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Resenha Crítica: Inquisição e cristãos-novos - José Antônio Saraiva

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Prévia do material em texto

A INQUISIÇÃO PORTUGUESA E SUAS CONCEPÇÕES
SARAIVA, António José. Inquisição e cristãos-novos. 2. ed. – Porto: Inova-Lisboa, 1969
História Ibérica I - Profª Drª. Íris Kantor
Millena Benicio Silva
Certamente você já deve ter ouvido falar na Inquisição, no Tribunal do Santo Ofício,
no poder que a Igreja Católica Apostólica Romana tinha [ou tem] sobre o continente europeu
e até mesmo sobre os cristãos-novos e judeus. Mas é bem possível que todos esses conceitos
e ideias ainda estejam desordenados e sem ligação em sua mente. Por exemplo, o que o
Tribunal do Santo Ofício tem a ver com os cristãos-novos? Quem são os cristãos-novos? Por
isso, com o objetivo e o propósito de problematizar a Inquisição Ibérica e também o conceito
de “cristãos-novos”, e não apenas entregar definições pré-estabelecidas, José Antônio Saraiva
instiga o leitor através de Inquisição e Cristãos-Novos a refletir e buscar conhecer de forma
profunda e detalhada as concepções que transpassam este tema polêmico da história da
península ibérica. O livro foi lançado em 1969 pela Editora Inova-Lisboa, e logo no primeiro
ano ganhou 4 edições, todas no mesmo ano da publicação. Composto por 319 páginas,
divididas em 13 capítulos extensos, o autor investiga a Inquisição através de uma
interpretação social, e não apenas como um fenômeno político-religioso. Uma curiosidade
interessante a respeito dessa obra é que o resumo dela foi publicado na revista fundada pelos
historiadores Marc Bloch e Lucien Febvre, a Annales. Economiés. Sociétés. Civillisations,
em Maio-Junho de 19671.
José Antônio Saraiva nasceu em Leiria, uma cidade de Portugal, no ano de 1917. Foi
coetâneo de muitos acontecimentos históricos que impactaram diretamente em sua vida,
como por exemplo, o salazarismo em Portugal, que o obrigou a exilar-se na França, uma vez
que foi militante do PCP (Partido Comunista Português) entre os anos de 1944 e 1962. Fez
doutorado em Filologia2 Românica com a tese Gil Vicente e o Fim do Teatro Medieval pela
Faculdade de Letras de Lisboa. Construiu uma excelente e vasta bibliografia que atualmente
se configura como referência na historiografia portuguesa, visto que Saraiva procurou
2 Vale ressaltar que filologia é a ciência que estuda a linguagem em fontes históricas escritas, incluindo
literatura, história e linguística. Cf. PEILE, John. Philology. London: Macmillan, 1880.
1 SARAIVA, Antônio José. Inquisição e Cristãos-Novos. 4a ed., Porto: Inova-Lisboa, 1969. p. 12
escrever uma história interpretativa e contextualizada, quebrando as barreiras ideológicas de
sua época e das anteriores; suas mais notáveis obras são História da Cultura em Portugal e
História da Literatura Portuguesa, que escreveu com Óscar Lopes3.
É justo dizer que esta obra foi escolhida para ser feita a resenha baseando-se na
convergência com as ideias das aulas “Do Al Andaluz aos Reinos católicos: língua, memória
e fronteiras” – onde foi construído um interessante debate sobre este tema da Inquirição, a
perseguição aos judeus, a diferenciação dos termos mouriscos, marranos, criptojudeus, entre
outros –, “Coroas ibéricas, Santa Sé e a expansão imperial” – especialmente no que tange a
análise das bulas, que apesar de não serem as mesmas mencionadas nesta resenha, pôde ter
uma noção do que eram esses documentos e o efeito deles na sociedade, assim facilitando a
leitura. As concepções trabalhadas nessas aulas acompanharam a trajetória dentro de todo o
curso. Além disso, outro motivo para a escolha é o diálogo que esta obra estabelece com as
ideias do livro A Perseguição aos judeus e muçulmanos de Portugal, de François Soyer, e
com a riquíssima obra Cada um na sua Lei: tolerância religiosa e salvação no mundo
atlântico ibérico, do célebre historiador norte-americano, Stuart Schwartz, que através das
leituras de seus textos, integradas na bibliografia do curso, e com sua participação nas
palestras e mesas redondas esteve muito presente durante a ministração do curso de História
Ibérica I.
