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As Bem-Aventuranças Silvio Dutra NOV/2015 2 A474 Watson, Thomas As bem aventuranças./ Thomas Watson; tradução e adaptação Silvio Dutra Alves. – Rio de Janeiro, 2015. 107p.; 14,8x21cm Título original: The beatitudes 1. Teologia. 2. Alves, Silvio Dutra. 3. Vida Cristã. 4. Mansos. 5. Humildes. 6. Puros. 7. Pacificadores. I. Título. CDD 252 3 Sumário Introdução........................................................... 4 1 – Os Pobres de Espírito................................. 14 2 – Os que Choram............................................ 29 3 – Os Mansos.................................................... 47 4 – Os Que Têm Fome e Sede de Justiça........ 58 5 – Os Misericordiosos...................................... 65 6 – Os Puros de Coração.................................. 76 7 – Os Pacificadores......................................... 90 8 – Os Perseguidos........................................... 102 4 Introdução Jesus, pois, vendo as multidões, subiu ao monte; e, tendo se assentado, aproximaram-se os seus discípulos, 2 e ele se pôs a ensiná-los, dizendo: 3 Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus. 4 Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados. 5 Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra. 6 Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça porque eles serão fartos. 7 Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia. 8 Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus. 9 Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus. 10 Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus.”. (Mt 5.1-10). 5 As palavras deste sermão pregado por nosso Senhor Jesus Cristo devem ser fixadas permanentemente pelos seus ministros nas memórias dos seus ouvintes, porque há muitos que têm uma memória ruim conforme se diz em Tiago 1.25, e as suas recordações escoam facilmente tal como a água que sai de um recipiente. Aqueles que têm o encargo de conduzirem os espíritos dos homens no caminho do céu devem lembrar que assim como não se pode ter um sangue enriquecido sem um intestino que funcione bem, de igual modo se uma verdade não ficar retida na memória, ela nunca poderá, como diz o apóstolo Paulo em I Tim 4.6, nos nutrir com as palavras da fé. Com que frequência o diabo, a ave do ar, apanha a boa semente que é semeada! Quantos sermões o diabo tem roubado! É uma triste verdade que as pessoas não se permitam serem furtadas tão facilmente de seus bens materiais, mas dão pouca ou nenhuma atenção ao fato de o diabo lhes furtar continuamente o alimento espiritual, através do qual elas podem ser fortalecidas na fé. Por isso os ministros de Cristo devem sempre brilhar não como velas ou lâmpadas, nem mesmo como planetas, mas como estrelas no firmamento de glória, porque eles são estas estrelas que devem brilhar nas mãos do Senhor, como se vê em Apo 1.20; 6 para que possam iluminar o caminho que conduz os pecadores à salvação. A honra de converter almas não foi dada por Deus aos anjos, mas aos ministros do evangelho. Deus confiou aos Seus ministros a maioria das Suas joias preciosas, as Suas verdades e as almas das pessoas que pertencem a Ele. Por isso o púlpito é mais elevado do que o trono de qualquer rei terreno, porque o ministro verdadeiramente constituído representa ninguém menos do que o próprio Deus. Agora, quanto ao rebanho do Senhor: se os ministros têm que aproveitar todas as oportunidades para pregarem, o rebanho por sua vez, tem que aproveitar todas as oportunidades para ouvir e colocar em prática as coisas que ouve. Quando a Palavra de Deus é pregada, o pão da vida é repartido a todos, e este pão é mais precioso do que ouro e prata com se diz no Sl 119.72. Na Palavra pregada, céu e salvação são oferecidos a você. Jesus começou o Seu sermão no Monte com bem- aventuranças que contêm promessas e bênçãos. O povo de Deus se encontra com muitas dificuldades e desânimos, e a marcha dos crentes 7 não é somente perigosa e cansativa, como o próprio coração deles está sempre pronto a desfalecer. Não é, portanto, para se estranhar que Jesus tenha colocado diante dos crentes a coroa da bem- aventurança para animar a sua coragem e inflamar o seu zelo. A bem-aventurança é o alvo que deve ser atingido, é o centro do qual devem partir todas as linhas da vida; é a flor da alegria dos crentes. É aquela condição abençoada na qual devem ser achados os servos de Jesus, conforme ele cita em Mt 24.46: “Bem-aventurado aquele servo a quem o seu senhor, quando vier, achar assim fazendo.”. A bem-aventurança está ligada a uma condição de alma, a um estado de espírito, a uma atitude de estrita obediência à Palavra de Deus, em todos os deveres ordenados nela. Assim a bem-aventurança não consiste na aquisição de coisas mundanas, na aquisição de bens naturais e terrenos. Cristo não diz: “Bem-aventurados são os ricos”, ou “Bem-aventurados são os nobres”, contudo muitos idolatram estas coisas. 8 Os filósofos pagãos ensinam que bem-aventurança é ter suficiência de subsistência e prosperar no mundo. Mas não há muitos crentes que parecem ser desta mesma opinião filosófica? Poucos chegam a entender que a árvore da bem- aventurança não cresce num paraíso terrestre. Deus não amaldiçoou a terra por causa do pecado? Como vemos em Gên 3.17? Contudo, muitos estão cavando para acharem a sua felicidade aqui, como se eles pudessem achar uma bênção numa maldição. Nestas profundidades terrenas Salomão cavou mais do que qualquer outro homem e chegou à conclusão que tudo deste mundo é vaidade, enfado e canseira, dando um firme testemunho de que é somente em Deus que se pode satisfazer verdadeiramente o espírito, e alcançar a condição da bem-aventurança. As coisas terrenas não podem satisfazer aos anelos do espírito e assim nunca tornarem uma pessoa bem-aventurada, porque estas coisas são transitórias, passageiras, e por isso Paulo diz que elas não são uma realidade permanente, senão uma aparência passageira, como lemos suas palavras em I Cor 7.31: 9 “e os que usam deste mundo, como se dele não usassem em absoluto, porque a aparência deste mundo passa.”. O dom da vida que reside no espírito é muito mais do que o sustento do corpo físico. É por isso que Jesus diz o que lemos em seu ensino sobre esta verdade em Mt 6.25: “Por isso vos digo: Não estejais ansiosos quanto à vossa vida, pelo que haveis de comer, ou pelo que haveis de beber; nem, quanto ao vosso corpo, pelo que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o alimento, e o corpo mais do que o vestuário?”. A bem-aventurança não se encontra de fato nas coisas terrenas porque elas não podem aquietar o coração atribulado. Elas não podem trazer alívio e livramento ao coração que está sendo batido pelas batalhas espirituais. A bem-aventurança não se encontra nas coisas terrenas porque é exatamente nelas que encontramos a maior fonte de tentação para nosafastar da comunhão com Deus, conforme vemos no dizer do apóstolo João em I Jo 2.15 a 17: “15 Não ameis o mundo, nem o que há no mundo. Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele. 16 Porque tudo o que há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos 10 olhos e a soberba da vida, não vem do Pai, mas sim do mundo. 17 Ora, o mundo passa, e a sua concupiscência; mas aquele que faz a vontade de Deus, permanece para sempre.”. A bem-aventurança que Deus tem para os seus filhos não é fugaz como todas as riquezas deste mundo; e não fere os nossos corações como tais riquezas, porque não há o temor de perdê-las. Se nós não tivermos estas coisas terrenas, não seremos amaldiçoados, nem sequer podemos ser mais santificados por causa delas. E devemos saber que é grande a tentação para entesourar riquezas para o próprio dano daquele que o fizer, como se diz em Eclesiastes 5.13: “Há um grave mal que vi debaixo do sol: riquezas foram guardadas por seu dono para o seu próprio dano;”. Definitivamente, não é no acúmulo de bens terrenos que devemos colocar todo o nosso empenho e esperança de encontrar a bem- aventurança. É com todas estas coisas em vista que Paulo afirma o que lemos em I Tim 6.9,10: “9 Mas os que querem tornar-se ricos caem em tentação e em laço, e em muitas concupiscências 11 loucas e nocivas, as quais submergem os homens na ruína e na perdição. 10 Porque o amor ao dinheiro é raiz de todos os males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé, e se traspassaram a si mesmos com muitas dores.”