Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
FUNDAMENTOS E METODOLOGIAS DAS LINGUAGENS ARTÍSTICAS Pablo Rodrigo Bes Fundamentos da arte e seu ensino Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Definir os fundamentos estéticos e artísticos na educação em arte. � Analisar a difusão da arte na cultura e no contexto histórico-social. � Explicar a relação entre educação estética e educação artística. Introdução A educação em arte deve fazer parte do cotidiano escolar, uma vez que contribui significativamente para que os alunos desenvolvam sua per- cepção, sensibilidade e julgamento estético sobre o mundo ao seu redor. Assim, ao planejar as atividades que serão realizadas em aula, o professor de artes deve se valer das múltiplas linguagens que este componente curricular possibilita, envolvendo seus aspectos estéticos e artísticos nas produções de seus alunos. Neste capítulo, você conhecerá os fundamentos estéticos e artísticos da educação em arte, percebendo como ocorrem as múltiplas relações entre estas duas áreas. Além disso, você analisará como ocorrem os me- canismos de difusão da arte na cultura da sociedade. Fundamentos da educação em arte Pensar sobre a arte na educação nos tempos atuais parece urgente, principal- mente quando percebemos que a escola e, em particular, os currículos escolares, parecem estar sendo pautados por uma lógica que privilegia a racionalidade do mercado, do mundo do trabalho, negligenciando outras questões igualmente importantes para o desenvolvimento pleno do ser humano. Para o poeta Rubem Alves (1988, p. 11), a educação como um todo deveria se fundamentar nos princípios estéticos da arte: Seria compreensível e mesmo defensável um apelo para que os valores estéticos fossem incluídos em nossos currículos. Ninguém negaria que a beleza tenha sido deles banida de forma espantosamente radical. Por boas razões, é claro. Afinal de contas, a sensibilidade artística parece não oferecer contribuição alguma, seja ao desenvolvimento, seja à segurança do país... Bem diz o ditado popular que “beleza não se põe na mesa”. Claro que coisas úteis são mais importantes do que coisas belas. Mas mesmo o mais endurecido materialista estaria disposto a concordar que a arte, às vezes, tem certa utilidade. De forma poética, irônica e desafiadora, o autor procura apontar questões importantes a respeito da arte e do confronto entre a utilidade e a estética na educação. Dessa forma, podemos entender que a arte sempre esteve presente na vida das pessoas, reconfigurando-se a cada momento histórico, uma vez que esta é produto da cultura humana. Assim, iniciaremos nosso capítulo aprendendo sobre dois importantes pontos que devem fundamentar a educação em de arte: fundamentos estéticos e artísticos. Ao acompanharmos o estudo da arte em paralelo à evolução humana, per- cebemos que esta serve para as mais diversificadas funções, desde a simples expressão de vivências e anseios, associada a tarefas pedagógicas, à apreciação religiosa, à distinção de classes sociais pelo seu acesso, até o puro deleite que proporciona àquele que a observa ou a vivencia. Portanto, podemos constatar que a manifestação artística em suas várias possibilidades propicia um encontro estético, no qual o ser humano pode refletir a respeito do belo, produzindo, pela percepção, seu próprio conceito sobre a produção do artista. De acordo com Chauí (2010, p. 411): Estética é a tradução da palavra grega aesthesis, que significa conhecimento sensorial, experiência, sensibilidade. Foi empregada pela primeira vez pelo alemão Baumgarten, por volta de 1750. Em seu uso inicial referia-se ao estudo das obras de arte enquanto criações de sensibilidade, tendo como finalidade o belo. Pouco a pouco, substituiu a noção de arte poética e passou a designar toda a ação filosófica que tenha por objetivo as artes ou uma arte. Do lado do artista e da obra, busca-se a realização da beleza; do lado do espectador e receptor, busca-se a reação sob a forma do juízo de gosto, do bom gosto. Fundamentos da arte e seu ensino2 De acordo com as