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S4P1-SÍNDROME DE CUSHING MORFOFISIOLOGIA DA GLÂNDULA ADRENAL CORTÉX SUPRARRENAL Cada glândula suprarrenal contém um córtex, que produz hormônios esteroides, e uma medula, que sintetiza catecolaminas. No córtex suprarrenal, a produção das três classes principais de esteroides ocorre em zonas específicas: (1) a camada mais externa, a zona glomerulosa, produz mineralocorticoides, principalmente aldosterona; (2) a camada intermediária, a zona fasciculada, produz glicocorticoides, principalmente cortisol; (3) a camada mais interna, a zona reticular, produz “androgênios” suprarrenais, principalmente desidroepiandrosterona (DHEA) e seu conjugado sulfatado (DHEA-S). FUNÇÃO As ações e a regulação dessas classes de esteroides diferem. Os mineralocorticoides atuam por meio do receptor de mineralocorticoide renal para promover a reabsorção de sódio e a secreção de potássio. Além dessa ação clássica, os mineralocorticoides exercem uma ação importante sobre o sistema vascular e podem exacerbar a síndrome metabólica. A secreção de aldosterona é estimulada principalmente pela hiperpotassemia e pela angiotensina II (que, por sua vez, é estimulada pela hipovolemia e pelo excesso de renina). Esses agentes aumentam a produção de aldosterona sintase para restaurar a homeostasia por meio dessa alça de retroalimentação. A produção de aldosterona é estimulada em grau muito menor pelo hormônio adrenocorticotrófico (ACTH). O cortisol e outros glicocorticoides atuam por meio do receptor de glicocorticoide do tipo 2 e suas isoformas. As ações dessa classe de esteroides são muito mais amplas, incluindo efeitos sobre o processamento dos carboidratos, metabolismo dos lipídios e do cálcio e sistemas imune e nervoso. A produção de cortisol é regulada principalmente pelo ACTH, que é secretado de acordo com um ritmo circadiano em resposta ao hormônio de liberação de corticotropina (CRH), de modo que os níveis de cortisol são mais elevados pela manhã e caem para um valor mínimo em torno de meia- noite. O cortisol coordena a produção de ACTH por meio de retroalimentação negativa sobre a hipófise (ACTH) e o hipotálamo (CRH). A secreção de vasopressina também desempenha um papel na estimulação da liberação de ACTH. A DHEA e o DHEA-S são os produtos mais abundantes da glândula suprarrenal. Exercem seus efeitos estrogênicos e androgênicos como pró-hormônios e são convertidos em estrogênios e em testosterona nos tecidos periféricos e ativam os receptores de androgênios e estrogênios. AÇÕES DO CORTISOL Metabolismo da glicose Estimula a gliconeogênese Diminui o uso de glicose pelos tecidos Metabolismo proteico Aumenta a degradação de proteínas Aumenta os níveis das proteínas plasmáticas Metabolismo das gorduras Aumenta a mobilização dos ácidos graxos Aumenta o uso dos ácidos graxos Ação anti-inflamatória (níveis farmacológicos) Estabiliza as membranas lisossômicas das células inflamatórias, prevenindo a secreção de mediadores inflamatórios Diminui a permeabilidade capilar para prevenir o edema inflamatório Deprime a fagocitose pelos leucócitos para reduzir a secreção de mediadores inflamatórios Suprime a resposta imune Causa atrofia do tecido linfoide Diminui os eosinófilos Diminui a formação de anticorpos Diminui o desenvolvimento de imunidade celular Reduz a febre Inibe a atividade de fibroblastos Efeito psíquico Pode contribuir para a instabilidade emocional Efeito permissivo Facilita a resposta dos tecidos às influências humorais e neurais, como aquela das catecolaminas, durante traumatismos e estresse extremo MEDULA SUPRARRENAL E CATECOLAMINAS A medula suprarrenal ocupa a porção central da glândula suprarrenal. As células adrenomedulares são denominadas células cromafins. As catecolaminas são substâncias que contêm catecol (o-di-hidroxibenzeno) e uma cadeia lateral com um grupo amino – o núcleo catecol. A epinefrina é sintetizada e armazenada na medula suprarrenal e liberada na circulação sistêmica. A norepinefrina é sintetizada e armazenada não apenas na medula suprarrenal, mas também nos nervos simpáticos periféricos. A dopamina, a precursora da norepinefrina, é encontrada na medula suprarrenal e nos nervos simpáticos periféricos. As catecolaminas exercem numerosas ações cardiovasculares e metabólicas, incluindo aumento da frequência cardíaca, da pressão arterial, da contratilidade do miocárdio e da velocidade da condução cardíaca. Suas ações biológicas são mediadas por três tipos de receptores adrenérgicos específicos: α, β e DA; os subtipos desses receptores são α1, α2, β1, β2, β3, DA1 e DA2. O subtipo α1 é um receptor pós-sináptico, que medeia a contração vascular e do músculo liso; sua estimulação provoca vasoconstrição e elevação da pressão arterial. Os receptores α2 estão localizados nas terminações nervosas simpáticas pré-sinápticas e, quando ativados, inibem a liberação de norepinefrina; a sua estimulação provoca supressão do fluxo simpático central e diminuição da pressão arterial. A estimulação do receptor β1 produz efeitos inotrópicos e cronotrópicos positivos sobre o coração, aumento da secreção de renina pelo rim e lipólise nos adipócitos, bem como broncodilatação, vasodilatação no músculo esquelético, glicogenólise e aumento da liberação de norepinefrina das terminações nervosas simpáticas. O receptor β3 regula o gasto energético e a lipólise. Os receptores DA1 estão localizados na vasculatura encefálica, renal, mesentérica e coronariana, e a sua estimulação provoca vasodilatação nesses leitos vasculares. Os receptores DA2 são