. Muito bem. Tendo mostrado em que a bem- aventurança não consiste, eu mostrarei agora em que ela consiste: Em primeiro lugar, consiste em alegria, em regozijo e gozo pela certeza das coisas que o espírito possui. Um homem pode possuir uma propriedade e contudo não desfrutá-la. Ele pode ter o domínio da coisa mas não o seu conforto. Mas a verdadeira bem- aventurança sempre produz prazer na alma. Em segundo lugar, a bem-aventurança melhora a alma, e a enobrece, tornando-a mais preciosa para Deus e para o seu próprio possuidor. A bem-aventurança traz deleite verdadeiro e duradouro. Na verdadeira bem-aventurança há variedade. E somente em Jesus há a plenitude de todas as coisas das quais necessita o nosso espírito, como se vê em Col 1.19. A verdadeira bem-aventurança tem a eternidade 12 estampada nela, e deve ser inabalável, algo que não admita nenhuma mudança ou alteração. O crente já se encontra abençoado em certo sentido. Somente o fato de ter escapado da condenação eterna por estar em Cristo já é uma grande bênção. Mas há muitas bênçãos ocultas em Cristo que o crente é convocado a buscar através de uma vida devotada a Deus. Simei amaldiçoou Davi mas ele não se importou, ainda que em grande angústia e tribulação, porque tinha a convicção que ele era um abençoado de Deus. Os santos são coparticipantes da natureza divina como se afirma em II Pe 1.4. Eles foram abençoados por Deus com todas as bênçãos espirituais nas regiões celestes em Cristo como se vê em Ef 1.3. Os crentes têm a semente de Deus neles (I Jo 3.9), e esta semente é a semente da bem-aventurança. A flor da glória nasce da semente da graça. A graça e a glória não diferem em tipo mas em grau. A graça é a raiz e a glória o fruto. A graça é a gloria no amanhecer, e a glória é a graça no entardecer. A graça é o primeiro elo da corrente da bem- 13 aventurança. Mas todo aquele que tem o primeiro elo da corrente na sua mão, tem a posse da corrente inteira com todos os seus demais elos. Os santos já são bem-aventurados porque os seus pecados não lhes serão mais imputados para juízo condenatório. Toda a dívida dos seus pecados foi paga por Cristo na cruz. Os santos já são bem-aventurados porque têm o selo do Espírito Santo. Eles têm todas as coisas desta vida cooperando para o seu bem. Tanto a prosperidade quanto a adversidade pode torná-los melhores, quer em gratidão, quer em devoção, santificação e adoração. Os santos já são bem-aventurados porque eles podem ser achados debaixo da cruz, mas não mais da maldição. 14 1 – Os Pobres de Espírito Falemos agora sobre a primeira bem- aventurança. O Senhor Jesus diz em Mateus 5.3: “Bem- aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus.”. Nós podemos observar o toque e aroma da divindade neste sermão do Senhor, o qual vai além de toda a filosofia humana. Na verdade ele vai no sentido contrário da filosofia humana, porque aqui se diz que a pobreza produz riquezas, e não somente isto, que aquele que é enriquecido pela pobreza aqui referida, possui um reino. De igual modo, nós veremos na bem-aventurança que se segue a esta primeira, que o choro, a tristeza, produz conforto. Diz-se que a água das lágrimas acenderá a chama da verdadeira alegria. E mais ainda, que a perseguição trará felicidade, pois se diz que felizes são os perseguidos por causa da justiça. Observe como diferem a doutrina de Cristo e a opinião dos homens carnais. Eles pensam que bem- 15 aventurados são os ricos, mas Cristo diz que bem- aventurado é o pobre de espírito. O mundo pensa que bem-aventurados são aqueles que se encontram no pináculo da glória mundana, mas Cristo diz que bem-aventurados são os que estão no vale. Aqueles que usariam as joias de Cristo, mas que recusam a Sua cruz, são estranhos ao verdadeiro cristianismo. Observe a conexão entre a graça e a sua recompensa. Aqueles que são pobres de espírito terão o reino de Deus. Nosso Salvador encoraja os homens à santidade associando mandamentos com promessas. Ele amarra dever e recompensa juntamente. Uma parte destes versículos das bem-aventuranças consiste no dever e a outra parte consiste na recompensa. Nós observamos também nas bem-aventuranças que elas estão encadeadas e uma conduz a outra. Aquele que tem pobreza de espírito é quebrantado. Aquele que é quebrantado é submisso. 16 Aquele que é submisso é misericordioso e assim por diante. Nisto consiste a diferença entre um verdadeiro filho de Deus, e um hipócrita. O hipócrita se gaba de possuir alguma graça pretensiosa, no entanto ele não possui todas as graças, como verdadeiramente as possui aquele que é nascido do Espírito. O hipócrita não tem pobreza de espírito, nem pureza de coração. Mas um filho de Deus tem todas as graças no seu coração, ainda que seja em semente, e necessite ainda crescer em graus. Ser pobre de espírito não é o mesmo que ser pobre de bens terrenos, porque é possível ser pobre de bens e não ser pobre de espírito. Há também distinção em ser espiritualmente pobre, e ser pobre de espírito, porque aquele que não tem a graça de Jesus, é espiritualmente pobre, e não é pobre de espírito, e não conhece até mesmo a sua pobreza espiritual, como se vê em Apo 3.1. Bem, então, o que devemos entender por pobre de espírito? A palavra grega para pobre é ptocoi, e esta significa estar reduzido à mendicância, ser destituído de 17 riqueza, influência, posição, honra, e estar destituído de virtudes cristãs e riquezas eternas, ser desamparado, e impotente para realizar um objetivo, enfim, ser necessitado em todos os sentidos. Pobre de espírito significa então aqueles que são trazidos ao senso da sua própria miséria, em razão dos seus pecados, e que não veem nenhuma bondade em si mesmos, e em seu desespero se entregam completamente à misericórdia de Deus em Cristo. Pobreza de espírito é um tipo de autonegação. A pessoa se vê como o publicano da parábola de Lc 18.13, e fala juntamente com Paulo que não há nenhuma justiça nela própria que lhe possa recomendar a Deus, como se vê em Fp 3.9. Por que Jesus teria começado o sermão do Monte com pobreza de espírito?Certamente o Senhor a colocou na frente das demais bem-aventuranças, citando-a antes das demais, porque a pobreza de espírito é o fundamento no qual todas as outras graças são colocadas. Tal como o fruto não pode ser produzido numa árvore sem raiz, de igual modo as demais graças não podem existir sem pobreza de espírito. 18 Quando uma pessoa vê os seus próprios defeitos e se vê imperfeita por causa dos seus pecados, então chorará na presença de Cristo. Esta pobreza de espírito fará com que tenha fome e sede de justiça, porque desejará estar conformado àquilo que Deus é em Sua própria natureza, a saber: santo. Assim, a pobreza de espírito é a causa da humildade, porque quando um homem vê a sua necessidade de Cristo, e como depende das suas graças, isto o leva a se humilhar. Até que sejamos pobres de espírito, não somos habilitados a receber a graça. Aquele que está inchado com uma opinião de auto excelência e autosuficiência, não está ajustado para receber a Cristo. Ele já está cheio de si mesmo. Se a mão está cheia de pedras, ela não pode receber ouro. O copo deve ser esvaziado primeiro, antes que possa ser enchido com a água viva do Espírito. Assim, Deus esvazia primeiro o homem de si mesmo, antes de enchê-lo com a Sua preciosa graça. 19 Somente o pobre de espírito pode ser alcançado pela missão de Cristo, porque se diz que ele veio para os que estão quebrados quanto ao senso da sua indignidade: Nós lemos no texto de Isaías 61.1: “O Espírito do Senhor Deus está sobre mim, porque o Senhor me ungiu para pregar boas-novas aos mansos; enviou-me a restaurar os contritos de coração, a proclamar liberdade aos cativos, e a abertura de prisão aos presos;”. Até que sejamos pobres de espírito, Cristo não é precioso para nós. Antes de vermos nossas próprias necessidades, nunca veremos o valor que Cristo tem para nós. Os que são ricos em pobreza de espírito são aqueles que são verdadeiramente ricos da graça de Deus, porque Ele a derrama abundantemente sobre os humildes. Deste modo, as riquezas de um crente consistem na sua pobreza de espírito. Esta pobreza o habilita a um reino celestial. Logo, quão pobres são aqueles que pensam serem ricos, e quão ricos são aqueles que se veem pobres e necessitados da graça de Deus! 20 Se bem-aventurado é o pobre de espírito, então pelo sentido oposto podemos entender que o amaldiçoado é o orgulhoso de espírito, como vemos em Pv 16.5, que diz: “Todo homem arrogante é abominação ao Senhor; certamente não ficará impune.” Aqueles que se julgam muito bons para irem para o céu jamais o alcançarão. Tal como o fariseu de Lc 18.11 não serão justificados por Deus porque o orgulho deles não lhes permite enxergarem o quanto necessitam de arrependimento. Não admira que Cristo chame tais homens de cegos porque eles estão nus, mas se recusam a receber o vestido branco de justiça de Jesus para cobrirem a sua nudez, porque pensam que são ricos e que não necessitam de nada da parte do Senhor. Eles estão cegos e não poderão ver que estão nus caso não apliquem o colírio de Cristo aos seus olhos espirituais para que possam ver. O pobre de espírito é verdadeiramente rico para com Deus porque entre os muitos benefícios que lhe advêm de tal pobreza podemos destacar os seguintes: O pobre de espírito é desmamado de sua própria alma. O seu ego deixa de ser o centro de seus 21 objetivos e atenções, e Cristo passa a ocupar este lugar central em sua vida. Ele não confia em si mesmo e não busca apoio na sua própria alma para estar firme, mas nAquele que o fortalece em tudo. Assim, o pobre de espírito é um adorador e admirador de Cristo. Ele tem os pensamentos mais elevados acerca de Jesus. Ele se vê nu e corre para Cristo para se cobrir com a Sua veste de justiça, de modo a poder obter a Sua bênção. O pobre de espírito nunca está satisfeito com a pobreza da sua alma quanto aos dons e graças de Deus, e se empenha diligentemente em buscá-los nEle, para enriquecer o seu espírito. Ele lamenta sempre por não ter mais graça para poder glorificar ainda mais o nome do Seu Deus. Esta é a diferença principal entre o hipócrita e um verdadeiro filho de Deus. O hipócrita se gaba daquilo que pensa possuir, e o filho de Deus lamenta o que lhe falta e reconhece que sem a graça do Senhor nada é e nada tem. 22 Assim, aquele