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Abordagem Pikler na Educação Infantil 1w w w. i m p a r e . c o m . b r P r o f ª D r ª R e j a n e C a v a l h e i r o http://www.impare.com.br Abordagem Pikler na Educação Infantil 2 Ficha Técnica Equipe Impare Educação Direção: Profª Esp. Glauber Benetti Carvalho Autoria: Profª Drª Rejane Cavalheiro Coordenação Pedagógica: Profª Ma. Tatiane Peixoto Isaia Diagramação: Paula Maltchik Zamora Editora: Impare Educação Abordagem Pikler na Educação Infantil 3 Abordagem Pikler na Educação Infantil “É crucial que a criança descubra por si mesma tanto quanto possível. Se a ajudamos a finalizar cada tarefa, a estamos privando do mais importante aspecto de seu desenvolvimento. Uma criança que consegue as coisas por meio da experimentação independente adquire um tipo de conhecimento completamente diferente daquela criança para qual são oferecidas soluções prontas”. (Emmi Pikler). Abordagem Pikler na Educação Infantil 4 Apresentação Prezado(a) Professor(a)! O E-book intitulado “Abordagem Pikler na Educação Infantil”, integra o módulo de formação docente apresentado a partir de quatro videoaulas projetadas e produzidas pela equipe Impare Educação. Cada videoaula recebe um subtítulo os quais chamaremos de Capítulos, numerados de um a quatro. O conteúdo desse E-book é um complemento didático ao registrado nas quatro videoaulas. Nesse intuito, apresenta alguns textos de autores que pesquisam o tema abordado entre outras formas didáticas que sugerem a reflexão sobre a importância da compreensão teórico-prática dos professores que atuam na Etapa da Educação Infantil. Tem como objetivo apresentar a dinâmica pedagógica construída por Emmi Pikler corroborando com o desejo de saber um pouco mais sobre a abordagem pedagógica que recebe o seu nome. Desejamos que a interação com o material, seja prazerosa e oportunize uma significativa transformação das informações combinadas entre as videoaulas e o conteúdo desse E-book, no desenvolvimento da aprendizagem, tão necessária ao saber fazer docente e, com o embasamento teórico esperado, auxiliar no processo de construção de sua docência. Esse E-book está organizado em quatro Capítulos. Cada Capítulo corresponde ao conteúdo abordado em cada videoaula, conforme descrito na sequência: Abordagem Pikler na Educação Infantil 5 • Capítulo 1 foi denominado como “Emmi Pikler”. Nele vamos conhecer um pouquinho sobre quem foi Emmi Pikler, para que possamos, na sequência dos próximos Capítulos, aprofundarmos nossos conhecimentos acerca da abordagem pedagógica que leva o seu nome. • Capítulo 2 está intitulado como “Os princípios da Abordagem Pikler”. Nele vamos conhecer os princípios em que a Abordagem Pikler se fundamenta. Esses princípios são: (1) Liberdade; (2) Autonomia; (3) Ritmo individual de desenvolvimento; e, (4) Autoconfiança e o movimento. • Capítulo 3 está identificado como ”Os preceitos que envolvem o ato de brincar na concepção de Abordagem Pikler”. Portanto, nele vamos refletir sobre os preceitos que envolvem o ato de brincar para a Abordagem Pikler. • Capítulo 4 é apresentado sob o título de “A Abordagem Pikler no Brasil”. Sendo assim, por meio dele vamos refletir acerca dos aspectos que implicam a utilização dessa Abordagem Pedagógica no contexto das escolas brasileiras. É possível reconhecer muitas das nossas ações pedagógicas em sala de aula sem que saibamos onde elas realmente se fundamentam. Ao entrar em contato com o material que preparamos, pensando nessa entre outras questões, você vai descobrir o quão teórica é sua prática, qualificando-a ainda mais. Essa é a razão de trabalharmos juntos(as). Bons estudos! Com carinho, Equipe Impare Educação. Abordagem Pikler na Educação Infantil 6 Sumário Introdução .....................................................................................................................................07 Capítulo 1 - Emmi Pikler .........................................................................................................10 Capítulo 2 - Os princípios da Abordagem Pikler .......................................................13 Capítulo 3 - Os preceitos que envolvem o ato de brincar na concepção de Abordagem Pikler .....................................................................................................................24 Capítulo 4 - A Abordagem Pikler no Brasil ...................................................................29 Considerações Finais ..............................................................................................................32 Referências ...................................................................................................................................33 Abordagem Pikler na Educação Infantil 7 Introdução