ideias da autora, ao propormos a educação na escola, fundamentando-a pela lógica da estética, devemos proporcionar aos alunos experiências sensoriais para que possam desenvolver sua sensibilidade em relação às manifestações artísticas que lhes rodeiam. É importante destacar que, na contemporaneidade, a questão estética transcende o conceito de belo, pois, em alguns casos, este pode não fazer parte da concepção de um artista. A arte provoca emoções, suscita desejos, combate ou milita em questões de cunho social, entre outros. Como já mencionado, ao abordarmos a estética, o foco se volta para a questão da experiência sensorial a ser vivenciada pelo es- pectador que, a partir desta, irá produzir seus próprios juízos. Essa experiência estética sensorial costuma se relacionar ao conceito de fruição, que significa desfrutar da expressão artística, apreciar a arte e seu criador. Atualmente, os fundamentos da estética na educação em arte também procuram se conectar com questões da realidade social dos alunos, propondo que a partir de oportunidades de interpretação das múltiplas linguagens artís- ticas eles possam romper com os padrões da vida cotidiana. Ao abordar estas questões, Ferraz e Fusari (2010, p. 54) complementam que “[...] o estético em arte diz respeito, dentre outros aspectos, à compreensão sensível-cognitiva do objeto artístico inserido em um determinado tempo/espaço sociocultural. Todavia, a experiência estética pode ser mais ampla e não necessariamente derivada da arte [...]”. Portanto, podemos vivenciar manifestações estéticas por meio de fenômenos da natureza, como o canto dos pássaros, o pôr do sol, as copas das árvores floridas, etc., de acordo com nosso nível de sensibilidade. Canclini (1980) alerta para a existência de uma mediação entre as produções artísticas e o meio social, que procura definir o que pode ser considerado arte ou produção artística em cada época, de acordo com categorias estéticas que sejam legitimadas e vigentes. Podemos entender que a produção artística está diretamente relacionada aos padrões estéticos estabelecidos socialmente, sendo, assim, produto da cultura da sociedade. Por essa razão é importante que, no contexto escolar, os professores de artes possibilitem o estudo a respeito da vida e da contextualização social e histórica de cada autor, procurando entender como estes fatos implicam em suas obras. A Figura 1 serve como ilustração para a importância da combinação de aspectos estéticos, sensoriais e conhecimentos artísticos em sala de aula. 3Fundamentos da arte e seu ensino Figura 1. As produções realizadas pelos alunos na educação em arte devem envolver os aspectos estéticos, sensoriais e os conhecimentos artísticos, para que estas se tornem significativas para seus autores. Fonte: Poznyakov/Shutterstock.com. Com relação aos fundamentos artísticos que envolvem a educação em arte, devemos compreender que “[...] a concepção de artístico relaciona-se diretamente com o ato de criação da obra de arte, desde as primeiras elabo- rações de formalização dessas obras até em seu contato com o público [...]” (FERRAZ; FUSARI, 2010, p. 56). Neste aspecto, os professores deverão proporcionar experiências para que os alunos possam exercer sua autoria nas linguagens artísticas que estão aprendendo, seja em artes visuais, dança, música ou teatro. Esta atividade exige planejamento, uma vez que, segundo Ferraz e Fusari (2010, p. 56), “[...] o fazer artístico (a criação) é a mobilização de ações que resultam em construções de formas novas a partir da natureza e da cultura; é ainda o resultado de expressões imaginativas, provenientes de sínteses emocionais e cognitivas [...]”