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1 1) TEORIAS DO CONSENSO E DO CONFLITO Dentro de uma base sociológica as teorias da criminologia podem ser divididas em duas abordagens: teorias do consenso e do conflito. Para os simpatizantes da teoria do consenso, a finalidade da sociedade só é atingida quando há um perfeito funcionamento de suas instituições, de modo que os indivíduos compartilhem os objetivos comuns a todos os cidadãos, acolhendo todas as normatizações impostas pela lei em dado espaço e tempo. Neste grupo, podem-se identificar algumas teorias, a saber: a Escola de Chicago; a Teoria da Associação Diferencial; e a Teoria da Subcultura Delinquente. a) Escola de Chicago: Pode-se dizer que foi uma das responsáveis por inaugurar a criminologia americana, em meados das décadas de 1920 e 1930. Partiu das construções teóricas de Robert Park e Enerst Burguess (notadamente com as obras “Introdution to the Science of Sociology” e “The City”), que pugnavam pela observação do homem em seu habitat natural muitas vezes denominada como Escola do “método da observação participante”, uma vez que para observação dos fenômenos criminais, o estudioso se dirigia até o local de estudo, e a partir das circunstâncias que a própria sociedade local lhe fornecia; ou seja, o observador tornava parte do fenômeno social que estudava, in loco. Dentro de um contexto histórico e cultural é valido lembrar que os Estados Unidos viviam neste momento um período de grandes migrações e de formação das grandes metrópoles. E foi focando a atenção para os agrupamentos humanos que se formavam nos centros urbanos (os “ghettos”) que os teóricos da Escola de Chicago traçaram sua teoria. Diziam que as sucessivas ondas de imigrantes se aglutinavam segundo critérios rigidamente étnicos, o que deu origem a comunidades distintas e estanques (bairros chineses, bairros mexicanos, bairros mulçumanos, bairros negros, etc). Esta escola criminológica encarava o crime como um fenômeno intimamente ligado a uma área, a uma região, razão pela qual alguns também a denominam de Escola Ecológica ou da Arquitetura Espacial. Deste modo os estudiosos desta escola elaboraram um estudo que dividia a cidade em 5 (cinco) zonas: 2 Este estudo explicava que na medida em que se afastava da zona do Loop (centro/ área industrial) a criminalidade diminuía de modo quanto mais perto das áreas nobres, menor seria a quantidade de crimes. Trata-se na verdade da compreensão do espaço urbano, da relação entre a dinâmica da cidade e a criminalidade. Por isso, também é chamada de arquitetura criminal. Em suma: Suas teses consistem em que exista um claro paralelismo entre o processo de criação dos novos centros urbanos e a sua criminalidade, a criminalidade urbana. A cidade “produz” delinquência. Dentro da grande cidade pode-se verificar inclusive a existência de zonas ou áreas muito definidas (o gangland, as delinquency áreas – áreas próximas ao loop), onde aquela se concentra. A teoria ecológica explica este feito criminógeno da grande cidade, valendo-se dos conceitos de desorganização e contágio inerentes aos modernos núcleos urbanos e, sobretudo, invocando o debilitamento do controle social nestes núcleos. A deterioração dos “grupos primários” (família etc.), a modificação “qualitativa” das relações interpessoais que se tornam superficiais, a alta mobilidade, e residência, a crise dos valores tradicionais e familiares, a superpopulação, a tentadora proximidade às áreas comerciais e industriais onde se acumula riqueza e o citado enfraquecimento do controle social criam um meio desorganizado e criminógeno.” PABLOS DE MOLINA, Garcia. Criminologia. p.302.). Após seus estudos, concluíram que as grandes cidades são geratrizes de crime, especialmente por conta dos seguintes fatores: os controles sociais informais não funcionais, especialmente nos dias atuais em que as pessoas têm vínculos familiares e sociais mais restringidos; os grupos familiares se deterioram nas grandes cidades; há uma alta mobilidade populacional, o que enfraquece ainda mais os vínculos pessoais; há um estímulo ao consumo excessivo; há também uma proximidade tentadora aos centros