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Fundamentos Teóricos e Práticos do Ensino de História Autoras Gisele Thiel Della Cruz Daniela dos Santos Souza 2009 Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br © 2009 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais. S729 Souza, Daniela dos Santos; Cruz, Gisele Thiel Della. / Funda- mentos Teóricos e Práticos do Ensino de História. / Daniela dos Santos Souza; Gisele Thiel Della Cruz. — Curitiba : IESDE Brasil S.A. , 2009. 208 p. ISBN: 978-85-387-0579-6 1. História – Estudo e ensino. I. Título. II. Cruz, Gisele Thiel Della. CDU 372.48 Todos os direitos reservados. IESDE Brasil S.A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482 • Batel 80730-200 • Curitiba • PR www.iesde.com.br Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br Mestre em História pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Especialis- ta em Currículo e Prática Educativa pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUCRio). Graduada em História pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Professora titular do Ensino Fundamental e Médio do Colégio Sion e de Ensino Superior do Instituto Superior de Educação Nossa Senhora do Sion (ISE – Sion). Daniela dos Santos Souza Mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Gradu- ada em História pela UFPR e em Letras Português-Inglês pela Pontifícia Universi- dade Católica do Paraná (PUCPR). Possui experiência na área de Educação, com ênfase em Ensino-Aprendizagem. Gisele Thiel Della Cruz Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br Sumário O estudo das Ciências Humanas: História e Geografia .....13 Por que estudar História e Geografia na Educação Infantil e nos primeiros ciclos do Ensino Fundamental? .................. 13 Como tudo começou: novas perspectivas do ensino da História e da Geografia .......................................... 14 Proposta da disciplina ............................................................................................................. 18 História para a Educação Infantil: parte 1 ........................ 21 O conceito de infância construído historicamente ....................................................... 21 A creche e a pré-escola numa perspectiva sociocultural ........................................... 24 As propostas do RCNEI: conhecimento de mundo ....................................................... 25 O que oferecer para a criança – como apresentar-lhe o mundo ............................. 26 História para a Educação Infantil: parte 2 ........................ 31 Propostas do RCNEI para a Educação Infantil – Tema: Natureza e Sociedade ................................................................................................. 31 A História em sala de aula: dinamizando conceitos ..................................................... 32 Como podem ser trabalhados os conteúdos com crianças de quatro a seis anos ........................................................ 33 Aceitar valores diferentes dos nossos ................................................................................ 34 Brincando com a História ....................................................................................................... 35 Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br O estudo da História no 1.° e 2.° ciclos do Ensino Fundamental – Conceitos fundamentais: o fato histórico ........................ 39 O estudo da História: o tempo e o fato histórico ........................................................... 39 Por que se estudava uma História factual? ...................................................................... 41 Longe de uma História apenas de fatos ........................................................................... 42 Mexendo com os fatos ............................................................................................................ 43 A compreensão do fato por meio da imagem ................................................................ 44 O estudo da História no 1.° e 2.° ciclos do Ensino Fundamental – Conceitos fundamentais: o sujeito histórico .................. 49 Definições sobre o sujeito histórico ................................................................................... 50 A historiografia e o sujeito histórico ................................................................................... 50 Como trabalhar o sujeito histórico no 1.° e 2.° ciclos do Ensino Fundamental ........................................................................ 52 O sujeito histórico e a noção de participação na História .......................................... 53 O estudo da História no 1.° e 2.° ciclos do Ensino Fundamental – Conceitos fundamentais: o tempo histórico .................. 59 Conceito de tempo ................................................................................................................... 60 Discussões sobre as propostas dos PCN e o estudo do tempo histórico .............. 62 Como dinamizar o estudo do tempo em sala de aula – propostas didáticas e trabalho com fontes ..................................................................... 64 Tempo histórico e valores permanentes ........................................................................... 67 Avaliar o trabalho desenvolvido .......................................................................................... 68 Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br A História e as propostas dos Temas Transversais: História e cidadania, eixo de trabalho .............................. 73 As propostas dos PCN: os Temas Transversais e a cidadania ..................................... 74 Cidadania e História: formando cidadãos ........................................................................ 75 Uma perspectiva de transversalidade/interdisciplinaridade: a comunicação da História com outras disciplinas ....................................................... 76 A seleção de conteúdos e fontes e a importância do conhecimento histórico .................. 81 Conteúdos para trabalhar com História no 1.° e 2.° ciclos .......................................... 81 O uso das fontes: onde procurar respostas? .................................................................... 83 Trabalho com fontes historiográficas em sala de aula ................................................. 84 A importância do conhecimento histórico ...................................................................... 85 A compreensão do fenômeno “tempo” ........................ 89 Introdução ao tema .................................................................................................................. 89 Para quem? .................................................................................................................................. 89 Proposta de trabalho ............................................................................................................... 90 Observando a Lua .................................................................... 99 Introdução ao tema .................................................................................................................. 99 Para quem? ................................................................................................................................100 Proposta de trabalho .............................................................................................................100Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br Meu pai e minha mãe já foram crianças? ......................109 Introdução ao tema ................................................................................................................109 Para quem? ................................................................................................................................110 Proposta de trabalho .............................................................................................................110 A criança tem história ...........................................................119 Introdução ao tema ................................................................................................................119 Para quem? ................................................................................................................................120 Proposta de trabalho .............................................................................................................120 A história da criança no contexto social ........................131 Introdução ao tema ................................................................................................................131 Para quem? ................................................................................................................................132 Proposta de trabalho .............................................................................................................132 A diversidade cultural ...........................................................139 Introdução ao tema ................................................................................................................139 Para quem? ................................................................................................................................141 Proposta de trabalho .............................................................................................................141 