Explorar, em um E-book, a Abordagem Pikler, implica resgatar a experiência educativa que aconteceu em uma instituição da capital Budapeste, Hungria, que em 1946 recebeu crianças órfãs e também crianças abandonadas. Essa experiência educativa recebeu o nome de experiência de Lóczy (nome da rua em Budapeste onde se localiza o Instituto com o mesmo nome). Após a segunda guerra mundial, Emmi Pikler, médica pediatra, assume a coordenação dessa instituição. Emmi Pikler, durante décadas e a partir de sua experiência em Lóczy constrói uma nova referência de atenção à criança. Desde então, Pikler acumula estudos e pesquisas sobre o desenvolvimento de bebês e de crianças pequenas e, consequentemente, criou aportes para a observação e o reconhecimento das competências e das necessidades básicas das crianças de 0 a 3 anos de idade no sentido de garantir-lhes as melhores condições de bem estar físico e psíquico. A Abordagem Pikler no contexto da Educação Infantil favorece um “olhar” para a primeira infância procurando romper com a ideia de criança incapaz e passiva, trazendo novas práticas pedagógicas realizadas com bebês e crianças protagonistas, concebidos como sujeitos participantes e autônomos. Da mesma forma, destaca a atenção pessoal que a criança tem por direito de receber do adulto de referência (família, cuidadores e docentes). Abordagem Pikler na Educação Infantil 8 Nesse sentido, no trabalho voltado com os Bebês (e não para os bebês), a Abordagem Pikler enfatiza a necessidade de assumirmos uma postura na qual se possibilite que eles possam tomar decisões, que o espaço seja convidativo a novos desafios e que consigam, em mediação com o meio, construir conhecimentos. O espaço do berçário, na perspectiva da Abordagem Pikler, permite que a criança não permaneça inativa em seu berço, mas que tenha muitas possibilidades de mover-se, de deslocar-se e de brincar. Uma vez que passa a ser compreendido como alguém que possui competências para tomar decisões, já que o Bebê, para Emmi Pikler, é uma pessoa muito sensível ao mundo que a rodeia. Do mesmo modo, no trabalho voltado com as Crianças bem pequenas as propostas pedagógicas precisam ser pautadas por meio do entendimento da criança como um sujeito que é capaz de descobrir, de fazer e de participar mesmo sem a intervenção do adulto. Em propostas que seguem essa direção, torna-se necessário que o adulto (seja ele docente ou familiar) dedique uma atenção de qualidade à criança: olhando-a nos olhos ao falar com ela respeitosamente, pronunciando seu nome com amor e carinho e dando-lhe a “escuta atenta” quando ela exprime suas opiniões, dúvidas e desejos. As crianças, desde que nascem, têm uma influência sobre os acontecimentos e estabelecem relações efetivas e afetivas com aqueles que lhe dedicam a sua atenção, por isso, as relações amorosas são fundamentais no seu processo de desenvolvimento como um todo e, principalmente, no desenvolvimento de sua segurança afetiva. Abordagem Pikler na Educação Infantil 9 Na Abordagem Pikler, para o contexto da Educação Infantil, os bebêse as crianças se movimentam livremente, com tranquilidade, brincam, experimentam, descobrem a si mesmas e aos outros, vivem situações nas quais se sentem instigadas a criarem, a se expressarem, a exporem suas ideias e desejos, sendo respeitado o seu ritmo de desenvolvimento e de interesse. Ao escrever esse capítulo introdutório, para o presente E-book, espero ter aguçado sua curiosidade acerca da Abordagem Pikler para que cada um de vocês possam “degustar” os próximos capítulos, preparados pela Profª Drª Rejane Cavalheiro, juntamente com a equipe Impare Educação. Com carinho, Profª Ma.Tatiane Peixoto Isaia Coordenadora Pedagógica da Impare Educação Abordagem Pikler na Educação Infantil 10 Capítulo 1 Emmi Pikler Pensar na Abordagem Pikler implica, em um primeiro momento, conhecer quem foi a pessoa que inspirou essa abordagem pedagógica. Quem é Emmi Pikler? Emilie Madeleine Reich nasceu em 1902, em Viena, Áustria. De Viena, os pais de Emmi se mudaram para Budapeste em meados de 1914. Foi neste mesmo ano que a mãe de Emmi morreu, deixando-a com apenas 6 anos de idade e sob os cuidados do pai. Passados alguns anos, a jovem Emmi volta para Viena, sua cidade natal para estudar medicina. Sua formação se deu no Hospital Infantil da Universidade de Viena, onde se formou em 1927. Lá especializou-se em cirurgia pediátrica sob a orientação de um famoso cirurgião pediátrico Dr Hans Salzer e oito anos mais tarde, em 1935, Pikler qualifica-se como pediatra. Desde então, produziu materiais escritos e palestrou sobre o ensino e a aprendizagem de bebês e crianças pequenas. Com cinco anos de especialização em pediatria (1940), publica seu Abordagem Pikler na Educação Infantil 11 primeiro livro direcionado à orientação