. Portanto, produzir arte na escola (e em qualquer outro espaço) trabalha tanto com a inteligência emocional quanto a capacidade cognitiva do aluno. Fundamentos da arte e seu ensino4 Os fundamentos da educaçãoem arte devem ser pautados no conhecimento das principais etapas do processo artístico, que são apresentadas, de forma resumida, no esquema da Figura 2. Figura 2. Principais etapas do processo artístico. Fonte: Adaptada de Ferraz e Fusari (2009). OS AUTORES/ARTISTAS São os criadores (pro�ssionais ou não) de produtos ou obras artísticas a partir da história de seus modos e patamares de sensibilidade e entendimento da arte. São pessoas sempre situadas em um contexto sociocultural que suas obras representam. OS PRODUTOS ARTÍSTICOS/OBRAS DE ARTE São os trabalhos que resultam de um fazer e pensar que reune técnica, emoção e representação do mundo e da cultura e que sintetizam os conhecimentos artísticos e estéticos dos autores. Trazem consigo um história e situam-se num contexto sociocultural especí�co. A COMUNICAÇÃO/DIVULGAÇÃO São as práticas utilizadas para expor, apresentar, veicular ou intermediar as obras artísticas produzidas entre as pessoas ao longo de nossa história cultural. Podem assumir formatos pro�ssionais ou não. O PÚBLICO/OUVINTES/ESPECTADORES São as pessoas que constroem a história de suas relações com as produções artísticas e seus autores em diversos níveis de sensibilidade e entendimento da arte. Também situam-se em um tempo-espaço que é construído socioculturalmente. 5Fundamentos da arte e seu ensino Segundo Ocvirk et al. (2014), os componentes básicos da arte podem ser definidos como tema (o que se produz), forma (como se desenvolve a obra) e conteúdo (o porquê de o artista ter feito a obra). A arte na cultura e no contexto histórico-social Como mencionado anteriormente, a manifestação artística se relaciona com os padrões estéticos e culturais de cada época . Portanto, as obras de arte são consideradas artefatos culturais que representam, de alguma forma, os acontecimentos históricos do período em que foram produzidas. Tais fatos contribuíram para a manifestação artística por meio de produções e repre- sentações de eventos específicos. Muitos artistas se valeram, no decorrer do tempo, das mais variadas formas de difusão de sua arte para o público apreciador de seu trabalho. Conheceremos, nesta sessão, alguns aspectos históricos da difusão da arte na cultura, considerando contextos históricos no desenvolvimento da sociedade. Ao estudarmos a história da arte e a humanidade, podemos apontar a re- lação intrínseca e direta da manifestação artística com a cultura da sociedade em cada período. No período pré-histórico, por exemplo, a arte se manifesta em paredes de cavernas, nas quais as tribos representavam suas façanhas, de modo a narrar sua história. Já no período da modernidade, a arte passou a ser associada à elite, que tinha acesso ao teatro, óperas, obras clássicas literárias, pinturas e esculturas de artistas renomados. Com o advento da pós-modernidade e o alargamento do conceito de arte, bem como do próprio conceito de cultura, criaram-se outras formas de manifestações artísticas consideradas mais populares e regionais, entre elas, o grafite, ilustrado na Figura 3. Neste período, procura-se universalizar o acesso às artes para toda a sociedade, anteriormente direcionadas para uma classe tida como dominante. Fundamentos da arte e seu ensino6 Figura 3. As expressões artísticas contemporâneas estão ao nosso redor, como este grafite do artista Kobra, que integra o cenário da cidade do Rio de Janeiro. Fonte: Ricardo Cohen – Rcview/Shutterstock.com. Na atualidade, podemos encontrar diferentes tipos de manifestações artís- ticas em nossa cultura. Ao caminhar pelas ruas, deparamo-nos com grafites que adornam paredes e muros, esculturas, museus, prédios tombados e suas arquiteturas, paisagens, proliferações de imagens que nos chegam pela mídia de massa (televisão e rádio) ou pelas mídias digitais (computadores, telefones móveis). Nossas relações sociais estão sendo permeadas por aspectos da estética e da arte cotidianamente, embora nem sempre percebamos. Dada a proximidade das questões da estética e das produções artísticas com a cultura na sociedade — cultura esta que estabelece regras, normas e produz maneiras de pensar, sentir e viver — uma das formas de entender como ocorre a difusão da arte é compreendê-la dentro de etapas que compõe o processo cultural, conforme mostra o esquema da Figura 4. 