pré-sinápticos e estão localizados nas terminações nervosas simpáticas, nos gânglios simpáticos e no encéfalo; a sua estimulação inibe a liberação de norepinefrina, a transmissão ganglionar e a liberação de prolactina. As catecolaminas são sintetizadas a partir da tirosina por um processo de hidroxilação e descarboxilação. A tirosina provém do alimento ou é sintetizada a partir da fenilalanina no fígado e entra nos neurônios e nas células cromafins por transporte ativo. A tirosina é convertida a 3,4-di-hidroxifenilalanina (dopa) pela tirosina hidroxilase, a etapa limitadora de velocidade na síntese das catecolaminas. A α- metil-p-tirosina (metirosina) é um inibidor da tirosina-hidroxilase, que pode ser utilizada terapeuticamente em pacientes que apresentam tumores secretores de catecolaminas. A L-aminoácido aromático descarboxilase catalisa a descarboxilação da dopa em dopamina. A dopamina é transportada ativamente para dentro das vesículas granuladas para ser hidroxilada a norepinefrina pela dopamina β-hidroxilase. Essas reações ocorrem na vesícula sináptica dos neurônios adrenérgicos e nas células cromafins da medula suprarrenal. Na medula suprarrenal, a norepinefrina é liberada a partir dos grânulos no citoplasma, onde a feniletanolamina N-metiltransferase a converte em epinefrina. A expressão da feniletanolamina N-metiltransferase é regulada de maneira positiva pelos glicocorticoides. Por conseguinte, os tumores secretores de catecolaminas que secretam principalmente epinefrina estão localizados na medula suprarrenal. No tecido medular normal das glândulas suprarrenais, cerca de 80% da catecolamina liberada consistem em epinefrina. A meia-vida biológica das catecolaminas circulantes situa-se entre 10 e 100 segundos. Em consequência, as concentrações plasmáticas de catecolaminas exibem amplas flutuações. As catecolaminas são removidas da circulação por meio de recaptação pelas terminações nervosas simpáticas, ou por metabolismo através de duas vias enzimáticas, seguidos de conjugação com sulfato e excreção renal. Quase 90% das catecolaminasliberadas nas sinapses simpáticas são captadas localmente pelas terminações nervosas (captação 1). A captação 1 pode ser bloqueada pela cocaína, pelos antidepressivos tricíclicos e pela fenotiazina. Os tecidos extraneuronais também captam catecolaminas (captação 2). Essas catecolaminas são metabolizadas, em sua maioria, pela catecol-O- metiltransferase. A metanefrina e a normetanefrina são oxidadas pela monoamina oxidase a ácido vanililmandélico por meio de desaminação oxidativa. A monoamina oxidase também pode oxidar a epinefrina e a norepinefrina a ácido 3,4-di- hidroximandélico, que é então convertido pela catecol-O-metiltransferase em ácido vanililmandélico. Na vesícula de armazenamento, a norepinefrina é protegida do metabolismo pela monoamina oxidase. A monoamina oxidase e a catecol-O- metiltransferase metabolizam a dopamina a ácido homovanílico. SINDROME DE CUSHING A síndrome de Cushing (SC) é a condição resultante da exposição prolongada a quantidades excessivas de glicocorticoides (GC). Pode resultar da administração prolongada de doses suprafisiológicas de GC (SC exógena ou iatrogênica) ou, bem menos frequentemente, da hiperprodução crônica de cortisol (SC endógena). EPIDEMIOLOGIA A SC endógena pode ocorrer em qualquer faixa etária, mas é mais comum em adultos, com idade mediana de 41,4 anos ao diagnóstico, e predomínio no sexo feminino. Trata-se de doença rara, com incidência estimada de 0,7 a 2,4 casos novos por milhão de habitantes por ano e prevalência estimada de 37 a 39 por milhão em várias populações. Maior prevalência foi relatada para o hipercortisolismo subclínico (HCSC) em indivíduos com diabetes melito tipo 2 (DM2) mal controlado (2 a 3%), hipertensão (0,5 a 1%), incidentalomas adrenais (até 10%) e osteoporose de início precoce (até 11%). A SC está associada a elevadas taxas de morbidade e mortalidade. ETIOLOGIA As causas da SC dividem-se em duas categorias, de acordo com os níveis circulantes de ACTH, também chamado corticotrofina: ACTH-dependentes (71 a 80% dos casos) e ACTH-independentes (20 a 29% dos casos). A doença de Cushing (DC) é a etiologia mais comum (cerca de dois terços dos casos), seguida dos distúrbios adrenais e da síndrome do ACTH ectópico (SAE). SÍNDROME DE CUSHING ACTH-DEPENDENTE A SC ACTH-dependente ocorre quando o hipercortisolismo se origina da secreção excessiva de ACTH. Em cerca de 80 a 90% dos pacientes, o fator etiológico é um adenoma hipofisário secretor de ACTH (também denominado corticotropinoma ou adenoma corticotrófico), caracterizando a DC. Os casos restantes decorrem da secreção ectópica de ACTH ou, bem mais raramente, do hormônio liberador da corticotrofina (CRH). DOENÇA DE CUSHING A DC resulta, na maioria dos casos, de um microadenoma (diâmetro < 10 mm) hipofisário secretor de ACTH. Apenas 10 a 20% dos casos são associados a um macroadenoma, e os carcinomas são extremamente raros. A DC tem predomínio no sexo feminino (M:H = 8:1), início, em geral, entre 20 e 40 anos de idade e progressão lenta (vários anos de sintomas). Nos casos pré-puberais, contudo, há maior ocorrência no sexo masculino. Raramente, a DC surge como parte da neoplasia endócrina múltipla (MEN) tipos 1 ou 4, ou em consequência de mutações germinativas do gene da proteína de interação do receptor aril- hidrocarboneto (AIP). Recentemente, tem sido mostrado que mutações no gene da protease 8 ubiquitina-específica (USP8) são frequentes nos corticotropinomas. SÍNDROME DO ACTH ECTÓPICO Também chamada de secreção ectópica