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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Gestão educacional : novos olhares, novas abordagens / Maria Auxiliadora Monteiro Oliveira (organizadora). 10. ed. - Petrópolis, RJ : Vozes, 2014. Vários autores. ISBN 978-85-326-3094-0 1. Gestão educacional I. Oliveira, Maria Auxiliadora Monteiro. 04-7005 CDD-371.2 índices para catálogo sistemático: 1. Gestão educacional 371.2 Teorias da administração e seus desdobramentos no âmbito escolar Maria Laetitia Corrêa Solange Maria Pimenta Cem anos de estruturação da sociedade organizacional articula ram um compósito entre as teorias que informam os modelos de orga nizações e aquelas que sustentam a perspectiva da educação em sua preparação para o trabalho. Como base de sustentação, encontra-se a racionalidade da ciência moderna que, atualmente, se vê contraposta aos elementos emergentes de uma nova racionalidade no campo da ciência pós-moderna, repercutindo na configuração de novas teoriza- ções e novos modelos no campo da administração e da educação. Este capítulo pretende ser uma leitura sincrônica das tendências dominantes desta articulação. Ao estabelecer este mapeamento, esta síntese, espera-se captar uma determinada etapa histórica e estimular debates dentro e entre as diferentes abordagens dos estudos nestas duas áreas de conhecimento em suas zonas de interação e influência. Como fio condutor deste trabalho são discutidos os pressupostos epistemológicos que fundamentam os estudos organizacionais, abor dando os quatro grandes paradigmas que os sustentam e que são re presentados respectivamente pela Teoria Clássica, pela Escola de Re lações Humanas, pela Escola Estruturalista e pela perspectiva do Po der e da Política, focalizando-se também algumas correntes que se de senvolvem paralelamente e que exercem influência sem, contudo, se tornarem hegemônicas. Finalmente, busca-se delinear os fundamen tos de um novo modelo de gestão, contemporâneo da globalização e da reestruturação produtiva atual. Desta forma, define-se como teoria Gestão educacional 22 e prática têm se transformado neste período histórico, o que leva os es tudos organizacionais a se (re)configurarem em função destas mudan ças. Neste cenário, identificadas as principais tendências e matrizes teóricas destes estudos, desenvolve-se a análise do impacto deles na prática da administração escolar1. O reconhecimento da natureza epis- temológica implícita nestas articulações pode ser revelado na leitura crítica da teoria e dos paradigmas sociais, enquanto uma reflexão mais aprofundada dos pressupostos que se colocam na base dos saberes que articulam os dois campos. 1. Clm enfoque deste impacto nas teorias da administração escolar encontra-se desenvol vido na análise de Ribeiro & Machado (2003) a propósito das contribuições de seis autores brasileiros que são considerados representativos das principais correntes administrativas: Anísio Teixeira (1997), Querino Ribeiro (1952), Lourenço Filho (1963), Alonso (1976), Costa Félix (1989) e Paro (1999). No que se refere aos principais quadros interpretativos, Guillén (1994: 8) defende as condições básicas para a sua sustentação: Paradigmas são sistemas de ideias e técnicas inter-relacionadas que oferecem diagnósticos e soluções distintas para um conjunto de problemas. (Jm modelo ou paradigma na Teoria organizacional é um sistema de ideias e técnicas sobre a gestão dos trabalhado res e a administração de instituições econômicas e não econômi cas. Os paradigmas organizacionais normalmente apresentam uma visão ideológica das organizações, dos trabalhadores, da gerência e do sistema de hierarquia nas firmas. O desenvolvimento do capitalismo industrial cria as modernas or ganizações que amplamente se difundem e se ampliam, dominando as esferas econômica, social, política e ideológica, simbolizando um novo modo de organização da sociedade. A nova ordem seria regida não mais por homens, mas por "princí pios científicos” baseados na "natureza das coisas", e portanto ab solutamente independente da vontade humana. Desta forma, a promessa da sociedade organizacional era o predomínio das leis científicas sobre a subjetividade humana, o que levaria ao desapare cimento completo do elemento político (WOLIN, 1961: 378). A industrialização se materializa na “sociedade organizacional” e passa a representar o avanço da razão, da liberdade e da justiça e a vi tória da ordem e do progresso da coletividade sobre a irracionalidade humana. É, de fato, a primeira construção ideológica e que se coloca como mediadora no papel desempenhado pela ciência e pela técnica na produção das coisas. “Há uma materialização física e uma realiza Gestão educacional 23 ção primitiva, embora sofisticada, da ideologia”, nos diz Santos (2000: 9). Mas, se o constructo ideológico permanece, ajustes importantes se fazem necessários nos estudos organizacionais e administrativos, uma vez que são frequentemente