O estilo de escrita de José Antônio Saraiva é de linguagem simples, não é difícil
compreender as ideias propostas, porém é uma leitura densa e pesada. Pode-se observar em
Inquisição e Cristãos-Novos que ele faz rodeios – claro que com a boa intenção de dar todo o
contexto – para explicar uma coisa lá na frente, mas, até chegar em tal ponto, é capaz do
leitor já ter perdido-se na leitura e nem lembrar onde ele queria chegar. O livro é
extremamente conteudista, é um texto recheado de informações e detalhes, configurando-se,
assim, como uma obra que necessita de um estudo mais lento e pausado, um olhar clínico
treinado para saber discernir o que é relevante do que não é também ajudará na experiência
de leitura. Portanto, tendo em vista a descrição desse cenário, foram escolhidos os três
primeiros capítulos para a discussão nesta resenha, dado que são justamente esses que
explicam o objeto central para ser analisado: o que é a Inquisição e funcionamento
inquisitorial.
3 MATTOSO, José. José Antônio Saraiva. in: Penélope – Fazer e Desfazer a História, nº 12, 1993. Disponível em:
<https://web.archive.org/web/20140309143042/http://www.penelope.ics.ul.pt/indices/penelope_12/12_13_JMattoso.pdf>
Acesso em 01 de ago de 2021.
Na introdução de Inquisição e Cristãos-Novos, o autor faz um panorama das
problematizações que serão discutidas ao longo da obra, além de construir de forma
cronológica os argumentos que sustentam a sua tese. Nota-se que a introdução não oferece
uma descrição didática de como o debate está distribuído ao longo do ensaio. Na verdade, já é
dado de início uma noção conteudista dos temas trabalhados no livro, acredito que como
forma de preparar o leitor para os capítulos subsequentes. Antes de passarmos à obra, faço
uma tentativa de definição, com base nas aulas, do que foi a Inquisição para facilitar a
compreensão tanto do livro quanto da resenha. A Inquisição foi um aparato criado pela Igreja
Católica para manter a pureza das práticas religiosas católicas e perseguir as heresias,
evitando, assim, que os fiéis se convertessem para outras religiões, que não a católica, ou
impondo a conversão ao catolicismo para indivíduos nascidos de outras religiões. Funcionou
como um tribunal, onde sua preocupação era espiritual e religiosa. A consolidação de seu
poder estava fundamentalmente baseado na aliança entre o Rei e o Papa [o direito eclesiástico
e o direito civil], criando assim o chamado Tribunal do Santo Ofício da Inquisição. Dessa
forma, a Inquisição representou um símbolo de intolerância máxima contra as religiões e
etnias onde foi instalada, possuindo o alvará para julgar e punir crimes contra a fé4. Feita as
considerações, seguimos então com a obra.
Dois momentos são cruciais na cronologia criada na introdução: na distinção entre as
Inquisições e a definição dos grupos Judeus, Cristãos-novos e Marranos.
No primeiro ponto citado, Saraiva começa a desdobrar a diferenciação e as
particularidades que compõem as Inquisições, que, apesar de terem características comuns, as
ibéricas possuem um caso à parte se comparada às outras, a exemplo, os réus que se
propuseram a perseguir, isto é, os cristãos-novos5. A Inquisição só pode ser compreendida
como uma instituição após a instauração desse aparato nos reinos de Portugal e Espanha,
tanto que o autor diz “Pode falar, como instituição, de uma Inqui sição espanhola, de uma
Inquisição portuguesa mas não de uma Inquisição francesa ou de uma Inquisição ara gonesa”6.