que é pobre de espírito é também humilde de coração. Homens ricos costumam ser orgulhosos e arrogantes, mas o pobre de espírito é manso e submisso. Além disso, quanto mais graça ele tem, mais humilde ele se torna, pois entende o quanto é devedor a Deus. Quando executa bem qualquer dever reconhece que o fez muito mais pela força de Cristo do que pela sua própria força; porque ele reconhece que o seu trabalho na obra de Deus foi realizado pela graça do Senhor, sendo, portanto, imitador do apóstolo Paulo, conforme podemos ver em I Cor 15.10. O pobre de espírito ora muito porque reconhece o quanto depende da oração porque vê o quão longe está do padrão da santidade divina, então implora mais graça e mais fé ao Senhor, para poder estar em conformidade com Ele. O pobre de espírito é muito grato porque sabe o quanto tem sido alvo da misericórdia de Deus. A pobreza de espírito é o fundamento no qual Deus constrói o edifício da glória. Deste modo, é possível que alguém tenha as riquezas do mundo e ainda ser pobre, porque a 23 verdadeira riqueza de alguém não consiste na quantidade de bens mundanos que ele possui, mas na grandeza da sua pobreza de espírito. Quanto mais pobre de espírito uma pessoa for, mais rica ela será da graça de Jesus, porque terá sempre mãos vazias para serem enchidas por Deus com as bênçãos espirituais que destinou aos crentes em Cristo Jesus. E assim se cumpre a verdade citada em Ef 1.3: “Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nas regiões celestes em Cristo;”. Esta pobreza é a nobreza do crente. Deus olha para o pobre de espírito como uma pessoa honrada. Aquele que é vil aos seus próprios olhos é precioso aos olhos de Deus, porque se apresenta verdadeiro diante dEle por se reconhecer ser um vil pecador. A pobreza de espírito aquieta a alma, pois leva a pessoa a descansar em Cristo. Ele se vê pobre, mas pode dizer juntamente com Paulo em Fp 4.19: “o meu Deus proverá todas as minhas necessidades”. 24 Os que desejam ser ricos segundo o mundo buscam construir um reino temporal aqui, mas o pobre de espírito almeja por um reino celestial. E os santos reinarão com Cristo numa maneira gloriosa, porque lhes é prometido não um reino terreno, mas o reino dos céus. Depois da morte os santos são coroados como vemos em Apo 2.10. Eles não são apenas perdoados por Cristo, mas são também coroados. A coroa é um símbolo de honra e autoridade. A coroa que os santos receberão é mais excelente do que todas as demais. E não haverá o risco de se perder esta coroa, conforme o temor que sentem os reis terrenos quanto à possibilidade de perderem as suas. Esta coroa não instigará inveja porque um santo não invejará outro, porque todos serão coroados. Esta coroa é imarcescível, porque não pode murchar, tal como murchavam as coroas de louro que os atletas vitoriosos recebiam no passado. E esta coroa dos crentes é também eterna, e jamais perderá o seu brilho, conforme se vê em I Pe 5.4. No terceiro céu, a saber, no paraíso, que é citado em II Cor 12.2, neste lugar sublime e glorioso será 25 erguido o trono dos santos, e este trono é seguro e inabalável, conforme a promessa que Jesus fez aos crentes vencedores em Apo 3.21:. “Ao que vencer, eu lhe concederei que se assente comigo no meu trono.”.Um preço foi pago para isto. Jesus derramou o seu sangue na cruz para que os santos conquistassem o reino através do Seu sangue. Jesus foi pregado na cruz para nos trazer à coroa. Ele diz que bem-aventurados são os pobres de espírito porque eles têm um reino, a saber, o reino dos céus. Aqueles que têm um reino têm também uma coroa. A recompensa da pobreza de espírito é muito alta e não pode ser comparada a nenhum bem terreno passageiro. Nós entendemos então porque são tão fortes as exigências de Deus para que os Seus filhos se santifiquem em tudo, empenhando-se em todo o esforço para mortificarem o pecado e a carne, pois afinal, a recompensa que lhes é feita é a de um reino eterno celestial glorioso. Nós podemos pensar que é um grande sacrifício nos empenharmos para mortificar definitivamente o 26 pecado em nossas vidas, mas Deus não acha nenhum sacrifício em nos dar graciosamente um reino tão maravilhoso; ao contrário, foi do Seu inteiro agrado concedê-lo a nós, conforme se vê em Lc 12.32. Os crentes são herdeiros do reino, e qual destes herdeiros não deseja ser coroado? Tiago nos diz em Tg 2.5: “Ouvi, meus amados irmãos. Não escolheu Deus os que são pobres quanto ao mundo para fazê-los ricos na fé e herdeiros do reino que prometeu aos que o amam?”. Enquanto neste mundo, parece que os santos fiéis e piedosos são massacrados pelas suas próprias fraquezas, e pelas investidas furiosas dos principados das trevas sobre eles, mas eles são chamados pelo Senhor a exultarem em tudo isto porque a fidelidade deles será recompensada com um reino onde serão consolados definitivamente de todos os seus sofrimentos. Para que nós tivéssemos a firme certeza desta esperança Deus colocou o reino dentro de nós. O reino de Deus está dentro do crente como se vê em Lc 17.21. Este reino significa o reino da graça no coração. E a graça pode ser comparada a um reino porque 27 ordena a lei de Deus no espírito e executa tudo o que é necessário para a nossa transformação de glória em glória à própria imagem e semelhança do Senhor. A graça rege sobre os nossos pecados destruindo-os e colocando-os com sua autoridade, em cadeias. E governa assim sobre o orgulho, sobre a paixão e a incredulidade. Se há evidências seguras deste reino da graça trabalhando no nosso coração, então podemos estar certos de que entraremos no reino dos céus depois da nossa morte, e de que seguramente seremos coroados por Cristo para reinarmos juntamente com Ele. Lembremos que assim como há graus de tormento para aqueles que forem para o inferno, de igual modo há graus de glória para os herdeiros do reino de Deus, e assim quanto mais serviço alguém fizer para o Senhor, maior será a sua glória no reino futuro que lhe está prometido e garantido por Deus. Deus recompensará os homens segundo as suas obras, e assim, quanto for maior o serviço, maior será a recompensa. Deus tem planejado isto para nos incentivar a buscarmos uma santidade, devoção e serviço cada vez maiores. Quanto for maior a glória que Deus receber através 28 de nossas obras, maior será a nossa própria glória quando estivermos reinando juntamente com Cristo. Isto será uma grande honra para nós pelo modo como o Senhor nos distinguirá como forma do Seu agrado pela nossa fidelidade a Ele. Basílio disse que a esperança de um reino deveria levar o crente a ter coragem e alegria em todas as suas aflições. 29 2 – Os que Choram Há oito degraus na escada da bem-aventurança. Eles podem ser comparados à escada de Jacó que alcançava o topo do céu. Nós já analisamos o primeiro e agora falaremos sobre o segundo degrau, que é o da consolação que nos vem pelo fato de chorarmos. Nós temos que passar pelo vale das lágrimas para podermos chegar ao paraíso. Choro é um assunto triste e desagradável para se tratar, mas não é nisto em que consiste a bem- aventurança, senão no consolo que vem depois do choro. O choro é colocado aqui no lugar do arrependimento. E o que o texto quer afirmar é que os quebrantados são bem-aventurados, porque embora as lágrimas dos santos sejam lágrimas amargas, contudo elas são lágrimas abençoadas. Há uma tristeza mundana que consiste geralmente no lamento pela perda de coisas terrenas, e há uma tristeza diabólica que é o lamento por não se poder satisfazer aos desejos pecaminosos, e à soberba da vida. Há dois objetos da tristeza espiritual referida por Jesus nesta bem-aventurança: primeiro, tristeza 30 pelo nosso próprio pecado, e segundo, tristeza pelo pecado de outros. Enquanto nós tivermos o fogo do pecado queimando em nossas vidas, nós, temos que ter a água das lágrimas para extingui-lo (Ez 7.16). João Crisóstomo dizia que bem-aventurados não eram necessariamente aqueles que choram pelos mortos, mas os que choram por causa do pecado. A Caim aborreceu mais o castigo que Deus proferiu sobre ele, do que o seu próprio pecado. Ele disse que o seu castigo era mais do que o que ele poderia suportar. Em vez de chorar e se arrepender ele se endureceu no seu pecado. Assim, a declaração de Caim é uma rebelião e não uma demonstração de arrependimento. Tal como ele há muitos que rasgam as suas vestes diante de Deus, mas não os seus corações. Um arrependimento sincero é espontâneo e voluntário. Um arrependimento verdadeiro é espiritual, pois nos faz lamentar muito mais pelo pecado do que pelo sofrimento ao qual o nosso pecado deu causa. Faraó estava triste pela pestilência que o Egito estava sofrendo, mas não pela pestilência que havia em seu próprio coração endurecido, que estava 31 dando causa a todos aqueles juízos que Deus despejou sobre o Egito nos dias de Moisés. Um pecador pode assim lamentar os juízos que acompanham os seus pecados, e não lamentar propriamente pelo pecado. A palavra hebraica para pecado é hatat, e significa rebelião. Esta palavra define bem o que é o pecado, porque um pecador luta contra Deus. Então bem-aventurados são todos os que conhecem o que significa o pecado e que se entristecem pela sua condição de pecadores, com o desejo de serem santificados por Deus, e serem libertos dos seus pecados. Nós temos que chorar pelo pecado como sendo a forma de ingratidão mais alta. Nós pecamos contra