questionados por transformações intelec tuais e institucionais, originadas no contexto social que se desvendam no plano histórico. É nesta trajetória que se insere este trabalho, bus cando as interconexões das teorias organizacionais com o campo edu cacional e a administração escolar, pois a expansão da industrialização correspondeu ao da rede escolar, composta por numerosas organiza ções de cunho educacional, de natureza pública e privada, não fosse a escola um agente fundamental na preparação para o trabalho, em es pecial o trabalho industrial e pós-industrial. Como acentua Enguita (1989: prefácio), [...] se aceitamos que uma função primordial da escola é a socializa ção para o trabalho - e assim o fazem não apenas a maioria dos es tudiosos da educação, mas também seus agentes e seu público salta aos olhos a necessidade de compreender o mundo do traba lho para poder dar a devida conta da educação. Cima das formas de compreendê-lo é apreender as diversas teorias que têm permeado o campo organizacional e suas influências sobre um tipo específico de organização - a escola - e sobre as formas como ela tem sido administrada nos últimos cem anos. A escola clássica: a perspectiva funcionalista Nesta concepção administrativa, a organização é visualizada como autônoma, de fronteiras bem estabelecidas, centrada em sua ambiên- cia interna e com operações precisas, inclusive em seus limites. Repre sentada pelos estudos pioneiros de Taylor (1947), Fayol (1947) e Gil- breth & Gilbreth (1953) dentre outros, se caracteriza pela preocupação com a racionalização e os métodos de trabalho e pelos princípios ad ministrativos que garantem o trabalho mais produtivo, mais efetivo e centralizado no comando da gerência. Para Taylor (1947), a descoberta de “uma única maneira certa” de executar uma tarefa traz de forma evidente e clara a maximizaçáo da eficiência. E define o indivíduo para executá-la. Nesta estrutura se aprofunda a dicotomização do trabalho e daquele que o exerce, na medida em que se complementa a grande divisão entre aqueles que pensam - e, portanto, administram - e aqueles que executam - e, por tanto, são administrados (MOTTA, 2001). Neste sentido, os problemas Gestão educacional 24 centrais da organização se reduzem aos aspectos técnicos e adminis trativos que se fundamentam em alguns pontos principais: a) na visão de equilíbrio centrado na identificação entre objetivos pessoais e organizacionais, que se garante via coordenação e in tegração das diferentes funções empresariais e na perspectiva do conflito visto como anomalia e que deve ser sanado ou expur gado, tendo em vista a sua natureza “patológica”. A luta de clas ses não é considerada de forma substantiva ou organizada nesta concepção, uma vez que nela não existem divergências de inte resses entre capital e trabalho; b) numa determinada noção da natureza humana que define o ho mem como ser eminentemente racional que conhece todos os cursos de ação disponíveis,assim como as consequências de cada uma de suas possíveis opções referentes a eles. Como seus valores são basicamente de conteúdo econômico, estes recur sos se colocam no centro da explicação de suas motivações e de suas orientações para a ação. O comportamento de todos os atores se alicerça em formas técnicas e racionais; c) no controle real do processo de trabalho pela gerência, através da transferência não só do saber dos trabalhadores para a gerência, como da sua sistemática e de seu tempo de execução. Para Bra- verman (1980), trata-se da alienação progressiva dos processos de produção do trabalhador, reinaugurada pela implementação efetiva da gerência “científica", porque baseada na experimenta ção e no estudo sistemático dos tempos e movimentos relati vos à execução do trabalho. Sob o signo da heteronomia, gru pos hostis e rivais são criados: a gerência, que pensa, planeja e determina a “melhor maneira” de se executar o trabalho, e o co letivo de trabalhadores, que deve executá-lo da forma prescrita. Daí a necessidade urgente e premente de realçar a cooperação com base no interesse econômico comum, porque os dois gru pos têm que recuperar a sua unidade para a real efetivação do processo de trabalho; d) numa crescente desumanização do trabalho, onde a lógica é a cadência e o ritmo, definindo a intensidade e a fragmentação instaladas pelos gestos repetidos e pela memória destes ges tos, instaurando a monotonia e recusando a criatividade e a possibilidade do diverso, do não-prescrito. É a racionalização da estrutura administrativa que se complementa com a propos ta de Fayol (1947). Gestão educacional 25 e) no esforço de definir e aplicar uma estrutura teórico-metodológi- ca aos crescentes e cada vez mais complexos problemas do tra balho e de sua organização no mundo empresarial. Ha realidade, sob a égide da ciência, trata-se, de fato, de investigar a adapta ção do trabalho às necessidades do capital em suas novas mo dalidades. Através desta