de ACTH, a SAE integra 5 a 10% dos casos de SC e cerca de 20% dos casos de SC ACTH-dependente. Ela é um pouco mais prevalente no sexo masculino, com maior incidência entre 40 e 60 anos de idade. Em contraste, entre mulheres com SC ACTH- dependente, a DC é cerca de 9 vezes mais comum do que a SAE. É muito rara a ocorrência de SAE em crianças e adolescentes. A SAE pode originar-se de diversos tumores, porém, provavelmente, a causa mais comum é o carcinoma pulmonar de células pequenas. Estima- se que até 12% dos casos desse carcinoma desencadeiem a SAE. Outras causas bem documentadas são os carcinoides tímicos e, menos comumente, os carcinoides de outros órgãos (vesícula, fígado, intestino delgado, cólon etc.), o feocromocitoma, o carcinoma de ilhotas pancreáticas e o carcinoma medular da tireoide (CMT). Causas bem mais raras de SAE incluem outros tipos de carcinomas (p. ex., ilhotas pancreáticas, ovário, próstata, vesícula biliar, células pequenas da vagina etc.), tumores ovarianos (p. ex., androblastoma, carcinoma de células de Sertoli, tumor carcinoide, teratoma e tumor de células esteroides), paraganglioma nasal, neuroblastoma olfatório etc. SÍNDROME DO CRH ECTÓPICO Esta síndrome é bastante rara (menos de 30 casos descritos na literatura) e difícil de ser diagnosticada. A maioria dos casos é secundária a carcinoides brônquicos, CMT e carcinoma prostático. A secreção combinada de ACTH e CRH é muito mais comum do que a secreção isolada de CRH. SÍNDROME DE CUSHING ACTH-INDEPENDENTE DISTÚRBIOS ADRENAIS Os distúrbios adrenais primários representam até 30% dos casos da SC. Em geral, são causados por um adenoma (cerca de 80%) ou, menos comumente, um carcinoma produtor de cortisol. Normalmente os adenomas medem menos de 3 cm, são unilaterais e facilmente visualizados à tomografia computadorizada (TC) ou à ressonância magnética (RM). Causas muito raras de SC de origem adrenal são a hiperplasia nodular pigmentada primária bilateral, o complexo de Carney, a hiperplasia adrenal macronodular bilateral e a síndrome de McCune- Albright (SMA). Em crianças com idade < 5 anos, os tumores adrenais, sobretudo os carcinomas, destacam-se como uma das principais causas, senão a mais prevalente. CARCINOMAS Os carcinomas adrenocorticais (CAC) representam cerca de 20% do total de casos de SC ACTH- independentes. Geralmente, são grandes (> 6 cm), quando diagnosticados, e até 10% são bilaterais. Devem ser sempre suspeitados, quando o tumor adrenal for > 6 cm e/ou cursar com hipercortisolismo associado a marcante hiperandrogenismo, na presença de achados à TC sugestivos de malignidade. ADENOMAS Em geral, são lesões pequenas (a maioria é < 3 cm) e unilaterais, com características de benignidade. Diferentemente dos CAC, tendem a cursar com hipercortisolismo de início mais gradual e menor intensidade, bem como produção excessiva de apenas uma classe de esteroides. Ocorrem com mais frequência em torno de 35 anos de idade, são significativamente mais comuns em mulheres. Mutações ou a ativação das vias de sinalização dependentes de monofosfato de adenosina cíclico (cAMP) ou da β-catenina foram relatadas em adenomas. Aberrantes expressão e função de vários receptores acoplados à proteína G (GPCR) são igualmente descritas, mas são mais comuns na hiperplasia adrenal macronodular bilateral. Mutações somáticas do GNAS foram relatadas em 5 a 17% dos adenomas secretores de cortisol, ao passo que a frequência de mutações no gene da β- catenina (CTNNB1) atingiram 16%. Mutações somáticas no gene da subunidade reguladora da proteinoquinase A tipo 1A (PRKAR1A) são observadas em 20% dos adenomas, e perdas no locus PRKAR1A, em 23%. Interessantemente, 3 mutações somáticas no gene que codifica a subunidade catalítica da proteinoquinase A (PRKACA) foram identificadas em 35 a 65% dos adenomas de pacientes com SC franca, mas raramente em adenomas associados ao HCSC. A ausência dessas mutações explicaria por que estes últimos adenomas raramente evoluem para SC com o tempo. HIPERPLASIA ADRENAL MICRONODULAR BILATERAL O principal representantedesta categoria é a doença adrenal nodular pigmentada primária (PPNAD), a qual pode ocorrer isoladamente ou, em mais de 90% dos casos, associada ao complexo de Carney (CNC). PPNAD é encontrada em 25 a 60% dos pacientes com CNC, o qual é familiar (herança autossômica dominante) em mais de 70% dos casos; nos demais, é esporádica, sem antecedentes familiares (mutações de novo). O gene mais comumente envolvido é o PRKAR1A (localizado no 17q22-24) e mais de 120 mutações já foram descritas. PPNAD é uma forma muito rara de SC, com um pouco mais de 100 casos descritos na literatura. Predomina no sexo feminino e caracteriza-se por pequenas glândulas adrenais com múltiplos e pequenos nódulos (< 6 mm) pigmentados, bilaterais (rodeados por córtex atrofiado), que, contudo, podem alcançar 1,5 cm nos pacientes com a progressão da doença. Na TC, os cortes precisam ser < 3 mm; caso contrário, os nódulos podem passar despercebidos. A produção de cortisol pode ser variável, sendo frequentemente cíclica ou periódica. Por isso, muitas vezes, observa-se elevação paradoxal do cortisol durante os testes de supressão com dexametasona (DMS). Tipicamente, o hipercortisolismo da PPNAD manifesta-se em indivíduos com menos de 30 anos de idade (muitas vezes, antes dos 15 anos de idade) e, ocasionalmente, nos primeiros 2 a 3 anos de vida. Uma característica clínica marcante do CNC são as lesões cutâneas pigmentadas tipo sardas (sobretudo, em face, lábios e pálpebras) que podem estar presentes desde o nascimento