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Maria Seiane – Medicina IESVAP INTRODUÇÃO A síndrome de Cushing (SC) ou hipercortisolismo é a condição resultante da exposição prolongada a quantidades excessivas de glicocorticoides (GC). Essa disfunção é tida como uma doença neuroendócrina causada pela interrupção do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal levando à exposição crônica a glicocorticoides, cuja fonte tanto pode ser endógena quanto exógena, resultando em aspectos clínicos de distribuição anormal de gordura (obesidade centrípeta), disfunção gonadal, hipertensão, entre outras; FATORES DE RISCO Obesidade, diabetes tipo 2, glicemia mal controlada e HAS; Corticoide exógeno; EPIDEMIOLOGIA Pode ocorrer em qualquer faixa etária, mas é mais comum em adultos, com idade mediana de 41,4 anos ao diagnóstico, e predomínio no sexo feminino (3:1). Trata-se de uma doença rara; ETIOLOGIA As causas da SC dividem-se em duas categorias, de acordo com os níveis circulantes de ACTH, também chamado corticotrofina: o ACTH-dependentes (71 a 80% dos casos); o ACTH-independentes (20 a 29% dos casos); A doença de Cushing (DC) é a etiologia mais comum (cerca de dois terços dos casos), seguida dos distúrbios adrenais e da síndrome do ACTH ectópico (SAE). Síndrome de Cushing ACTH-dependente Ocorre quando o hipercortisolismo se origina da secreção excessiva de ACTH. Em cerca de 80 a 90% dos pacientes, o fator etiológico é um adenoma hipofisário secretor de ACTH (também denominado corticotropinoma ou adenoma corticotrófico), caracterizando a DC. Os casos restantes decorrem da secreção ectópica de ACTH ou, bem mais raramente, do hormônio liberador da corticotrofina (CRH). Em alguns casos, a fonte de secreção de ACTH pode permanecer incerta. A síndrome de Cushing extrassuprarrenal provocada pela secreção de ACTH pela hipófise ou ectópica geralmente está associada a aumento da pigmentação cutânea secundária à atividade estimulante dos melanócitos da molécula precursora do ACTH. Doença de Cushing: o Resulta na maioria dos casos de um microadenoma hipofisário secretor de ACTH que leva a hiperplasia difusa da cortical da suprarrenal; o Carcinomas são raros; o Tem predomínio no sexo feminino, início, em geral, entre 20 a 40 anos e progressão lenta; o FISIO: o tumor produtor de ACTH é insensível às inibições que ocorreriam normalmente, resultando, assim, em um sistema incapaz de se autorregular e, consequentemente, em níveis aumentados de glicocorticóides causando o hipercortisolismo; o Há hiperplasia adrenocortical bilateral e hipersecreção de cortisol; o ritmo circadiano também é perdido; o As concentrações plasmáticas de despertar de ACTH e cortisol sérico podem ser normais, mas as concentrações antes de dormir são altas Síndrome do ACTH ectópico: o A SAE integra 5 a 10% dos casos de SC e cerca de 20% dos casos de SC ACTH- dependente; Maria Seiane – Medicina IESVAP o Ela é um pouco mais prevalente no sexo masculino, com maior incidência entre 40 e 60 anos de idade; o A SAE pode originar-se de diversos tumores, porém, provavelmente, a causa mais comum é o carcinoma pulmonar de células pequenas. Estima-se que até 12% dos casos desse carcinoma desencadeiem a SAE; o Outras causas bem documentadas são os carcinoides tímicos e, menos comumente, os carcinoides de outros órgãos (vesícula, fígado, intestino delgado, cólon etc.), o feocromocitoma, o carcinoma de ilhotas pancreáticas e o carcinoma medular da tireoide (CMT); o Recentemente, foi relatado o primeiro caso de SAE relacionado com uma doença tireoidiana benigna (adenoma oncocítico); o A secreção de ACTH não pode ser inibida pelo cortisol; Síndrome do CRH ectópico: o É rara e difícil de ser diagnosticada; o A maioria dos casos é secundária a carcinoides brônquicos, CMT e carcinoma prostático; o A secreção de CRH pelo tumor causa hiperplasia e hipersecreção dos corticotrofos hipofisários, resultando sequencialmente em hipersecreção de ACTH, hipersecreção de cortisol e hiperplasia adrenal bilateral; Síndrome de Cushing ACTH-independente Ocorre quando o hipercortisolismo independe da secreção de ACTH; Pode ser por administração de glicocorticoides exógenos (iatrogênica) ou por neoplasias adrenocorticais primárias (adenoma ou carcinoma) e, raramente, hiperplasia cortical