Memória e identidade ..........................................................151 Introdução ao tema ................................................................................................................151 Para quem? ................................................................................................................................152 Proposta de trabalho .............................................................................................................152 Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br O nascimento da humanidade ..........................................161 Introdução ao tema ................................................................................................................161 Para quem? ................................................................................................................................163 Proposta de trabalho .............................................................................................................163 Os calendários .........................................................................175 Introdução ao tema ................................................................................................................175 Para quem? ................................................................................................................................176 Proposta de trabalho .............................................................................................................176 Discutindo os fatos históricos ............................................187 Introdução ao tema ................................................................................................................187 Para quem? ................................................................................................................................188 Proposta de trabalho .............................................................................................................189 Referências ................................................................................201 Anotações .................................................................................207 Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br Apresentação Esta disciplina vem oferecer o estudo da História sob dois aspectos dife- renciados. O primeiro é a base teórica-conceitual que sustenta o ensino de Histó- ria nas escolas do Ensino Fundamental, e o segundo trata das práticas educativas que devem contribuir como instrumento de reflexão para os professores, a partir de propostas de trabalho sobre temas fundamentais desta matéria. Na base teórico-conceitual serão abordados temas como a importância de estudar História e Geografia na Educação Infantil, apontando sua contribuição social na formação do cidadão, mostrando que os alunos precisam perceber que a relação entre a formação e a organização das sociedades humanas e o funcio- namento da natureza são inseparáveis. Destaca ainda, aspectos importantes do Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil (RCNEI), sugerindo atividades de como trabalhar os temas como a natureza e a sociedade com crianças de quatro a seis anos, o estudo da História nos quatro primeiros ciclos do Ensino Fundamental, destacando os con- ceitos de tempo, fatos históricos e como essas dimensões são contempladas no currículo, como eram abordados e quais aspectos eram privilegiados no ensino de História nos séculos XIX e XX. Discute ainda as propostas dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) com relação ao estudo do conceito de História, nas Séries Iniciais, apontando pro- postas didáticas e o trabalho como fontes para o estudo do tempo histórico. No segundo aspecto de estudos da História, o objetivo é gerar novas prá- ticas escolares por parte de cada professor comprometido com a educação no nosso país. Sendo assim, serão abordados temas como: a necessidade das crian- ças aprenderem sobre a organização do tempo natural, com isso organizando suas vidas dentro desse tempo; a diversidade cultural, que está presente na vida de todos; a noção da existência de diversos grupos sociais, que são diferentes por motivos variados, como estarem em diferentes espaços geográficos, serem orga- nizados em épocas diferentes, possuírem diferentes idéias e tecnologias etc. É importante, ainda, que as crianças saibam como os povos foram orga- nizados em diferentes tempos e espaços, por isso devem estudar sobre o sur- gimento da humanidade e o estudo do calendário que mostra como os povos espalhados no planeta percebiam a relação que a mudança do tempo exercia sobre a natureza. Os fatos históricos estudados nas aulas de História mostram que o aluno deve ser um indivíduo questionador e crítico, deixando de ser apenas espectador, desenvolvendo nos alunos a capacidade criativa para que percebam e questionem como ocorreu a construção destes fatos e por que eles ficam marcados na História. Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br Gisele Thiel Della Cruz O meu olhar é nítido como um girassol, Tenho o costume de andar pelas estradas Olhando para a direita e para a esquerda, E de vez em quando para trás... E o que vejo a cada momento É aquilo que nunca antes eu tinha visto, E eu sei dar por isso muito bem... Sei ter o pasmo essencial Que tem a criança se, ao nascer, Reparasse que nascera deveras... Sinto-me nascido a cada momento Para a eterna novidade do mundo.Fernando Pessoa Por que estudar História e Geografia na Educação Infantil e nos primeiros ciclos do Ensino Fundamental? Estudar a História e a Geografia na Educação Infantil e no Ensino Fun- damental resulta em uma grande contribuição social. O ensino da História e da Geografia pode dar ao aluno subsídios para que ele compreenda, de forma mais ampla, a realidade na qual está inserido e nela interfira de maneira consciente e propositiva. Hoje, a compreensão do espaço geográfico é indissociável da história humana. O espaço geográfico é produzido pelo homem, historicamente, à medida que ele se organiza econômica e socialmente em sua sociedade e necessita do que o espaço tem para lhe fornecer. Indiscutivelmente, essa perspectiva de historicidade colocou o homem como construtor do espaço O estudo das Ciências Humanas: História e Geografia Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br 14 Fundamentos Teóricos e Práticos do Ensino de História geográfico e, ao mesmo tempo, revelou os comportamentos e os valores huma- nos, à medida que ele foi se apropriando desse espaço de diferentes formas. Para que o aluno perceba os dados elementares de seu dia-a-dia, desde as relações que se estabelecem na cidade até a paisagem que se revela nas diferen- tes imagens do seu cotidiano, todos esses dados atravessam o crivo dos conhe- cimentos históricos e geográficos. As escolhas na maneira de ensinar a História e a Geografia são provenientes, não só de mudanças na produção historiográfica, ou das abordagens científi- cas da Geografia dentro dos circuitos acadêmicos. Essa nova visão também tem relação com as novas proposições de ensino, com a caminhada que o proces- so educativo tem estabelecido, tendo como vertente de suas preocupações as questões da identidade e da cidadania. Portanto, o objetivo mais relevante no ensino da História é a noção de identi- dade, vinculada à reflexão sobre cidadania. Por isso, os estudos históricos devem abranger três aspectos: identidade social a partir da relação entre o particular e o geral (cultura e localidade), noções de diferença e semelhança – o eu e a per- cepção do outro – e, finalmente, noções de continuidade e permanência. São relevantes para essa compreensão o desenvolvimento de três conceitos básicos para a construção da História: fato, sujeito e tempo históricos. Da mesma forma, o ensino da Geografia deve encaminhar o aluno para a compreensão da formação das sociedades humanas e sua relação com o espaço geográfico, desenvolvendo as noções básicas de paisagem, território e lugar. A partir desses estudos, o professor terá material suficiente para criar inda- gações, momentos de reflexão e de posicionamento dos seus alunos quanto às questões pertinentes sobre a identidade e a cidadania. Como tudo começou: novas perspectivas do ensino da História e da Geografia O caminho da História: das universidades à sala de aula Em meados do século XIX, a história da civilização substitui a antiga história sagrada; no entanto, assimila alguns de seus traços. A ordem dos acontecimentos Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br O estudo das Ciências Humanas: História e Geografia 15 era articulada com uma sucessão de reis e de lutas, bem como de grandes even- tos. No caso do Brasil, eventos como a Independência ou mesmo a Constituição do Estado-nacional. Com o advento da República e a tentativa de laicização da educação, criou-se uma escola capaz de instruir, transmitir valores patrióticos e espírito cívico, e isso se deveu principalmente à preocupação com o universo de imigrantes que aportavam no país. Esse modelo permaneceu inalterado, mesmo com algumas reformas instituí- das pelos primeiros governos republicanos. A situação da escola pública pouco mudou e, da mesma maneira, pouco se viu alterações curriculares. Nas décadas de 1960 e 1970, sob o domínio militar, mais ainda a História passa a ser uma disciplina significativa, alicerçada na “dobradinha” História e Ge- ografia, conhecida como Estudos