comerciais, e por fim, há uma superpopulação nas metrópoles que quase sempre não é seguida pela infraestrutura social e de obras públicas necessárias para o atendimento de toda a população. b) A Teoria da Associação Diferencial Parte da ideia de que os princípios da Escola de Chicago não são suficientes para explicar a criminalidade. O crime não pode ser definido simplesmente como disfunção ou inadaptação de pessoas de classes menos favorecidas, não sendo ele exclusividade destas. O sociólogo Edwin Sutherland, principal nome desta escola procurou observar a criminalidade sob uma perspectiva distinta: não mais focada nos chamados crimes comum (homicídios, furtos, estupros), mas sim num tipo de comportamento desviante que requer 3 conhecimento especializado e/ou habilidade, bem como a inclinação de alguns indivíduos para tirar proveito de oportunidades para usá-las de maneira desviante. Sutherland observou que esse comportamento diferencial é aprendido e promovido dentro de grupos variados, que vão de gangues urbanas até grandes grupos empresariais (onde há fraudes mercantis, sonegações fiscais ou utilização de informações privilegiadas de maneira indevida – os chamados delitos econômicos). Neste contexto que cunhou a famosa expressão “White collar crimes” (crimes do colarinho branco), exatamente para designar os autores destes crimes cometidos normalmente por setores privilegiados da sociedade. Sutherland demonstra como essa Teoria da Associação Diferencial se aplica na prática e estuda um grupo que não se esperaria que cometessem crimes. Surge o conceito de crime/criminoso de colarinho branco (white collar crimes). Crime de colarinho branco é aquele cometido no âmbito da profissão por pessoa de respeitabilidade e elevado status social. Quatro núcleos centrais da definição: É um crime; Cometido por pessoas de respeitabilidade social; No exercício da sua profissão; Ocorre, em regra, como violação de norma de confiança. É incontestável a ligação que se tem entre os crimes de colarinho branco e a chamada cifra dourada. Cifra dourada da criminalidade: é a criminalidade do colarinho branco que se verifica através de práticas antissociais do poder político e econômico em detrimento da coletividade. Trata-se de criminalidade organizada, e com hierarquia definida. Para esta escola o homem é capaz de aprender a conduta desviada e associar-se a ela. O comportamento criminal é um comportamento aprendido. É aprendido mediante a interação com outras pessoas em um processo comunicativo. A maior carga de aprendizagem se dá nas relações sociais mais próximas. O aprendizado inclui a técnica do delito, além da própria justificação do ato. Surge o delinquente quando as definições favoráveis à violação da lei superam as desfavoráveis. Portanto, a teoria de associação diferencial tinha em mente que o crime não pode ser definido simplesmente como uma disfunção ou inadaptação das pessoas pertencentes a certas classes sociais menos favorecidas. Afinal, sendo o crime um fenômeno social, é certo que ocorre em todos os seguimentos e classes sociais. c) A Teoria da Subcultura Delinquente. Foi inaugurada pelo sociólogo norte-americano Abert K. Cohen, com o livro “Delinquent boys”. A subcultura delinquente é um comportamento de transgressão que é determinado por um subsistema de conhecimento, crenças e atitudes que possibilitam, permitem ou determinam formas particulares de comportamento transgressor em situações específicas. 4 Subcultura não é uma manifestação delinquencial isolada. A subcultura delinquente tem como característica a dimensão coletiva e não individual. Assim, consagrava que “subcultura” não podia ser confundida com “contracultura”, pois os movimentos de subcultura reproduzem os valores tradicionais,mas com sinal invertido, com sinal negativo, sob o signo da intolerância com quem é diferente (ex.: como ocorreu com o movimento nazista); já a contracultura renega os valores tradicionais e propõe algo para ficar no seu lugar (ex.: como ocorreu com o movimento hippie). Cohen observou o comportamento dos jovens americanos no final da década de 1950 e constatou a frustração do “american dreams”, o sonho da