7Fundamentos da arte e seu ensino Figura 4. Etapas do processo cultural. Fonte: Adaptada de Ferreira (2002). Criação Regulação Produção Difusão Consumo/ recepção Ao analisar a arte e sua relação com a cultura na contemporaneidade, com ênfase na etapa da difusão, é importante destacar o conceito de inter- mediação cultural, que dentro do processo da produção da nossa cultura pode ser entendida como “[...] aquela que faz funcionar os canais de ligação entre produção e recepção, entre criadores e públicos e que é resultado das atividades mais ou menos especializadas de agentes e organizações que intervêm nos processos de seleção, filtragem, distribuição, divulgação, avaliação e valo- rização das criações [...]” (FERREIRA, 2002, documento on-line). Por isso, a intermediação cultural passa a ser decisiva no processo de difusão da arte. No Brasil, percebemos como os agentes de intermediação cultural, algumas vezes representados por organizações da sociedade civil, costumam atuar nos mais diversos campos sociais, possibilitando que a arte de cada grupo cultural possa ser expressa. Na música, há meios de divulgação de manifestações artísticas de grupos organizados em favelas, que se apresentam tanto em street dance, quanto em orquestras clássicas. Ao mesmo tempo, vemos centenas de jovens que optam pelo funk ou o rap como meio para expressar sua arte e, possivelmente, melhorar suas condições de vida. Dessa maneira, embora a educação em arte deva ir além da simples análise de seu caráter social, sabemos que este é um fator determinante. Como já mencionado, a produção artística deve sempre reunir tanto elementos cognitivos, que envolvem técnicas e estilos aprendidos Fundamentos da arte e seu ensino8 ao longo da trajetória artística, quanto aspectos relacionados à sensibilidade e à emoção, que fazem parte da estética. O street dance, ou dança de rua, ganhou bastante destaque no Brasil nas últimas décadas. Muitos jovens aderem e criam seus grupos de dança, à semelhança dos “bondes” formados para dançar funk. O funk é um estilo musical que se popularizou no Brasil a partir dos anos 1990, sendo reconhecido como o ritmo das periferias, tendo vários estilos, como romântico (melody), erótico e, ainda, supervalorizando o consumo (ostentação). Rap significa rhythm and poetry (ritmo e poesia) e procura trazer em suas letras um teor de contestação e crítica às desigualdades sociais. As estratégias de difusão cultural também se fazem presentes nos espaços tradicionais de exibição da arte, como nos museus. Veja, a seguir, as atribuições do setor de difusão cultural do Museu de Arte Murilo Mendes (2019), de Juíz de Fora, descritas em seu portal eletrônico. Compete ao Setor de Difusão Cultural: implementar projetos culturais que confiram visibilidade ao acervo do MAMM; promover e gerenciar intercâm- bios junto a outras instituições, na perspectiva da ação educativa; contribuir para a obtenção de recursos destinados às ações culturais idealizadas pelo museu; auxiliar na produção, planejamento e organização de eventos cultu- rais promovidos e/ou apoiados pelo museu; promover ações educativas por meios de cursos, palestras, seminários, oficinas, mostras e visitas orientadas. No que diz respeito às escolas e ao ensino e aprendizagem da arte, podemos perceber como a difusão cultural também procura promover esta aproximação com os processos educacionais que estão sendo desenvolvidos em sala de aula. Cabe aos professores, em seus planejamentos, pesquisar e propor ações pontuais com seus alunos nestes espaços, que melhor se alinhem com as téc- nicas apreendidas, que trabalhem com temas que os sensibilizame despertam seu interesse, como artistas locais, nacionais ou internacionais que estejam realizando exposições. É importante pontuar que, em uma sociedade em que a mídia digital costuma tornar pública toda a diversidade de manifestações 9Fundamentos da arte e seu ensino artísticas, a tarefa do professor em proporcionar este contato para seus alunos é facilitada. Você sabia que as crianças devem ser