Sociais. Vê-se crescer o espírito nacionalista e o desenvolvimento das idéias cívicas de caráter moralizante. Acalentada pela possibilidade de voltar a ser uma disciplina e ter novamente um papel mais definido na formação da cidadania, ainda na década de 1970, a História tradicional passa a sofrer contestações. Tem-se um novo projeto, não só de fazer História, mas de ensinar História: o olhar da história sobre o sujeito histórico, sobre o papel que todos os homens desempenham na formulação da história. O pensamento marxista é a espinha dorsal desse processo de constru- ção de uma história mais politizada e crítica. Introduziu-se a chamada História Crítica, com o objetivo de desenvolver atitudes de compreensão da realidade e de capacitação para a cidadania. Dessa forma, os currículos foram modificados e ampliados e a História passou a ser ensinada nas escolas, desde a Educação Infantil até os primeiros anos do Ensino Fundamental. Hoje, o enfoque e as análises historiográficas se dispõem a discutir a micro-história, a história das mentalidades, a história dos excluídos e marginalizados, ampliando a rede dos sujeitos históricos e da compreensão de que diferentes indivíduos são responsáveis pela sua construção. O caminho da Geografia: das universidades à sala de aula A produção do pensamento geográfico no Brasil teve sua fundação na facul- dade de Filosofia da Universidade de São Paulo, na década de 1940, a partir da disciplina de Geografia. Essa Geografia tinha como característica uma produção Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br 16 Fundamentos Teóricos e Práticos do Ensino de História de caráter objetivo e quantitativo, fundamentada no modelo francês. A partir dessa tendência, nasceram inúmeras correntes cuja característica era estudar o espaço geográfico em sua relação com o homem sem, no entanto, levar em consideração as relações sociais. Esse tipo de Geografia ficou conhecido como Geografia Tradicional. Essa Geografia, essencialmente descritiva da paisagem natural e humaniza- da, ainda existe em alguns lugares do país. Esse tipo de Geografia estava em- basado em uma perspectiva neutra, cujos objetivos eram a memorização e as generalizações. Essa influência prevaleceu sobre os livros didáticos até a metade da década de 1970. A partir da década de 1960, sob a influência das teorias marxistas, surge uma tendência cuja particularidade era a crítica da Geografia Tradicional. Absoluta- mente todas as relações que eram estabelecidas e próprias do homem eram jus- tificadas e compreendidas por meio do viés marxista, num processo quase que militante da disci plina. Não bastava explicar o mundo; era preciso transformá-lo. Para tanto, a Geografia lançou mão de conteúdos políticos, voltados para a for- mação do cidadão. Tanto o modelo da Geografia Tradicional quanto da Geografia marxista orto- doxa “negligenciaram a relação do homem e da sociedade com a natureza em sua dimensão sensível de percepção do mundo” (PCN, v. 5, p.105). A Geografia das últimas duas décadas do século XX, apresenta como características o estudo das dimensões subjetivas e singulares das relações entre homem e natureza. Observa-se que a Geografia tem pautado suas discussões em conexão com outras áreas do saber como a Antropologia, a Sociologia e a Biologia, levan- do para a sala de aula essa pluralidade de discussão e de interferências. Hoje, o centro de estudo da Geografia é, sem dúvida, uma Geografia humanizada e potencial mente historicizada. Trabalho integrado: um exemplo Observe a figura a seguir: Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br O estudo das Ciências Humanas: História e Geografia 17 PC N , v . 5 . p . 1 52 . Ao visualizaro mapa, podemos identificar que a aluna foi extremamente feliz em apresentar, de acordo com a sua visão, os diferentes estados do Brasil. No en- tanto, mais do que isso, compõem essa ilustração noções de cartografia, estudo da paisagem a partir de imagens de seu cotidiano, estudo da natureza e das re- lações campo-cidade. Se o professor quiser ir mais longe, ele pode desenvolver uma reflexão, a partir desse desenho, sobre as identidades e cultura regionais, a composição popu lacional e outros elementos, tendo como referência o desen- volvimento histórico do país. Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br 18 Fundamentos Teóricos e Práticos do Ensino de História Proposta da disciplina O que se propõe a partir dessa disciplina é que você elabore uma nova com- preensão a respeito das disciplinas de História e de Geografia. Que tenha sub- sídios suficientes para discutir e trabalhar, em sala de aula, conceitos que são fundamentais para ambas as áreas do conhecimento, e que disponha de um material interessante em termos de sugestões de atividades para serem desen- volvidas junto aos seus alunos. Atividades 1. De que maneira o estudo da História e da Geografia podem contribuir para uma consciência mais crítica e comprometida com a sociedade? Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br O estudo das Ciências Humanas: História e Geografia 19 2. A forma como a História e a Geografia são estudadas hoje, proposta pelos PCN, mudou muito em relação ao tempo que você fez o Ensino Fundamen- tal? De acordo com o texto, quando essas mudanças se estabeleceram? Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br Gisele Thiel Della Cruz Os pais não se contentavam mais em pôr filhos no mundo, em estabelecer apenas alguns deles, desinteressando-se dos outros. A moral da época lhes impunha proporcionar a todos os filhos, e não, apenas ao mais velho – e, no fim do século XVII, até mesmo às meninas – uma preparação para a vida. Ficou convencionado que essa preparação fosse assegurada pela escola. Philippe Ariès O conceito de infância construído historicamente A idéia de infância e de sua importância social foi registrada por Philippe Ariès em um clássico da historiografia contemporânea da história da famí- lia, denominado História Social da Criança e da Família (1973). Tendo a crian- ça e a família como objetos, o autor passa da interpretação da sociabilidade tradicional à compreensão das modernas sociedades industrializadas. Em seu livro, procura traçar paralelos entre a visão que se tinha da criança na Idade Média e as mudanças que aconteceram no início dos tempos mo- dernos. Naquela época, bastava a criança desmamar que já era introduzida no mundo dos adultos. Prova disso está nas diversas vezes em que o autor se reporta à iconografia para apresentar a imagem da criança medieval, geralmente vestida ou mesmo desenhada como se fosse um adulto, com características absolutamente distintas do comportamento ou tratamento que damos à criança hoje. Ariès mostra que, inicialmente, o traje das crian- ças se confundia com a vestimenta dos adultos (ARIÈS, 1981, p. 71). Da mesma forma, Ariès nos mostra um desenvolvimento da noção de escola, bem como de sua responsabilidade, admitida na formação da História para a Educação Infantil: parte 1 Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br 22 Fundamentos Teóricos e Práticos do Ensino de História criança e do jovem, principalmente a partir do século XIX, quando as concepções de criança e a preocupação com a sua formação começaram a ser assunto de discussão social. O interessante na contribuição de Ariès é justamente fazer um retrospecto sobre a escola dos séculos XV ao XVIII e as mudanças estabelecidas após esse período, no que se refere, por exemplo, à formação das classes e à sepa- ração dos alunos por grau de conhecimentos e não por idade. A partir do século XIX, começou a se estabelecer uma maior relação entre idade e classe, quase que se tornando uma exigência manter esse tipo de classificação, justamente por essas diferenças e pela própria preocupação com a formação da criança. Tratava-se, agora, de despertar na criança a responsabilidade do adulto, o sentido de sua dignidade. A criança era menos oposta ao adulto (embora se distinguisse bastante dele na prática) do que preparada para a vida adulta. Essa preparação não se fazia de uma só vez brutalmente. Exigia cuidados e etapas, uma formação. Esta foi a nova concepção da educação, que triunfaria no século XIX. (ARIÈS, 1981, p. 182) Fotografia de crianças. (A RI ÈS ; C H A RT IE R, 19 91 , p . 