prosperidade econômica. Ele percebeu que junto com essa frustração veio uma forte onda de segregação racial, de desagregação familiar e criminalidade. Tudo isso fez nascer novos padrões de comportamento, a partir das afinidades inerentes a cada grupo, e a violência firmou-se como marco característico desde os grupos mais novos. As gangues (movimento de subcultura) surgiram, então, como uma reação à inacessibilidade aos bens da vida. Deste modo, pode-se afirmar que a subcultura delinquente é associada diretamente ao comportamento de jovens que delinquem em grupo. Este grupo tem suas próprias normas, valores, ética e crenças que diferem das normas, valores, ética e crenças da sociedade dominante. O crime é cometido, pois está de acordo com aquela subcultura, com a subcultura daquele grupo de jovens que contesta a cultura dominante. O crime teria como características principais: não utilitarismo da ação (ação não tem utilidade); malícia da conduta (prazer em ver o outro mal); negativismo (nega o valor dominante, baseia-se em outros valores). 2) TEORIAS DO CONFLITO SOCIAL: Diferente do que ocorre com as teorias do consenso, para os adeptos da teoria do conflito, a coesão e a ordem na sociedade são fundadas na força e na coerção, na dominação de alguns na sujeição de outros. Dentro deste grupo, identificamos principalmente a Teoria do Labeling Approach e a Teoria Crítica ou Criminologia Radical. a) Labeling Approach Também conhecida como “Teoria do etiquetamento”, foi inicialmente firmada por Howard Becker e Erving Goffman, que entendiam que a criminalidade não devia ser lida como qualidade de determinada conduta, mas sim como resultado de um processo através do qual se atribui esta qualidade (um processo de estigmatização). Em outras palavras, criminoso é apenas um rótulo, uma etiqueta que a sociedade dá a alguém, e que por este é recebida e incorporada. A teoria do “labeling approach” se insere no contexto das teorias do processo social, ao lado das teorias de aprendizagem social e de controle social. Para ela, o crime é uma função das 5 interações psicossociais do indivíduo e dos diversos processos da sociedade. Ou seja, não lhes interessa as causas do desvio, mas sim os processos de criminalização que o gerara. É uma corrente criminológica próxima à criminologia radical de cunho marxista, mas sem compartilhar, ao menos necessariamente, o modelo de sociedade configurado por esta. Insere-se na dogmática como uma teoria crítica, pois desloca a atenção (antes focada no criminoso) para o sistema penal e suas interações, tomando este sistema como autêntico fundamento do desvio. Fala-se delito e delinquente como consequência de um processo de incriminação que é levado a cabo por aqueles que exercem poder e voltado contra aqueles que são menos favorecidos que, por não terem representação ou voz ativa, acabam sendo taxados de delinquentes. Comportamento desviante é criado pela sociedade. Eu não penso isto do modo como é costumeiramente compreendido, ou seja, que os fundamentos do comportamento desviante encontram-se na situação social da pessoa desviante em seu comportamento, ou nos fatores sociais que desencadeiam sua ação. Eu penso ao contrário, que grupos sociais criam o comportamento desviante através disto, que eles estabelecem regras cuja lesão constitui o comportamento desviante, e que eles aplicam essas regras a determinadas pessoas, que rotulam como outsiders. Deste ponto de vista, o comportamento desviante não é nenhuma qualidade de ação que uma pessoa comete, mas ao contrário, uma consequência da aplicação de regras por outros e de sanções sobre um autor. A pessoa com comportamento desviante é uma pessoa aquém esta designação foi aplicada com sucesso; comportamento desviante é comportamento que as pessoas assim designam.” Em conclusão, os principais postulados e méritos do “labeling approach” foram os seguintes: deslocar o problema criminal da ação de repressão (entendiam que o problema não estava na conduta, mas sim na forma em que se punia a conduta); a intervenção da justiça criminal gera ainda mais criminalidade, exatamente porque ela estigmatiza o desviante e impede que ele retorne à sociedade; pessoas que sofrem com os mesmos estigmas tendem a agrupar-se para reagir a esse processo; por fim, o controle social do crime é seletivo e discriminatório. b) Teoria crítica/nova criminologia/criminologia radical A criminologia crítica encontra seu fundamento dentro de uma analise conflitual da sociedade, tendo como fundamento uma possível leitura da obra de Karl Marx aplicada ao direito. Para prosseguir tal leitura é necessário lembrarmos ao menos três pilares da obra de Marx. A luta de classes é motor da história. A história da Sociedade se confunde até hoje com a história das lutas de classe. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor e 6 servo, mestre de corporação e companheiro, em outros termos, opressores e oprimidos em permanente conflito entre si, não cessam de se guerrearem em luta aberta ou camuflada, luta que, historicamente, sempre terminou ou numa reestruturação revolucionária da Sociedade inteira ou no aniquilamento das classes em choque. A formação do Estado e sua função: Marx rejeita a ideia de que Estado seja simplesmente um mediador da luta de classes, mas sim, o Estado atuaria como verdadeiro instrumento de domínio da classe da social. Ideologia no pensamento marxista é um conjunto de presunções elaboradas na sociedade burguesa, com a finalidade de fazer aparentar os interesses da classe dominante como interesse coletivo, construindo, deste modo, uma hegemonia daquela classe. A conservação da ordem social requer dessa maneira menor uso da violência. A ideologia torna-se um dos instrumentos da reprodução do status social e da própria sociedade. A criminologia crítica assim foi batizada exatamente por se opor rigorosamente aos postulados da criminologia clássica e positivista. Também conhecida como “teoria radical” (ou “nova criminologia”), foi exatamente influenciada pela filosofia marxista, exatamente porque entende que o processo de criminalização de determinadas condutas se relaciona com uma determinada concepção de classe social. Deste modo, propugnam que o direito penal é parte do modelo de exploração da luta de classe. De modo muito simbólico o pensamento crítico poderia dizer a respeito do direito penal que muito embora ele tenha aplicação universal, ou seja, todos (independente da classe social) podem incorrer em uma conduta tipificada pela lei penal, os mecanismos de criminalização primária e secundária são aplicados de forma seletiva. Em lapidar síntese poderíamos dizer que no mito da igualdade da lei ela proíbe tanto ao rico quanto ao pobre dormir embaixo da ponte, esmolar nas ruas e furtar pão. Três são as orientações que se pode depreender dentro da teoria crítica da criminologia: o neorrealismo de esquerda, o minimalismo penal e o abolicionismo penal. Os Neorrealistas de Esquerda defendem que o crime é mais precisamente a preocupação ocasionada por este de gerar uma divisão na classe social, uma vez que o discurso de luta contra o crime faz com que as classes sociais oprimidas esqueçam que a verdadeira luta é contra os opressores não somente contra o sintoma da desigualdade social que a violência. O Minimalismo Penal propõe uma contração (redução) do sistema penal em certas áreas. Entendia que a criminalização de certas condutas não era relevante para a sociedade, lembrando ainda que o Direitopenal deveria ser visto, nestes casos, como a última ratio, por exemplo, o crime de adultério. Por outro lado, também propôs uma maior efetividade do Direito penal em outras áreas, especialmente naquelas de interesse supra individual, crimes econômicos, ambientais e na tutela de direitos humanos etc. 7 O Abolicionismo Penal faz uma crítica arrasadora ao sistema penal, aduzindo que ele não resolve nada, que não serve para nada, e que apenas gera maiores problemas. Trouxe em primeira mão a ideia de que as pessoais saem da cadeia pior do que entravam, e que se aplicação da pena ao infrator, visando a redução da criminalidade é o fundamento da própria existência do Direito penal, este ramo do saber jurídico é falho e não cumpre sua missão oficial. Conclui sua tese aduzindo que, uma vez constatado que o Direito penal não cumpre sua missão, não há razão para sua existência, razão pela qual deve o mesmo ser abolido. Deve-se pontuar que o abolicionismo penal não é uma utopia no sentido de que não haveria mais nenhum tipo de punição, pelo contrário, é uma mudança de racionalidade e de organização da sociedade e de novas práticas punitivas, baseadas, muitas vezes em processos dialógicos, comunitários, remeter as situações-problemas (crime) para as partes diretamente envolvidas e desenvolvendo sérios programas de apoio e de reparação do dano as vítimas. 