síntese, visualiza-se não só a paciente construção ideológica, mas apreende-se que a tecnologia que construiu a socie dade industrial se fundamenta numa forma específica de dominação econômica e política. Que se relaciona dialeticamente com as necessi dades e o desenvolvimento do capitalismo monopolista. Nesta abordagem é construída a definição do “operário-massa", como figura emblemática do taylorismo. Na visão de Lazzarato e Negri (2001: 18), |É| um trabalhador massificado não apenas pelos níveis de mobili zação das forças de trabalho aos quais chegava a produção em sé rie, mas pelo nivelamento de suas qualidades: o taylorismo mobili zava enormes massas de camponeses e os tornava operários des qualificados adequados a uma divisão técnica do trabalho que lhes reservava tarefas cada vez mais simples e repetitivas. O operário tay- lorista era, portanto, duplamente massificado: pelos contingentes de forças de trabalho concentrados nas grandes fábricas e pela ten- dencial indistinção, do ponto de vista da divisão técnica do trabalho, de suas características pessoais, subjetivas. Neste contexto, a apropriação da produtividade geral, a compreen são da sua natureza e do domínio sobre ela define a existência de um corpo social que se apresenta como o grande pilar de sustentação da produção e da riqueza. Além disso, configura-se a necessidade de ava liar e medir as enormes forças sociais assim criadas e aprisioná-las nos limites que são necessários para conservar como valores centrais os valores criados pelo capitalismo. As forças produtivas e as relações so ciais figuram para o capital como meios para a construção de sua base. Daí a sua ampliação para a administração da educação como pi lar fundamental de sustentação e reprodução do processo. Nesta angulaçáo se inspira grande parte da produção intelectual no campo da administração, pensada como administração escolar. Esta é entendida como um conjunto de funções, onde planejamen to, organização, coordenação, avaliação e controle são os elementos constitutivos. Um outro aspecto importante é que a reprodução se faz necessária e, para um operário-massa, uma educação massificada. Gestão educacional 26 Desta forma, simplifica-se, de forma considerável, a administração da escola. Com base em Fayol (1947), a primeira função administrativa da es cola é o estudo da aprendizagem, do ensino, do aconselhamento, da supervisão e da pesquisa. Nesta sequência se aplicam os princípios da organização, direção e controle à escola: Nesse sistema, a decisão burocrática apresenta-se como absoluta mente monocrática, sendo o fluxo de comunicação de cima para baixo que acaba sendo de fato legítimo. A organização já é vista como um sistema de papéis, na medida em que as pessoas não im portam - o que importa é a sincronia desses papéis. [...] A concen tração de poder na cúpula, a centralização de decisão, a ordem, a disciplina, a hierarquia e a unidade de comando são fundamentais (MOTTA, 2001: 75). Este paradigma organizacional predominou amplamente nas or ganizações ocidentais capitalistas até meados do século XX, inclusive na escola como organização educacional, na qual a direção era desig nada hierarquicamente e centralizava as decisões, e a sala de aula re produzia esse sistema, com o processo de ensino-aprendizagem cen trado na figura do professor, cujo papel era ensinar, enquanto o do alu no era o de aprender, num processo de comunicação vertical, do pro fessor em direção aos alunos. Como o “operário-massa", os “alu- nos-massa” cumpriam seus deveres e executavam suas tarefas isola dos em suas carteiras, da mesma forma que o trabalhador em seu pos to de trabalho individualizado, mas sob o comando e o controle de um gerente-professor. Entretanto, o desenvolvimento das forças produtivas referenciadas aqui e agora no aspecto micro do processo e organização do trabalho toma necessária uma nova síntese e uma nova articulação. E é somen te nestas bases que a Escola de Relações Humanas e seus desdobra mentos passam a se constituir em novo paradigma: o ajustamento do trabalhador aos processos de produção em curso, não mais com base somente na coerção, mas potencializando outros meios mais “econô micos”, vale dizer, menos dispendiosos em termos de controle, dada a resistência ao modelo taylorista-fordista, que tendia a se generali zar, na medida em que amplos contingentes de trabalhadores tinham maior acesso à escolarização básica e a padrões de consumo mais ele vados, inclusive de bens culturais. Gestão educacional 27 Escola de Relações Humanas e seus desdobramentos Se o taylorismo-fordismo domina o mundo da produção, a nova Escola de Relações Humanas se estrutura via novas premissas e novos guardiões de manutenção da máquina humana. Ocupa-se da sele ção, do treinamento, do adestramento, da pacificação e ajustamento da mão de obra para adaptá-la aos processos de trabalho organizados. Interessa-se basicamente pelas condições sob as quais o trabalhador