primária; Distúrbios adrenais: o Representam até 30% dos casos da SC. o Em geral, são causados por um adenoma (cerca de 80%) ou, menos comumente, um carcinoma produtor de cortisol. o Normalmente os adenomas medem menos de 3 cm, são unilaterais e facilmente visualizados à tomografia computadorizada (TC) ou à ressonância magnética (RM); o Em crianças com idade < 5 anos, os tumores adrenais, sobretudo os carcinomas, destacam-se como uma das principais causas, senão a mais prevalente; o Adenomas: São lesões pequenas (<3 cm) e unilaterais, com características de benignidade; Tendem a cursar com hipercortisolismo de início mais gradual e menor intensidade, bem como produção excessiva de apenas uma classe de esteroides. Ocorrem com mais frequência em torno de 35 anos de idade; Mutações ou a ativação das vias de sinalização dependentes de monofosfato de adenosina cíclico (cAMP) ou da β-catenina foram relatadas em adenomas. o Carcinomas: São 20% dos casos de SC ACTH- independentes; Geralmente, são grandes (> 6 cm), quando diagnosticados, e até 10% são bilaterais. Sua distinção histológica com os adenomas é difícil. Devem ser sempre suspeitados, quando o tumor adrenal for > 6 cm e/ou cursar com hipercortisolismo associado a marcante hiperandrogenismo, na presença de achados à TC sugestivos de malignidade; o Hiperplasia adrenal micronodular bilateral: O principal representante desta categoria é a doença adrenal nodular pigmentada primária (PPNAD), a qual pode ocorrer isoladamente ou, em mais de 90% dos casos, associada ao complexo de Carney (CNC). Predomina no sexo feminino e caracteriza-se por pequenas glândulas adrenais com múltiplos e pequenos nódulos (< 6 mm) pigmentados, bilaterais (rodeados por córtex atrofiado); A produção de cortisol pode ser variável, sendo frequentemente cíclica ou periódica. Tipicamente, o hipercortisolismo da PPNAD manifesta-se em indivíduos com menos de 30 anos de idade (muitas vezes, antes dos 15 anos de idade); Uma característica clínica marcante do CNC são as lesões cutâneas pigmentadas tipo sardas (sobretudo, em face, lábios e pálpebras) que podem estar presentes desde o Maria Seiane – Medicina IESVAP nascimento e têm seu número aumentado com o passar dos anos; o Hiperplasia adrenal macronodular primária: Causa rara de hipercortisolismo, de fisiopatologia heterogênea, habitualmente insidiosa, que pode apresentar-se de forma uni ou bilateral, caracteristicamente com macronódulos adrenais. Distúrbios extra-adrenais o É a transformação adenomatosa ou maligna de restos embrionários ectópicos das adrenais; o Esses tecidos podem ter localização variada (eixo celíaco, testículos, cordões espermáticos, espaço retrohepático ou retrocaval, ligamento largo etc.); Síndrome de Cushing exógena ou iatrogênica: o O uso crônico de GC representa a causa mais comum de SC, devendo ser descartado em qualquer paciente com manifestações cushingoides. o Estas últimas costumam surgir com doses diárias excedendo 7,5 mg de prednisona, 0,75 mg de DMS ou 30 mg de hidrocortisona o Ocasionalmente, o quadro pode ser desencadeado pelo uso prolongado de preparações nasais de GC (para o tratamento de rinite alérgica); o A utilização prolongada de cremes e colírios contendo GC pode também resultar em síndrome de Cushing exógena (SCE); o O emprego concomitantede substâncias que inibam a metabolização hepática dos GC pelo citocromo P450 (p. ex., itraconazol, inibidores de proteases, fluoxetina, sertralina etc.) aumenta o risco de SCE durante o uso de GC pelas vias oral ou inalatória; o Na SCE, devido à supressão do eixo HHA, encontram-se tipicamente baixos os níveis séricos e urinários de cortisol (exceto nos casos decorrentes do uso de hidrocortisona) e ACTH; o Os glicocorticóides exógenos inibem a secreção de CRH e ACTH, causando atrofia adrenocortical bilateral. As concentrações plasmáticas de ACTH, cortisol sérico e salivar e excreção urinária de cortisol (a menos que o cortisol seja o esteróide administrado) são todas baixas; FISIOPATOLOGIA: O principal glicocorticoide produzido pelo córtex da glândula suprarrenal é o cortisol. Em excesso, pode conduzir a uma gama de sintomas, podendo, inclusive, apresentar sinais neuropsiquiátricos de ansiedade, depressão, psicose, instabilidade emocional e apatia; Em indivíduos saudáveis, a homeostase