Dado um contexto de como a heresia dos fiéis e súditos católicos, que era o alvo da
Inquisição, espalhou-se pela Europa central, o autor conclui que o “veículo” principal foi o
casamento entre Fernando de Aragão e Isabel de Castela, que permitiu para maior avanço da
6 Ibidem. p. 15
5 SARAIVA, Antônio José. Inquisição e Cristãos-Novos. 4a ed., Porto: Inova-Lisboa, 1969. p. 13
4 Sobre o contexto da Inquisição, esse dispositivo nasce em um momento onde a maior e mais poderosa
instituição da Idade Média, assimcomo foi falado na introdução, começa a receber muitas críticas. As
Inquisições iniciaram no século XIII, no caso da Espanha, a Inquisição foi instituída em 1478 e somente foi
abolida em 1834. A Inquisição Portuguesa também teve seu estabelecimento e sua dissolução próximos a essas
datas: 1536 a 1821, respectivamente. Cf. BETHENCOURT, Francisco. História das Inquisições: Portugal,
Espanha e Itália, séculos XV-XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 10.
Inquisição, mas o “combustível” foi a atenção dada a uma classe até então ignorada pela
Inquisição medieval, “É na Espanha [...] que os Judeus convertidos constituem, de forma
sistemática e durável, matéria de investigação e perseguição inquisitorial”.
Contrapondo tal cenário, o autor fala sobre a Espanha muçulmana que, com a
expulsão dos árabes, os judeus ocuparam-na e chegaram até a possuir posições de prestígio,
em relação às outras comunidades de matriz hebraica, por conta das atividades
desempenhadas – ar tesãos, pequenos e grandes comerciantes, financeiros, médicos, homens
de leis, funcionários da corte. É nesse momento de maior esplendor, cuja sociedade judaica
vivenciava, que se dá início aos massacres e as conversões forçadas de Judeus no norte da
França, Inglaterra e cidades do Reno7; a tese do autor alega que as motivações foram
econômicas, em suas palavras:
“Tudo leva a crer que este fenómeno corresponde ao progresso artesanal e
comercial e ao aparecimento correlativo de burguesias urbanas nesses países, que
repelem ou assimilam as burguesias hebraicas já instaladas, segundo uma tendência
a eliminar as minorias étnicas e religiosas. As classes sociais ten dem, pouco a
pouco, a caracterizar-se cada vez mais pela função económica e pela forma de
apropriação da riqueza; são cada vez menos castas hereditárias com a sua expressão
religiosa particular.”8
Tal extermínio dos judeus teve um tardio início na Espanha, a justificativa do autor alega que
deve-se “ao atraso econômico e social da burguesia cristã”, visto que "aparentemente [...]
nem tinha força para concorrer com a burguesia judaica, nem era capaz de a substituir”9.
A obra segue então para uma distinção entre os termos: Judeus, Cristãos-novos e
Marranos. Os judeus eram aqueles que professavam e praticavam o judaísmo, os
cristãos-novos eram judeus convertidos ao catolicismo, e, por fim, os marranos, no
intermédio dos dois grupos, praticavam abertamente os ritos cristãos e secretamente os
hebraicos. A Inquisição em Castela insere-se nessa conjuntura com o intuito de extinguir os
cultos clandestinos dos cristãos suspeitos de judaizarem10; os reis católicos obtiveram do Papa
10 Ibidem. p. 19
9 Ibidem. p. 18
8 Ibidem. p. 18 - Permita-me fazer uma consideração. Se o leitor é um estudioso, ou até mesmo um curioso,
acerca dos estudos da história contemporânea, certamente poderá ter tido um insight da história judaica do
século passado, especialmente no que diz respeito dos judeus vivendo na Alemanha Nazista, cujo contexto
identifica-se com fala supracitada de Saraiva
7 Ibidem. p. 17
Sisto IV, em novembro de 1478, a bula Exigit sincerae devotionis affectus, fundando, assim,
uma nova Inquisição na Espanha11.