pode ser induzido, de maneira mais eficiente e eficaz, a cooperar no es quema de trabalho proposto. Os problemas que emergem tornam-se essencialmente problemas de gerenciamento. A insatisfação, as faltas, a rotatividade, as hostilidades e agressividades, a negligência e o desin teresse são fenômenos que só podem ser compreendidos e adminis trados se mantidos no nível de interação entre os indivíduos e os pe quenos grupos, escamoteados os aspectos políticos da “degradação” de homens e mulheres submetidos a um tipo de trabalho fragmenta do e sem sentido. Para compensar e reorganizar os novos termos da equação, a ênfase nos aspectos informais do contexto produtivo. Este movimento, dessa forma, reforça uma mesma trajetória e contribui, de fato, para preservar os modelos organizacionais existen tes. Na perspectiva de Guillén (1994), incorpora uma preocupação mais bem definida com os aspectos da mecanização e racionalização exces sivas, diferindo da base epistemológicaanterior na Escola Clássica. Na proposta deste artigo, esta concepção se estrutura em novas bases pa radigmáticas porque propõe novas reflexões e novos olhares sobre a organização, deslocando-os do trabalho para o trabalhador e incorpo rando ambos. Ou seja, se antes havia uma centralização no trabalho e sua adequação às necessidades do capital, acrescenta-se então uma nova dimensão, que é o ajuste do trabalhador aos processos produti vos. E neste cenário que podemos sintetizar os princípios básicos que configuram esta nova abordagem: a) Aqui a predisposição do indivíduo ao trabalho é redefinida. CIm novo modelo de natureza humana é estabelecido, no qual o in divíduo é condicionado por demandas de ordem biológica e so cial e amplamente acionado por necessidades de segurança, de aprovação social, de prestígio e de autorrealização. b) Nesta perspectiva, a força do grupo sobre o indivíduo é capaz de redefinir comportamentos, estabelecer espaços de ação, produzir identidade. O gerenciamento se faz em função também destes grupos e não apenas sob a égide de uma massa desorganizada. Gestão educacional 28 c) Na emergência destes grupos, alguns fatores se tornam essen ciais. Entre eles destacam-se a tecnologia adotada e a similitu- de de interesses. Neste sentido, a tecnologia uniformiza e iguala, enquanto a gerência se organiza em busca da convergência de interesses, via compreensão e direção dos grupos informais. Se há avanço tecnológico, exige-se um trabalho mais cooperativo, no qual os trabalhadores de controle devem comunicar-se entre si. Além disso, a cooperação é, ainda, uma consequência da es pecialização. Assim, o conflito não pode ser considerado em sua dimensão social, sendo visto como um problema de desajuste individual. Neste sentido, justifica-se ideologicamente a estrutura organizacional e seus componentes. d) Nesta conjuntura, propõe-se a participação do trabalhador nas decisões que afetam o seu trabalho. É aí que se conota a mani pulação da força de trabalho, uma vez que a participação se dá num universo definido e determinado pela gerência e numa situ ação de tempo padrão - alocado ou imposto onde a execução de uma tarefa é descrita em suas minúcias e proposta em seu detalhamento. Aqui, a teoria da tomada de decisões vai poste riormente inaugurar outras implicações para o estudo organiza cional, através também dos postulados behavioristas. e) Desta forma, a organização garante forte dominação psicológica sobre os indivíduos e grupos, reforçada pelo caráter implícito e difuso de seus elementos. A redução do político ao psicológico, na perspectiva de Tragtenberg (1982), não só facilita o espaço da cooptaçào, como fortalece a perspectiva da dádiva, reforçan do o comportamento dependente. É importante salientar que a adequação do trabalhador às necessi dades do processo de trabalho e, consequentemente, ao capital surge também do deslocamento radical de um modo de vida para outro, onde suas relações vitais são analisadas, medidas e transformadas. A batalha rotineira e cotidiana, as barganhas salariais, o emaranhado da nova vida, os novos tempos alocados e impostos são, de certa forma, escondidos pela visão psicológica, obscurecendo o fato de que estão a serviço do poder econômico. Neste aspecto, completa-se o ciclo ideológico. É nesta perspectiva que o modo de produção também se expande para a administração escolar, encontrando campo fértil, em virtude de uma tradição psicológica mais antiga. A adequação do trabalhador deve ser renovada a cada geração, exigindo-se uma matriz que a reproduza e Gestão educacional 29 a transforme em um aspecto permanente da sociedade industrial. E neste sentido que a escola adquire nova função e mesmo novas cores. A “dimensão humana” é recuperada, inserida numa outra vertente - a da produtividade. Grupos e estilos de liderança são explorados e investiga dos, tendo em vista, agora, um conceito diferenciado de eficácia e resul tados. Relações de poder e de autoridade