e têm seu número aumentado com o passar dos anos. O tratamento de escolha da PPNAD é a adrenalectomia bilateral. As principais manifestações do raro CNC incluem- se lesões pigmentadas de pele e mucosa, mixomas cardíacos, cutâneos e em outros órgãos, além de tumores endócrinos múltiplos. O principal distúrbio endócrino é a PPNAD. HIPERPLASIA ADRENAL MACRONODULAR PRIMÁRIA A hiperplasia adrenal macronodular primária (HAMP) é uma causa rara de hipercortisolismo, de fisiopatologia heterogênea, habitualmente insidiosa, que pode apresentar-se de forma uni ou bilateral, caracteristicamente com macronódulos adrenais. Manchas tipo sardas (lentigens) encontradas em pelo menos um terço dos pacientes com o complexo de Carney, em pálpebras (A), lábios e face (B). ETIOLOGIA E GENÉTICA Diversos fenômenos caracterizam a heterogeneidade desta doença, sendo a maioria dos casos explicada com base na expressão aberrante ou anômala nas glândulas adrenais de receptores hormonais que não estão normalmente presentes (expressão ectópica) ou pela expressão amplificada de receptores habitualmente presentes (expressão eutópica). Assim, a secreção de cortisol nesses pacientes é mediada por receptores para o peptídeo inibidor gástrico (GIP), vasopressina, catecolaminas, interleucina-1, leptina, hormônio luteinizante (LH), serotonina ou, eventualmente, por outros ligantes não reconhecidos. Não há indícios de mutações nos genes para esses receptores, cuja ativação estimula a proteína G e o cAMP, iniciando os processos de esteroidogênese e de proliferação celular. Estudos mais recentes demonstram mutações germinativas no gene armadillo repeat containing 5 (ARMC5) em mais de 50% dos casos na forma familiar autossômica dominante de hiperplasia adrenal macronodular, incluindo vários casos aparentemente esporádicos; Esse gene atua como supressor tumoral e na regulação da esteroidogênese. Além disso, há uma possível associação de mutações no ARMC5 com o desenvolvimento de meningiomas em pacientes com HAMP. Principais alterações encontradas nas células fasciculadas do córtex adrenal relacionadas à etiologia da hiperplasia adrenal macronodular primária (HAMP). Em alguns macronódulos hiperplásicos adrenais, o estímulo a receptores (não mutados) expressos de forma anômala provoca a secreção de cortisol, mas também de derivados da pró-opiomelanocortina (POMC), como ACTH, amplificando o efeito de estímulo sobre a síntese de cortisol. As mutações genéticas estão relacionadas à HAMP na forma hereditária, como no gene armadillo repeat containing 5 (ARMC5) e na neoplasia endócrina múltipla tipo 1 (MEN1). DISTÚRBIOS EXTRA-ADRENAIS Muito excepcionalmente, a etiologia da SC ACTH- independente é a transformação adenomatosa ou maligna de restos embrionários ectópicos das adrenais. Esses tecidos podem ter localização variada (eixo celíaco, testículos, cordões espermáticos, espaço retro-hepático ou retrocaval, ligamento largo etc.), mas a maioria é não funcionante. Em um caso notável, a lesão apresentava-se como um nódulo pararrenal esquerdo. Outras vezes, ela pode simular um tumor primário dos órgãos nos quais se encontram restos adrenais.56 Mais raros ainda são os relatos de carcinomas ovarianos58 ou feocromocitomas secretores de cortisol como causa de SC ACTH- independente. OUTRASCONSIDERAÇÕES CLÍNICAS ESTADOS DE PSEUDO-CUSHING Refere-se a certas condições que se manifestam com um fenótipo clínico e/ou laboratorial similar ao da SC, associado a hipercortisolismo leve ou moderado (ou seja, valor do cortisol livre urinário, no máximo, 3 a 4 vezes o limite superior da normalidade). Diversas situações podem levar ao EPC, sendo a depressão e o etilismo crônico as mais reconhecidas. Outras causas relevantes são obesidade (principalmente, a visceral), síndrome dos ovários policísticos, síndrome de abstinência alcoólica, insuficiência renal crônica, síndrome de resistência ao GC generalizada e outras doenças psiquiátricas (p. ex., síndrome do pânico, ansiedade crônica, psicoses e anorexia nervosa). O hipercortisolismo no EPC não apresenta uma causa bem definida. Acredita-se que decorra, sobretudo, do aumento de secreção de CRH, em função da hiperativação do eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal (HHA). Em geral, para uma adequada distinção diagnóstica entre SC e EPC, é necessário tratar ou eliminar o fator indutor do hipercortisolismo. Por exemplo, demonstrou-se, muitas vezes, que é imprescindível adotar a abstinência etílica por um período de cerca de 2 a 4 meses para que o eixo HHA retorne ao estado normal. SÍNDROME DE CUSHING EXÓGENA OU IATROGÊNICA O uso crônico de GC representa a causa mais comum de SC, devendo ser descartado em qualquer paciente com manifestações cushingoides. Estas últimas costumam surgir com doses diárias excedendo 7,5 mg de prednisona, 0,75 mg de DMS ou 30 mg de hidrocortisona. Ocasionalmente, o quadro pode ser desencadeado pelo uso prolongado de preparações nasais de GC (para o tratamento de rinite alérgica), o que, muitas vezes, não é informado pelos pacientes, por julgarem que são inócuas e de efeitos limitados ao nariz. A utilização prolongada de cremes e colírios contendo GC pode também resultar em síndrome de Cushing exógena (SCE). O emprego concomitante de substâncias que inibam a metabolização hepática dos GC pelo citocromo P450 (p. ex., itraconazol, inibidores de proteases, fluoxetina, sertralina etc.) aumenta o risco de SCE durante o uso de GC pelas vias oral ou inalatória. Alguns autores têm utilizado a terminologia síndrome de Cushing factícia, quando o uso de GC é