o sangue de Cristo e contra a graça do Espírito Santo e não choraremos? Nós reclamamos da descortesia que sofremos da parte de outras pessoas e não choraremos pela nossa própria descortesia para com Deus? Mas não são apenas estes os motivos pelos quais devemos chorar por causa do pecado. Nós devemos chorar também o fato de o pecado nos impor uma 32 privação, pois nos impede de ter comunhão com Deus. Por isso, as lágrimas do evangelho devem cair do olho da fé. Se estas lágrimas espirituais de tristeza pelo pecado não fluírem de nós, de maneira alguma poderemos receber as consolações do Espírito Santo, traduzidas no derramar das suas graças em nossos corações. As águas de um verdadeiro arrependimento são águas que limpam. Elas levam para longe, como numa inundação, toda a sujeira dos nossos pecados. Tal como o apóstolo Paulo diz em II Cor 7.10: “Porque a tristeza segundo Deus opera arrependimento para a salvação, o qual não traz pesar; mas a tristeza do mundo opera a morte.” . Este tipo de tristeza pelo pecado que é segundo Deus, traz indignação contra o pecado, luta contra o pecado, defesa da justiça de Deus: Diz-se que bem-aventurados são os que choram, porque lágrimas procedem dos olhos, e a palavra hebraica para olho, é ain, que é a mesma palavra usada para fonte, manancial. Isto indica que as nossas lágrimas por causa do pecado têm que jorrar continuamente de nossos olhos espirituais, assim como a água que jorrade 33 uma fonte. As águas do arrependimento não devem transbordar somente pela manhã, mas durante todos os períodos do dia. Como Paulo disse: eu morro diariamente'”” (I Cor 15:31), assim um crente também deveria dizer: “eu lamento diariamente”. Esta tristeza pelo pecado é o melhor antídoto contra a apostasia, a saber, para não se voltar as costas para Deus e abandonar a comunhão dos santos na Igreja. Até mesmo os próprios filhos de Deus têm que chorar pelo pecado, pedindo perdão a Deus, para perdoar pecados passados, presentes e futuros, porque assim como o arrependimento é renovado, o perdão também é renovado. Caso os pecados pudessem ser perdoados antes de serem cometidos, isto tornaria nulo o ofício de Cristo de nosso Mediador e Sumo-Sacerdote, porque não haveria necessidade da Sua intercessão em nosso favor junto do Pai. É importante saber que embora o pecado seja perdoado, ele ainda tentará se rebelar, embora seja coberto, no entanto não está curado (Rom 7.23). Assim como a água penetra no casco de um barco furado, e deve ser escoada continuamente para que o barco não afunde, de igual modo navegamos nas 34 águas do pecado, que devem ser continuamente escoadas de nossas vidas através do arrependimento. Assim como nós choramos pelos nossos próprios pecados, devemos também chorar pelos pecados de outros. Chore pelos erros e blasfêmias da nação. Chore pelo quanto a vontade de Deus é transgredida no mundo, pelo quanto a Sua Palavra é desonrada e quanto o Seu santo nome é blasfemado. Nossas lágrimas podem ajudar a extinguir a ira de Deus, que está pronta a ser despejada sobre o mundo pecador. Por isso a Palavra nos ordena a interceder em favor de todos os homens, e a maior parte desta intercessão consiste no pedido de misericórdia a Deus pelos seus pecados, como podemos ver em I Tim 2.1,2. Quando há sinais de que a ira de Deus está pronta para irromper sobre a nação, sobre os nossos lares, igrejas, não há momento mais oportuno para intensificarmos a nossa tristeza em arrependimento pelo pecado, porque quando Deus tira a Sua espada da bainha para pelejar contra o mundo de pecado, quando parece que Ele está de pé no limiar do templo, pronto para levar de nós o Seu evangelho e nos abandonar, nossas lágrimas possivelmente podem fazer com que cesse a Sua ira e Ele volte a ser favorável a nós. E este procedimento 35 é ordenado na própria Bíblia, como podemos ver os profetas Isaías, Oseias, Joel, Sofonias, entre outros. A Ceia do Senhor é também outro momento oportuno para nos entristecermos pelos nossos pecados e confessá-los a Deus. Se ela foi instituída por Jesus para ser um memorial da Sua morte, então certamente Ele deseja que façamos uma justa avaliação dos nossos pecados, pois foi exatamente por causa deles que Ele morreu na cruz. Se é pela morte do Senhor que alcançamos misericórdia da parte de Deus, não podemos esquecer que sem uma tristeza amarga pelo pecado não podemos receber tal misericórdia, porque a ausência de tristeza pelo pecado indica o nosso desprezo pelo Seu sacrifício, e a falta de reconhecimento da necessidade que temos da Sua misericórdia para sermos perdoados. Quando há ausência de sensibilidade pelo pecado, o coração permanece endurecido como pedra. E uma pedra não é sensível a qualquer coisa. Um coração de pedra é conhecido por sua inflexibilidade. Uma pedra não se dobra e não se rende ao toque. Por isso um coração endurecido não se inclinará diante do cetro de Cristo. Há muitos murmuradores, mas poucos quebrantados de coração. A maioria está como o 36 chão rochoso no qual há falta de umidade, como se vê na parábola do semeador. Nós ouvimos muitos lamentos em tempos difíceis, mas os que lamentam não estão conscientes de terem um coração endurecido. Quando Deus chama os homens ao arrependimento em vez de lamentarem por seus pecados, eles endurecem seus corações e se alegram em suas luxúrias em vez de se entristecerem, eles se colocam na situação de juízo extremamente perigosa, citada em Is 22.12-14. É exatamente para evitar este terrível endurecimento de coração que o apóstolo Tiago nos ordena a transformar o nosso riso em pranto, quando há pecados em nós ou em outros para serem lamentados, em vez de vivermos nos alegrando desconsiderando tais pecados numa clara demonstração de desprezo aos juízos de Deus. “Senti as vossas misérias, lamentai e chorai; torne- se o vosso riso em pranto, e a vossa alegria em tristeza.” (Tg 4.9). É melhor chorar pelo pecado e ser alegrado por Deus, do que se alegrar agora no pecado, e depois chorar eternamente num juízo eterno. É neste sentido que entendemos as palavras proferidas por Cristo em Lc 6.24,25. 37 “24 Mas ai de vós que sois ricos! porque já recebestes a vossa consolação. 25 Ai de vós, os que agora estais fartos! porque tereis fome. Ai de vós, os que agora rides! porque vos lamentareis e chorareis.” (Lc 6.24,25). É somente quando o pecado cessar que as lágrimas também cessarão (Apo 7.17). Por isso, enquanto estivermos neste mundo, devemos evitar a todo custo a maldição de um engano terrível que é muito comum de se ver, pois não são poucos os que afirmam a misericórdia de Deus como pretexto para continuarem em seus pecados. Assim, alguém afirma que Deus é misericordioso e então se entrega à prática deliberada do pecado. Mas afinal para quem é a misericórdia? Para o pecador que não se arrepende, ou para o pecador entristecido? Não há misericórdia para aquele que não pretende abandonar o pecado. Deus faz uma proclamação de misericórdia ao quebrantado, e como pode então aquele que vive abertamente em rebelião contra Ele reivindicar o benefício do Seu perdão? 38 Outro grande perigo para o endurecimento do coração é o fato de se pensar que há pecados pequenos que não são considerados por Deus. “Não é um pequeno pecado?”. Eles dizem. E assim ficam endurecidos e insensíveis e incapazes de lamentar por suas misérias. E quem buscaria a Deus com um coração penitente em busca de misericórdia, enquanto continuar pensando que o pecado é apenas uma coisa leve? Nenhum pecado pode ser pequeno porque é contra a Majestade do céu. Não há nenhuma traição pequena, porque todas elas são contra a pessoa do Rei Jesus. Não permita, portanto, que Satanás lance uma nuvem diante de seus olhos para que você não veja a real dimensão do pecado. Ninguém se iluda com a infinita paciência e longanimidade de Deus que faz com que ele não execute imediatamente a Sua sentença sobre o pecado. Deus não é um credor precipitado que requer o pagamento imediato da dívida e que não dá qualquer tempo para o seu pagamento. 39 A longanimidade de Deus não deve ser um motivo para abusarmos da Sua bondade e graça, e assim nenhum crente verdadeiro deveria permitir que o canal da tristeza que conduz ao arrependimento seja obstruído pela corrupção do pecado. O juízo do Senhor é como uma pedra que cai, cujo peso de impacto é maior quanto maior for o tempo da sua queda. Pecados contra a paciência de Deus são pecados terríveis porque nem mesmo os anjos caídos cometeram este tipo de pecado que é contra a misericórdia e longanimidade de Deus. Então é preciso que o Espírito Santo produza em nós quebrantamento de coração e inspire nossas tristezas pelo pecado para que possamos expressá- las diante de Deus. O consolo prometido no texto da bem-aventurança é produzido pelo Espírito. Observe que Deus reserva a melhor safra do seu vinho para o final. Primeiro ele prescreve tristeza pelo pecado e então serve por último o vinho da consolação. O diabo faz exatamente o contrário. Ele serve o melhor primeiro e reserva a pior safra para o final. Satanás oferece os seus pratos delicados diante dos homens. Elelhes apresenta o pecado de uma forma 40 colorida, atraente, com beleza, adocicado com prazer, com lucro, e então, no fim, a triste conta é apresentada para ser paga. Esta é a razão por que o pecado tem tantos seguidores, porque mostra o melhor primeiro. Mas Deus mostra o pior primeiro. Primeiro ele prescreve um remédio amargo, o do arrependimento, e é isto o que nos leva a chorar, mas então Deus nos dá uma recompensa, a de sermos consolados conforme a promessa da bem- aventurança. Por isso as lágrimas do evangelho não são perdidas porque são sementes de consolo divino. Depois da corrente de lágrimas o Espírito Santo faz fluir no nosso interior uma corrente de alegria. Daí, se dizer que aqueles que semeiam em meio a lágrimas ceifarão com alegria, conforme se lê no Sl 126.5. O coração quebrantado é esvaziado do orgulho e então Deus o enche com a Sua bênção. O vale de lágrimas traz ao espírito um paraíso de alegria. A alegria de um pecador impenitente produzirá tristeza, porque é sempre este o salário que é pago pelo pecado. 