fisiológica dos corticotróficos é ajustada por fatores hipotalâmicos estimulatórios e inibitórios e pelo ciclo de feedback negativo dos glicocorticóides das glândulas supra- renais; O hipercortisolismo provoca atrofia seletiva das fibras musculares de contração rápida (tipo II), com a resultante redução da massa muscular e fraqueza muscular proximal; Os glicocorticoides induzem gliconeogênese e inibem a captação da glicose pelas células, com resultantes hiperglicemia, glicosúria e polidipsia, simulando o diabetes melito; Os efeitos catabólicos sobre as proteínas provocam a perda de colágeno e a reabsorção de osso; A pele se torna fina, frágil, ferindo-se com facilidade; as estrias cutâneas são particularmente comuns na área abdominal. Os glicocorticoides também reduzem a absorção de Ca2+ no trato gastrointestinal e aceleram sua eliminação via renal, promovendo uma menor oferta de Ca2+ para os ossos; Há inibição dos osteoblastos, seguida de reabsorção óssea, que resulta no desenvolvimento de osteoporose, com o consequente aumento da suscetibilidade às fraturas; MORFOLOGIA As alterações morfológicas nas glândulas suprarrenais também dependem da causa do hipercortisolismo e incluem: (1) atrofia cortical, (2) hiperplasia difusa, (3) hiperplasia macronodular ou micronodular ou (4) adenoma ou carcinoma. Maria Seiane – Medicina IESVAP Nos pacientes nos quais a síndrome resulta de glicocorticoides exógenos, a supressão do ACTH endógeno resulta em atrofia cortical bilateral, devida à ausência de estímulo da zona fasciculada e da zona reticular pelo ACTH. A zona glomerulosa é de espessura normal. Nos casos de hipercortisolismo endógeno, ao contrário, as adrenais são hiperplásicas ou contêm neoplasia cortical. A hiperplasia difusa é encontrada em pacientes com síndrome de Cushing dependente de ACTH; Ambas as glândulas estão aumentadas, sutil ou acentuadamente; o O córtex suprarrenal está difusamente espessado e variavelmente nodular, embora este último não seja tão pronunciado como nos casos de hiperplasia nodular independente de ACTH. o A cor amarela das glândulas difusamente hiperplásicas deriva da presença de células ricas em lipídios, que parecem vacuoladas à microscopia; Na hiperplasia cortical primária, o córtex é quase inteiramente substituído por macro ou micronódulos, sendo estes últimos compostos por nódulos de pigmentação escura de 1-3 mm. O pigmento supõe-se ser lipofuscina, um pigmento de desgaste; Os adenomas adrenocorticais são tumores amarelos circundados por cápsulas finas ou bem desenvolvidas; o Ao exame microscópico, elas são compostas por células semelhantes àquelas encontradas na zona fasciculada normal; Os carcinomas associados à síndrome de Cushing, ao contrário, tendem a ser maiores do que os adenomas. Esses tumores são massas não encapsuladas que frequentemente excedem 200-300 g de peso, possuindo todas as características anaplásicas do câncer; MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS: Os sinais e sintomas da síndrome de Cushing representam um exagero das ações conhecidas dos glicocorticoides. Entre as manifestações clássicas incluem-se ganho de peso, face arredondada (face de lua cheia), aumento da gordura supraclavicular/retrocervical (giba de búfalo), letargia, fraqueza, irregularidades menstruais, perda da libido, hirsutismo, acne, estrias cutâneas purpúricas, miopatia proximal, disfunção erétil e transtornos psiquiátricos (p. ex., depressão, ansiedade e, mais raramente, psicose). Sintomas: Gerais: obesidade, face de lua cheia, fraqueza, giba de búfalo; Cutâneos: adelgaçamento da pele, pletora facial, Hirsutismo/alopecia, Calvície feminina, Estrias violáceas ou purpúricas, acne, cicatrização diminuída, Equimoses aos mínimos traumatismos ou espontâneas; Gonadais: Irregularidade menstrual, diminuição da libido, disfunção erétil; Neuropsiquiátricos: depressão, ansiedade ou instabilidade emocional, cefaleia, psicose/mania, disfunção cognitiva, distúrbios do sono; Musculoesqueléticos: fraqueza/atrofia muscular, osteopenia ou fraturas, diminuição do crescimento linear em crianças; Metabólicos: hipertensão, intolerância a lactose, esteatose hepática, nefrolitíase, alcalose hipocalêmica. Maria Seiane – Medicina IESVAP Aspectos neurofisiológicos: A integridade da substância branca se encontra