são “economicamente” inter nalizadas, transformando a administração escolar em modelo de transi ção de uma metodologia centrada na tarefa para uma locação no indiví duo e em pequenos grupos. A interdependência, a integração e o equilí brio asseguram a estabilidade e sobrevivência de longo prazo do sistema escolar e, consequentemente, do sistema organizacional. A teoria de March & Simon (1958) significa também a transição da teoria da administração para a teoria das organizações, ou seja, “a ten tativa de estudar o sistema social em que a administração se exerce, com vistas a maior eficiência, em face das determinações estruturais e comportamentais” (apud MOTTA, 2001: 11). Assim, a organização é também entendida como uma rede de to mada de decisões que depende de seus entrelaçamentos, articulados estes últimos por diversos elementos estruturais e comportamentais. A racionalidade é limitada justamente pela conjunção destes elementos e pelos limites impostos no elenco de opções possíveis e na capacida de para decifrá-los. Assim, no final dos anos 1940 e início dos anos 1950, a leitura das or ganizações como sistemas sociais e o desenvolvimento dos fundamen tos da teoria geral dos sistemas, embora ainda permaneça como uma corrente secundária no campo organizacional, emerge com uma cer ta força, que se alicerça nas contradições do modelo taylorista-fordista, e abre caminho para uma outra abordagem - o funcionalismo estrutural. O funcionalismo estrutural Três contribuições clássicas redirecionam, no período, os estudos organizacionais. A primeira delas diz respeito à interpretação estrutu- ral-funcionalista da abordagem sistêmica, que acaba por se tornar he gemônica no campo organizacional. E, em um segundo enfoque, os aportes mais consistentes da teoria de Durkheim, via Parsons (1956), mesclam-se a esta vertente, dando conteúdo diferenciado e de cunho mais sociológico ao entendimento das organizações. As contribuições de Weber e seguidores marcam também esta abordagem, reforçando Gestão educacional 30 o seu caráter estrutural. E importante assinalar, ainda, que a teoria do processo decisório proposto por Simon e colaboradores (1958) - en quanto transição - fornece subsídios para reforço desta abordagem. Desta forma, O conceito central é que a organização é observada como um siste ma que é funcionalmente efetivo na medida em que atinge objeti vos explícitos e formalmente definidos através dos processos racio nais de tomada de decisões (CLEGG & HARDY, 1996: 2). Como premissas fundamentais desta abordagem, podemos sinte tizar: a) Centrada no princípio orgânico da teoria sistêmica, a estrutura depende do desempenho satisfatório das funções. Assim, o foco da análise se volta, necessariamente, para as normas e as estru turas de papéis exercidos. b) As organizações - assim como a sociedade - representariam es truturas estáveis e tenderíam ao equilíbrio e consenso. c) A organização é também entendida como uma rede de tomada de decisões que depende de seus entrelaçamentos, articulados estes últimos por diversos elementos estruturais e comporta- mentais. A racionalidade é limitada justamente pela conjunção destes elementos. d) Assim, a racionalidade do sistema se encontra em jogo, face aos elementos de imprevisibilidade que lhes são inerentes. Os estu dos se desenvolvem na conjugação disfuncional da burocracia, através de uma série de autores - dentre eles, Merton (1957), Gouldner (1954) e Selznick (1966) - que abrem uma perspectiva mais ampla para o estudo organizacional. e) As tensões e os conflitos constituem o centro da análise, ainda que os últimos sejam considerados ou disfuncionais ou restau radores do equilíbrio, uma vez que são considerados dentro de sua funcionalidade dinâmica, nas perspectivas de Merton (1957) e Etzioni (1964). Os conflitos se multiplicam nas organizações e são vistos como produtos das tensões entre racionalidade e irra cionalidade, estrutura formal einformal, ordem e liberdade, den tre outros pares dicotômicos que, entretanto, não ultrapassam a perspectiva funcionalista. f) Neste contexto, tipologias organizacionais são desenvolvidas, com base em variáveis diferenciadas, fundamentando-se sempre nos pressupostos teóricos de Parsons (1964). Gestão educacional 31 g) A relação entre organizações e ambiente é sublinhada, e os sistemas se ampliam na unicidade entre o social e o técnico. O espaço orga nizacional é dilatado, permitindo a presença de sistemas de suporte que se encarregam da procura e colocação da energia necessária e estruturam regras e leis de relacionamento adequado com este es paço ampliado. Posteriormente, este espaço - redimensionado e reconceituado - abre lugar para as cadeias produtivas. Considerando esta abordagem, Reed (1998: 71) afirma que [...] o funcionalismo estrutural e a teoria de sistemas também fize ram uma “despolitização" eficaz dos processos de tomada de deci são por meio dos quais estabelece uma adaptação funcional