de pais, traduzido para diversos idiomas e relançado por muitas edições. Para Emmi Pikler, o carinho e o cuidado atento nos primeiros anos de vida são responsáveis por estabelecer a segurança que vai construir as bases de autonomia da criança até a vida adulta. O sobrenome Pikler veio do casamento com um professor de matemática. Os dois compartilhavam do pressuposto de que cada criança poderia explorar o próprio tempo dispensando estímulos repetidos para desenvolverem habilidades num contexto geral de vida e aprendizagens. Foi dessa união que tiveram seu primeiro filho, observando seu desenvolvimento e deixando-o livre para explorar sensações a partir dos experimentos sobre o próprio corpo e conquistas de várias ordens, respeitando o tempo que o mesmo precisasse para alcançá-las, sem nenhuma preocupação em ensinar-lhe ações que estimulassem por exemplo: o equilíbrio, tônus para sentar-se, para levantar-se, para rolar ou para engatinhar. Entre outras habilidades, normalmente tomadas pelos pais como resultantes da incidência aos treinos e repetições na intenção desenvolvedora. Portanto, para Emmi Pikler: “Tentar ensinar a uma criança algo que pode aprender por ela mesma, não apenas é inútil. Também é prejudicial”. Nesta época, esse tipo de postura dos pais na educação dos filhos não era nada comum. As crianças tidas como educadas e filhas de pais exemplares, eram ensinadas a agirem como mini adultos, tanto no comportamento como na Abordagem Pikler na Educação Infantil 12 linguagem oral e vestimentas. Não participavam da vida social da família sob nenhuma hipótese e a maioria delas, ficava confinada no quarto ou dentro das residências até que completassem aproximadamente de 1 a 5 anos de idade. Entre os anos de 1940 e 1945, no contexto da Segunda Guerra Mundial, o marido de Pikler foi preso por ser judeu. Emmi era médica de família, e foram exatamente essas pessoas que ajudaram a doutora, e sua família, a sobreviver durante a guerra. Ao término da guerra, Pikler ainda teve mais dois filhos. Nesse mesmo período passou a trabalhar com crianças órfãs, desnutridas e também abandonadas. Resultados tristes de um pós-guerra, como se já não bastasse todos as privações por ela ocasionadas. Foram tantos os que chegaram, embora não se saiba precisar quantos, que em 1946 a Dra Emmi Pikler fundou o orfanato Lóczy, que recebeu esse nome devido ao mesmo nome da rua onde estava localizado. Pikler dirigiu o orfanato Lóczy até 1979. Emmi, como carinhosamente era chamada em casa e depois no meio profissional, ficou reconhecida mundialmente por seu trabalho como pediatra e seus escritos sobre crianças entre zero e três anos de idade deram conta de ficarem conhecidos como uma importante Teoria de Aprendizagem e Desenvolvimento Infantil. Abordagem Pikler na Educação Infantil 13 Capítulo 2 Os princípios da Abordagem Pikler “Quando uma criança atua por iniciativa e interesse próprio, adquire capacidades e conhecimentos muito mais sólidos que se tratamos de lhe ensinar”. (Emmi Pikler) Os princípios da Abordagem Pikler são específicos ao desenvolvimento de bebês e de crianças de zero a três anos e partem do aspecto da não reclusão dos pequenos e do não controle imposto com regramentos extensivos à todas as crianças com vistas ao ensino para seu desenvolvimento geral. Ao contrário da cultura de ensino, para Pikler, cada criança já nasce competente para desenvolver as próprias habilidades. Ou seja, primeiro a aprendizagem natural e espontânea para depois a inserção do esperado cultural de cada família, comunidade e região. Para Emmi Pikler: “É essencial que a criança descubra por ela mesma. Se lhe ajudamos a solucionar todas as suas tarefas, lhe tiramos o mais importante para o seu desenvolvimento mental. A criança que consegue algo por meio de experimentos autônomos adquire conhecimentos completamente distintos dos de uma criança a qual é oferecida previamente a solução.” Abordagem Pikler na Educação Infantil 14 E foi nessa perspectiva que Pikler estabeleceu como primeiro princípio de sua Abordagem Pedagógica, a liberdade para que a criança se desenvolva seguindo o próprio tempo. Para que isso aconteça, é preciso que este tempo seja respeitado tanto no discurso como na prática. 