reduzida em todo o cérebro, além da redução de volume do hipocampo e da região pré-frontal que envolve o córtex cingulado anterior e o giro frontal medial; o As alterações encontradas foram combinadas com função de memória prejudicada e sintomas afetivos de depressão e ansiedade correlacionados com menores tamanhos da amigdala nos pacientes com a SC. Posteriormente, evidenciou-se também a presença de edemas e desmielinização dos tratos da substância branca; Sua maior ou menor frequência dependerá da duração e da intensidade do hipercortisolismo; Mais de 70% dos pacientes com SC manifestam sintomas psiquiátricos, que variam de ansiedade ou instabilidade emocional a depressão ou franca psicose. Tais manifestações psiquiátricas podem ser a apresentação inicial da síndrome, a exemplo da hiperglicemia, da hipertensão, das fraturas osteoporóticas ou dos distúrbios gonadais; Problemas associados, como hipertensão e diabetes melito (DM), são comuns e podem ser o motivo que leva os pacientes a procurar assistência médica; Um achado quase invariável na SC pediátrica é a parada do crescimento, que pode preceder outras manifestações, como ganho de peso, retardo puberal, fadiga, depressão e hipertensão. o O hipercortisolismo antagoniza a ação do fator de crescimento semelhante à insulina1 (IGF1) na placa de crescimento e, assim, a SC deve ser suspeitada em toda criança com história de ganho de peso e retardo do crescimento; o Em cerca de 40% dos casos, observa-se um quadro de virilização (clitoromegalia, aumento peniano e incremento da pilificação corporal) – resultante da produção excessiva de andrógenos adrenais; Algumas características, tais como aumento na pressão intraocular, catarata, hipertensão intracraniana benigna, necrose asséptica da cabeça do fêmur, osteoporose e pancreatite, são mais comuns na SC iatrogênica do que na SC endógena. Em contraste e outras características, notadamente hipertensão, hirsutismo e oligomenorreia/amenorreia, são mais prevalentes na SC endógena; Os pacientes com SC costumam apresentar hipercoagulabilidade e risco aumentado de complicações tromboembólicas. Isso se deve, sobretudo, a aumento nos níveis séricos do fator de von Willebrand e do fator VIII induzido pelo cortisol; DIAGNÓSTICO Diante da suspeita clínica de SC, deve-se,de início, descartar o uso de glicocorticoides (por qualquer via de administração), frequentemente omitido pelos pacientes; A investigação da SC endógena inclui duas etapas: confirmação do hipercortisolismo e definição de sua etiologia. Confirmação do hipercortisolismo: Os três principais são o teste de supressão noturna com 1 mg de DMS (1 mgDST), a dosagem do cortisol salivar ao final da noite e a medida do cortisol livre urinário (em amostra de 24 h). o Recomenda-se a utilização de pelo menos dois desses testes; o Deve-se dosar o ACTH também; A estratégia para confirmação diagnóstica da SC deve iniciar com a presença do quadro clínico, a avaliação do cortisol urinário livre (CUL) com duas ou três vezes medidas consecutivas, tem sido considerada padrão ouro, especialmente quando os valores de CUL excedam quatro vezes o valor basal. Maria Seiane – Medicina IESVAP O diagnóstico por imagem é realizado através de ressonância magnética com contraste da hipófise, capaz de identificar os tumores da hipófise em mais de 50 % dos pacientes com DC. Para a adrenal é mais recomendado a TC; FÁRMACOS GLICOCORTICOIDES Administração: Via oral, espaços sinoviais, saco conjuntival, pele e trato respiratório, intramuscular, intravenosa; Transporte: a maior parte do cortisol está ligada às proteínas, principalmente à globulina de ligação aos corticosteroides (CBG) e à albumina. Mecanismo de ação: o Receptores nucleares; o Influenciam a função da maioria das células; o Normalmente promovem ações demoradas; TRATAMENTO Na SC de origem exógena, o tratamento consiste em diminuição gradual da dose do glicocorticoide utilizado pelo paciente. Além disso, essa terapia busca um restabelecimento do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal e redução das manifestações clinicas. A retirada repentina não é aconselhada, pois pode causar uma insuficiência adrenal aguda; Para a SC endógena por adenoma hipofisário o tratamento é cirúrgico;
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