3) VITIMOLOGIA Ao longo da história do Direito Penal podemos visualizar algumas tendências para afirmar que a vítima ocupou três posições nesse curso histórico. Assim, os penalistas costumam dividir a preocupação que o Direito penal tem com as vítimas em três fases; a primeira pode ser chamada de fase da vingança privada ou idade de ouro da vítima, em que a retribuição ao delito cometido partia da própria vítima ou mesmo de seu clã; a segunda marca a neutralização que a vítima sofre com a assunção do jus puniend pelo Estado e a terceira fase assinala o “redescobrimento da vítima” pelo direto penal. a) Primeira fase: a “idade de ouro” ou fase da vingança privada. b) Segunda fase: “período de neutralização da vítima” c) Terceira fase: “revalorização da vítima” A doutrina aponta em uníssono como marco teórico para o nascimento da vitimologia, isto é, do estudo orientado e sistemático da vítima, os fenômenos relacionados com o martírio sofrido pelos judeus na II Guerra Mundial. A partir desta ocasião começaram a ser elaborados os estudos sobre as vítimas de crimes, discutindo-se uma nova abordagem criminológica denominada vitimologia, a qual terá por escopo enfocar o papel desempenhando pelas vítimas na ocorrência do fato típico, bem como a questão da assistência judicial, moral, psicológica e terapêutica para os vitimizados. Alguns nomes importantes no estudo da vitimologia destacam-se: o mestre israelita Benjamin Mendelsohn, que proferiu sua famosa palestra na Universidade de Israel em 1947, “um novo horizonte na ciência biopsicossocial”, o professor alemão Von Henting (que escreveu, em 1948, a obra “O criminoso e suas vítimas”), e o criminólogo mexicano Luiz Rodriguez Manzanera. 3.1) Conceito de vitimologia 8 A vitimologia é o ramo da criminologia que estuda o comportamento da vítima de um crime, com a avaliação das causas e dos efeitos da ação delitiva sobre ela e o incremento do risco da ocorrência do delito. É um braço da ciência criminológica (embora alguns digam que é uma ciência autônoma) que foca suas atenções exclusivamente nas vítimas de um crime e nos processos de vitimização. É uma ciência que se ocupa da vítima e da vitimização, cujo objeto é a existência de menos vítimas na sociedade, quando esta tiver real interesse em assim proceder. 3.2) Conceito de vítima Vítima é aquela pessoa que sofreu ou foi agredida em razão de uma infração penal cometida por outra pessoa. “Vítimas” refere-se a pessoas que, individual ou coletivamente, tenham sofrido dano, seja mental, seja físico, sofrimento emocional e perda econômica, ou que sofreram dano substancial de seus direitos fundamentais, por meio de ações ou omissões que violam a lei penal vigente nos Estados, incluindo as leis que condenam o abuso de poder criminal. Em boa técnica penal, o tratamento à vítima poderia ser definido reservando-se a expressão vítima para os crimes contra as pessoas; o termo ofendido para os delitos contra a honra e os costumes, e o vocábulo lesado para os crimes contra o patrimônio. 3.3) Processos de vitimização Vitimização, vitimação, ou processo vitimizatório são expressões sinônimas que indicam a ação ou efeito de alguém (indivíduo ou grupo) se autovitimar ou vitimizar outrem (indivíduo ou grupo). É o processo mediante o qual alguém (indivíduo ou grupo) vem a ser vítima de sua própria conduta ou da conduta de terceiro (indivíduo ou grupo) ou de fato da natureza. A vitimização primária, como as consequências diretas que a vítima sofre com o crime, pode ser de índole física, econômica, social, psicológica e reflete na vida da vítima e em seus comportamentos posteriores. O processo de vitimização