2.1 Liberdade A liberdade, a partir da teoria de Abordagem Pikler, não se refere às esperas de satisfação pelos pais, professores e/ou cuidadores das necessidades e desejos de seus bebês e crianças que ainda não completaram 3 anos de idade. Para Pikler, a liberdade está relacionada às escolhas de como e quando realizar a satisfação de pequenas descobertas sem ajuda ou com a mínima ajuda, mas sem nenhum incentivo que a estimule a fazer tentativas no intuito de que obtenha conquistas ainda não despertadas. Ao contrário do que possa parecer abandono e falta de cuidado, são as explorações que desenvolvem o raciocínio para a satisfação do pensamento antes mesmo dele ser reconhecido como tal, quando ele é ainda somente exploração dos desafios do entorno no ambiente real. No próprio Instituto Emmi Pikler, em Budapeste, onde a visitação para conhecimento da abordagem em cursos rápidos ministrados por Ana Tardos (filha de Emmi Pikler) entre outros divulgadores é possível observar os berços das crianças dispostos ao ar livre cobertos por toldos e propositalmente coloridos, dispostos embaixo de árvores nativas da Áustria. Abordagem Pikler na Educação Infantil 15 A proposta se fundamenta na afirmativa de Pikler que era pediatra e entendia que a respiração em ambiente externo garante o frescor do ar necessário à aeração pulmonar e consequentemente ao desenvolvimento cerebral sadio ao extremo. É por essa razão que o sono das crianças é do lado de fora dos ambientes de brinquedo e atividades. O cuidado em manter as crianças agasalhadas adequadamente garantem o conforto térmico do corpo. Os berços são preparados com panos que diminuem o vento. Esse hábito é cultural e não significa que precisaríamos copiar para garantir que a abordagem na concepção Pikler esteja sendo observada. Compreendermos que manteras crianças ao máximo em ambientes abertos e arejados para que durmam faz parte do que precisamos entender e não copiar. No entanto, é possível adequarmos regionalmente e com frequência sazonal, alternativas possíveis à práticas no intuito de garantir a circulação de ar nos ambientes de descanso ao contrário de escurece-los além de mantê-los fechados. 2.2 Autonomia Um outro princípio, o segundo da Abordagem Pikler é a autonomia. A Abordagem Pikler privilegia o comportamento desenvolvedor da autonomia para qualificar as relações infantis na faixa etária entre o zero e os três anos de idade com os desafios de seus cotidianos. O processo de desenvolvimento da autonomia desencadeia uma série de ações que se entrelaçam a partir de aptidões exploratórias naturais, o crescente desenvolvimento de habilidades cerebrais de raciocínio entre causa e efeito Abordagem Pikler na Educação Infantil 16 em habilidades motoras, comunicação visual, gestual e de linguagem oral, mas diretamente condicionadas às particularidades próprias do tempo de cada uma das crianças. Para Emmi Pikler: “No início mãos são tudo para a criança. As mãos são a pessoa, o mundo”. O temor de que as crianças não problematizadas pelo ambiente em seu entorno não se desenvolvam ou incorram ao risco de serem menos desenvolvidas motoras e cognitivamente, na Abordagem Pikler, que privilegia o desenvolvimento da autonomia à seu tempo pessoal, isso não tem chance de acontecer. A justificativa teórica da médica e pesquisadora Emmi Pikler é que nada se dará por influência externa que destaque o treino e o ensino para a conquista de habilidades que são resultantes de uma maturação que se dá de forma interna. Não são os estímulos prematuros que fazem desenvolverem-se as habilidades que são internas. Tais estruturas que desencadeiam habilidades observáveis precisam ser desenvolvidas antes do movimento em situação observável. O desenvolvimento das regiões cerebrais, que são responsáveis pela maturação, só ocorre pela ação do conjunto exploratório a partir do interno para a dimensão do externo, ou seja, um não se dá independente do desenvolvimento do outro. Mas isso também significa que os estímulos ao desenvolvimento a partir do externo, não estruturam o desenvolvimento das habilidades que aparecem no externo. Quando isso acontece, não é desenvolvimento. É treino. Isso não significa que a criança nesta faixa fique isenta de estímulos Abordagem Pikler na Educação Infantil 17 no ambiente para que o explore. Mas existe uma diferença entre respeitar quando essa exploração será feita e o provocar tal ocasionalidade no intuito de acelerar todo um processo auto exploratório a partir do explorador e não com dependência aos estímulos apresentados por pais, cuidadores ou professores. Nesse sentido, Emmi Pikler enfatiza: “No relacionamento, o adulto faz tudo “com” o bebê e não faz nada “para” o bebê”. É possível encontrarmos ressonância de tal afirmação nos escritos de Soares, pesquisadora da Abordagem Pikler com publicações sobre o tema no Brasil, quando ela diz: “(...) existe dificuldade de programar a rotina das instituições para atender as necessidades de cuidados da criança pequena de uma forma tranquila e, ao mesmo tempo, favorecer o seu desenvolvimento sem estímulos invasivos (...)”