41 Mas a tristeza do quebrantado produz alegria. “Sua tristeza será transformada em alegria” (João 16:20). As consolações que Deus dá aos quebrantados excedem todos os demais consolos e a raiz na qual estes confortos crescem é o Espírito Santo. Ele é chamado ”o Consolador” em João 14.26. O Espírito consola aplicando as promessas a nós mesmos e nos ajudando a tirar águas desses mananciais da salvação. O Espírito derrama o amor de Deus no coração do crente e sussurra secretamente a ele o perdão que recebeu para os seus pecados, e esta visão do perdão dilata o coração com alegria. Estes confortos são reais e verdadeiros, porque o Espírito de Deus não pode testemunhar aquilo que é falso. Há muitos nesta época que fingem confortar, mas os confortos deles são meras imposturas. Mas os confortos dos santos são verdadeiros porque eles têm o selo do Espírito Santo fixado neles. Quando um homem é trazido aos mandamentos de Cristo, para crer e obedecer, então ele fica preparado para receber a misericórdia. É por isso que antes de consolar o Espírito primeiro 42 convence do pecado. Quando o coração é arado pelo convencimento do pecado, Deus semeia nele a semente do conforto. Assim, aqueles que se vangloriam de conforto, mas que nunca foram convencidos ainda de seus pecados, nem quebrantados por causa dos seus pecados, devem ter motivo para suspeitar que o conforto deles não passa de uma ilusão de Satanás. O Espírito de Deus é um Espírito santificante, antes de ser um Espírito consolador. Alguns falam sobre o Espírito confortante, mas nunca tiveram o Espírito santificante. Assim, suas alegrias são falsas, e estes falsos confortos deixarão os homens na morte. Eles terminarão em horror e desespero. Então os efeitos da verdadeira consolação do Espírito Santo são completamente diferentes dos confortos de Satanás, que muitos alegam ser de Deus. O diabo é capaz, não somente de se transfigurar em anjo de luz, como se lê em II Cor 11.14, como também em se disfarçar em consolador. Mas todos os consolos de Deus nos conduzem à 43 humilhação porque não permitem que sejamos inchados com orgulho, apesar destes consolos do Espírito Santo elevarem o nosso coração em gratidão. Os confortos que Deus dá aos quebrantados não são misturados. Eles não trazem pesar conforme se afirma em II Cor 7.10. Mas os confortos mundanos são como água misturada com sujeira, porque em meio aos sorrisos o coração está triste. O pecador pode ter um rosto sorridente enquanto tem uma consciência que o acusa. Mas os confortos espirituais são puros. Eles não são misturados com culpa porque lançam fora o medo e trazem o perdão de Deus. De modo que o consolo que vem depois da tristeza pelo pecado é a alegria do Espírito Santo, e nada mais do que alegria. Tão doces são estes confortos do Espírito que eles enfraquecem muito e moderam nossa alegria em coisas mundanas. Aquele que tem bebido da água do Espírito, não terá depois sede de água; e aquele homem que tem uma vez provado quão bondoso é o Senhor e bebido do Espírito, não terá sede imoderada por delícias terrenas. O Espírito Santo não pode produzir no nosso espírito 44 alegrias impuras tal como o sol não pode produzir trevas. Assim aquele que tem os confortos do Espírito Santo se manifestando nele, nunca desejará negociar com o pecado, porque ele mataria tais confortos. Os confortos que Deus dá para os seus quebrantados nesta vida são confortos gloriosos: “Alegria cheia de glória” como se lê em I Pe 1.8. Eles são gloriosos porque eles são um antegosto daquela alegria que nós teremos no céu. São tão gloriosos os confortos do Espírito que um crente nunca está tão triste que não possa se alegrar. Observe então que é verdadeiramente bem- aventurado o que chora, porque o quebrantado é um privilegiado, pois será confortado por Deus. Os olhos do quebrantado não devem estar tão cheios de lágrimas a ponto de lhe impedir de enxergar as promessas de perdão no sangue de Jesus Cristo. A virtude e conforto de um remédio está em usá-lo. De igual modo quando as promessas forem aplicadas com fé, elas trarão conforto. Mas lembremos que uma mente mundana pode nos privar do conforto divino. Deus esconde o seu rosto daqueles que amam o 45 mundo e que se conformam ao modo do mundo. Um coração, enquanto mundano, não deve contar com as consolações do Espírito Santo. Aquele que busca confortos terrenos apagará com estes falsos confortos o verdadeiro conforto do Espírito. Devemos evitar também a tentação de fazer dos confortos divinos o fim mesmo da vida cristã, porque até mesmo ao Senhor faltaram tais confortos em determinados momentos de seu ministério terreno, e é de se esperar que o mesmo suceda conosco. Mas embora um filho de Deus nem sempre tenha conforto expressado em flor, ele sempre o tem em semente. Embora ele não sinta conforto de Deus contudo ele está debaixo do Seu conforto. Um crente pode ser elevado em graça e ser rebaixado em conforto. As montanhas altas estão sem flores. As minas de ouro têm pouco ou nenhum trigo crescendo nelas. O coração de um crente pode ser uma mina de ricos filões de graça, entretanto ser estéril de conforto. Entretanto, o quebrantado é o herdeiro do conforto, 46 porque somente por um breve momento Deus poderá abandonar as pessoas do Seu povo como vemos em Isaías 54.7, contudo há um tempo que vem brevemente quando os quebrantados terão todas as lágrimas enxugadas de seus olhos, e serão plenamente cheios de conforto. Esta alegria está reservada para o céu. Porque se diz que são bem-aventurados os que choram porque deles é o reino dos céus. Aleluia. Amém! 47 3 – Os Mansos Vamos da continuidade ao nosso comentário sobre as bem-aventuranças, falando agora sobre a terceira bem-aventurança, citada por Jesus no texto de Mateus 5.5, no qual lemos o seguinte: “Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra.”. Esta mansidão tem um aspecto duplo, mansidão para com Deus e mansidão para com o homem. Na mansidão para com Deus duas coisas são insinuadas: a primeira é a submissão à Sua vontade; e a segunda, o dobrar-se à Sua Palavra. Ser manso então em relação a Deus significa seguir o exemplo de mansidão que Jesus nos deixou sendo submisso à vontade do Pai, e por ter se dobrado inteiramente à Sua palavra, vivendo debaixo do exclusivo poder e direção do Espírito Santo. Assim, é espiritualmente submisso aquele que se conforma à mente de Deus, e não luta contra as instruções da Sua santa Palavra, mas com as corrupções do seu coração. E quão feliz é isto, quando a Palavra vem com majestade e é recebida com mansidão no coração,como se diz em Tiago 1.21. Este ato de receber a Palavra com mansidão referido 48 por Tiago, significa acatar com submissão tudo que nos é ordenado nela pelo Senhor. A mansidão consiste basicamente em três coisas: a primeira, suportar danos; a segunda, perdoar danos, e a terceira, recompensar o mal com o bem. Vamos repetir para você poder memorizar em que consiste basicamente a mansidão: Primeiro, suportar danos. Segundo, perdoar danos. E terceiro, recompensar o mal com o bem. Quanto a suportar danos, podemos dizer desta graça da mansidão, que ela não é conseguida facilmente. Mas lembremos que um espírito submisso, tal como pano molhado, não pegará fogo facilmente. A mansidão é a rédea da raiva. As paixões são inflamáveis, mas a mansidão é a água divina que as apaga. A mansidão é a rédea da boca, porque amarra a língua e lhe dá um bom comportamento. A precipitação de espírito é oposta à mansidão. 49 Quando o coração ferve em paixão e ira, ele se encontra longe da mansidão. A raiva pode ser encontrada num homem sábio, mas ele não se permitirá ser dominado por ela, no entanto a raiva permanece no coração dos tolos, e tem ali a sua moradia. O homem iracundo é como pólvora, sempre pronto a entrar em chamas ao menor atrito. A ira altera o estado de consciência tanto como o álcool o faz no que está embriagado. Assim o uso da razão é suspenso naquele que se deixa dominar pela ira. Somente em alguns casos é justificado ficarmos irados. Há uma ira santa. Aquela ira sem pecado que é contra o pecado. Na qual mansidão e zelo podem estar juntos. Em assuntos da defesa da verdade do evangelho, um crente deve ser vestido com o espírito de Elias, e estar “cheio da ira do Senhor” como se vê em Jer 6.11. Cristo era manso conforme se diz em Mt 11:29, contudo era zeloso, como se vê em João 2.14,15. E este Seu zelo pela casa de Deus o consumiu. A malícia também é oposta à mansidão. A malícia é o retrato do diabo. Um espírito malicioso não é um espírito manso. 