deliberadamente omitido pelos pacientes, ocasionando grande dificuldade diagnóstica. Na SCE, devido à supressão do eixo HHA, encontram-se tipicamente baixos os níveis séricos e urinários de cortisol (exceto nos casos decorrentes do uso de hidrocortisona) e ACTH. Contudo, existe a possibilidade de reações cruzadas com GC sintéticos (sobretudo, a prednisolona), gerando valores falsamente elevados do cortisol, os quais podem ser desmascarados, quando se utiliza a cromatografia líquida associada à espectrometria de massas em tandem (HPLC-MS/MS). ■ SÍNDROME DE CUSHING CÍCLICA Por motivos desconhecidos, certos pacientes com SC apresentam secreção cíclica de cortisol, que pode flutuar e remitir espontaneamente, por muitos meses e, até mesmo, anos. Os sinais e sintomas da SC, como miopatia, hipertensão e diabetes, oscilam com o nível de cortisol circulante. Essa dinâmica pode causar considerável dificuldade diagnóstica, e, não raramente, são necessárias reinvestigações em várias ocasiões. É crucial que qualquer avaliação diagnóstica apenas seja feita quando houver hipercortisolemia, de modo que repetidas admissões no serviço de endocrinologia podem ser necessárias. Ciclicidade pode ocorrer com todas as causas de SC. Dos 65 casos, ela originou-se de um adenoma hipofisário corticotrófico em 54%, de produção ectópica de ACTH em 26% e de um tumor adrenal em cerca de 11%, sendo o restante não classificado. HIPERCORTISOLISMO SUBCLÍNICO Também denominado secreção autônoma de cortisol, o HCSC caracteriza-se pela ausência de sinais ou sintomas clássicos de hipercortisolismo em indivíduos com evidência laboratorial de produção aumentada de cortisol. O HCSC tem sido descrito em 5 a 30% dos pacientes com incidentalomas adrenais, por sua vez encontrados em 4 a 6% da população adulta. Embora os pacientes com HCSC não apresentem os estigmas clássicos do hipercortisolismo, eles têm alta prevalência de obesidade, hipertensão e DM2, bem como de redução da densidade mineral óssea. Existem também evidências de que o HCSC se associe a risco aumentado de fraturas vertebrais e infarto agudo do miocárdio. A maior preocupação com esses tumores, entretanto, é o risco do desenvolvimento de insuficiência adrenal aguda no pós-operatório (às vezes, fatal), caso os pacientes não recebam GC. SÍNDROME DE CUSHING DURANTE A GRAVIDEZ A gravidez é rara em mulheres com SC, com cerca de 150 casos relatados na literatura mundial até 2010, uma vez que o hiperandrogenismo e o hipercortisolismo suprimem a secreção hipofisária de gonadotrofinas. No entanto, se não tratada, a SC resulta em alta morbimortalidade materno-fetal. A etiologia da SC difere em grávidas e não grávidas. Assim, os tumores adrenocorticais (sobretudo, os adenomas) respondem por uma porcentagem desproporcionalmente elevada de casos de SC na gravidez (cerca de 55%), em comparação com 14 a 30% na população não gestante. Por outro lado, a DC parece ser menos comum na gravidez, com taxas de 63 a 69% na população geral, em comparação com 33% em 122 gestantes. A explicação para esse fato seria, possivelmente, maior taxa de ciclos ovulatórios em mulheres com adenomas adrenais (menor produção de andrógenos). SÍNDROME DE CUSHING PEDIÁTRICA A SC pode ocorrer em qualquer idade; contudo, as etiologias diferem de acordo com os grupos etários. Em algumas séries, distúrbios adrenais (incluindo adenomas e carcinomas, PPNAD e SMA) correspondem a 65% dos casos em crianças. Em outras, a DC aparece como a etiologia mais prevalente no grupo etário acima de 5 anos. Em contraste, a secreção ectópica de ACTH é extremamente rara na infância. A SC exógena ou iatrogênica é comum em crianças e, na maioria das vezes, resulta da administração indevida de GC pelos pais ou cuidadores. Um achado quase invariável na SC pediátrica é a parada do crescimento, que pode preceder outras manifestações, como ganho de peso, retardo puberal, fadiga, depressão e hipertensão. ASPECTOS CLÍNICOS Entre as manifestações clássicas associadas à síndrome de Cushing (SC) incluem-se ganho de peso, letargia, fraqueza, irregularidades menstruais, perda da libido, hirsutismo, acne, estrias cutâneas purpúricas, miopatia proximal, disfunção erétil e transtornos psiquiátricos (p. ex., depressão, ansiedade e, mais raramente, psicose). Sua maior ou menor frequência dependerá da duração e da intensidade do hipercortisolismo. Mais de 70% dos pacientes com SC manifestam sintomas psiquiátricos, que variam de ansiedade ou instabilidade emocional a depressão ou franca psicose. Tais manifestações psiquiátricas podem, ocasionalmente, ser a apresentação inicial da síndrome, a exemplo da hiperglicemia, da hipertensão, das fraturas osteoporóticas ou dos distúrbios gonadais. Problemas associados, como hipertensão e diabetes melito (DM), são comuns e podem ser o motivo que leva os pacientes a procurar assistência médica. Raramente, observa-se necrose asséptica da cabeça do fêmur, mas ela já foi relatada como manifestação inicial da síndrome. Síndrome de Cushing por uso de Trok® (betametasona creme), para prevenção de assaduras, recomendado pela enfermeira do Programa Saúde da Família. B. Trinta dias após a interrupção do medicamento. Os sinais associados à SC são extremamente variados e diferem em sua gravidade; porém, muitas vezes, são inespecíficos. Sinais como “giba de búfalo” (aumento da gordura retrocervical), pletora facial, obesidade e hirsutismo são pouco úteis na distinção entre SC e os estados de pseudo-Cushing. Entretanto, equimoses surgidas espontaneamente ou aos mínimos traumatis-mos (consequentes ao adelgaçamento