estimuladas desde pequenas, ainda na educação infantil, para que desenvolvam sua sensibilidade e percepção estética sobre o mundo e as artes? Os bebês já demonstram, desde os primeiros meses, seus primeiros traços de sentimentos estéticos ou gosto pelas coisas, sejam cores, sons preferidos, formas diferentes e movimentos variados. Nesta fase da educação infantil e dos anos iniciais, a ludicidade deve permear a educação em arte, tornando tais momentos prazerosos e significativos. Relações entre a educação estética e a educação artística São múltiplas as relações que podem ser estabelecidas entre a educação estética e a educação artística, uma vez que ambas são interdependentes e complementares. De acordo com Pareyson (1954 apud Bosi, 2000, p. 8), os temas centrais da reflexão estética que devem se fazer presentes na produção artística são “[...] o fazer, o conhecer e o exprimir [...]”. Portanto, o professor de arte não deve concentrar suas aulas somente no fazer artístico, devendo ampliar suas práticas com estratégias que levem seus alunos a desenvolver, concomitantemente, uma educação estética, ou seja, que desenvolvam os aspectos da percepção sobre a arte, da apreciação (fruição) das manifestações artísticas e, até mesmo, da crítica sobre a arte e seu processo. É importante destacarmos que, no sistema educacional brasileiro, sobretudo após a construção dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998, p. 20), entende-se a importância da educação do componente curricular de arte, envolvendo as linguagens artísticas do teatro, da dança, da música e das artes visuais, que deverão ser trabalhadas a partir dos aspectos da criação artística e da percepção estética, uma vez que “o conhecimento da arte abre perspectivas para que o aluno tenha uma compreensão do mundo na qual a dimensão poética esteja presente: a arte ensina que nossas experiências geram um movimento de transformação permanente, que é preciso reordenar referências a cada momento, ser flexível.” Sendo assim, é evidente a importância da articulação Fundamentos da arte e seu ensino10 entre o conhecimento, a sensibilização estética e a produção artística para que os alunos possam aprimorar suas visões de mundo e seu aprendizado. Sobre o processo de educação em arte que contempla tanto os aspectos estéticos quanto os artísticos, Ferraz e Fusari (2010, p. 61) defendem que um projeto deste tipo deve apresentar os componentes a seguir. 1. Documentos artísticos produzidos culturalmente (pinturas, esculturas, gravuras, filmes, arquiteturas, fotografias, partituras, gravações em áudio e vídeo, textos dramáticos, roteiros etc.); 2. Informações complementares elaboradas pelo próprio professor, pela mídia ou contidas em publicações especializadas (textos, livros, teses, artigos em jornais revistas, catálogos); 3. Materiais e instrumentos para produções artísticas (papéis, tintas, lápis, argila, madeira, pedra, tecido, arame, luz... instrumentos sonoros, musicais, microfones ... roupas ou figurinos, pincéis, goivas, gravadores, câmeras de fotografia, de vídeo, computador etc.). Cabe ao professor proporcionar aos alunos o contato com estes materiais citados, para que os conheçam, reflitam e apreciem. Para desenvolver suas habilidades estéticas e artísticas, os alunos devem ter acesso a um repertório rico de manifestações da arte na cultura, possibilitando que eles desenvolvam suas próprias leituras e reflexões a partir do conhecimento dos contextos em que estes artistas viveram e das condições de sua produção, atribuindo, assim, os seus próprios significados para estas produções. Uma professora de uma turma de segundo ano do ensino fundamental percebeu que seus alunos tinham dificuldades de relacionamento: alguns grupos não interagiam ao longo das aulas. Alguns destes alunos tinham dificuldade de se expressar pela escrita, pois seu processo de alfabetização ainda estava em andamento. Para desenvolver a percepção estética de seus alunos, a professora utilizou fotografias destes, para que produzissem seus autorretratos e retratos dos colegas de sala de aula. Ela também criou grupos de teatro, que dramatizavam situações do dia a dia dos alunos, o que os aproximou em muitos pontos. Nas aulas de música e dança, a professora alternava entre os estilos e ritmos preferidos pela turma. Com esta atividade, a professora conseguiu amenizar os problemas de relacionamento entre os alunos, que perceberam que todos tinham um jeito particular de ser que devia ser valorizado e respeitado. 