5 21 ) Não é à toa que no século XIX a preocupação com a educação e com a for- mação das crianças e dos jovens se tornou a tônica do momento. O início dessa preocupação com o estabelecimento da classe escolar e com a concepção de criança na modernidade surge em paralelo com a noção de família moderna e com a predominância de valores burgueses. A partir do século XIX, muitos foram os pensadores e educadores que procu- raram reconstruir ou apresentar novos fundamentos para a educação. Essa plura- lidade de concepções é desenvolvida por Rousseau, Pestalozzi, Froebel, Decroly Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br História para a Educação Infantil: parte 1 23 e Montessori, cada um apontando, dentro de dinâmicas diversas, o seu interesse pelo estudo da criança e de sua relação com a aprendizagem. É importante que compreendamos que essas definições estiveram sempre atreladas a fatores que extrapolam o ambiente escolar e que dizem respeito a fatores históricos – cul- turais e sociais. Por isso, são carregados de significação que, às vezes, parecem distantes de nossa realidade. O que importa saber é que esses educadores de- finiram como importante, para a aquisição do conhecimento pela criança, que essa estivesse inteirada de seu meio social e que passasse a adquirir hábitos e atitudes armazenados pelos homens no decorrer da história. Com Rousseau, nascem as primeiras concepções sobre as diferentes fases da vida humana. Partindo dessa abordagem, Froebel, seguidor de Pestalozzi1, passa a dedicar seus estudos à primeira fase da vida humana: a infância. Ele irá fundar inúmeros jardins de infância. De acordo com FROEBEL, “o indivíduo (...) é uma unidade, quando considerado em si mesmo, mas mantém relações com um todo maior, isto é, incorpora-se a outros homens para a consecução de certos objetos” (NICOLAU, 2000, p. 31). Para ele, o homem é uma unidade quando pensado em relação a si mesmo. Da mesma forma, ele faz parte de uma dimensão maior, à medida que integra o Universo e mantém relações com outros homens. Sua teoria aponta para a idéia de unidade. Froebel acreditava na atividade e na liberdade. Outros dois pensadores importantes do século XIX, Decroly e Montessori, priorizaram a integração com o outro, o respeito à individualidade e à liberdade como tema de discussão para as questões da educação. Tanto Ovide Decroly quanto Maria Montessori desenvolveram seus trabalhos a partir das análises e estudos com crianças “normais”. No caso, os exercícios desenvolvidos por eles foram estendidos a métodos educativos com crianças “normais”. Decroly participou do movimento de transição da Escola Tradicional para uma escola renovada (Escola Nova na Europa). Para isso, Decroly desenvolveu os chamados “centros de interesse”, onde a criança desenvolvia suas aptidões, no sentido de permitir o seu crescimento a partir dos seus interesses, associando conteúdo com suas necessidades naturais.Para ele, a educação se dá em todos os espaços: a criança aprende no museu, no jardim, em casa. Por sua vez, Maria Montessori, por meio de sua experiência com crianças “anor- mais”, vai desenvolver um método educacional ligado a exercícios que têm como característica o desenvolvimento das atividades sensoriais e motoras, visando principalmente o atendimento à educação pré-escolar. Absolutamente tudo que 1 Para João Pestalozzi, a educação podia modificar e influen ciar os homens. Leitor de Rousseau, foi influenciado por inúmeras de suas concepções. Acreditava em uma educação sem coer ção, recompensas ou punições. Obras: Leonardo e Gertrudes (1782) e Minhas Investigações sobre o Curso da Natureza no Desenvolvimento da Raça Humana (1792). Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br 24 Fundamentos Teóricos e Práticos do Ensino de História está no entorno da criança é desenvolvido para que ela tenha uma visão mais ampla do mundo. O material com que ela trabalha, o ambiente escolar, as cartei- ras, os materiais coloridos, as peças cilíndricas, tudo vem a colaborar para a des- coberta do aluno, para que desperte seu interesse. Numa classe montessoriana, a organização e o silêncio são fundamentais. O aluno precisa do silêncio para se desenvolver e ter espaço suficiente para ver desabrochar a imaginação. No século XX, duas grandes contribuições colocam novos alicerces para se pensar a educação. Definitivamente, a criança é um ser dinâmico que interage com a realidade. Destacam-se nesse século Piaget e Freinet. A liberdade e a au- tonomia da criança são pressupostos teóricos de ambos. Para tanto, de acordo com Piaget, é preciso haver um respeito ao desenvolvimento da criança, uma vez que ela passa por etapas distintas para o desenvolvimento intelectual, fases essas de assimilação e de acomodação. Para ele, a criança interage socialmente a partir da sua experiência com o outro. Quando Freinet propõe os passeios livres (aulas-passeio), a criança descobre o mundo por meio do seu olhar, de sua observação. O conhecimento seria cons- truído por meio da retomada do que era vivenciado no passeio. Observamos que as noções sobre a criança e sobre a educação sofreram mo- dificações ao longo de inúmeras fases. O processo de ensino se transformou no decorrer do tempo. As concepções sobre criança e educação são noções histó- ricas, porque estão diretamente relacionadas às mudanças sócio-político-cultu- rais de cada época. Dessa forma, é impossível pensarmos em uma caminhada sobre os diferentes tratamentos dados à criança na pré-escola ou em creches, sem antes termos visitado essas modificações que ocorreram na própria noção de infância. Por quê? Justamente porque a forma como vamos trabalhar com as crianças e as prioridades que temos hoje, em termos educacionais, são frutos de conquistas e de mudanças. A creche e a pré-escola numa perspectiva sociocultural Ao serem abordados os trabalhos de Piaget2 e Vygotsky pode-se observar que o cerne da discussão de ambos está justamente na produção do conhecimento pela criança. Para Piaget, a construção do conhecimento está em sua interação com o meio, não importando que características tenha esse meio. Ao apresentar 2 PIAGET e lNHELDER, B. A Psicologia da Criança. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1993. VYGOTSKY, L. S. A Formação Social da Mente: o desenvol- vimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 1994. Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br História para a Educação Infantil: parte 1 25 os tipos de interação social, ele aponta para as de coação e de interação (a primei- ra no nível da imposição e a segunda estabelecendo trocas, geralmente prazero- sas). De acordo com os críticos da teoria piagetiana, ele não apresenta nenhuma preocupação com os fatores sociais e tampouco se preocupa em descrever os diferentes contextos em que a criança se insere, e as diferenças significativas no desenvolvimento das capacidades cognitivas. Diferentemente, Vygotsky traz à luz uma abordagem que necessariamente passa pelo viés do social e cultural. O autor parte do princípio de que todos os indivíduos são necessariamente constituídos dentro do meio social, permeados pela cultura e, portanto, seres sociais. O universo de sistemas simbólicos oferecidos pela cultura é, justamente, o universo de descobertas da criança. O homem se constitui e se forma na inte- ração com o outro. Um outro que compartilha com ele de um mesmo contex- to, um outro social. Repensar a Educação Infantil é repensar essas perspectivas sobre a educação e ter uma perspectiva maior acerca desse novo olhar sobre a infância e o conhecimento. Dessa forma, é possível pensarmos que é fundamental considerar os aspectos culturais e sociais dentro do processo de desenvolvimento da criança e de sua formação. O meio em que a criança vive é carregado de significados, de história e de cultura. A aprendizagem da criança passa necessariamente pela noção que ela vai conceber sobre o meio onde ela vive. É desde pequenos, a partir da apresentação desse universo, que estamos for- mando pessoas. É nesse momento que se estabelece a noção de identidade e de autonomia. De acordo com o Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil (RCNEI), “a construção da identidade e da autonomia diz respeito ao co- nhecimento, desenvolvimento e uso dos recursos pessoais para fazer frente às situações da vida” (BRASIL, 1998, p. 13). É por isso que as creches e as pré-escolas assumiram um papel importante dentro da educação. Por isso, também é impor- tante que a criança passe a reconhecer a si e ao outro por meio da construção de sua perspectiva de história e cultura, a partir da interação com outras crianças, com outras pessoas e com o mundo ao seu redor. As propostas do RCNEI: conhecimento de mundo O RCNEI, no âmbito do conhecimento de mundo, sugere que inúmeros con- teúdos e atividades sejam desenvolvidos cotidianamente com a criança. Algu- mas dessas propostas, inclusive, já foram desenvolvidas por muitos professores em sala de aula. A partir de uma seleção cultural para o currículo, nessa etapa Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br 26 Fundamentos Teóricos e Práticos do Ensino de História do desenvolvimento do conhecimento infantil, foram levados em consideração aspectos de compreensão da realidade natural, social e cultural. O RCNEI propõe para tanto uma divisão de trabalho em seis eixos: Movimento, Artes Visuais, Música, Linguagem Oral e Escrita, Natureza e Sociedade, e Matemática. Dentro do eixo Natureza e Sociedade, enquadram-se os temas relacionados ao mundo social e natural, às áreas do conhecimento das Ciências Humanas e Bio lógicas ou Naturais. O Referencial propõe que se extrapole antigas atividades desenvolvidas nessas áreas, como, por exemplo, comemorações de datas cívicas, atividades voltadas para o calendário ou de cópia e repetição. Sua abordagem deve dar conta de apresentar diferentes formas de representação e explicação do mundo social e natural, aproximando e estabelecendo relações entre essas formas de conhecimento. Para crianças de 0 a 3 anos de idade, o Referencial não estipula conteúdos, indica explorar o cotidiano da criança. Para crianças de 4 a 6 anos, os conteúdos foram organizados em cinco blocos: organização dos grupos e seu modo de ser, viver e trabalhar; � os lugares e as paisagens; � objetos e processos de transformação; � os seres vivos; � fenômenos da natureza. � Em cada um dos blocos de conteúdo apresentados, é possível desenvolver inúmeras abordagens socioculturais com as crianças, partindo de um referencial histórico. A referência sobre a história da localidade, ou mesmo a relação do ser humano com a natureza, não só em sua comunidade como em outras épocas e civilizações, trarápara a criança bases sobre a vida social, a