pode ser encontrado ou mesmo ser fruto das mais variadas formas de relações humanas como as relações de emprego, comerciais, dentro do ambiente familiar e escolar. Perpetrada a vitimização primária, a vítima que decide denunciar sua situação vitimizante poderá sofrer com a vitimização secundária, que é aquela proveniente do contato com as instâncias oficiais de controle social. É precisamente a vitimização secundária, ou sobrevitimização da vítima, que derivam das relações da vítima que, com certa frequência, resulta mais negativa que a primária, causa um incremento no dano causado pelo delito, ampliando a sua dimensão psicológica ou patrimonial. No contato com a administração da Justiça ou da Polícia, as vítimas experimentam, muitas vezes, o sentimento de estar perdendo o seu tempo ou mal gastando o seu dinheiro; outras sofrem incompreensões derivadas da excessiva burocratização do sistema ou, simplesmente, são ignoradas. Em alguns casos e com relação a determinados delitos, as vítimas são tratadas como acusados e sofrem a falta de tato ou a incredulidade de determinados profissionais, fato mais evidente no âmbito policial, que algumas vezes ocorre com péssimo atendimento em delegacias. 9 Vitimização terciária pode ser compreendida como as consequências das vivências ocasionadas pela vitimização primária e secundária. É na verdade a estigmatização ocasionada pelo crime sofrido e pelo desamparo, por parte do Estado e de todas as pessoas que, de alguma forma, poderiam ajudar a vítima a superar suas dificuldades e traumas. 4) PREVENÇÃO A CRIMINALIDADE E A REAÇÃO SOCIAL Como já analisado em outras oportunidades pode-se afirmar que para uma determinada conduta ser tipificada, ao menos para a criminologia, deve seguir algumas diretrizes mínimas: a) Incidência massiva na população; b) Incidência aflitiva do fato praticado; c) Persistência espaço temporal da conduta criminoso; d) Inequívoco consenso a respeito de sua etiologia e de quais técnicas de intervenção seriam mais eficazes para o enfretamento da conduta rotulado como crime; Tendo em vista esses requisitos, bem como, analisando globalmente as Escolas Criminológicas, os criminólogos tendem a afirmar que o crime é um fenômeno plurifatorial, exigindo, assim, uma visão ampla dos agentes estatais e da comunidade para assegurar a convivência social. Se estamos falando de convivência social irremediavelmente temos que voltar para a análise dos mecanismos disciplinares que asseguram a convivência interna da sociedade, por meio de instrumentos que garantam a realização do bem comum e dos planos sociais, em outras palavras, estamos falando dos mecanismos de controle social. O controle social é dividido em: a) Controle social formal: que é a atuação do Estado e de suas agências para a manutenção da ordem estatal como, por exemplo, o Ministério Público, o Judiciário, a Policia etc.b) Controle social informal: é controle social estabelecido pela própria sociedade, são as chamadas regras sociais tendo uma nítida função preventiva e educacional, são exemplos desse controle: a família, escola, clubes de serviços, igreja etc. 4.1) Prevenção ao delito O controle social liga-se, sobretudo, a ideia de prevenção ao delito. A ideia de prevenção ao delito na criminologia/direito penal deve ser entendida como o conjunto de ações destinadas a evitar à prática do crime. O controle da criminalidade, ou seja, os meios de prevenção que o Estado deve eleger como necessários para evitar as ocorrências criminosas devem guardar íntima relação como o modelo de Estado o qual estiver inserido o aparato de segurança estatal. No Brasil esse modelo de Estado é o: Estado Democrático de Direito que dentre as diversas consequências possíveis para o Direito penal uma das mais importantes é a ideia de que sendo a liberdade a regra no Estado Democrático de Direito, o cárcere (prisão) é sempre a exceção. Deste modo, no Estado Democrático de Direito o 10 saber criminológico é voltado, sobretudo, para uma atitude prevencionista, evitando a ocorrência do delito. É necessário falar que algumas condições sociais terão consequências diversas sob a criminalidade, logo, pode-se falar em fatores estimulantes da criminalidade, como a miséria, falta de assistência social, desigualdade social, o excessivo apelo de uma sociedade baseada no consumo. De outro lado pode-se falar de fatores desestimulantes da criminalidade, como justiça social, programas efetivos de transferência de renda, educação, escolarização, igualdade de oportunidade para ascensão social, ou seja, efetivação material dos direitos humanos. 