11Fundamentos da arte e seu ensino Ao analisar a produção de significados realizada a partir das imagens presentes nas obras de arte, Vieira da Cunha (2010, p. 112), a constatou que: Os significados das imagens são construídos nas interações sociais e cul- turais que realizamos com elas. Os contextos sociais e culturais, amplos ou específicos, e as pessoas, dão existência aos materiais visuais atribuindo-se significados. Portanto, o sentido não “emana” das imagens, mas dos diálogos produzidos entre elas e as pessoas, sendo que estes diálogos são mediados pelos contextos culturais e históricos. Um aluno educado para a percepção estética e artística estará mais prepa- rado para vivenciar a arte de épocas passadas, entendendo que sua produção esteve, neste caso, estreitamente relacionada aos códigos, normas e contextos sociais do período em que o autor a realizou. Observe, nos itens listados a seguir, outras sugestões de atividades que procuram promover a educação em arte pela interação entre os elementos estéticos e artísticos (FERRAZ; FUSARI, 2010). � Fazer um estudo dos artistas e suas produções (regionais e internacio- nais) preferidas ou selecionadas pelos alunos. � Fazer um estudo dos artistas e suas produções (regionais e internacio- nais) ainda desconhecidas destes alunos, mas que possam ser selecio- nadas para mobilizar seus interesses estéticos e artísticos. � Realizar um estudo do patrimônio cultural de sua localidade, compa- rando-o com o de outras regiões brasileiras, procurando diferenciar aspectos urbanísticos, arquitetônicos, visuais, musicais etc. � Selecionar critérios estéticos e artísticos para análise desse patrimônio cultural. � Verificar junto ao acervo das bibliotecas, centros culturais, museus, colecionadores etc. a possibilidade de preparar novas atividades teórico- -práticas com os alunos. � Fazer um levantamento (pesquisa, enquete) com os alunos para co- nhecer suas experiências artísticas, bem como técnicas e materiais a ser utilizados. � Verificar, em sua região, as possibilidades teóricas e materiais dispo- níveis para uso nas atividades artísticas propostas na escola; verificar quais materiais podem ser facilmente adquiridos, quais podem ser produzidos e quais as formas de utilizá-los. Fundamentos da arte e seu ensino12 � Reestudar, praticar técnicas artísticas e fazer uso de diversos materiais; verificar que artistas desenvolveram trabalhos com essas técnicas e materiais; selecionar alguns desses trabalhos para ser analisados com os alunos. As relações entre a estética e a arte devem ser estimuladas pelo professor a partir de suas práticas de educação em arte. É preciso conhecer, vivenciar, experimentar as mais diversas manifestações artísticas para que possamos, então, ser capazes de refletir sobre elas. Ao referir-se a arte visual, Manguel (2001, p. 27) esclarece que “[...] só podemos ver coisas para as quais possuímos imagens identificáveis, assim como só podemos ler em uma língua cuja sintaxe, gramática e vocabulário já conhecemos[...]”