relação do homem com ele mesmo e com o meio ambiente. Esses dados são fundamentais para que a crian ça passe a identificar comportamentos no grupo, a observar o diferente, a entender as diferenças e as semelhanças e a construir a sua identidade. O que oferecer para a criança – como apresentar-lhe o mundo Que tipo de mundo construímos e que tipo de mundo queremos mostrar para as crianças? A História é um pouco disso. Fruto de nossos dissabores, de Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br História para a Educação Infantil: parte 1 27 nossas perdas e também de nossas vitórias. O que temos aí, no dia-a-dia, é o re- sultado de séculos sendo amalgamados em guerras, em misérias e esperanças, em opressão e solidariedade. Esse mundo das diferenças e da exclusão, do crime contra a vida e contra a ética está à volta. É esse mundo que deve ser mostrado para as crianças. Como colocar as crianças a par de tudo isso? A escola é o lugar privilegiado não só para desvendar e apresentar esse coti- diano, mas também é o lugar de promover uma educação crítica. A formação de novos cidadãos está justamente na forma como revemos o passado e o repensa- mos. A cultura da destruição e da desumanização, em que coleguinhas de aula passam fome, ou moram em péssimas condições, pode ser redefinida. A discussão sobre ética, solidariedade e o respeito ao outro depende de educar a favor desses valores. Depende de recuperar, pela formação da História, imagens que não queremos fazer. Nesse sentido, é possível gerar um sentido de solidariedade, de pertença, de reconhecimento e acolhimento das diferenças. Por isso, é impossível dissociar cultura, história e educação. Atividades 1. Quais as mudanças ocorridas na concepção de infância, de acordo com Phi- lippe Ariès, entre a Idade Média e a Modernidade? Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br 28 Fundamentos Teóricos e Práticos do Ensino de História 2. Quais as principais contribuições dos educadores do século XIX para a nova abordagem, com relação ao papel da educação e o conceito de criança? 3. Como podemos pensar o papel da pré-escola e das creches hoje? Quais gru- pos sociais são mais privilegiados em poder usufruir desse recurso para a educação de seus filhos? 4. Quais as novidades trazidas para o campo da educação a partir das teorias de Vygotsky? Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br História para a Educação Infantil: parte 1 29 5. Que aspectos da história o RCNEI apresenta como importantes para serem trabalhados com a criança na fase pré-escolar? 6. Quais as relações que você pode estabelecer entre os estudos socioculturais propostos pelos RCNEI e o estudo da História na Educação Infantil? Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br Gisele Thiel Della Cruz Visando à preservação de uma boa qualidade de vida, as crianças precisam penetrar, gradativamente e de acordo com as suas possibilidades, no mundo das relações humanas onde o trabalho, a interdependência social e a preservação ambiental são aspectos fundamentais. Marieta Lúcia Machado Nicolau Propostas do RCNEI para a Educação Infantil – Tema: Natureza e Sociedade De acordo com o Referencial Curricular Nacional para a Educação In- fantil (RCNEI), a educação da criança deve ser trabalhada sob dois âmbi- tos, isto é, formação pessoal e social e conhecimento de mundo. Dentro dessa proposta, buscou-se contemplar na Educação Infantil, a dimensão própria do desenvolvimento da infância e o conhecimento de diferentes linguagens e da realidade social e cultural da criança. Nessa perspectiva e a partir dessa proposta, no âmbito do conheci- mento de mundo, o RCNEI propôs o seu estudo em seis eixos: Movimento, Artes Visuais, Música, Linguagem Oral e Escrita, Natureza e Sociedade, e Matemática. O que nos interessa desenvolver aqui são as sugestões apon- tadas para trabalhar o eixo Natureza e Sociedade. Dentre as indicações gerais, está a correspondência para o desenvolvi- mento de questões a partir da integração de áreas do conhecimento, no caso, Ciências Humanas e Biológicas ou Naturais. Dessa maneira, preten- de-se que a criança perceba e relacione com maior facilidade questões e definições sobre o mundo que a rodeia. A proposta funciona por meio do desenvolvimento dos conteúdos de forma congregada. Assim, ao traba- lhar determinado conteúdo, o professor fará análises ou referências sobre História para a Educação Infantil: parte 2 Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br 32 Fundamentos Teóricos e Práticos do Ensino de História um mesmo objeto de estudo utilizando diferentes pontos de vista, sejam eles de caráter histórico ou biológico-natural. As atividades que serão desenvolvidas têm como finalidade transmitir algumas noções relacionadas aos seres vivos, à natureza e ao homem como elemento que pertence, usufrui e interage com essas categorias, dentro de um espaço e período de tempo. Para tanto, o RCNEI propõe o desenvolvimento de blocos de conteúdo: Organização dos grupos e seu modo de ser, viver e trabalhar. � Os lugares e as paisagens. � Objetos e processos de transformação. � Os seres vivos. � Fenômenos da natureza. � O primeiro item, por exemplo, “Organização dos grupos e seu modo de ser, viver e trabalhar”, pode ser desenvolvido a partir do que a criança estabelece como relação dentro e fora da escola. É possível trazer a criança ao convívio da comunidade, no seu entorno, ou levá-la a conhecer o diferente. Passeio ao museu, exibição de vídeos ou manifestações culturais de outros povos. O item três, objetos e processos de transformação, é bastante interessante, visto que revela a relação do ser humano com plantas e animais. Trabalhar o processo de transformação da natureza e a produção de diferentes objetos é muito bem-vindo. Como pode ser feito isso? É possível trabalhar desde a com- paração com o que foi produzido pelo homem em diferentes comunidades/so- ciedades ao longo do tempo até com o que a nossa civilização produz. Observar máquinas, brinquedos, meios de comunicação ou objetos de uso da criança, por exemplo, o lápis. A História em sala de aula: dinamizando conceitos Os conceitos fundamentais para o estudo da História (fato histórico, sujeito histórico e tempo histórico) podem ser trabalhados em sala de aula a partir de atividades cotidianas. A leitura ou a dinâmica de histórias em sala podem ser executadas do ponto de vista do fato histórico; uma reflexão sobre as atividades cotidianas da criança em casa ou na escola é o suporte para uma avaliação sobre Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br História para a Educação Infantil: parte 2 33 o tempo, o tempo histórico e, finalmente, uma observação e avaliação sobre as ações cotidianas identificam o sujeito histórico, não só o sujeito histórico de ações acontecidas em um passado distante, mas um sujeito histórico identificável nas ações de um grupo dentro da comunidade local, em atividades desenvolvidas pela classe escolar, em trabalhos e ações do aluno e seus pares. Como podem ser trabalhados os conteúdos com crianças de quatro a seis anos Uma das formas de trabalhar com a criança é estimulando-a com operações mentais, desafiando a criança a pensar por meio da proposta de atividades insti- gantes. Cabe à Educação Infantil provocar na criança o desejo de conhecer o mundo e o conhecer-se a si mesma e aos outros. Quando o professor conta à criança uma históriae ela passa a interpretar as ações dos personagens, fazendo comentários e leituras próprias, está sendo tra- balhada a sua capacidade de interpretação da realidade. Por isso, é interessan- te, ao contar uma história, narrando qualquer fato histórico, que o professor dê pausas e faça a criança se perguntar coisas sobre a história em questão. A partir das respostas, o professor pode orientá-los e refletir com eles sobre suas respos- tas e sobre os desdobramentos de tal fato histórico. As atividades cotidianas da criança são um bom suporte para que ela enten- da a dinâmica do tempo. Também a partir dessas atividades, é possível que o aluno assimile a idéia de cultura, algo que se constrói a partir de hábitos, valores e tradições de seus familiares. Tempo e cultura podem ser observados com ati- vidades lúdicas bastante simples. Partindo das necessidades humanas básicas, o professor pode fazer perguntas sobre a moradia, a alimentação, o vestuário, a higiene e o lazer. Por exemplo: “o café que tomamos pela manhã, quem traba- lhou para que ele estivesse em nossa mesa? Para que ele chegasse até a mesa, o que foi necessário acontecer?” Dessa maneira, o professor pode ir direcionando o pensamento do aluno. Alguém plantou uma semente na terra e nasceu uma plantinha. Dela se colhem os frutos que serão ensacados pelos lavradores e en- viados a um lugar onde serão torrados e moídos. Depois, serão colocados em saquinhos e levados aos supermercados, às padarias e aos armazéns. Ali, vão ser comercializados e comprados pelas famílias. Com base nesses dados, pode-se fazer uma associação, a partir do café, do tempo necessário para que determi- nado produto chegue em nossa casa, para que se observe as diferentes fases Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br 34 Fundamentos Teóricos e Práticos do Ensino de História de produção. É possível desenvolver as noções de campo e cidade, industriali- zação e comércio. Ainda com a orientação do professor, o aluno pode compre- ender que tomar café é um hábito, um dado cultural. O que acontece no café da manhã? Dá para resgatar também