50 A disposição para se vingar também é oposta à mansidão. A vingança é um ofício para Deus e não para os homens. Por isso a Bíblia proíbe a vingança, como se vê em Rom 12.19. Lutas espirituais são legítimas, quando consistem na luta contra o diabo, e com a parte carnal do homem, e abençoado é todo aquele que busca se vingar das suas luxúrias. Mas outros tipos de lutas são ilegais. Passar por um dano sem vingança não traz qualquer descrédito à honra de um homem. Um espírito nobre esquece um dano que tenha sofrido, ainda que injustamente. No entanto, a autodefesa, ou legítima defesa, como é mais conhecida, é consistente com a mansidão cristã. Neste sentido os magistrados são ministros de Deus para vingarem o mal, como citado em I Pe 2.14 e Rm 12.17, e assim, o exercício do ofício deles não é oposto à mansidão. A maledicência também é oposta à mansidão. A maledicência sempre carrega a intenção de desprezar, ofender e difamar outros. Quando Paulo chamou os Gálatas de insensatos, a 51 sua intenção não era a de ofendê-los e difamá-los, senão apenas de reformá-los pela repreensão que lhes dirigiu. Não é mansidão, mas fraqueza separar-nos da nossa integridade. Deve haver mansidão cristã, como também prudência cristã. Ambas devem caminhar lado a lado. É legítimo sermos nossos próprios defensores em face de acusações injustas que possamos sofrer. Somente haverá falta quando replicarmos os danos procurando pagá-los na mesma moeda com que os sofremos. Tendo considerado acerca da mansidão quanto ao seu aspecto de suportar danos, vejamos agora o relativo ao de se perdoar danos. Um espírito manso é um espírito perdoador. Por natureza os homens são dados a esquecerem a bondade que recebem de outros, mas lembram-se com facilidade dos danos que sofreram. Mas Deus exige que sejamos como Ele, a saber, perdoando de coração e esquecendo os danos que sofremos, conforme se exige em Mt 18.27. Deus perdoa completamente os nossos pecados. 52 E um crente verdadeiramente manso também perdoa todos os danos dos seus ofensores, em face do arrependimento deles. Deus perdoa frequentemente porque nós pecamos frequentemente. Como Ele perdoa setenta vezes sete nos ordena também que façamos o mesmo. É nosso dever estar sempre prontos para perdoar conforme se ordena em Col 3.13; ainda que tenhamos que suportar aqueles que parecem mais monstros do que homens, porque não deixam de nos fazer o mal a par de todo o bem que possamos lhes fazer. Mas nós cessaríamos de fazer o bem porque outros não cessaram de serem maus? Lembremos que quanto mais danos perdoarmos mais brilhará a nossa graça. Se faltar a algum crente esta virtude do perdão, então lhe faltarão também as demais graças. Porque onde há uma graça, há todas as demais. Se a mansidão estiver faltando, o que haverá é apenas uma falsa corrente de graça. A fé será uma fábula, o arrependimento uma mentira, e a humildade, uma hipocrisia. Considerando que você diz que não pode perdoar, pense em seu pecado. Seu próximo não é tão ruim lhe ofendendo quanto você é por não lhe perdoar. 53 Seu próximo, lhe ofendendo, transgride contra um homem, mas você, enquanto se recusa a lhe perdoar, peca contra Deus. Também considere o perigo que você está correndo negando-se a perdoar, porque Deus tem disposto o dever de perdoar de tal maneira que as suas ofensas não serão perdoadas por Ele, se você não perdoar as ofensas do seu próximo conforme vemos em Mc 11.26. O terceiro aspecto relacionado à mansidão é recompensar o mal com o bem; e este é um grau mais elevado do que o anterior. Jesus diz em Mt 5.43,44: “Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus;”. E o apóstolo Paulo acrescenta em Rom 12.20,21: “Portanto, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; porque, fazendo isto, amontoarás brasas de fogo sobre a sua cabeça. Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem.”. 54 E também o apóstolo Pedro nos diz em I Pe 3.9: “Não tornando mal por mal, ou injúria por injúria; antes, pelo contrário, bendizendo; sabendo que para isto fostes chamados, para que por herança alcanceis a bênção.”. A mansidão nos mostra a marca de um verdadeiro santo. Ele é de um espírito submisso, sincero. Ele não é provocado facilmente. Quando o crente se dispõe a vencer o mal com a mansidão, Deus honra a sua obediência à sua Palavra, fazendo com que triunfe a causa do bem. Deixe-me pedir a todos os vocês que se esforcem para buscarem esta graça superior da mansidão; conforme se ordena no texto de Sofonias 2.3: “Buscai ao Senhor, vós todos os mansos da terra, que tendes posto por obra o seu juízo; buscai a justiça, buscai a mansidão; pode ser que sejais escondidos no dia da ira do Senhor.” Buscar insinua que nós podemos perder esta graça da mansidão, não a alcançando. Então, nós temos que fazer uma exibição pública depois de achá-la. E isto faremos mostrando que somos de fato mansos tanto para aprender de Deus, quanto para suportar danos e perdoar ofensas sofridas. A mansidão é necessária em tudo o que fizermos, especialmente quando estivermos instruindo 55 outros no caminho da verdade conforme se ordena em II Tim 2.25. A mansidão conquista os oponentes da verdade. A mansidão é necessária quando ouvimos a Palavra, como se afirma em Tg 1.21. Aquele que ouve o sermão ou o ensino da verdade com preconceito e sem mansidão, não adquire nenhum bem, mas feridas. Ele transformará o azeite da graça de Deusem veneno e se ferirá com a espada do Espírito, que é a Palavra de Deus, em vez de vencer o Inimigo com ela. Paulo diz em Gál 6.1: “se algum homem chegar a ser surpreendido nalguma ofensa, vós, que sois espirituais, corrigi-o com espírito de mansidão; olhando por ti mesmo, para que não sejas também tentado.”. No original grego, o verbo para corrigir neste texto de Gálatas 6.1 é katartizo, que significa emendar, tal como um cirurgião faz a união de um osso fraturado com o cuidado de não causar outras lesões ao ferido. Somos indesculpáveis se não buscarmos a graça da mansidão porque temos este exemplo fixado na Bíblia, na vida dos servos de Deus e na do próprio Cristo. 56 “Dizei à filha de Sião: Eis que o teu Rei aí te vem, manso, e assentado sobre uma jumenta.”(Mt 23.5). Jesus foi insultado, mas não insultou os seus agressores como se lê em I Pe 2.23. Jesus nos ordena em Mt 11.29 a aprendermos do Seu próprio exemplo de mansidão. Moisés era o homem mais manso da terra, conforme se afirma em Nm 12.3. Quando os israelitas murmuravam contra ele em vez de se irar, ele intercedia em favor deles (Ex 15.24, 25). A mansidão é um grande ornamento de um crente como afirmado em I Pe 3.4. E quão agradável se torna aos olhos de Deus o crente que usa esta joia preciosa. Deus poderia facilmente esmagar os pecadores e enviá-los logo ao inferno, mas Ele modera a Sua ira porque embora esteja cheio de majestade, contudo está cheio de mansidão. A mansidão forja um espírito nobre e excelente. Um homem manso é um homem valoroso. Ele adquire uma vitória sobre si mesmo. A paixão surge de fraqueza, mas o homem manso pode conquistar a sua fúria. Aquele que é tardio para se irar, ou seja, que é longânimo, é melhor do que o poderoso, e do que aquele que conquista uma cidade, como lemos em Pv 16.32. 57 Ser manso é nadar contra a natureza, é contrariá-la, e, portanto, é algo difícil de ser conquistado, e por isso este esforço merece ser recompensado, e daí se dizer que os mansos herdarão a terra. A paixão pode fazer um inimigo de um amigo, mas a mansidão, ao contrário, pode fazer um amigo de um inimigo. Quando é dito que os mansos herdarão a terra, não significa que eles não herdarão mais do que a terra. Eles herdarão o céu também. 58 4 – Os Que Têm Fome e Sede de Justiça Nós procederemos agora ao comentário da quarta bem-aventurança citada por Jesus em Mateus 5.6: “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça porque eles serão fartos.” Nós chegamos agora ao quarto passo da bem- aventurança. A fome e a sede espiritual são abençoadas porque é prometido que serão saciadas por Deus. Toda fome e sede relativas à justiça do reino de Deus serão saciadas. A fome e a sede natural são desejos por alimento e água necessários para crescimento ou para a manutenção da vida. O pão e a água naturais provêm o sustento do corpo natural; e o pão e a água espirituais provêm o sustento do corpo espiritual. Qual é o significado da justiça referida por Jesus? Esta justiça é evangélica, a saber, que alcançamos por causa da nossa fé no evangelho. Ela é uma justiça dupla: uma que nos atribuída e outra que é implantada em nós. A justiça evangélica que nos é atribuída por Deus no dia da nossa conversão, quando cremos pela 59 primeira vez em Cristo, recebendo-O em nossos corações é a relativa à nossa justificação. Esta justiça que nos é atribuída é a justiça do próprio Cristo. Ela nos é atribuída pela nossa fé nEle. Em virtude desta justiça, quanto à condenação eterna, Deus olha para o crente que foi justificado por tal justiça de Jesus, como se ele nunca tivesse pecado. Esta é uma justiça perfeita. É por causa desta justiça com a qual fomos justificados na conversão, que se diz em Col 2.10 que os crentes se encontram perfeitos em Cristo diante de Deus: “E estais perfeitos nele, que é a cabeça de todo o principado e potestade;”. É por causa desta justiça que lhe foi atribuída na conversão, que o crente terá fome daquela outra justiça que é implantada. Uma justiça implantada se refere à retidão inerente à pessoa do crente, ou seja, às graças do Espírito; à santidade do coração. Esta fome por esta