. (SOARES, 2017, p.14). O conjunto dessas propostas feitas às crianças pequenas, justamente no período em que seu desenvolvimento precisa experimentar o ambiente com autonomia e liberdade para aguçar sua acuidade tátil e perceptiva de espaços, objetos e pessoas de seu convívio, podem trazer prejuízos aos avanços de diversas ordens incluindo os cognitivos, motores e emocionais. Soares ainda enfatiza as afirmações a partir de suas pesquisas em consonância com a Abordagem Pikler, quando escreve que: “(...) As atividades sugeridas às crianças são, por vezes, inadequadas, podendo resultar Abordagem Pikler na Educação Infantil 18 em um aceleramento prejudicial ao desenvolvimento motor e cognitivo (...) como as propostas direcionadas às crianças de quatro a seis anos são mais desenvolvidas e conhecidas, elas acabam sendo oferecidas para crianças menores de maneira dirigida e, por vezes, rígida”. (SOARES, 2017, p.14). Um terceiro princípio da Abordagem Pikler é a observância ao ritmo de cada criança. 2.3 Ritmo individual de desenvolvimento Uma abordagem na perspectiva que encontramos nos escritos de Emmi Pikler, privilegia a importância da sensibilidade e da afetividade dos pais, professores e cuidadores a quem as crianças são confiadas neste período de desenvolvimento que compreende desde o nascimento aos 3 anos de idade. Pikler destaca o significado que emprega para a palavra “cuidadores” como designada àqueles que antes de cuidarem apenas, compreendem e se envolvem afetivamente com cada uma das crianças que estão sob suas orientações e reconhecem a extrema dependência psíquica, emocional, física e social resultantes desta relação criança e adulto. Ao contrário do que normalmente é entendido como significado à palavra “cuidador”, na perspectiva da Abordagem Pikler, o termo está carregado de atribuições que o cuidado afetivo e humano precisa ter em nível consciente para que contribua no processo que insere as crianças no Abordagem Pikler na Educação Infantil 19 mundo, descobrindo-o a partir dos vínculos que consegue desenvolver primeiramente entre si mesma e as experiências, extraídas do que vive sobre o que ainda não conhece. Para Emmi Pikler: “A prudência e a autoconfiança se desenvolvem se permitirmos que as crianças realizem, gradualmente, uma nova tarefa sem que interfiramos nela”. Para que o ritmo de desenvolvimento de cada criança possa ser reconhecido e, a partir da observação venha a contribuir com propostas de abordagens pensadas para os diferentes avanços e recuos observados é que Pikler, em 1946, lançou sua primeira obra. Um livro direcionado aos pais e às pessoas que cuidavam de crianças. Este direcionamento se dá num contexto de época em que as creches eram em número extremamente reduzido porque o habitual eram as crianças em casa cuidadas pelas próprias mães, avós tias e demais familiares e/ou empregadas domésticas (ou ainda, cuidadas pelas filhas mais novas desses servidores domésticos empregados pelas famílias). Esta obra primeiramente intitulada como “Livro para os pais” foi lançada em 1940 e traduzida em diversos idiomas e edições. No Brasil essa obra chegou somente em 1992 reorganizada e aumentada com artigos de autoria de sua filha, Ana Tardos que é psicóloga e trabalhou com a mãe no Instituto Lóczy, entre outros pesquisadores da equipe da Lóczy Fundation for Children, em Budapeste, Áustria. Abordagem Pikler na Educação Infantil 20 2.4 Autoconfiança e o movimento Um quarto princípio na Abordagem Pikler é a autoconfiança e o movimento. Para isso, Pikler destaca a importância de se observar processos e rotinas que passam a ser conhecidos do bebê. O que isso significa? Pontuados por relações de muito carinho e movimentos delicados, suaves, voz baixa e de comunicação alegre, significa a procura de construção com o bebê, de uma “percepção antecipada do que vem depois”. Ou seja, assumir uma Abordagem Pikler significa que a professora mantenha sempre que possível, a rotina dos cuidados com bebê realizada na mesma ordem. Também uma previsibilidade espacial e temporal, desenvolvem com a criança esboços de uma orientação que é culturalmente necessária, como por exemplo: ela saber quando se inicia e quando termina uma interação como a de troca de fraldas, de banho, de alimentação, escovação das gengivas e dentes, limpeza da língua, passeio, troca de roupas, entre outras ações que possam ser observados um início e um fim com interações mantidas e distintas para que ela os reconheça. O reconhecimento dessas rotinas em nadaimplica que sejam previamente determinados os horários da troca de fraldas. Bem ao contrário. Para Pikler, se os ritmos determinam os movimentos e a maturação de forma individual, cada criança tem acesso a essas rotinas no horário que necessita. Abordagem Pikler na Educação Infantil 21 Emmi Pikler ressaltava já nos idos de 1930, que à criança precisa ser garantido tempo suficiente para que experimente, descubra e treine os mais variados e possíveis tipos de movimentos. Isso porque, segundo os estudos de Pikler, a criança só