ade quada entre a organização e o seu ambiente. Certos "imperativos funcionais", tais como a necessidade de equilíbrio a longo prazo do sistema para a sobrevivência, presumivelmente eram impostos a to dos os atores organizacionais, determinando os resultados dos pro jetos produzidos por seu processo decisório. Ou ainda, ao manter as ressonâncias ideológicas mais amplas da teoria dos sistemas, a concepção converte conflitos de valor sobre fins e meios em questões técnicas que podem ser "resolvidas" por meio de um projeto eficaz de sistema e administração (REED, 1998: 71). No que se refere à influência sobre a prática da administração es colar pode-se destacar a visão da escola como organização normativa, na qual os órgãos diretivos utilizam controles normativos como primei ra instância e coercitivos como fonte secundária. Um outro aspecto importante é o fato da organização burocrática e seus elementos se constituírem no centro da gestão das escolas, impactando direta men te a sua administração. A administração escolar enfatiza a sua di mensão sociotécnica, conferindo-lhe um caráter “neutro”. Começam a aparecer as associações de pais e mestres como sistemas de suporte à escola e à sua administração. Paralelamente, no decorrer do período, visões mais críticas sobre a sociedade e sobre as organizações se desenvolvem, recuperando inclu sive temas específicos da análise marxiana, a exemplo da corrente que focaliza as questões do poder e da política no âmbito das organizações. A perspectiva do poder e da política No decorrer desta fase, as ideias de Weber (2001) são “redescober- tas”, entendidas agora como análise de estruturas de dominação e não Gestão educacional 32 mais como modelo organizacional estático como moldura para o mas- caramento das questões do poder na análise organizacional. Além dis so, são (re)introduzidos os seus estudos sobre a ação social e o desen volvimento das éticas que se alicerçam em cada sistema de poder legi timado, (re)orientando a leitura dos conflitos para as suas relações com o poder e a política. Assim, [...] a análise weberiana da dinâmica e das formas de poder buro crático na sociedade moderna enfatiza a interação complexa que há entre a racionalização da sociedade e a da organização, ambas pro duzindo estruturas institucionalizadas sob o controle de “especialis tas" e “peritos" (REED, 1998: 75). Para alguns autores, esta perspectiva coloca-se na mesma lógica da abordagem do estrutural-funcionalismo clássico, mas engloban do de forma diferenciada o poder. Este artigo postula, entretanto, que esta abordagem - apesar de sua inserção não ter se completado insti tucionalmente no meio acadêmico - se diferencia em sua matriz teóri ca e aqui se coloca como uma outra noção paradigmática, fornecendo novos elementos ideológicos e epistemológicos que contrastam, pro fundamente, com os modelos até então analisados. Ou seja, o poder propala uma lógica de organização e do organizar enraiza da analiticamente em concepções estratégicas de poder social e in tervenção humana que são sensíveis à dinâmica dialética existente entre as limitações estruturais e a ação social, à medida que molda as formas institucionais reproduzidas e transformadas pela prática social (GIDDENS, 1985:87). Dahrendorf (1958) sistematiza sua crítica sobre a natureza da so ciedade, que passa agora a ser considerada como um sistema em mu dança contínua, onde o conflito é um processo social básico e a sua re solução determina a direção das mudanças. Os estudos de Marx (1982) - via materialismo histórico - revertem a interpretação histórica do desenvolvimento social, ainda que apareça na teoria das organizações como o paradigma “oculto". A sociedade é produto da história e do produto concreto dos homens, que são aquilo que produzem ou a forma como produzem. O mundo é derivado da base material e das relações sociais de produção. As relações entre in divíduos e sociedade são mediadas pelas relações de classe, que defi nem o conteúdo da vida social e a direção das mudanças e possibilida des de transformação do mundo e da realidade. E é neste universo teó rico que se introduz o estudo das organizações mediante o processo e organização do trabalho, reforçando as preocupações com conflito, poder e resistência. Gestão educacional 33 Como lugares privilegiados para a luta política, as organizações não podem ser reduzidas às suas dimensões técnicas, psicológicas ou estruturais, definidas apenas no espaço de subordinação de autorida de e de interações. Foucault (1975) investiga o processo histórico-polí- tico das organizações, compreendendo o poder como uma extensa e complexa rede na sociedade e nas instituições, em seus processos mi- cropolíticos. Esta leitura define, ainda, o mosaico das coalizões e alian ças que mobilizam regimes disciplinares. A análise de Lukes (1974) na configuração do poder leva a uma compreensão mais sofisticada das relações e processos referentes ao poder e