O capítulo I é dedicado à história dos judeus no contexto de uma Inquisição
incipiente na península ibérica, detalhando aspectos da organização social, descrevendo a
linhagem de seus descendentes e também as migrações, conversões forçadas e exílios. Não
diria que o autor faz de forma estritamente cronológica, talvez em certo sentido, dado que o
autor realiza muitas digressões no decorrer da apresentação. Durante o texto deste capítulo, é
possível notar críticas feitas às obras que discorreram sobre essa temática, anteriores à
Inquisição e Cristãos-Novos, como quando ele diz “Alguns historiadores animados de
precon ceitos racistas e antissemitas pretendem que os Judeus se limitavam a actividades
usurárias e parasitárias”12. Levando em consideração a fala do autor, ele continua o capítulo
reconstruindo a trajetória profissional, ofícios e traquejo que os judeus executavam nos reinos
de Castela e Portugal antes de serem perseguidos pela Inquisição; eram ferreiros, alfaiates e
sapateiros; há comentários de importantes figuras que eram judeus, por exemplo, o al faiate da
Infanta D. Beatriz, filha de D. Afonso V. Outro ponto a se destacar é:
“[...] uma quarta função desempenhada pelos Judeus na vida portuguesa: [...] função
intelectual. Eles foram na Península Ibérica os herdeiros da ciência árabe.
Cultivando a Astronomia e a Astrologia, tiveram um papel primacial nas bases
científicas da navegação atlântica portuguesa: Abraão Zacuto, judeu espanhol
refugiado em Portugal, elaborou o Almanach Perpetuum por onde se guiaram os
navegadores na orientação pelo astrolábio [...]”13
Entre a burguesia do Talmude14 e a burguesia do Evangelho, os judeus, mesmo antes de
serem submetidos ao processo de inquirição, foram alvos dos cristãos devido à concorrência
que representavam à essa burguesia mercantil, haja vista a clara diferença entre as duas.
Se o antissemitismo manifesta-se na conjuntura atual, nas décadas que precederam à
Inquisição ele era muito mais evidente e expressivo, cujo ódio destinado aos judeus chegava
a atingir os cristãos-novos. É isso que o capítulo II, Como e porquê foi introduzida a
14 Livro sagrado dos judeus, no qual estão compilados a tradição, as doutrinas, os costumes etc. do povo hebreu,
que este guarda e observa como a própria lei mosaica. Cf. TALMUDE. In: MICHAELIS, Dicionário Brasileiro
da Língua Portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 2021. Disponível em:
<https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/talmude/>. Acesso em: 01 de ago de
2021.
13 Ibidem. p. 31
12 SARAIVA, Antônio José. Inquisição e Cristãos-Novos. 4a ed., Porto: Inova-Lisboa, 1969. p. 29
11 BETHENCOURT, Francisco. História das Inquisições: Portugal, Espanha e Itália, séculos XV-XIX. São
Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 17
Inquisição em Portugal, trata em seu início, o autor revela que “Em 1531 por ocasião de um
terramoto, os frades de Santarém lançaram o pânico no povo pre gando-lhe que se tratava de
um castigo de Deus por os Portugueses consentirem os Judeus no seu seio.”15 – observando
dessa maneira, até parece que as fake news criadas e disseminadas com o objetivo de
demonização de um determinado grupo, seja étnico, político, partidário, não são novidades da
vida contemporânea. Dando sequência neste capítulo, o autor trabalha ainda o argumento de
como a presença judaica contribuiu para a transformação da sociedade. Com o Estado
endividado, levantou-se uma burguesia, mesclada por judeus antigos e cristãos, que
“Ideologicamente, destruía um dos pilares da hierarquia dos privilégios”. Saraiva analisa
sob uma perspectiva social a Inquisição espanhola e seus efeitos, como foi dito nesta resenha,
e cita, portanto, a criação de empregos eclesiásticos, resultado das instalações do Tribunal do
Santo Ofício, além da distribuição de renda e bens que foram confiscados dos cristãos-novos;
porém, ainda na questão social, sabe-se que contribuiu negativamente para a perpetuação de
preconceitos. Concluindo a concepção de onde queria chegar, que é responder o
questionamento que este capítulo tem como título, a Inquisição em Portugal parece ter sido
implantada para barrar o crescimento e ascensão de uma nova classe social, pois até o
momento, Portugal promovia a atração desse povo, especialmente com a Leis Manuelinas,
mas com a mudança desse cenário, isto é, o Estado endividado e o sucesso ascendente da
burguesia mercantil, o autor afirma: "É dentro deste conjunto que nos parece que deve
explicar-se a iniciativa de D. João III para o estabeleci mento da Inquisição em Portugal,
trinta e cinco anos depois da conversão forçada.”16. Adota-se para a expulsão dos judeus da
Espanha a data de 1492, a conversão forçada dos judeus em Portugal, deu-se um ano depois,
portanto, 149817. Com isso, o ano de 1533 seriao início da intenção de instauração da
Inquisição Portuguesa. Depois de um longo processo de negociações descritas no livro feitas
entre a Coroa de Portugal, que na época era governada pelo rei D. João III, e a Igreja18
conclui-se que:
“[...] pela bula de 23 de Maio de 1536, o Papa nomeava três inquisidores e
autorizava o Rei a nomear um outro [...] é a partir desta bula que pode
considerar-se definitivamente estabelecida a inquisição em Portugal, em bora
18 “Todo o reinado de D. João III é sob o ponto de vista diplomático uma luta pertinaz com o Vaticano [...]”. Cf.