justiça que é implantada comprova a existência da verdadeira vida espiritual. Daí Cristo afirmar que estes que têm fome e sede de justiça serão saciados, porque foram vivificados pelo Espírito Santo na conversão, e agora podem ter esta fome e sede, porque enquanto estavam mortos em delitos e pecados, sem a vida do Espírito Santo habitando neles, não poderiam ter tal fome e sede. 60 O crente pode, no entanto, perder o seu apetite por esta justiça evangélica que deve alimentar o seu espírito, caso venha a entristecer e a apagar o Espírito Santo, porque, neste caso, apesar de ter sido vivificado por Cristo, estará como morto perante Deus, porque as graças do Espírito estão prontas a morrer naqueles que se afastam da comunhão com Jesus. Um homem morto não pode ter fome. A fome procede da vida. A fome espiritual se seguirá ao novo nascimento (I Pe 2.2). Assim, sem esta fome espiritual não pode haver crescimento espiritual, porque somente os que têm fome se disporão a se alimentar do verdadeiro alimento espiritual. Tudo o que Deus requer de Seus filhos, para participarem do Seu banquete espiritual é que eles tragam apenas o seu apetite, porque Ele tem estabelecido um preço que é acessível a todos para obtenção das coisas divinas, como se lê em Is 55.1,2: “1 Ó vós, todos os que tendes sede, vinde às águas, e os que não tendes dinheiro, vinde, comprai, e comei; sim, vinde, comprai, sem dinheiro e sem preço, vinho e leite. 2 Por que gastais o dinheiro naquilo que não é pão? E o produto do vosso trabalho naquilo que não pode satisfazer? Ouvi-me atentamente, e comei o que é bom, e a vossa alma se deleite com a gordura.”. Assim não nos é ordenado que compremos a justiça com dinheiro. 61 Se alguém convidar amigos à sua mesa, ele não espera que eles deveriam trazer dinheiro para pagar pelo jantar deles, mas que venham somente com apetite. Assim, o Senhor diz que não é penitência, peregrinação, farisaísmo que Ele requer. Traga somente seu estômago se você tem fome e sede de justiça. O pecado tem um gosto doce para os ímpios porque eles não têm nenhuma fome espiritual de justiça. Eles estão cheios da sua própria justiça como se vê em Rm 10.3. E um estômago cheio recusa o favo de mel. Esta é a doença de Laodiceia. Ela estava cheia e não tinha nenhum estômago para valorizar o colírio e o ouro de Cristo, conforme se lê em Apo 3.17. Não há ninguém que esteja tão vazio da graça como aquele que julga estar cheio. A Palavra reprova aqueles que em vez de terem fome e sede de justiça, têm fome e sede de riquezas. Esta é a fome e a sede dos homens cobiçosos. A avareza é idolatria como se afirma em Col 3.5. Muitos crentes erigiram o ídolo de ouro no templo dos seus corações. O pecado mais difícil de se desarraigar é o da cobiça. Geralmente quando outros pecados deixarem os homens, este permanece. E a cobiça, o amor ao dinheiro, é a raiz na qual nascem todos os males. E a cobiça não produzirá fome e sede de justiça, senão fome e sede de toda sorte de injustiças. 62 Deste modo, o problema não está em ser a fome e sede fracas, mas haver a ausência total delas. Uma fome e sede fracas são como um pulso que bate fraco, mas mostra que há vida. E estes desejos fracos não devem ser desencorajados porque há uma promessa feita a eles de que a cana quebrada não será esmagada pelo Senhor como Ele afirma em Mt 12.20. Uma cana é algo fraco em si mesma, e quanto mais se a cana estiver quebrada, entretanto não será esmagada e florescerá como a vara seca de Arão. Olhando em sua fraquezapara Cristo, Seu Sumo- Sacerdote será ajudado por Ele porque é paciente, poderoso e misericordioso. Se você não tem aquele apetite como antigamente pelas coisas divinas, contudo não seja desencorajado, porque com o uso adequado dos meios da graça você pode recuperar seu apetite. Chamamos de meios de graça a oração, o louvor, o jejum, a adoração, a meditação e prática da Palavra de Deus, a comunhão dos crentes, e o compromisso com a obra do evangelho. As riquezas não duram para sempre, mas a justiça dura para sempre e é por isso que os homens são exortados a trabalharem por este alimento que não perece, e não para ajuntar riquezas terrenas. A menos que nós tenhamos fome desta justiça evangélica nós não podemos obtê-la, porque Deus 63 nunca jogará fora as Suas bênçãos naqueles que não as desejam. Assim como os exercícios físicos estimulam o apetite natural, de igual modo o exercício na piedade estimula o apetite espiritual, conforme se afirma em I Tim 4.7. Aos que têm fome e sede de justiça Deus promete dar-lhes plenitude de fartura e daí se dizer que os tais são bem-aventurados porque serão aperfeiçoados na justiça que eles desejam como algo vital para a sua subsistência espiritual. Deus saciará o espírito faminto porque Ele mesmo incitou esta fome. Ele plantou desejos santos em nós, e Ele não satisfaria esses desejos? Deus satisfará o faminto porque o espírito faminto é muito grato pela misericórdia. Deus ama dar a misericórdia dele onde ele pode ter um maior louvor. Nós nos encantamos em dar àqueles que são gratos. Deus enche o espírito faminto com plenitude de graça, paz e alegria. Assim é de fato uma grande bem-aventurança ter fome e sede de justiça. Considere por que Cristo recebeu o Espírito sem medida (João 3.34). Não foi para Si mesmo. Ele estava 64 infinitamente cheio antes. Mas ele estava cheio com a unção santa para este fim, a saber, para que ele pudesse derramar a Sua maravilhosa graça no espírito faminto. Você é ignorante? Cristo estava cheio com sabedoria para poder lhe ensinar. Você está sujo? Cristo estava cheio com graça para poder limpá-lo. A alma não virá então a Cristo que tem toda a plenitude para saciar o faminto? Peçamos, portanto, a Deus que jamais nos falte o apetite espiritual pelo qual Ele nos dará crescimento e força, para podermos fazer a Sua vontade. 65 5 – Os Misericordiosos Nós procederemos agora ao comentário da quinta bem-aventurança citada por Jesus em Mateus 5.7: “Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia.” Haveria necessidade de pregar sobre misericórdia mais do que nestes tempos desapiedados em que nós vivemos? Mas como muitos não sabem exatamente o que é misericórdia, falaremos primeiro sobre os vários tipos de misericórdia. A misericórdia é uma disposição por meio da qual nós carregamos no coração as misérias de outros e estamos prontos em todas as ocasiões a sermos instrumentos para o bem deles. Muitos confundem misericórdia com amor, mas há algumas diferenças marcantes entre ambos. Em algumas coisas o amor e a misericórdia são iguais, mas em outras eles diferem, como as águas de um rio que podem ter duas nascentes, mas se encontram no fluxo. O amor e misericórdia diferem nisto: o amor é mais extenso. O amor é um amigo constante que nos visita até mesmo quando estamos bem. 66 Já a misericórdia é como um médico que só nos visita quando estamos doentes. O amor age mais por afeto. Mas a misericórdia age mais por um princípio de consciência. A misericórdia empresta sua ajuda a outros, mas O amor dá seu coração a outros. Deste modo, eles diferem, mas o amor e a misericórdia concordam em que ambos estão sempre prontos a prestarem bons serviços. A misericórdia procede de um trabalho da graça no coração. Por natureza, nós estamos bem longe da misericórdia. O pecador é por natureza uma oliveira brava e não uma oliveira que dá bom azeite. O caráter e vocação do homem natural é ser desapiedado como se lê em Rm 1.31; e a misericórdia que ele possui é um instinto natural e não a misericórdia santificada que é um fruto do Espírito Santo. Por natureza nós não produzimos azeite, mas veneno; não o óleo da misericórdia, mas o veneno do pecado. 67 Além desta falta da misericórdia divina que não pode ser achada na nossa natureza terrena, há algo que é também implantado por Satanás, porque o príncipe das trevas trabalha no coração dos homens como se vê em Ef 2.2. E se ele domina os homens não é de se estranhar que eles sejam inclinados a serem implacáveis e sem misericórdia. Afinal, que misericórdia pode ser esperada do inferno? De forma que, se o coração é afinado com a misericórdia, é por causa da mudança que a graça produziu nele, conforme se vê em Col 3.12. Assim, antes de um homem ser misericordioso, é necessário que seja uma nova criatura; e a misericórdia é algo para ser aprendido com Deus, que nos ensinará isto de modo prático, na experiência da vida. Nós devemos ser misericordiosos às almas de outros, especialmente aquelas que não foram salvas. Realmente este é o principal tipo de misericórdia, porque o espírito é a coisa mais preciosa que existe. Mais do que nós sentimos pela morte física de alguém, nós deveríamos sentir pela sua morte espiritual, porque este é o estado permanente de toda pessoa que não conhece a Cristo, e também devemos sentir pela sua morte eterna, que se 68 seguirá à sua morte física. Assim uma alma misericordiosa reprovará os pecadores impenitentes na expectativa de que eles se convertam de seus pecados. Nós estaremos sendo misericordiosos quando lutarmos com eles pela salvação de seus espíritos e não permitirmos que eles desçam quietamente para o inferno. Se a casa de uma pessoa estivesse pegando fogo nós deixaríamos de lhe dar o devido aviso para não assustá-la quanto ao prejuízo que estava sofrendo? E nós ficaremos calados vendo alguém dormir o sono da morte e vendo o fogo da ira de Deus pronto para