as relações familiares. Essa é uma parcela das inúmeras atividades que se pode desenvolver com a criança para que ela perceba tempo, hábitos e costumes. Atividades simples que lhe dão a base para a compreensão de conceitos e noções complexas. Mesmo trabalhar com civilizações distantes, a partir de dados do cotidiano da criança, também é possível. Ao observar a própria escola e as imediações, a criança poderá se dar conta de inúmeros dados sobre o meio ambiente, desde a observação sobre os animais até sobre as plantas. É viável que seja trabalhada uma infinidade de relações recíprocas entre esses componentes, bem como a necessidade de um sobre o outro. Atividades como o plantio podem ser bem interessantes para que a criança observe não só o crescimento e o cuidado com a planta, mas também o processo da preparação da terra. Assim, é possível es- tabelecer conexões com a necessidade de comer e com a importância da água, uma vez que a planta precisará ser regada. A partir desses dois itens, comida e água, pode ser apresentado a eles essa dinâmica nas sociedades antigas. Os alunos podem conhecer a civilização egípcia, o plantio ao longo do Nilo e a ne- cessidade das águas. A abordagem pode partir de como uma civilização nasceu da organização do povo para aproveitar melhor os recursos hídricos e com isso se alimentar. Essa reflexão pode ser fortalecida, além da aula em campo com o plantio, por meio de uma pesquisa sobre quem eram os egípcios, terminando com a construção de um painel. Trabalho esse que pode ser desenvolvido ao longo de um mês ou mesmo de um bimestre. Aceitar valores diferentes dos nossos Essa é uma das questões-chave para serem abordadas. A criação de uma iden- tidade ou a observação de sua existência e a compreensão das diferenças. Traba- lhar valores diferenciados e hábitos distintos é um dos elementos em questão. É preciso que se tome como fonte tudo o que rodeia a vida da criança: brinquedos, coisas pessoais, hábitos e costumes e, a partir do exame sobre outros elementos que são caracteristicamente diferentes e que pertencem a outro colega, esta- belecer análises e conclusões sobre diferenças culturais e sociais. A partir desse olhar, é possível que se desenvolva com a criança a noção de diferença e, ao mesmo tempo, que o professor conduza e aponte essas diferenças que irão se Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br História para a Educação Infantil: parte 2 35 manifestar também em nível da sexualidade, da classificação social etc., procu- rando ter como resposta a aceitação do outro e de seu universo. Brincando com a História Para que a criança tenha acesso a diferentes episódios da História, é interes- sante o trabalho não somente com quadros e gravuras prontas, mas também fazer o trabalho de releitura de tais figuras, paisagens ou personagens. Assim, é possível desenvolver com a criança não somente o reconhecimento dessas lo- calidades ou indivíduos, mas também trabalhar determinada habilidade, prin- cipalmente que desenvolvesse o controle dígito-manual. Para tanto, essas ima- gens podem ser revisitadas e trabalhadas várias vezes e, em cada fase, a criança pode agregar novos dados à sua leitura anterior. Por exemplo, caso se trabalhe uma imagem do Coliseu romano, da Acrópole grega ou das Pirâmides egípcias, podem ser desenvolvidas atividades com o ob- jetivo de preencher a figura com bolinhas de jornal ou revista; também pode-se utilizar o cordão para traçar as bordas e margens do desenho (contorno de figuras) ou mesmo perfuração e alinhavo de determinados desenhos. Esse tipo de ativida- de não só estimula as questões de habilidade motora, como também pode servir de base para a reflexão sobre aquela localidade, povo ou personagem histórico. Após esse exercício, é possível solicitar à criança que apresente aos seus co- legas o trabalho que foi desenvolvido. Isso tudo é extremamente lúdico e pode ser feito de maneira livre, deixando a criança produzir seu trabalho da forma que melhor lhe convier, a partir de sua observação das formas e contornos da figura, ou seja, de seu olhar sobre o desenho ou a obra. Esse tipo de atividade pode ser desenvolvida com as áreas ou lugares da comunidade/localidade da criança. A educação pré-escolar. (N IC O LA U , 2 00 0, p . 2 51 .) Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br 36 Fundamentos Teóricos e Práticos do Ensino de História Atividades 1. Quais as propostas que existem no RCNEI, em termos de conteúdos, para que seja desenvolvido o eixo Natureza e Sociedade? 2. Como é possível planejar o trabalho a ser desenvolvido em creches e pré- -escolas adotando as indicações do RCNEI? Aponte suas dificuldades. Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br História para a Educação Infantil: parte 2 37 3. Que atividades você sugere para que a criança compreenda as diferenças culturais existentes em sala de aula? A História dá suporte para que ela com- preenda essas diferenças? Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br Gisele Thiel Della Cruz Os factos humanos são, por essência, fenômenos delicadíssimos, muitos dos quais escapam à medida matemática. Cumpre utilizar uma linguagem finíssima, [uma cor adequada ao tom verbal], para traduzir bem os factos humanos, e portanto para os penetrar bem (...). Marc Bloch O estudo da História: o tempo e o fato histórico Há muito tempo, os historiadores rumaram para uma nova concepção acerca daHistória e da construção da Ciência Histórica. Essa nova aborda- gem apontava não mais a velha exposição dos fatos e seus encadeamen- tos, que fez parte do ofício do historiador no século XIX e parte do século XX, período esse denominado, sinteticamente, de positivismo. Essa nova proposta voltou-se para novos discursos e para um processo mais reflexi- vo e conjuntural de construção da História. Grande parte dessas mudanças e das novas abordagens aconteceram principalmente na década de 1920, com o surgimento da Escola dos An- nales1, cujos principais representantes foram Lucian Febvre e Marc Bloch. As propostas dos Annales foram importantíssimas para a renovação dos estudos históricos e geraram desdobramentos consideráveis. O grupo de intelectuais dos Annales serviu como uma espécie de grupo de con- testação ao que fora produzido no século XIX e denun ciava uma história de eventos de pouco alcance histórico. A idéia dos acontecimentos e do 1 A revista dos Annales foi fundada em 1929 tendo como principais mentores Marc Bloch e Lucian Febvre. Sua nova abordagem para o estudo da História trouxe conseqüências e influên cias até os dias de hoje. A revista se consagrou conjuntamente com a obra de seus principais fundadores. O movimento dos Annales, normalmente chamado de Escola dos Annales, não possui exatamente os elementos que constituem uma escola, rigidamente organizada, fechada, estritamente em torno de uma convicção ou paradigma.Entre as obras de maior destaque daqueles que compuseram o movimento dos Annales, encontram-se os Reis Taumaturgos de Marc Bloch, publicado em 1924, ou seja, antes da fundação da revista, e o O Mediterrâneo de Fernand Braudel. O estudo da História no 1.° e 2.° ciclos do Ensino Fundamental – Conceitos fundamentais: o fato histórico Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br 40 Fundamentos Teóricos e Práticos do Ensino de História tempo históricos, e a construção de conceitos consoantes a estas questões foi a base da obra historiográfica desses dois pensadores. Complementando essa renovação ocorrida dentro da História em 1929, deve ser ainda lembrada a publicação de Fernand Braudel na revista dos Annales: “História e Ciências Sociais: a longa duração”. Sem dúvida alguma, essa obra é peça chave para a compreensão do conceito de tempo adotado pelos historia- dores contemporâneos. A partir de então, a História, de forma geral, passou a trabalhar com os conceitos de tempo de longa e curta duração, tempo da estru- tura, da conjuntura e do acontecimento breve. Todavia, mesmo avaliando o tempo histórico dentro de novas perspecti- vas, não se pode deixar de considerar que o entendimento dos fatos históricos compõe, justamente, esse cordão de ações humanas que podem ser elencados ao longo do tempo. É importante ressaltar que estes estudos sejam feitos com fatos contextualizados. Mas o que é, então, fato histórico? O fato histórico é algum acontecimento ou evento cujo significado é importante para a compreensão do passado. Esses fatos podem ter ocorrido em um passado distante, bem como em um passado mais próximo. Eles podem ser também apresentados de uma maneira isolada ou descontextualizada, o que, na verdade, é uma opção do professor, mas que, com certeza, empobrece o trabalho que está sendo desenvolvido. Ainda, o fato histórico pode ser entendido como um sinônimo do que Fer- nand Braudel denominou de tempo do acontecimento breve, ou seja, aquele que representa a dimensão de um acontecimento breve, correspondendo a um mo- mento preciso. Pode ser algum acordo firmado em determinada data, o nasci- mento de algum personagem histórico, o fim de um governo ou a independên- cia de uma nação. O conceito de fato histórico e a definição dos fatos que serão investigados e estudados naquele ano escolar orientam as noções e o tipo de trabalho que serão desenvolvidos em sala de aula. Se, por muitos anos, ilustrar os fatos histó- ricos e torná-los a única ferramenta ou objeto da História foi a grande referência para a formação do conhecimento histórico escolar, hoje, o que se propõe é que este fato tenha um sentido de importância maior, capaz de trazer em si funda- mentos para compreender as mudanças materiais e culturais ocorridas ao longo do tempo e traduzindo a dinâmica histórica das sociedades humanas. O fato histórico deixa de ser um dado singular solto no tempo e passa a ter raízes mais profundas para a compreensão da história. Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br O estudo da História no 1.° e 2.° ciclos do Ensino Fundamental – Conceitos fundamentais: o fato histórico 41 Por que se estudava uma História factual? Até a década de 1980, fazer História ou ensinar História no Brasil tinha em sua essência uma relação com o civismo e com o poder do Estado. Para que o pro- fessor e o aluno fossem bons, era preciso que dominassem o conceito de tempo histórico. Todavia, essa compreensão limitava-se a entender o tempo cronológico e a sucessão de datas, calendário e seqüência entre passado, presente e futuro. Isso ocorria justamente porque era fundamental para o Estado que se criasse uma consciência cívica, normatizadora e moralizante nos cidadãos, e não uma compreensão e elaboração da História de uma maneira mais crítica. A História estava na escola para ser decorada e sua prática constava de recitar lições, datas e nomes considerados significativos. Esse tipo de História e de conhecimento es- colar sobre História esteve presente desde o século XIX, com algumas pequenas mudanças ou descaminhos em determinados momentos. Assim, foi dominante a criação de programas de História com narrativas morais, de grandes eventos e de grandes heróis, uma História factual. A exemplo disso, podemos citar a escola e o conteúdo ensinado nos esta- belecimentos de ensino durante o Período Imperial brasileiro. Nesse momento, mea dos do século XIX, a História da civilização substitui a antiga História Sa- grada; no entanto, assimila alguns de seus traços. A ordem dos acontecimen- tos era articulada com uma sucessão de reis e de lutas, bem como de grandes eventos, como a Independência. Segue, portanto, a velha fórmula da criação de uma identidade pátria, o alicerce da pedagogia do cidadão, um passado glo- rioso, permeado por feitos heróicos e personagens históricos perfeitos. Pode-se observar, por exemplo, as habilidades de Duque de Caxias, patrono do Exército, ou a inabalável imagem do mito de Tiradentes, criada na República. Sem contar, é claro, com a triunfante Guerra do Paraguai, por muito tempo citada como a grande batalha da vitória brasileira. Esse modelo permaneceu inalterado, mesmo com algumas reformas instituí- das pelos primeiros governos republicanos. A situação da escola pública pouco mudou e da mesma maneira pouco se viu alterações curriculares, o que aconte- ceu também com a História. A partir de 1930, com o governo getulista, e uma forma ditatorial de governar, persegue-se as mesmas condições de ensino da História, salvo uma mudança: a ênfase em um discurso democrático racial para encobrir um governo extrema- mente racista e despótico. Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br 42 Fundamentos Teóricos e Práticos do Ensino de História Nas décadas de 1960 e 1970, sob o domínio militar, a História passa a ser uma disciplina mais significativa, conhecida como Estudos Sociais, dentro do espírito nacionalista de caráter moralizante e cívico. A História factual mantém seu curso. Trata-se de enaltecer alguns fatos importantes e manter na popula- ção a imagem da nação perfeita e da aceitabilidade de que o poder e a glória cabem somente a alguns. O que aconteceu, então, na década de 1980, para que um novo projeto de História na escola fosse apresentado? Por que ensinar História tão cedo e de uma maneiracrítica? Longe de uma História apenas de fatos No decorrer da década de 1970, as lutas de profissionais, desde a sala de aula até a universidade, ganharam maior expressão, além da força que foram buscar junto a associações como a Associação Nacional de História (ANPUH) e a Asso- ciação dos Geógrafos Brasileiros (AGB), na busca do retorno da Geografia e da História como disciplinas autônomas. A nova clientela e as mudanças políticas e sociais brasileiras permitiam um espaço de discussão maior sobre o papel da escola e também sobre a necessi- dade de novas políticas educacionais. Nessa corrente de mudanças de caráter pedagógico, se inseriam também às modificações quanto ao ensino de História. Nesse momento, foi possível que se pensasse também na possibilidade do retor- no da História e da Geografia para as Séries Iniciais. Com a possibilidade de voltar a ser uma disciplina e de ter novamente um papel mais definido na formação da cidadania, a História Tradicional passa a sofrer contestações. Diante de uma nova forma de fazer e ensinar História, de acordo com o novo projeto da História Crítica, os currículos foram modificados e amplia dos. A disciplina passou a ser ensinada nas escolas, desde a Educação Infantil até os primeiros anos do Ensino Fundamental. Não aquela velha História dos fatos isolados e dos heróis mitificados, mas a História dos fatos contextu- alizados e da presença de pessoas. E como sugerem os Parâmetros Curricula- res Nacionais: “reafirmar sua importância no currículo não se prende somente a uma preocupação com a identidade nacional, mas sobretudo no que a disciplina pode dar como contribuição específica ao desenvolvimento dos alunos como sujeitos conscientes, capazes de entender a História como conhecimento, como experiência e prática da cidadania”. Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br O estudo da História no 1.° e 2.° ciclos do Ensino Fundamental – Conceitos fundamentais: o fato histórico 43 Mexendo com os fatos Já que o fato puro não agrega criticidade, o professor não deve limitar-se a ensinar aos seus alunos os nomes e feitos de personali- dades, mas mostrá-los no contexto em que sua ação ganhou significado. Dessa forma, a História deixa de ser o resultado da vonta- de de alguns indivíduos imperando sobre os outros, ou mesmo de fatos estanques, e passa a ser uma História vinculada a um tempo his- tórico, e à vida de uma nação, de um povo ou de uma comunidade. É provável que, por meio do estudo de um fato, possa-se fazer uma abordagem socio- cultural da política que orienta determinado período da História. Por exemplo, por meio da morte de Tiradentes e da iconografia a respeito desse fato, é pos- sível fazer uma releitura de época e absorver os interesses da elite brasileira. O mito é apresentado com características que lembram Cristo (a barba e os cabe- los longos, trajes alvos, os pés descalços têm um sentido). O que Tiradentes e sua morte sugerem? O importante é saber o que Tiradentes tem a acrescentar para a vida das crianças. Por que se comemora o dia de Tiradentes até hoje nas escolas? Por que o Brasil transformou Tiradentes em um herói? Quando ela passou a ter importância para a historiografia? É possível, assim, mais do que forjar a identidade nacional, que se compreen- da a alteridade do sentimento, da crença, da cultura e dos sonhos de uma nação pela leitura de seus diferentes segmentos: pobres e ricos. Do Período Colonial até os dias de hoje, a população mais simples é tida como incapaz, indolente, inculta, perigosa, demoníaca, subversiva e selvagem. Tiradentes é quem entre eles? Assim, apresentando traços por meio das diferentes linguagens (iconogra- fia, letras de músicas, arquitetura e propaganda), um fato histórico pode ter múl- tiplas facetas, vários olhares e uma compreensão e valoração maior. Em suma, ao observar a sociedade local ou nacional, o aluno deve ser capaz de compreender que determinados fatos são de suma importância para a histó- ria daquele grupo. Cabe ao professor o trabalho de reelaboração do que é pro- posto como conteúdo a ser trabalhado, transformando-o, da melhor maneira possível, em conteúdo transmissível e assimilável pelos estudantes. Ao passar Tiradentes. (D is po ní ve l e m : < w w w .in te rn ex t.c om .b r/ va lo is / pe na /1 79 2. ht m >. A ce ss o em : 8 d ez . 2 00 8) . Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br 44 Fundamentos Teóricos e Práticos do Ensino de História determinado fato ou data cívica, o professor deve buscar metodologias e técni- cas que motivem o aluno a compreender e a se interessar pelo que estuda. Para tanto, é importante que se tenha claro técnicas de motivação e elaboração de atividades instigantes. A compreensão do fato por meio da imagem É sabido, no entanto, que muitos professores ainda têm como referencial os textos impressos. A essa predominância dos textos escritos é o que Debray (1995) chama de “racionalidade grafosfera”. Essa utilização quase que limitada ao texto escrito e que o professor administra em classe é que deve ser quebrada. A fonte escrita é importante, mas, principalmente nas Séries Iniciais (1.