da pele e ao aumento da fragilidade capilar), miopatia proximal (afetando, sobretudo, os membros inferiores) ou estrias violáceas ou purpúricas mais extensas do que 1 cm tornam a possibilidade diagnóstica de SC bastante elevada em um paciente com obesidade central. Osteopenia e osteoporose, especialmente na ausência de outra causa predisponente, podem fornecer uma evidência adicional de hipercortisolismo. A miopatia proximal, mais bem demonstrada quando se solicita ao paciente que se levante com os braços cruzados estando agachado ou sentado, pode ser, às vezes, a queixa dominante na doença de Cushing (DC), na ausência de suas alterações fenotípicas clássicas. Nos pacientes com hipercortisolismo leve, as manifestações típicas podem ser mínimas. Além disso, já foi relatado o caso de uma paciente com DC sem o fenótipo cushingoide, devido a uma conversão defeituosa da cortisona em cortisol e aumento da depuração do cortisol, aparentemente por um defeito parcial na atividade da enzima 11- beta-hidroxiesteroide desidrogenase tipo 1. Clinicamente, é impossível distinguir a SC decorrente de um tumor adrenal daquela secundária à DC. Da mesma maneira, conforme mencionado, os aspectos cushingoides estão frequentemente presentes na SAE produzida por tumores de curso mais benigno e lento, como, por exemplo, os carcinoides brônquicos e tímicos. Quando a SAE resulta de carcinomas pulmonares de pequenas células, habitualmente os aspectos cushingoides estão ausentes e tendem a predominar os sintomas e sinais de malignidade (anemia, perda ponderal, anorexia etc.) associados a hipertensão, hipocalemia (presente em 70 a 100% dos casos), fraqueza muscular intensa e hiperpigmentação (consequente aos altos níveis circulantes do ACTH). As três últimas manifestações são mais comuns na SAE do que na DC. O mesmo aplica-se à maior intensidade do hipercortisolismo e dos níveis de ACTH, andrógenos e desoxicorticosterona (DOC). Contudo, ocasionalmente, a DC manifesta-se com perda de peso, hiperglicemia, miopatia e hipertensão, simulando a SAE. Observa-se também predominância de manifestações de malignidade em pacientes com carcinomas adrenais. Apesar de serem frequentes na síndrome de Cushing, são pouco específicos os achados de: face arredondada (“face de lua cheia”) e pletora facial (A), e hirsutismo e aumento da gordura retrocervical (“giba de búfalo”) (seta em B). Estrias purpúricas estão presentes em até dois terços dos casos de síndrome de Cushing. Têm maior especificidade e poder diagnóstico quando são mais largas que 1 cm. Equimoses de aparecimento fácil (espontaneamente ou aos mínimos traumatismos),a exemplo da miopatia proximal e da osteoporose, são bastante sugestivas da síndrome de Cushing em indivíduos com obesidade central. Dois casos da doença de Cushing com manifestações clínicas distintas. Em A, o paciente teve o diagnóstico inicial de diabetes melito descompensado, com hiperglicemia e perda de 15 kg. A presença de grave miopatia proximal levou à suspeita de síndrome de Cushing. Em B, nota-se o fenótipo clássico (mas não patognomônico) da síndrome de Cushing, com “face de lua cheia”, pletora facial e obesidade em tronco. Algumas características, tais como aumento na pressão intraocular, catarata, hipertensão intracraniana benigna, necrose asséptica da cabeça do fêmur, osteoporose e pancreatite, são mais comuns na SC iatrogênica do que na SC endógena. Em contraste e outras características, notadamente hipertensão, hirsutismo e oligomenorreia/amenorreia, são mais prevalentes na SC endógena. Os pacientes com SC costumam apresentar hipercoagulabilidade e risco aumentado de complicações tromboembólicas. Isso se deve, sobretudo, a aumento nos níveis séricos do fator de von Willebrand e do fator VIII induzido pelo cortisol. Em crianças, as manifestações são, em geral, similares às dos adultos, mas a obesidade tende a ser generalizada. Além disso, uma característica marcante nesse grupo etário é a grande diminuição da velocidade do crescimento. O hipercortisolismo antagoniza a ação do fator de crescimento semelhante à insulina-1 (IGF-1) na placa de crescimento e, assim, a SC deve ser suspeitada em toda criança com história de ganho de peso e retardo do crescimento. Em cerca de 40% dos casos, observa-se um quadro de virilização (clitoromegalia, aumento peniano e incremento da pilificação corporal) – resultante da produção excessiva de andrógenos adrenais –, que pode ser a manifestação dominante. ALTERAÇÕES BIOQUÍMICAS Entre os pacientes com SC, 30 a 40% têm DM, e tolerância alterada à glicose ocorre em 20 a 30%. Dislipidemia – caracterizada por elevação dos triglicerídeos e LDL-colesterol, além de redução do HDL-colesterol – também é comum na SC. DIAGNÓSTICO O diagnóstico da síndrome de Cushing é um processo envolvendo duas etapas: A primeira é o diagnóstico de hipercortisolismo, enquanto a segunda etapa consiste na realização de testes para determinar a causa da hipersecreção de cortisol. Os testes mais comumente utilizados para o diagnóstico são: Determinação do cortisol livre urinário de 24 h; Determinações do cortisol plasmático à meia-noite e cortisol salivar no final da noite; Teste de supressão com dose baixa de dexametasona. O teste com dexametasona-CRH pode ser útil durante a avaliação diagnóstica. Após a obtenção do diagnóstico de síndrome de Cushing, os testes a seguir podem ser utilizados para ajudar a determinar a causa: Teste de estimulação com CRH; Teste de supressão com dose alta de dexametasona; Exames de imagem radiológicos da hipófise e das suprarrenais; Amostragem