experimenta cada novo movimento quando sente- se segura de que pode executar ou não determinado movimento por sua própria vontade. A descoberta das próprias mãos e pés e a exploração dos mesmos. Mais tarde, a manipulação de objetos ainda em situação de decúbito dorsal. Ao longo dos meses, o giro com o próprio impulso, da posição de costas para o lado, e finalmente, na posição de bruços. Os vários modos de transporte, como movimento de foca, de rastejar e o de engatinhar são aprendizagens que precisam se dar sem ajuda externa. A partir desses ensaios à novas conquistas virão o sentar-se, o levantar-se, o equilibrar-se e o andar (primeiramente com apoio em materiais fixos para logo depois fazê- lo de forma independente). Várias transições entre esses movimentos e posições são a própria regra para os complexos movimentos de avanço. Cada um determina o seu tempo e as suas regras. Isso porque o processo de alinhamento é lento e continuado. Para Pikler, programas de apoio como, por exemplo, colocar travesseiros como auxílio ao sentar-se, colocar a criança no andador, segurá- la em pé, oferecer o dedo para que se agarre promovendo o início precoce da marcha, entre outras estratégias auxiliares, são prejudiciais, porque geram uma dependência da criança em relação ao adulto. Portanto, os bebês precisam dispor de tanto tempo quanto for preciso Abordagem Pikler na Educação Infantil 22 (e esse tempo pode naturalmente ser muito diferente de um bebê para outro). É possível deixar um brinquedo para que ela possa virar-se um pouco, para tentar alcançá-lo. Basicamente, cada criança vai tentar, quando é permitido, brincar e jogar livremente e sem perturbação, desenvolver suas habilidades motoras e ao mesmo tempo também a sua autoconfiança. A partir da afirmativa que a criança tem seu próprio tempo para explorar e conquistar desafios do entorno de seu ambiente, Pikler também propôs mobiliário para o ambiente coletivo. A interação com o mobiliário não deve ser entendida como incentivo a desenvolver prematuramente as habilidades motoras dos bebês e de crianças que já caminham. Cada um a seu tempo, explora da forma que sentir que já é capaz, mas fundamentalmente sem que o adulto se preocupe em “apresentar” a exploração dos mesmos. Um ambiente atraente à exploração com cores, sons e movimentos suaves são conteúdos necessários nesse espaço de cuidado e desenvolvimento. Ao contrário do quem vem sendo discutido nas diferentes teorias de desenvolvimento das habilidades de bebês e crianças bem pequenas, Pikler aprova o uso alternado de “cercadinhos” sempre com a supervisão e acompanhamento do adulto de referência. Na contramão conceitual de um espaço fofinho reservado ao bebê quando este não está no berço, Pikler preconiza que este deva ser um lugar o mais firme possível. Uma superfície fofa e acolchoada não favorece o desenvolvimento da autoconfiança do bebê e os experimentos de possibilidades alcançadas pelos movimentos do próprio corpo tendem a tentativas postergadas por falta da sensação Abordagem Pikler na Educação Infantil 23 de estar seguro para isso. Estes espaços podem representar na concepção de Emmi um momento seguro, proveitoso e enriquecedor para novas auto explorações. Tal concepção de cerceamento aparente por oferecer à criança um momento de permanência num espaço com grades, não compromete o sentimento de liberdade trazido como eixo de Abordagem Pikler. Esse sentimento é feito pelo adulto que atrela o espaço gradeado com privação de liberdade. Na verdade, oferecer ao bebê um ambiente de continência proporciona um entorno de um universo exploratório que gradativamente é ampliado. Não oportunizar a investigação exploratória de si mesmo é como se cortássemos o casulo para diminuir o esforço de rompimento do mesmo por uma borboleta quando é chegada a hora. De uma forma não fatal como é o caso dessa ação no desenvolvimento de uma borboleta que precisa deixar o pupa para abrir as asas e ser o que sua espécie prevê que ela seja, não oportunizar a liberdade da auto exploração ao bebê remete a um trabalho de dependência do adulto e um atraso às conquistas que já são possíveis de serem alcançadas. Abordagem Pikler na Educação Infantil 24 Capítulo 3 Os preceitos que envolvem o ato de brincar para a Abordagem Pikler Para podermos compreendermos acerca dos preceitos que envolvem o ato de brincar na concepção de Abordagem Pikler, iniciamos refletindo sobre a questão: Há diferença entre a liberdade para brincar e o brincar livre? Emmi Pikler propõe uma diferença entre a liberdade para brincar e o brincar livre. A liberdade para brincar se constitui em poder escolher quando quer brincar em harmonia com o que o ambiente oferece para tal. É a liberdade de escolha e não o chamamento para atividades oferecidas pelo adulto de referência