. Com a arte, isto ocorre da mesma maneira, pois precisamos entender como a sociedade em seu desenvolvimento histórico foi estabelecendo formas de representação das coisas pertencentes à realidade cotidiana e que nos fornecem, então, condições de ver o que está ali representado artisticamente, considerando quais significados foram atribuídos para aquela obra específica pelo autor. Para que possamos perceber como as questões estéticas e artísticas es- tão correlacionadas, Vieira da Cunha (2010, p. 120) nos concede a seguinte sugestão: Prestem atenção, nas revistas de grande circulação nacional, sobre as repre- sentações de infância, mulheres e homens jovens, maduros, idosos e idosas. O que estas imagens, representações, nos dizem sobre estas diferentes fases da vida? Quais os tipos que são excluídos? Como formulamos concepções sobre maturidade, juventude e infância através destas imagens? Acompanhando o questionamento feito pela autora , podemos perceber como a arte também contribui para que a vida em sociedade venha a ser mo- delada de acordo com os padrões vigentes na cultura de cada época. Podemos verificar estas questões ao percebemos como alguns temas, em diferentes épocas, ganham representações muito distintas nas manifestações da arte. Da mesma forma, existe a mescla de culturas, que hibridiza e reconfigura as formas de pensar a estética e a arte. É importante mencionarmos que, atualmente, as aulas de arte nas escolas se dirigem a todos os alunos que ali estão inseridos, não fazendo distinção entre aqueles que seriam mais hábeis ou reuniriam as condições exigidas para criar uma manifestação artística. Ao referir-se à dança, Santos (2010, p. 27) chama a atenção para a mudança nos preceitos estéticos desta arte, que se fizeram 13Fundamentos da arte e seu ensino presentes até metade do século XX, quando os corpos vistos como padrões deveriam ser “[...] fortes, esguios, leves, ágeis [...]” Isto excluía aqueles que não se encaixavam nestas definições. Como educadores em arte, devemos entender que “[...] excluídos ou incluídos, estranhos ou anormais, o que precisa estar em foco é que é desta maneira heterogênea que se constituem as turmas, e não de uma uniformidade idealizada. O aluno de dança tanto será o que atende a norma como o que dela escapa, o que parece familiar, quanto o que causa estranhamento [...]” (SANTOS, 2010, p. 26). O mesmo se aplica para as demais linguagens artísticas, o teatro, a música e as artes visuais, e cabe ao professor promover a vivência destas possibilidades de desenvolvimento pleno a todos os alunos por meio da arte. Acesse o link a seguir e assista ao vídeo com a professora Ana Mae Barbosa e perceba como a autora avalia a educação em arte na contemporaneidade e sua importância para que as crianças ampliem sua visão crítica de mundo a partir das aulas. https://qrgo.page.link/j7uAy ALVES, R. A utilidade e o prazer: um conflito educacional. In: DUARTE JUNIOR, J. F. Fundamentos estéticos da educação. 2. ed. São Paulo: Papirus, 1988. BOSI, A. Reflexões sobre a arte. 7. ed. São Paulo: Ática, 2000. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais 5ª a 8ª séries: arte. Brasília: MEC, 1998. CANCLINI, N. G. A socialização da arte: teoria e prática na América Latina. São Paulo: Cultrix, 1980. CHAUÍ, M. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2010. FERRAZ, M. H. C. T.; FUSARI, M. F. R. Arte na educação escolar. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2010. FERRAZ, M. H. C. T.; FUSARI, M. F. R. Metodologia do ensino de arte: fundamentos e proposições. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2009. Fundamentos da arte e seu ensino14 FERREIRA, C. Intermediação cultural e grandes eventos: notas para um programa de inves- tigação sobre a difusão das culturas urbanas. 2002. Disponível em: https://estudogeral. uc.pt/bitstream/10316/11042/1/Intermedia%C3%A7%C3%A3o%20Cultural%20e%20 Grandes%20Eventos..pdf. Acesso em: 23 out. 2019. MANGUEL, A. Lendo imagens: uma história de amor e de ódio. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. MUSEU DE ARTE MURILO MENDES. Difusão cultural. 2019. Disponível em: http://www. museudeartemurilomendes.com.br/r/setores/difusao-cultural/. Acesso em: 23 out. 2019. OCVIRK, O. G. et al. Fundamentos de arte: teoria e prática. 12. ed. Porto Alegre: AMGH, 2014. SANTOS, A. R. T. A escola e o aluno de dança: desafios da contemporaneidade. In: ICLE, G. Pedagogia da arte: entre-lugares da criação. Porto Alegre: UFRGS, 2010. VIERA DA CUNHA, S. R. Cultura visual e infância. In: ICLE, G. Pedagogia da arte: entre- -lugares da criação. Porto Alegre: UFRGS, 2010. 15Fundamentos da arte e seu ensino
Compartilhar