do seio petroso. TRATAMENTO Sem tratamento, a síndrome de Cushing produz morbidade séria e até mesmo morte. A escolha entre o tratamento cirúrgico, radioterápico ou farmacológico é determinada em grande parte pela causa do hipercortisolismo. O objetivo do tratamento da síndrome de Cushing é remover ou corrigir a fonte do hipercortisolismo sem causar lesão hipofisária ou suprarrenal permanente. A remoção transesfenoidal de um adenoma hipofisário ou hemi-hipofisectomia é o método de tratamento preferido para a doença de Cushing. Isso possibilita a remoção apenas do tumor e não de toda a hipófise. Após a remoção bem-sucedida, a pessoa deve receber terapia de reposição de cortisol por 6 a 12 meses ou até o retorno da função suprarrenal. Outra possibilidade é a radioterapia hipofisária. A adrenalectomia uni ou bilateral pode ser realizada em caso de adenoma suprarrenal. Quando possível, os tumores ectópicos que produzem ACTH também são removidos. Os agentes farmacológicos bloqueadores da síntese de esteroides (i. e., mitotano, cetoconazol e metirapona) podem ser utilizados no tratamento de pessoas com tumores ectópicos ou carcinomas suprarrenais que não possam ser ressecados. Além disso, pode ser necessário adotar medidas de precaução para minimizar as infecções, devido à imunossupressão causada pelo hipercortisolismo. DOENÇA DE ADDISON/INSUFICIÊNCIA ADRENAL PRIMÁRIA A insuficiência adrenal ou adrenocortical (IA) é definida como a incapacidade do córtex adrenal em produzir quantidades suficientes de glicocorticoides ou glicocorticoides e mineralocorticoides, hormônios cruciais para a homeostase energética e hidreletrolítica. A IA pode ser causada por distúrbio intrínseco adrenocortical (IA primária), doença hipofisária (IA secundária) ou distúrbio hipotalâmico (IA terciária). Insuficiência adrenal primária • Destruição bilateral do córtex adrenal (causa principal) • Defeito ou inibição da esteroidogênese adrenal • Insensibilidade dos córtices adrenais ao ACTH • Adrenalectomia bilateral Insuficiência adrenal secundária • Distúrbio hipofisário, levando à produção deficiente de ACTH • Distúrbio hipotalâmico, levando à produção deficiente de CRH* INSUFICIÊNCIA ADRENAL PRIMÁRIA Dentre os possíveis fatores etiológicos da DA, incluem-se processos autoimunes, doenças infecciosas, granulomatosas e infiltrativas, hemorragia e trombose adrenal, uso de alguns fármacos, adrenalectomia bilateral, hiperplasia adrenal congênita e outras doenças genéticas mais raras. Em casos de adrenalite autoimune ou doenças infecciosas ou infiltrativas, a IA habitualmente apenas se manifesta após a destruição de 90% ou mais do córtex adrenal. Causas adquiridas • Atrofia adrenal “idiopática” (adrenalite autoimune) • Doenças granulomatosas: tuberculose, sarcoidose, hanseníase • Micoses: paracoccidioidomicose, histoplasmose, criptococose, coccidioidomicose, blastomicose norte-americana etc. • Doenças virais: AIDS, citomegalovirose • Fármacos: cetoconazol, mitotano, etomidato, aminoglutetimida, trilostano, rifampicina, fenobarbital, suramina, ciproterona etc. • Doenças infiltrativo-neoplásicas: metástases (pulmão, mama, rim, melanoma), linfomas • Doenças infiltrativo-metabólicas: hemocromatose, amiloidose • Hemorragia adrenal: traumatismo, cirurgia, uso de anticoagulantes, síndrome antifosfolipídica primária, septicemia, metástases, trauma ao nascimento etc. • Adrenalectomia bilateral Causas genéticas • Hiperplasia adrenal congênita • Adrenoleucodistrofias • Hipoplasia adrenal congênita (mutações no DAX-1; mutações no SF-1) • Deficiência familiar de glicocorticoide • Síndrome de Kearns-Sayre • Síndrome de Smith-Lemli-Opitz e outras na síntese dos esteróis QUADRO CLÍNICO As manifestações clínicas da IA crônica decorrem tanto da deficiência de glicocorticoides (astenia, mal-estar, anorexia, perda de peso, náuseas, vômitos, hipotensão etc.) quanto de mineralocorticoides (avidez por sal, hipovolemia, hipotensão e hipotensão ortostática) e androgênios adrenais (redução da pilificação axilar e pubiana, em mulheres). INSUFICIÊNCIA ADRENAL CRÔNICA PRIMÁRIA Para que a DA se manifeste clinicamente, em geral é necessário o comprometimento de pelo menos 90% do tecido adrenocortical. Nas formas autoimunes e infiltrativas, essa destruição habitualmente é gradual e progressiva. Nos processos hemorrágicos e septicêmicos, a destruição do córtex adrenal geralmente é mais rápida e a sintomatologia se apresenta de modo agudo, caracterizando a crise adrenal. As principais manifestações clínicas da DA são: hiperpigmentação, astenia,fraqueza, anorexia, perda de peso (podendo chegar a 15 kg), distúrbios gastrintestinais e hipotensão. Anorexia e perda de peso podem, às vezes, simular o quadro da anorexia nervosa. Outros achados relativamente comuns são: avidez por sal e amenorreia, a qual pode resultar da perda de peso e da doença crônica, bem como de falência ovariana primária (ooforite autoimune) associada. Sintomas psiquiátricos (síndrome cerebral orgânica, depressão ou psicose) ocorrem na maioria dos pacientes com IA primária grave ou de longa duração. Eventualmente, podem ser a manifestação inicial da doença. Redução da libido e da pilificação axilar e pubiana ocorrem apenas em mulheres, nas quais a principal fonte de androgênios são as adrenais. Observa-se vitiligo em 10 a 20% dos pacientes com DA autoimune e raramente em outras formas de IA primária. A hipoglicemia grave é mais comum em crianças e está relacionada com a disfunção da medula adrenal (menor síntese de epinefrina secundária ao hipocortisolismo), a qual