ou qualquer tipo de apelo com imagens ou sons agressivos, estridentes e/ou repetitivos. O brincar livre refere-se, na concepção de Abordagem Pikler, não depender do ensino ou observação de nenhum estímulo externo para que a interação com tal objeto que precisa ser de investigação lúdica, se dê. Se está disponível e ao seu possível alcance, por iniciativa e esforço pessoal, tal interação pode ser entendida como brincar livre. Portanto, na Abordagem Pikler, o primeiro brinquedo de exploração e descoberta do bebê pode ser um pequeno “paninho” como por exemplo um lencinho quadrado com medidas entre 40cm ou 45cm. Mas não é um paninho Abordagem Pikler na Educação Infantil 25 de qualquer cor. O lencinho precisará ter estampa de bolinhas. Sendo leve, o bebê consegue apreender o lenço, trazê-lo para perto do rosto sem se machucar, fixar o olhar nas bolinhas e repetir diversas formas de interagir com esse objeto macio e convidativo ao manuseio. Logo, para Emmi Pikler: “(...) O brincar livre, independente, sem ajuda ou incitação de quem a cuida (que no âmbito familiar significa sem a presença dos pais) é fundamental para o desenvolvimento. Gostamos de chama-lo ‘a universidade’ do bebê e da criança (...) Mas isso só é possível para a criança que tem uma boa relação com a educadora e que se sente segura brincando, inclusive quando o adulto está fora de sua vista (...)”. (PIKLER,1988). Mas: Qual a representação de um “lenço pequeno com bolinhas” no contexto da exploração livre? Uma exploração livre refere-se ao ter ao seu dispor vários elementos sem que nenhum lhe seja colocado nas mãos, ou arremessado em qualquer direção para que observe, ou ainda emita qualquer tipo de som para lhe atrair a atenção. Na verdade, as bolinhas nesse contexto exploratório, cumprem com a função de auxiliar o bebê a fixar o olhar em algo que ele mesmo está manuseando. Pode parecer preciosismo, mas a região cerebral responsável pela maturação do nervo ótico, associado aos movimentos das mãos, funcionam como “gatilhos” investigativos de elementos do mundo externo. A evidência de serem apenas “bolinhas” e não outra forma qualquer se dá numa escolha de Pikler em não oferecer nenhuma outra, variando cores dos tecidos finos e Abordagem Pikler na Educação Infantil 26 macios e bolinhas contrastantes em nuances constantes em cada um deles. 3.1 Exploração Livre Inclui-se ao processo de exploração livre, em um primeiro momento, considerar que o bebê brinca com seu própriocorpo e explora o rosto do adulto, suas próprias mãos e pés. Esse conjunto pode ser uma brincadeira extremamente significativa. Aproximar o rosto para que o bebê possa olhar de perto o adulto de sua referência que conversa e ri com ele, interage tocando seu rosto, cabecinha, braços e mãos, dedinhos, pernas e pezinhos, na concepção trazida por Emmi Pikler, assegura que o mundo ao redor desse bebê seja percorrido a partir da auto exploração e da exploração daqueles que lhe são próximos pelo convívio. Um universo desconhecido passa a ter referências para pode ser ampliado no ritmo das associações feitas por cada bebê. Deixar que o bebê toque o rosto do cuidador de referência pode ser de uma grande riqueza para sua constituição psíquica e sentimento de que é alguém. Em razão dessa concepção incluir o toque e a proximidade como parte do processo exploratório de interação livre, é importante que se destaque a responsabilidade dos professores e cuidadores não usarem maquiagem, cremes, perfumes, brincos longos e pulseiras, mantenham as unhas sempre cortadas (bem curtas), bem como os cabelos presos. No entanto, não há necessidade do uso de toucas de higienização. Essas devem ser usadas no momento da preparação dos alimentos e banho. Abordagem Pikler na Educação Infantil 27 É bastante importante também destacarmos a necessidade do uso de “propés” em todo o ambiente onde as crianças permanecem, por razões óbvias. Sob nenhuma hipótese, esses podem ser substituídos por pés descalços. Ao contrário da recomendação de Pikler que destaca ser parte desta interação exploratória de descobrir o ambiente, os bebês, sempre que possível, devem estar com os pezinhos livres de meias e calçados. Em um segundo momento, o bebê começa a interagir com brinquedos: uma pequena bola fácil de agarrar, figuras de pano ou pelúcia, bacias leves e em tamanhos variados, pequenos potes de metal que possam refletir suas próprias imagens como se fosse espelho, potes para brincar de esvaziar e depois encher novamente, bolinhas de diversos tamanhos a partir de um diâmetro impossível de ser colocado na boca, esconder e aparecer com o pano ou lenço liso. É por meio dessas ações lúdicas que o bebê e a criança pequena vão começar a interagir uns com os outros. Eles já conseguem fazer pequenos deslocamentos que possibilitam