também ele, um “caldeirão” de etnias, línguas e povos: a população era com-
posta por austríacos, tchecos, morávios, poloneses, eslovacos, húngaros, rome-
nos, bósnios, croatas, entre outros. O domínio político na Boêmia era exercido 
por Viena, capital da Áustria, e por isso a elite da cidade falava alemão. Assim, o 
alemão era a língua de maior prestígio, usada pela administração, pelos jornais, 
pelas melhores escolas e universidades.
IE
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E 
Br
as
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S.
A
.
O Império Áustro-Húngaro em 1914.
Vindos do interior, os familiares de Kafka haviam migrado para Praga poucos 
anos antes de ele nascer. Eram judeus e, como a grande parte dos integrantes 
de seu povo, durante séculos haviam sido proibidos de viver nas cidades. Por 
isso, habitavam áreas rurais, tinham uma cultura e uma religião próprias e fala-
vam também outra língua, o ídiche (uma mistura de hebraico e dialeto alemão 
medieval).
Literatura Comparada
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Autores multiculturais: Franz Kafka
Ou seja, Franz Kafka nasceu como judeu, em uma cidade tcheca, marcado por 
um ambiente linguístico e cultural de fala alemã. Estava sempre fora de lugar, 
porque as tensões e preconceitos entre esses três universos eram muito grandes: 
os tchecos eram desprezados pelos austríacos de fala alemã e odiavam seus do-
minadores vindos de Viena, mas partilhavam com eles os fortes preconceitos e 
hostilidade contra os judeus. (Vale lembrar que não foram os nazistas que inven-
taram o antissemitismo: eles apenas se aproveitaram dos preconceitos e ódios 
raciais contra os judeus, que já graçavam na Europa havia muito tempo, e de 
modo particular na Europa Central.) Assim, a obra de Kafka, escrita em alemão, 
nasce dessa “desterritorialização”, desse deslocamento e falta de identidade do 
escritor, em tensão e diálogo com as tradições das literaturas e culturas de língua 
alemã, eslava e judaica, em um tempo de enormes transformações sociais, polí-
ticas e econômicas.
Os grandes textos de Kafka foram escritos entre os anos que precederam a 
Primeira Guerra Mundial (principalmente 1912) e o fim desse conflito, que durou 
de 1914 a 1918. Depois de quatro anos de horrores, na guerra lenta e dolorosa 
nas trincheiras, a Europa mudou radicalmente: o mundo deixava para trás a era 
das grandes monarquias e avançava para a modernidade, sob o ritmo de um 
processo de industrialização e urbanização.

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