leva à diminuição da gliconeogênese hepática. Hiperpigmentação, em consequência do conteúdo aumentado de melanina na pele, é o achado mais característico da DA, ocorrendo em 92 a 94% dos pacientes. Decorre do estímulo do receptor cutâneo de melanocortina (MC1R) pelos níveis elevados de ACTH e α-MSH (componentes da macromolécula POMC). A hiperpigmentação tende a ser generalizada, porém é mais facilmente percebida em áreas expostas ao sol, como face, pescoço e dorso das mãos, bem como em locais mais propensos a traumatismo, fricção ou pressão leve e crônica (dedos dos pés, cotovelos, joelhos, cintura, ombros etc.). A pigmentação também é proeminente nas linhas ou dobras das palmas da mão, aréola e mamilo, axila, períneo e cicatriz umbilical. Pode ser encontrada, também, na cavidade oral, de modo não uniforme, e na superfície interna dos lábios, mucosa bucal (ao longo da linha de oclusão dentária), língua, bordo gengival e palato. Pode-se também observar hiperpigmentação generalizada da mucosa bucal, perivaginal e perianal, bem como escurecimento de unhas e cabelos, e surgimento de sardas (as previamente existentes podem ficar mais escuras). Cicatrizes formadas após a instalação da doença tornam-se igualmente hiperpigmentadas. Doença celíaca é encontrada em 15 a 22% dos pacientes com DA e deve ser sempre pesquisada quando houver sintomas gastrintestinais. Miocardiopatia reversível com a administração de glicocorticoides foi recentemente descrita em pacientes com DA.64 Também foi relatado tamponamento cardíaco precedendo a IA. DIAGNÓSTICO INSUFICIÊNCIA ADRENAL CRÔNICA Deve-se excluir o diagnóstico de DA em todo paciente agudamente enfermo que apresente sinais ou sintomas sugestivos, tais como depleção de volume, hipotensão, hiponatremia, hipercalemia, febre, dor abdominal, hiperpigmentação e, especialmente em crianças, hipoglicemia. Também devem ser investigados para DA os pacientes com certas doenças autoimunes (p. ex., tireoidite de Hashimoto e diabetes melito tipo 1) e infecciosas (TB, AIDS, citomegalovirose, PCM e histoplasmose). EXAMES LABORATORIAIS O diagnóstico da IA crônica pode ser estabelecido pela dosagem do cortisol (sérico ou plasmático) e ACTH plasmático basais, bem como por meio de testes de estímulo para avaliação de reserva funcional adrenocortical. Diagnóstico laboratorial da insuficiência adrenal. • Dosagem de cortisol sérico basal • Dosagem de ACTH plasmático basal • Teste da estimulação rápida com ACTH (teste da Cortrosina®) • Teste de tolerância à insulina (ITT) • Teste de metirapona • Teste de glucagon OUTRAS ALTERAÇÕES BIOQUÍMICAS Na DA, as alterações bioquímicas mais comuns são hiponatremia e hipercalemia (por deficiência mineralocorticoide), além de uremia (secundária à depleção de volumétrica e à desidratação). Ademais, podem ser encontradas hipoglicemia de jejum, hipoglicemia pós-prandial (raramente), hipercalcemia leve a moderada (em cerca de 6%), elevação de transaminases e, raramente, hipomagnesemia . IA deve sempre ser considerada diante de qualquer das alterações mencionadas, sem uma causa evidente. Os mecanismos da hipercalcemia na insuficiência adrenal incluem redução da filtração glomerular e aumento da reabsorção tubular de cálcio.76 Aumento da reabsorção óssea foi sugerido como mecanismo adicional. Dentre as anormalidades hematológicas observadas na IA, anemia (normocítica e normocrômica) e eosinofilia são as mais usuais. Neutropenia e linfocitose relativa também podem ser observadas. Macrocitose ocorre nos casos de DA associada à anemia perniciosa. Elevação do TSH sérico e moderada hiperprolactinemia também podem ser vistas em pacientes com DA, sendo ambas reversíveis com a introdução da corticoterapia. O sulfato de DHEA encontra-se invariavelmente baixo na IA, mas tem baixa especificidade, visto que diminui com o envelhecimento. INVESTIGAÇÃO DA ETIOLOGIA DA INSUFICIÊNCIA ADRENAL A etiologia da IA primária deve ser determinada por motivos terapêuticos em todos os pacientes com doença confirmada do ponto de vista hormonal. Como as causas mais comuns de IA primária são a destruição autoimune do córtex adrenal em adultos e a HAC em crianças, recomenda-se a dosagem dos anticorpos anti-21-hidroxilase (Ac21OH) e da 17- hidroxiprogesterona (17OHP) basal. Crianças, adolescentes e adultos jovens do sexo masculino Ac21OH-negativos deverão ser testados para adrenoleucodistrofia (ALD), por meio da mensuração sérica dos ácidos graxos de cadeia muito longa. Se esses diagnósticos forem excluídos, a tomografia computadorizada (TC) das adrenais poderá revelar lesões bilaterais decorrentes de doenças granulomatosas, hemorragia e metástases ou outras neoplasias (p. ex., linfoma adrenal). Na DA autoimune, as adrenais mostram-se de volume normal ou atrofiadas. A indicação da TC pode ser antecipada caso não se disponha da dosagem de Ac21OH. Os antecedentes pessoais, assim como a história familiar do paciente, poderão apontar para a presença de SPA ou de síndromes genéticas específicas raras. As causas não autoimunes de IA primária são mais frequentemente observadas em crianças e idosos. Da mesma forma, a história de traumatismo craniano ou tratamento de tumores hipofisários/hipotalâmicios com cirurgia e/ou radioterapia (causa mais frequente de deficiência de ACTH) aponta para a possível etiologia da IA secundária. Deficiência isolada de ACTH é rara, daí a obrigatoriedade de se excluir um pan- hipopituitarismo mediante as dosagens hormonais pertinentes (T4 livre, IGF-1 e hormônios esteroides sexuais).
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