4.2) Modelos de prevenção ao delito a) Prevenção Primária: tem por objetivo criar mecanismos para neutralizar as causas do delito como, por exemplo, educação, qualidade de vida são instrumentos preventivos de médio e longo prazo. É, sem dúvida nenhuma, a mais eficaz, a genuína prevenção. É o mecanismo por excelência de prevenção no Estado Democrático de Direito. b) Prevenção Secundária: em regra atua no momento posterior ao delito ou em sua iminência é ligado à ação policial, programas de apoio etc. c) Prevenção Terciária: é a prevenção voltada para o recluso (preso) visando sua recuperação de modo a evitar reincidência; é realizado tendo por base medidas socioeducativas, a laborterapia (trabalho do preso) e programas institucionais de motivação psicológica contra a violência. 4.3) Modelo de reação ao delito Em um plano ideal de sociedade talvez fosse imaginável uma sociedade sem delitos, o que não parece uma realidade hoje, razão pela qual é necessário que Estado de forma organizada e prudente estabeleça mecanismos de reação “combate” ao crime, ou seja, mecanismos de controle e gerenciamento das ocorrências criminais. Dentro do modelo global das ciências criminais (direito penal, criminologia, política criminal), pertence à política criminal a decisão de como e onde reagir quando da ocorrência de crime. É a política criminal responsável, entre as matérias das ciências criminais, por estabelecer medidas oportunas e pertinentes à composição do conflito social. Três são os modelos que a politica criminal escolhe para poder operar sua reação do delito: modelo dissuasório, modelo ressocializador e o modelo restaurador (justiça restaurativa). a) Modelo dissuasório: é o modelo retributivo (Justiça Retributiva). Tem como fundamento a mera e simples punição do delinquente, essa punição deve ser intimidatória a tal ponto que evite que outras pessoas cometam o mesmo ato. Neste modelo a vítima e a sociedade são completamente esquecidas. Esse modelo tem se mostrado o mais falho de todos os possíveis, haja vista, o alto índice de reincidência nos países que adotam esse modelo como único. 11 b) Modelo ressocializador: a finalidade da pena (castigo) não é somente uma mera punição, mas também a reinserção social do criminoso. Destaca-se a participação da sociedade como forma de prevenir a estigmatização muitas vezes proporcionadas pelo cárcere. c) Modelo integrador: procura o restabelecimento do status quo anterior dos protagonistas do delito (vítima e criminoso). Visa recuperar o delinquente e a vítima para que ambos possam voltar a uma convivência pacífica na sociedade, para tanto, pretende atender as expectativas quanto à reparação do dano à vítima, entendendo como dano, não somente os efeitos patrimoniais deixadas pela ocorrência criminosa, mas, sobretudo os efeitos psicológicos e sociais. Muitas vezes o modelo restaurador pode ser exemplificado pela ideia de justiça restaurativa. “O modelo integrador redefine o próprio ideal de justiça. Concebe o crime como conflito interpessoal, concreto, real, histórico, resgatando uma dimensão que o formalismo jurídico havia neutralizado. Orienta a resposta do sistema mais à reparação do dano que o infrator causou a sua vítima, às responsabilidades deste e às da comunidade, do que ao castigo em si. Propõe-se, pois, a intervir no conflito construtiva e solidariamente, sem metas repressivas, procurando soluções. E não a partir de sua autoridade, senão por meio do pacto, do consenso, do ajuste, da composição: mediante a negociação, confiando na capacidade dos implicados para encontrar fórmulas de compromisso. A Justiça Restaurativa já não gira em torno da ideia excludente e obsessiva do castigo, senão da reparação, da conciliação e da pacificação.”