suas estruturações nas for mas organizacionais. Na relação específica com a prática da administração escolar te mos de considerar a possibilidade da escola como aparelho ideológi co. Neste sentido, a sua gestão passa necessariamente pela estrutura do poder necessária a esta dominação. Esta percepção permeia algu mas das teorias e práticas mais críticas na área educacional nos últi mos 25 anos, resultando em propostas de uma administração escolar numa perspectiva democrática, o que significa em termos concretos: a ampliação do acesso à escola das camadas mais pobres da popula ção, o desenvolvimento de processos pedagógicos que possibilitem a permanência do aluno no sistema escolar e as mudanças nos proces sos administrativos no âmbito do sistema, com a eleição de diretores pela comunidade escolar (professores, pais e funcionários) e a partici pação desta nas decisões, como sintetiza Hora (2001). A crise do paradigma taylorista-fordista - que se inicia em tomo dos anos 1970 nos países centrais, em sua perspectiva macro - inau gura um complexo processo de transformações econômicas, sociais, institucionais e tecnológicas, concretizando evidências da mudança do capitalismo, em nível mundial. E neste momento que se reestruturam novos modelos de organização e, consequentemente, de gestão e admi nistração que, de certa forma, "recuperam” a sua unicidade dialética, assunto de nossa próxima análise. A guisa de conclusão: o paradigma atual é o pós-fordismo? Para Lazzarato e Negri (2001: 25), [...] vinte anos de reestruturação das grandes fábricas levaram a um estranho paradoxo. Com efeito, é contemporaneamente sobre a derrota do operário fordista e sobre o reconhecimento da centrali- Gestão educacional 34 dade de um trabalho vivo sempre mais intelectualizado que se cons tituíram as variantes do modelo pós-fordista. A globalização, potencializando a própria lógica de acumulação do capital num tempo mais curto - via mundializaçãofinanceira - e funda mentada na lógica do ideário neoliberal, propõe um discurso e inaugu ra uma prática de “menos Estado”, de “mais firma”, “mais empresa”. “A retirada do Estado do processo de regulação da economia, dada como sendo um benefício para a sociedade, está, de fato, relacionada com a possibilidade de a empresa comandar a sociedade, porque é ela que acaba comandando a vida social, com o apoio das instituições in ternacionais", nos ensina Santos (2000: 30). Estas duas vertentes se combinam para consolidar o paradoxo. Se a força de trabalho é reduzida - quando dinheiro produz dinheiro - na fábrica reestruturada a tarefa do trabalhador tem implicado cada vez mais na capacidade de escolher entre diversas alternativas no interior de uma equipe autogerenciada, atingindo, portanto, a responsabilida de por certas decisões. Assim, o ator fundamental do processo de pro dução é, agora, o “saber social geral, seja sobre a forma do trabalho ci entífico geral, seja sobre a forma do ‘pôr’ em relação as atividades so ciais: a cooperação” (LAZZARATO & NEGRI, 2001: 30). O “saber social geral" se condensa especificamente nas novas tecnologias de informação e de comunicação, incorporando nos equipamentos e pro cessos produtivos numerosas funções mentais, através da automação eletrônica e microeletrônica, alterando de forma radical a intervenção humana no processo de trabalho e demandando do trabalhador com petências para lidar com tais tecnologias e com os imprevistos que elas podem gerar: não mais o trabalho rotineiro em postos de trabalho isolados, com atividades prescritas, mas o trabalho em equipe e com plexo, porque demanda prontidão para lidar com o imprevisto. Por outro lado, ocorre uma profunda mudança nos padrões de consumo, que se diversificam de forma extremamente complexa, em decorrência do maior acesso à escolarização, à informação e renda, com demandas específicas por qualidade, decorrentes da substituição da produção rígida pela produção flexível, instituída pelo chamado modelo japonês de produção e de competição internacional (CORIAT, 1994). A experiência histórica tem mostrado que é possível o incre mento da produtividade pelo uso da coação e do autoritarismo, do co mando centralizado taylorista-fordista na concepção clássica ou estru- turalista, mas obter e manter padrões aceitáveis de qualidade implica em envolvimento do coletivo de trabalhadores no processo produtivo, Gestão educacional 35 sua adesão aos objetivos organizacionais, o que implica em aspectos que estão além da racionalidade pura e simples: valores, afetos, cren ças, atitudes etc. E sobre esta base que se postula o retomo do sujeito e a questão da subjetividade, como possibilidade de nova relação no interior do processo de trabalho. Por outro lado, o desemprego estrutural e a in formalidade colocam novos “exércitos de reserva” no espaço público e institucional. Neste sentido, a perda do emprego pode significar - e tem significado - perda do espaço público e das possibilidades