SARAIVA, Antônio José. Inquisição e Cristãos-Novos. 4a ed., Porto: Inova-Lisboa, 1969. p. 58
17 SCHWARTZ, Stuart. Cada um na sua lei: tolerância religiosa e salvação no mundo atlântico ibérico. São
Paulo: Companhia das Letras, 2009. (1a edição 2008). p. 91
16 Ibidem. p. 59
15 SARAIVA, Antônio José. Inquisição e Cristãos-Novos. 4a ed., Porto: Inova-Lisboa, 1969. p. 50
houvesse posteriormente alterações ao estatuto in quisitorial. A bula foi publicada
solenemente em Évora, então residência real. Mas já antes (16 de Agosto) estava
publicado o monitório convidando os fiéis a de nunciarem os actos que vinham
expostos numa longa lista”19.
A imparcialidade é um tema que está em constante debate no nosso cotidiano,
especialmente quando falamos de notícias veiculadas pela mídia e julgamentos nos tribunais
de justiça. Dessa mesma forma, a imparcialidade é um tema também questionado pelos
historiadores que dedicam-se estudar as Inquisições e o Tribunal do Santo Ofício, e é nesse
capítulo III, O Processo, que Saraiva discorre sobre este assunto. Logo no início, o autor
afirma: “o processo inquisitorial [...] deixava nas mãos dos Inquisidores o poder praticamente
absoluto e arbitrário de condenar ou absolver.”20 e "Nós sustentamos não apenas que os
Inquisidores eram homens sujeitos ao engano à paixão [...] mas mais ainda: que as regras do
processo inquisitorial eram incompatíveis com uma ver dadeira imparcialidade de juízo
[...]”21. Esse dispositivo religioso era regulamentado por documentos chamados de
Regimentos, que sistematizavam o funcionamento e os modos de como proceder o
julgamento. Existem 3 desses que são da Inquisição Portuguesa22: o primeiro data 1552,
escrito a mando do rei; o segundo foi solicitado pelo Inquisidor-Geral, D. Pedro de
Mascarenhas, em 1613 e o terceiro em 1640, por outro Inquisidor-Geral, D. Francisco de
Castro.
Mas como funcionava o processo inquisitorial? Tudo começava na denúncia, que era
a base do processo23 do Tribunal do Santo Ofício, os fiéis, tendo testemunhado atos, falas ou
comportamentos heréticos deveriam manifestar-se e denunciá-los aos inquisidores; todas as
denúncias eram aceitas, independentemente de sua origem. Depois encaminhavam o acusado
para o interrogatório, isolando-o do mundo exterior; seguia-se para 3 sessões que
investigavam o passado genealógico, antecedentes criminais na família, etc. Baseando sua
fala em trechos do Livro II, Saraiva sustenta e explica sua argumentação24. Os regimentos
24 “O Regimento não se ocupa apenas das normas gerais do interrogatório, mas também da maneira como devem
ser aproveitadas e estimuladas as confissões, considerando que «as comissões dos culpados no crime de heresia são
o único meio com que podem merecer que com eles se use de misericórdia e o principal fun damento que tem o
Santo Ofício para proceder contra as pessoas de que nelas se denuncia» (L.º II, t.° 7 § 1). Cf. SARAIVA, Antônio
José. Inquisição e Cristãos-Novos. 4a ed., Porto: Inova-Lisboa, 1969. p. 85
23 SARAIVA, Antônio José. Inquisição e Cristãos-Novos. 4a ed., Porto: Inova-Lisboa, 1969. p. 77
22 Este documento encontra-se disponível para consulta. REGIMENTO, do Santo Ofício da Inquisição dos
reinos de Portugal” - Arquivo Nacional da Torre do Tombo - DigitArq. Arquivos.pt. Disponível em:
<https://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=4483482>. Acesso em: 1 de ago de 2021.