queimá-lo? Veja então como é um trabalho abençoado o trabalho do ministério! A pregação da Palavra nada mais é do que mostrar misericórdia às almas. Ministros que toleram o pecado por temor de não ofenderem as pessoas são maus ministros. É um erro pensar que ser agradável a todos, ainda que estejam perdidos em pecados é uma forma de mostrar estima e amizade por eles. Na verdade, ainda que muitas pessoas se sintam ofendidas e ressentidas com os pastores, quando eles pregam de maneira veemente contra o pecado, não importa, porque aquele que faz isto está sendo verdadeiramente misericordioso para com elas, 69 uma vez que é disto que depende o destino eterno feliz delas, caso venham a se arrepender dos seus pecados. Olhe como Jesus e João Batista pregavam em seus ministérios. Eles diziam “arrependei-vos e crede no evangelho” fazendo duras repreensões contra aqueles que viviam no pecado. Quando Jesus e João diziam aos fariseus que eles eram uma raça de víboras, que seriam cortados pela raiz pelo machado do juízo de Deus, eles estavam demonstrando verdadeiro amor e verdadeira misericórdia para com eles, porque estavam dando a eles o aviso solene do que lhes sucederia caso não se arrependessem dos seus pecados. Então fiel, misericordioso, e verdadeiramente amigo é o pastor que repreende aqueles que estão vivendo na prática deliberada do pecado. Ainda que aqueles que estão na carne façam um juízo errado pensando que isto é falta de misericórdia. Então estes pastores que não pregam contra o pecado são maus pastores. São ministros que não têm uma misericórdia verdadeira pelas almas perdidas. O cuidado deles é maior por dízimos do que por almas. Por realizações materiais do que por almas.70 Os tais são mercenários e não ministros de Cristo, e caso tenham tido uma chamada para o ministério, acabaram se desviando dela. Como podem ser chamados de pastores aqueles que não possuem intestinos de misericórdia? Tais homens não alimentam os espíritos das pessoas com verdades sólidas. Quando Cristo enviou os seus apóstolos, ele lhes deu o texto que eles deveriam pregar e ensinar. Os ministros de Cristo devem pregar as coisas que pertencem ao reino de Deus. Eles são desapiedados se em vez de repartir o pão da vida, encherem as cabeças das pessoas com especulações e noções vazias, que fazem apenas cócegas na consciência. Há ministros que pregam como se eles estivessem falando uma língua desconhecida. Alguns ministros gostam de planar nas alturas como a águia e voam acima da capacidade das pessoas, e se esforçam bastante para serem mais admirados do que compreendidos. É falta de misericórdia para com as almas pregar para não ser entendido. 71 Ministros deveriam ser estrelas para dar luz, não nuvens para esconder a verdade. É crueldade para com as almas quando nós andarmos para tornar as coisas fáceis em coisas difíceis. Muitos são culpados de subirem ao púlpito somente para exibirem a própria glória deles e divertirem as pessoas. Isto cheira mais a orgulho do que a misericórdia. Nós devemos também ser misericordiosos com os nomes de outros. Um bom nome é uma das maiores bênçãos na terra. Assim, é grande falta de misericórdia, uma grande crueldade, infamar o renome dos homens, conforme se vê em Rom 3.13. O homem orgulhoso e invejoso atacará a reputação de outros. Pensando em apagar os nomes que ataca, julga que o seu poderá brilhar mais do que os deles. O invejoso difama a dignidade dos outros, mas a Bíblia nos ensina a nos alegramos com a estima e fama de outros como se vê em Rm 1.8 e Hb 11.2. A calúnia é uma grande demonstração de falta de misericórdia. 72 A defesa do bom nome dos que são caluniados é uma grande demonstração de misericórdia. Lembremos que Deus requererá em juízo cada palavra ociosa que foi proferida pelos homens, especialmente aquelas que foram usadas para infamar outros. Em vez de infamarmos as pessoas, nós devemos ser misericordiosos em relação às ofensas que eles nos fazem. Estejamos prontos para mostrar misericórdia àqueles que nos prejudicaram. Nós lemos em Pv 19.11 que “A discrição do homem fá-lo tardio em irar-se; e sua glória está em esquecer ofensas.”. Nós devemos ser misericordiosos às necessidades de outros. Considere os pobres; veja as lágrimas deles, e os seus suspiros e gemidos. Deus demonstra a Sua misericórdia e cuidado com os pobres nos muitos mandamentos da Lei de Moisés que prescreveu para o benefício deles como se pode ver por exemplo em textos como Êx 23.11; Lev 19.9; 25.35 e Dt 14.28,29. Na verdade Deus agrava o Seu juízo nos ricos mais do que nos pobres, porque se aos primeiros deu confortos e facilidades neste mundo, no entanto pesou muito sobre eles a responsabilidade de 73 assistirem aos necessitados com suas riquezas, e na medida que não o fazem agravando a pobreza no mundo, sofrerão um maior juízo de condenação. No entanto, o pobre não foi cumulado com este peso de responsabilidade da parte de Deus, e nisto tem uma grande vantagem em relação aos ricos, e assim não houve nenhuma injustiça da parte de Deus em ter disposto a criação de tal sorte que houvesse pobres e ricos no mundo. Então a riqueza deve ser usada para a exibição de generosidade para com o próximo, conforme é da vontade de Deus. Por isso Deus requer as boas obras depois que somos justificados, mesmo que sejamos pobres, porque se somos pobres de bens materiais, nada nos impede de sermos ricos da graça de Jesus para usá-la em benefício de outros. Assim, apesar de sermos justificados somente pela fé, devemos lembrar que a fé justificadora nunca está só, porque deve ser acompanhada pelas boas obras. Embora as boas obras não sejam a causa da salvação, contudo elas são evidências da salvação. Embora elas não sejam o fundamento da nossa casa espiritual, contudo elas são a sua estrutura. Deste modo, não deve ser edificada uma fé em obras, mas devem ser edificadas obras em fé. 74 As boas obras são a pedra de toque da fé como se vê em Tg 2.18. Estes frutos das boas obras adornam a árvore da justiça. Assim deixe a liberalidade da sua mão ser o ornamento da sua fé. Pelo menos em dois aspectos as boas obras são em algum senso, mais excelentes do que a fé. Porque as boas obras são de uma natureza diferente e mais nobre. Embora a fé seja mais necessária para nós mesmos, contudo as boas obras são mais benéficas a outros. A fé é uma graça que nós recebemos, mas as boas obras são para o bem de outros, e é uma coisa mais abençoada dar do que receber. A fé é uma graça mais oculta. As boas obras são mais visíveis. A fé pode permanecer escondida no coração e pode não aparecer, mas quando são unidas as boas obras com a fé, a fé brilhará diante dos homens, por causa das nossas boas obras e trará glória ao Senhor. Lembremos sempre que fomos criados em Cristo Jesus para as boas obras como se afirma em Ef 2.10. Foi para este fim que fomos tornados filhos de Deus, em Cristo Jesus. 75 É nosso dever vivermos para atender ao propósito para o qual fomos criados. Através da misericórdia nos assemelhamos a Deus, que é um Deus de misericórdia. DEle é dito em Miqueias 7.18 que se deleita na misericórdia. Ele requer que o mal seja vencido com o bem. Exige que pratiquemos o bem como vemos em Hb 13.16: “Mas não vos esqueçais de fazer o bem e de repartir com outros, porque com tais sacrifícios Deus se agrada.” Antes de fechar este assunto eu devo dizer que tudo o que fizermos deve ser de modo livre e voluntário e devemos fazê-lo em Cristo e para Cristo, porque estão perdidas, as melhores obras que não são originadas da fé. Todo fruto aceitável a Deus deve ser produzido na Videira Verdadeira. As obras de misericórdia devem ser feitas em humildade e sem ostentação. E se a nossa ação em atender à necessidade do pobre for feita de tal forma que venha a humilhá-lo, isto será em si mesmo um mal maior do que a própria necessidade dele. Sejamos então criteriosos no exercício da misericórdia. 76 6 – Os Puros de Coração Nós procederemos ao comentário da sexta bem- aventurança citada por Jesus em Mateus 5.8: “Bem-aventurados os puros de coração, porque eles verão a Deus.” Deus é tão puro de olhos que não pode ver o mal, e não pode contemplar a perversidade, como se afirma em Hc 1.13. Isto significa que os olhos de Deus são perfeita e puramente bons e não param para se deleitarem na observação da maldade. Os olhos de Deus não se detêm na contemplação do mal, antes têm repugnância a toda forma de maldade. Isto sucede com Deus porque a pureza é uma coisa sagrada perfeitamente refinada e que se levanta em oposição a tudo o que é sujo. Nós devemos distinguir os vários tipos de pureza. Primeiro, há uma pureza primitiva que está originalmente e essencialmente em Deus. A santidade é a glória da divindade. Deus é o padrão e protótipo de toda a santidade. Segundo, há uma pureza criada. 77 Assim, a santidade está nos anjos eleitos e esteve no começo da criação em Adão, antes dele cair no pecado. O coração de Adão não tinha a menor mancha ou impureza. Nós chamamos isto de ouro puro que não tem qualquer escória misturada nele. Tal era a santidade de Adão. Mas tal pureza absoluta como estava em Adão antes da sua queda no pecado, não será mais achada na terra. Nós temos que buscar tal pureza no céu para poder encontrá-la, e se a encontrarmos, ela será aqui na terra, uma pureza evangélica. Nesta pureza evangélica a graça se encontra
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