por exemplo, tirar a bola das mãos de um colega sem que esse reaja. Em seguida, esse cenário antes tão “solícito” aos seus desejos, será alterado para momentos nos quais se dão as primeiras disputas e conflitos. As disputas são saudáveis e fortalecem o processo de autoconfiança e socialização. É por essa razão que Pikler assinala a importância de ter vários “objetos de desejo entre coleguinhas”, idênticos, como um aparato auxiliar para amenizar essas disputas. Abordagem Pikler na Educação Infantil 28 As crianças até os três anos de idade, segundo Emmi Pikler, não brincam umas com as outras. Por isso, tendo uma variedade do mesmo objeto, surgem alternativas e a possibilidade de brincarem lado a lado, mas cada uma com o seu brinquedo. Abordagem Pikler na Educação Infantil 29 Capítulo 4 A Abordagem Pikler no Brasil É uma preocupação do Instituto Pikler, em Budapeste, ter muito cuidado com o conteúdo que envolve as práticas com os bebês porque antecedem a essas, muito estudo e a compreensão que cada criança, sob nenhum aspecto, oferece reações previsíveis. Daí o cuidado de promover o conhecimento sobre os fundamentos teóricos que instrumentalizam a formação docente e de cuidadores em ambientes coletivos e domésticos como é o caso das mães e pais, cada vez de forma mais crescente no revezamento dos cuidados de seus pequenos. Existe uma Rede Pikler no Brasil há aproximadamente 50 anos que acompanha as diferentes iniciativas em torno da Abordagem Pikler em instituições brasileiras. Pelo fato da Abordagem Pikler ter uma densa ênfase nas ações interacionais com os bebês, ligadas na sua origem epistemológica com o cenário cultural austríaco onde foi implementada e é ativa até os dias de hoje com ótima aceitação de um significativo número de pais, é preciso que a mesma não seja desqualificada no intuito de oferecer a um público como às famílias no Brasil, tal qual a mesma se dá ao longo de 70 anos da criação e conhecimento de suas bases teórico práticas. O cerne das formações na Abordagem Pikler tendem a tornar Abordagem Pikler na Educação Infantil 30 conhecido tal episteme sob a concepção de que a mesma sirva de inspiração para reflexão, estudo e construção do trabalho com bebês de zero a três anos. É realmente fundamental que os preceitos da abordagem pikleriana tenham como seu primeiro fundamento a necessidade de respeito e integração histórico-cultural dos pequenos e suas comunidades. A cultura também inclui as concepções de formação docente e de gestão. No Brasil ainda existe um escopo formativo que atribui ao professor as competências pedagógicas e aos auxiliares, os cuidados higiênicos e de alimentação numa espécie de reprodução de castas em ambientes que reúnem professores e cuidadores para atuarem com os bebês e crianças pequenas. A Abordagem Pikler não pode e nem deve ser replicada de forma idêntica. Isso seria incorrer num grande equívoco. Pode-se considerar que talvez, o que seja o mais difícil para as instituições que inspiram encampar a concepção na Abordagem Pikler seja o ponto fundamental da adesão ao “adulto de referência”. A estrutura de gestão e funcionamento normalmente ainda exita em assumir que um único educador tenha todos os cuidados com a mesma criança. Isso porque inda se pensa em professores para trabalho pedagógico e auxiliares para os cuidados. No entanto, os preceitos formulados por Emmi Pikler estão ganhando adeptos aos poucos, e de forma muito cautelosa. Não existe interação ao Abordagem Pikler na Educação Infantil 31 conhecimento sem muito estudo e discussão entre os interessados como estamos propondo que seja feito em suas instituições. Vale a pena aprofundar cada um dos princípios em que a abordagem se fundamenta, recriando-a adaptada, mas fiel à cada um deles. Abordagem Pikler na Educação Infantil 32 Considerações finais A intensão de elaborarmos um E-book ao final de um Módulo de formação docente é qualificar as reflexões que foram feitas em uma oportunidade anterior à leitura nele apresentada. Em nosso caso, a elaboração desse E-book consiste em qualificar o que foi apresentado pelas reflexões propostas ao longo das videoaulas sobre o previsto na Abordagem Pikler. Esperamos que o Módulo do Curso Impare Educação “Abordagem Pikler” tenha sido proveitoso para seus estudos acerca das práticas pedagógicas oferecidas aos Bebês e às Crianças bem pequenas no contexto da Educação Infantil. Abordagem Pikler na Educação Infantil 33 Referências Bibliográficas FALK, Judit. Abordagem Pikler: Educação Infantil. São Paulo: Omnisciência, 2016. KÁLLÓ, Éva; BALOG, Gyórgyi. As origens do brincar livre. São Paulo: Omnisciência, 2017. SOARES, Suzana Macedo. Vínculo, movimento e autonomia: educação até 3 anos. São Paulo: Omnisciência, 2017.
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