21 Ibidem. p. 75
20 Ibidem.. p. 75
19 SARAIVA, Antônio José. Inquisição e Cristãos-Novos. 4a ed., Porto: Inova-Lisboa, 1969. p. 65-66
davam legalidade para o ato da tortura durante o interrogratório, na verdade, há até mesmo a
descrição de como devem ser feitos esses procedimentos. Por fim, os últimos procedimentos
inseridos no funcionamento inquisitorial seriam a acusação, mas os condenados teriam ainda
o recurso da defesa, porém era nomeado pelo Santo Ofício. É estritamente ressaltar que toda
atmosfera que concerne ao Tribunal do Santo Ofício era sigilosa, até mesmo os Regimentos,
que eram impressos, mas proibidos de serem lidos, consultados, salvo aqueles que
trabalhavam diretamente; todos deveriam jurar segredo dos acontecimentos, tanto que “A
violação do segredo do Santo Ofício era equi parada a crime de heresia”.25
Esta obra visa desconstruir paradigmas ideológicos consolidados na historiografia
portuguesa, especialmente no que diz respeito à Inquisição Portuguesa e sua atuação. Seu
destaque é notável visto que aparece nas referências bibliográficas de trabalhos acadêmicos
como Cristãos-novos, marranos e judeus no espelho da Inquisição26, de Robert Rowland,
entre outros, cujos temas centrais são sobre a Inquisição.
Por fim, é justo dizer que a obra é uma ótima referência para os que buscam entender,
estudar ou fazer pesquisa sobre o tema da Inquisição, dado que é uma área abrangente de
estudo, sendo possível delimitar campos de atuação em cima desse objeto. Saraiva utiliza
muitas fontes para fundamentar seu ensaio, rebate e critica outros autores que se propuseram
a discorrer sobre este assunto e ainda coloca trechos do regimento da Inquisição Portuguesa,
entendido como uma fonte primária neste contexto. A apresentação do conteúdo é densa,
tornando a compreensão mais custosa, mas retomando o que foi dito, é uma leitura para ser
realizada pausadamente e com calma, para que assim seja possível absorver a riqueza de
detalhes inscritos neste brilhante livro.
26 Rowland, Robert. Cristãos-novos, marranos e judeus no espelho da Inquisição. Topoi (Rio de Janeiro)
[online]. 2010, v. 11, n. 20 , pp. 172-188. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/2237-101X011020012>.
Acessado 4 de ago de 2021.
25 SARAIVA, Antônio José. Inquisição e Cristãos-Novos. 4a ed., Porto: Inova-Lisboa, 1969. p. 100
Referências Bibliográficas
BETHENCOURT, Francisco. História das Inquisições: Portugal, Espanha e Itália, séculos
XV-XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2000
MATTOSO, José. José Antônio Saraiva. in: Penélope – Fazer e Desfazer a História, nº 12,
1993. Disponível em:
<https://web.archive.org/web/20140309143042/http://www.penelope.ics.ul.pt/indices/penelop
e_12/12_13_JMattoso.pdf> Acesso em 01 de ago de 2021.
PEILE, John. Philology. London: Macmillan, 1880.
SARAIVA, António José. Inquisição e cristãos-novos. 2. ed. – Porto: Inova-Lisboa, 1969
SCHWARTZ, Stuart. Cada um na sua lei: tolerância religiosa e salvação no mundo
atlântico ibérico. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. (1a edição 2008).
TALMUDE. In: MICHAELIS, Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. São Paulo:
Melhoramentos, 2021. Disponível em:
<https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/talmude/>.
Acesso em: 01 de ago de 2021.

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