de for mação identitária com o coletivo de produtores. O modelo baseado no conhecimento - como uma vertente analíti ca nesta abordagem paradigmática - trata as ações sociais como um mosaico temporário de alianças e coalizões, que formam redes mutá veis e instáveis de poder. E neste contexto que a noção de competên cias pretende instituir uma nova prescrição, ainda que apenas formal, uma vez que o “ser”, enquanto seu elemento constitutivo, não permite outra forma de limitação. Mas, se o conceito de interface comunicacio- nal é hoje parte integrante do trabalho, exigindo e aportando novos co nhecimentos, é também nesta ancoragem que se estruturam novos controles de bases tecnológicas cada vez mais sofisticados. A organização torna-se portadora de conhecimentos - via proces so de aprendizagem organizacional - de conhecimentos sociais, técni cos e de distintas competências por meio dos quais grupos particula res se constituem e se reproduzem organizacionalmente, reproduzin do ao mesmo tempo a organização que se deseja. De acordo com os postulados da especialização flexível, do espírito pós-modernista que reorienta a história, a organização é “desconstruí- da" com base nas decisões descentralizadas, da distribuição de certo poder para níveis hierárquicos mais baixos, de forma que a interação e a informação se processem dialeticamente. É neste fio dicotômico e paradoxal que tecnologia, ambiente, po der, conhecimento se estruturam, fundamentando noções diversifica das das organizações. E mais: a hegemonia da razão instrumental dire ciona a ação efetiva e define o comportamento ético. A ciência é ideo- logizada em função da produção que, em sua lógica, subordina a edu cação, a política e mesmo o próprio lazer. Se, de um lado, pressupõe- se a subjetividade, por outro a racionalidade com respeito aos fins defi ne cursos de ação de uma civilização voltada para o consumo, para o Gestão educacional 36 ganho, para as vantagens individuais e para o poder. É o reino da mer cadoria e de sua administração. Gm outro aspecto importante é que, neste reino, o gestor aparece como modelador da cultura organizacional e orientador de sua dire ção. As inovações tecnológicas completam o quadro quando se colo cam como um grande diferencial competitivo entre as organizações. Os aumentos na produtividade têm implicado, quase sempre, em ino vação administrativa e gestionária. Para Motta (2001: 101) “no plano pedagógico, as técnicas centra das em iniciativas e na auto-organização dão lugar ao modernismo de técnicas baseadas na automação que, ignorando a realidade psicoló gica e social dos estudantes, buscam enquadrá-los num círculo fecha do de controle”. E, também, nesta dicotomia e neste paradoxo que, hoje, se costu ram as principais vertentes da administração escolar. Impactada pelo modelo da qualidade total, absorvida pela era do conhecimento, cria- se determinada necessidade por tomada de decisões e staff de apoio, como forma “colegiada” de dirigismo. Como as demais organizações, a prática da administração escolar dilacera-se em duas direções opos tas e contraditórias: por um lado, a necessidade de mobilização da subjetividade dos diferentes atores sociais aí presentes (gestores, fun cionários, professores, alunos e pais) estimula o exercício das principa is estratégias hoje disponíveis nesse sentido: a participação no proces so decisório, socializando para o trabalho em equipe e a produção fle xível; a formação profissional enquanto formação de competências (operacionalização dos conhecimentos, habilidades e atitudes); a co municação de mão dupla, que Zarifian (2001) denomina “autêntica”; e a aprendizagem organizacional, que se traduz na proposição e na práti ca de projetos político-pedagógicos que envolvam a comunidade es colar como um todo, garantindo a sua adesão, o seu envolvimento nos processos e nos resultados educacionais. Por outro lado, tais estratégias se situam no marco da racionalida de instrumental que permeia a sociedade capitalista, cujos fins - não é possível esquecer ou ignorar - concentram-se na acumulação e valori zação do capital, o que significa que a escola, como todas as organiza ções contemporâneas, encontra-se submetida aos mesmos critérios de eficácia e efetividade nos termos desta lógica, e não de uma lógica humanista que muitos educadores prefeririam que a organização es colar contemplasse. Gestão educacional 37 Referências bibliográficas ALONSO, M. (1976). O papel do diretor na administração escolar. São Paulo: Difel/Educ. BRAVERMAN, H. (1980). Trabalho e capital monopolista: a degrada ção do trabalho no século XX. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar. CLEGG, S.R.; HARDY, C. & HORD, W.R. (orgs.) (1999). Handbookde estudos organizacionais. Vol. 1, São Paulo: Atlas. CORIAT, B. (1994). Pensar pelo avesso. Rio de Janeiro [s.e.|. DAHRENDORF, R. (1958). Toward a theory of Social Conflict. 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