° ciclo), o trabalho com a imagem é fundamental. Não se pode esquecer que continu- amente os alunos sofrem influências da televisão, e essa deve ser também um recurso constante. O aluno chega à sala de aula com algum grau de informação sobre alguns temas ou fatos que estão sendo trabalhados pelo professor. É claro que com as apropria ções distorcidas das informações adquiridas por intermédio dos meios de comunicação. Cabe ao professor empregar em suas aulas recursos visuais e tornar mais rico o fato histórico trabalhado. Assim, o referencial do aluno será, além do texto escolar, oral ou escrito, aquele que lhe é veiculado pela televisão ou pelo filme. É importante que o professor seja capaz de utilizar esse recurso (o filme) e fazer, portanto, essa conversação entre o fato histórico mostrado no filme e aquele trabalhado em sala. De acordo com Saliba, as imagens não falam, mas agregam referenciais: “as imagens são estratégias para conhecimento da realidade, mas não constituem sucedâneos para nenhum suporte escrito. Ao contrário do que se diz, freqüentemente, a imagem não fala. Sem comentários, uma imagem não significa rigorosamente nada.” (1996, p. 161). A articulação da imagem com o texto escrito trará ao aluno elementos suficientes para que ele tenha uma compreensão mais ampla do fato/conhecimento histórico. Além do que é veiculado na televisão, o filme revela também o acontecimen- to. Ele não é somente a obra de arte, mas também o produto, uma imagem- objeto, cujas significações e compreensões podem extrapolar o simples limite cinematográfico. O filme pode ser abordado como um documento que revela momentos passados ou contemporâneos. O professor pode utilizar-se da análi- se de filmes, ou fragmentos de filme, de acordo com a sua necessidade, em dife- rentes abordagens: cenário, narrativa, público, período etc. Revelando o mundo Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br O estudo da História no 1.° e 2.° ciclos do Ensino Fundamental – Conceitos fundamentais: o fato histórico 45 da ficção e da história. De acordo com Ferro, “o filme pode suscitar, no nível da imagem, o factual” [grifo nosso] (1995, p. 202). Dicas de estudo Guerra do Fogo, 1981. Para trabalhar aspectos da Pré-História. A Era do Gelo, 2002. Desenho animado interessante que mostra como viviam os homens primitivos. Ótimo para trabalhar com crianças. Os Trabalhos de Hércules, 1960. Muito interessante, para trabalhar cultura grega. Asterix entre os Bretões, 1986. A história de Asterix e Obelix retrata as guerras entre romanos e gauleses. Lancelot, o primeiro cavaleiro, 1995. Idade Média e olendário rei Artur. Simbad, 2003. Desenho animado que fala sobre os costumes e lendas árabes. Atividades 1. Como se define fato histórico? Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br 46 Fundamentos Teóricos e Práticos do Ensino de História 2. O que é uma história cujo conteúdo e abordagem são factuais? 3. Como o estudo dos fatos foi utilizado pelo poder público para a manipula- ção da consciência cívica? Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br O estudo da História no 1.° e 2.° ciclos do Ensino Fundamental – Conceitos fundamentais: o fato histórico 47 4. Procure elaborar uma aula, a partir de um fato histórico, utilizando como re- curso ilustrativo um filme. Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br Gisele Thiel Della Cruz No passado, podiam-se acusar os historiadores de querer conhecer somente as ‘gestas dos reis’. Hoje, é claro, não é mais assim. Cada vez mais se interessam pelo que seus predecessores haviam ocultado, deixado de lado ou simplesmente ignorado. ‘Quem construiu Tebas das sete portas?’ – perguntava o ‘leitor operário’ de Brecht. As fontes não nos contam nada daqueles pedreiros anônimos, mas a pergunta conserva todo o seu peso. Carlo Ginzburg Os conceitos que estamos trabalhando são representações mentais da realidade. Em cada cultura, existe sua representação por meio de um signo. Esses elementos se tornam idéias abstratas independentes da experiência concreta. A aprendizagem de História resulta da apropriação de conceitos específicos e do estabelecimento de relações entre eles, formando uma es- pécie de rede conceitual. O processo de conhecimento está justamente em o aluno ser capaz de estabelecer essas conexões e, gradativamente, estar apto para identificar esses conceitos básicos em diferentes realidades estudadas. O conceito de sujeito histórico estabelece novas relações com o fato e com o tempo histórico. Assim como a concepção sobre o estudo dos fatos históricos ganhou um novo contorno a partir da Escola dos Annales, a noção de sujeito histórico também foi reformulada. A História Tradicio- nal contada por meio dos fatos e dos grandes vultos deixou de ser o único modelo de produção historiográfica. A Nova História passou a fazer uma nova abordagem e a se preocupar não só com a avaliação e com o conhe- cimento da vida de poucos homens ou com as ações isoladas ou vontades individuais de poderosos, mas também com a dimensão das ações coleti- vas, das lutas por mudanças, dos valores e perspectivas de grupos sociais, dos costumes que permaneceram ou que se modificaram, noções e per- cepções que ultrapassam os mecanismos políticos e econômicos. O estudo da História no 1.° e 2.° ciclos do Ensino Fundamental – Conceitos fundamentais: o sujeito histórico Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br 50 Fundamentos Teóricos e Práticos do Ensino de História Definições sobre o sujeito histórico O sujeito histórico é o agente da ação social, escolhido pelos historiadores como foco de análise e importante para a compreensão dos estudos sobre a História. Pode-se observar uma outra concepção descritiva abordada nos Parâmetros Curriculares Nacionais: Sujeito Histórico – Podem ser, assim, todos aqueles que, localizados em contextos históricos, exprimem suas especificidades e características, sendo líderes de lutas para transformações (ou permanências) mais amplas ou de situações mais cotidianas, que atuam em grupo ou isoladamente, e produ- zem para si ou para uma coletividade. Podem ser trabalhadores, patrões, es- cravos, reis, camponeses, políticos, prisioneiros, crianças, mulheres, religio- sos, velhos, partidos políticos etc (PCN, v. 5. p. 36). Nessa concepção, bastante ampla, o papel do sujeito histórico é apresentado como sendo o de diferentes componentes no jogo social. Dessa forma, variados elementos integram essa compreensão de sujeito histórico, desde líderes e figu- ras heróicas, até gente simples em suas atividades cotidianas. Evidentemente, nem todos esses elementos podem ser elaborados ou abordados pelos historia- dores ou mesmo servem como objeto de transmissão e compreensão sistemá- tica da História em sala de aula. Então quais são as abordagens mais freqüentes que os historiadores têm produzido e o que tem sido transmitido na Educação Básica sobre a História e seus sujeitos? A historiografia e o sujeito histórico As novas abordagens que são efetuadas pela História, partem principal- mente da caminhada historiográfica feita a partir da Escola dos Annales1. Nessa Escola, lançou-se a idéia de que era preciso privilegiar o estudo das massas em lugar das personalidades conhecidas. Esse enfoque, de acordo com Daumard, lançou as bases da História Social na França e passou a dar conta de escrever sobre outros elementos da vida dos homens e da sua história. Era preciso en- contrar os componentes da vida mais banal e cotidiana, tanto nos seus aspectos 1 A revista dos Annales passou por diversas reformulações desde que foi fundada. Em sua primeira concepção, os trabalhos de seus principais pensadores, Marc Bloch e Lucian Febvre, fizeram-na conhecida e reconhecida mundialmente. Com a proposta de renovar-se e manter-se sempre atual, notamos nos anos 60 uma grande repercussão da revista e forte influência de Fernand Braudel. Na terceira “fase” dos Annales, ou na chamada Nova História, destacam-se histo riadores como Jacques Le Goff e Georges Duby. Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.iesde.com.br O estudo da História no 1.° e 2.° ciclos do Ensino Fundamental – Conceitos fundamentais: o sujeito histórico 51 materiais, como nas suas manifestações mentais. Esse “movimento” alavancou a partir de 1950 uma gama enorme de trabalhos que tinham essas características (DAUMARD, 1984, p. 12). Mesmo as biografias que centravam o seu estudo sobre os indivíduos pas- saram a ter uma outra importância, à medida que serviam como suporte para compreensão da história da família e para decifrar aspectos sociais e profissio- nais, privilegiando assim dados da vida privada. Esse tipo de análise interessava para que se compreendesse um outro filão da história: o estudo das mentalida- des e dos comportamentos coletivos. Dessa maneira, a antiga concepção do personagem mitificado pela História, ou dos grandes feitos e figuras, foi deixando gradativamente de ser o enfoque da historiografia. No Brasil, essa caminhada historiográfica foi feita um pouco mais tarde, já que essas novas perspectivas foram introduzidas na Academia du- rante as décadas de 1970 e 1980. A noção quase que mítica que fora dada a alguns personagens começa a se esvaziar de sentido. De origem grega, a palavra mythos significa narrar para o público as origens de qualquer coisa, com sentido fabuloso, mágico, divino e incontestável. Esse caráter de verdade inquestionável e de uma explicação para tudo sobre algumas personagens da História é um legado da História Positivista/ Tradicional do século XIX e meados do século XX a partir de uma visão mítica. Para que se tenha uma idéia do sentido que a História tinha no século XIX, é interessante citar um episódio narrado por Peter Burke: A história tradicional oferece uma visão de cima, no sentido de que tem sempre se concen- trado nos grandes feitos dos grandes homens, estadistas, generais ou ocasionalmente ecle- siásticos. Ao resto da humanidade foi destinado um papel secundário no drama da História. A existência dessa regra é revelada pelas reações à sua transgressão. Quando o grande es- critor russo Alexandre Pushkin estava trabalhando no relato
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