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4 2 Beevor A Batalha pela Espanha

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A GUERRA CIVIL ESPANHOLA 
1909 
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Ç AUTOR DE Stalingrado E Berlim 1945 
 
 
 
35 
A nova Espanha e o Gulag franquista 
m 19 de maio de 1939, o grande desfile da vitória da Espanha nacionalis- 
ta foi realizado em Madri na avenida Castellana, agora rebatizada avenida 
do General íssimo! Erigira-se uma construção imensa de madeira e papelão para 
formar um arco do triunfo, no qual estava escrita a palavra “Vitória”. De cada 
lado, o nome “FRANCO” repetia-se três vezes, ligado às armas heráldicas dos 
reis católicos. 
Franco, num grande palanque, foi saudado pela parada. Usava a farda de 
pio -geral, mas por | baixo podia-se ver o colarinho agulcescuro de uma camisa 
palanque, é estava reunida sua a uarda pessgdl da cavalaria marroquina. 
No total, 120 mil soldados — inclusive legionários, regulares, falangistas e 
requetés — participaram da parada, com artilharia e blindados. Na retaguarda 
vinham os viriatos portugueses e a Legião Condorl O contingente alemão foi 
encabeçado pelo coronel Von Richthofen. “Vou dirigindo na frente”, escreveu 
em seu diário. “Os espectadores enlouquecem. 'i Viva Alemania””! No céu, lá 
em cima, aviões formavam as iniciais de “Viva Franco”. 
No dia seguinte, o cardeal Gomá, primaz da Espanha, deu a Franco a cruz 
de madeira para que a beijasse na porta da igreja de Santa Bárbara, onde o 
caudilho. entrou sob um baldaquino, como os reis de Espanha costumavam 
fazer. À No meio da cerimônia solene, imbuída de fortes imagens medievais, 
Franco à depôs a sua espada vitoriosa diante do milagroso Cristo de Lepanto, 
trazido o especialmente de de Barcelona para a ocasiãol Todas as vestimentas e reci-
 
548 A BATALHA PELA ESPANHA 
tações representavam os sentimentos e a imagem que o cruzado vencedor fazia 
de si mesmo. Em sua luta para derrotar a hidra marxista, Franco combatera 
tanto o passado “quanto o presente: o século XIX, envenenado pelo liberalis- 
mo; O século XVIIL que produzira o Iluminismo ea maçonaria; gas derrotas 
“do século XVII. Somente em período mais antigo o caudilho conseguiu en- 
contrar as raízes de uma Espanha grande e unida, a Espanha de Fernão e Isabel. Coomames 
 
 
Agora Franco era senhor de seu próprio país, mas não podia i ignorar as 
dívidas com barões e clãs que o ajudaram a a conseguir a vitória. - Em estilo feu- | 
dal, dal, sabia que : poderia manter a lealdade dos seus generais fazendo. deles mi- 
nistros, s, subsecretários e e governadores militares] Mas havia alguns — Kindelán, 
Varela, Aranda — que só aceitariam seu poder como forma de regência até 
que a linhagem alfonsina fosse restaurada. Outros, como Queipo de Llano e 
Yagúe, tinham seus próprios planos. 
Franco soube por Beigbeder que Queipo conspirava abertamente para ins- 
talar uma junta militar. Com o loguaz vice-rei da Andaluzia, não teve de espe- 
rar muito para que Queipo cometesse um erro. Em 17 de julho, nas 
comemorações do terceiro aniversário do levante, presenteou com a cruz de 
são Fernando a cidade de Valladolid. Isso irritou Queipo, que achava que Se- 
vilha (personificada por ele mesmo) tivera papel muito mais importante na 
revolta. Queipo não conseguia deixar de fazer as observações mais incômodas 
em todas as direções sobre “Paca, o bunda gorda”. Franco convocou-o a Burgos 
para consultas e, ao mesmo tempo, enviou o general Saliquet para assumir o 
comando em Sevilha assim que Queipo chegasse para ver o seu caudilho. 
Queipo foi prontamente enviado a Roma em missão militar. Perdera a base do 
seu poder.? 
Em 8 de agosto, num movimento para consolidar sua posição política, 
Franco baixou a lei do chefe de Estado, que lhe dava o direito de sancionarleis . 
ou decretos, em caso de emergência, sem deliberação do conselho de minis- 
tros. Dois dias depois Franco aprovou a formação do seu segundo. governa com 
outro golpe de mestre. Nomeou o coronel Juan Beigbeder ministro do Exte- 
 
rior; Ramón Serrano Súfier, ministro do Interior; o general Varela, ministro | 
do Exército; mas então, para estupefação de todos, nomeou o general Yagúe 
i 
A NOVA ESPANHA E O GULAG FRANQUISTA 549 
ministro da Aeronáutica. Isso derrubou Yagiie e, principalmente, Kindelán, 
que cc 'comandara ra a Força Aérea durante toda a guerral Kindelán foi mandado 
paraas s Baleares como governador militar, onde seria difícil conspirar com outros 
monarquistas. E Yagie, encarregado de uma tarefa que provavelmente não 
cumpriria bem, acharia difícil ser um portador plausível do estandarte 
falangista.? Sem dúvida Serrano Súfier teve o seu papel, pois ainda assessorava 
o cunhado na maior parte das nomeações e continuaria a ter muita influência 
até 1942, 
Os generais, depois de quase três anos exaustivos em armas no cam pode 
batalha, estavam agora satisfeitos com o papel mais sedentário no quartel po- 
lítico da Espanha franquista. No entanto, o país vivia numa situação terrível. 
A economia estava em ruínas com à produção agrícola e industrial abaixo do 
nível já baixo de 193: 51 Isso sem contar com a maciça destruição da infra-es- 
trutura do país — ferrovias, estradas, pontes, portos, rede elétrica e sistema 
telefônico. Tinham-se perdido cerca de 60% dos veículos de rodagem e 40% 
da frota mercante. Duzentos e cinquenta mil edifícios haviam sido destruídos 
e número semelhante, muito danificado.º O novo Estado quase não tinha, 
moeda estrangeira € [q perdera toda a sua reserva de ouro, e assim O sistema, 
monetário estava um caos. Havia também as dívidas de guerra com os aliados 
nacionalistas a serem pagas. E a perda da força de trabalho, de uns 3,5% da. 
população . economicamente ativa, não levava em conta os prisioneiros e os 
exilados. 
Uma das prioridades do governo f foi devolver a terra aos antigos donos, 
não só as fazendas tomadas durante a revolução de 1936 como também aque- Ropas 
las afetadas pelas reformas agrárias « da República ? Os salários foram congela- 
— mam 
dos e os do campo reduzidos à metade do que eram na época da República. Só 
voltariam ao nível de 1931 em 1956. A venda da produção agrícola era con- 
trolada pelo E Estado, q qu fixava os preços. Isso, naturalmente, encorajou o cres- 
cimento. do mercado negro, fossem quais fossem as punições ameaçadas pelos 
tribunais militares) Em Madri, um quilo de farinha de trigo era vendido a 12 
pesetas, em vez do preço oficial de 1,25. Feijão, carne, azeite, tudo era vendido 
por preços acima do triplo do nível oficial.º As oportunidades de corrupção
550 A BATALHA PELA ESPANHA 
aumentaram rapidamente em tais condições. Enquanto isso, a falta de ferra- 
mentas e de investimento em máquinas agrícolas fez com que a produção no 
campo caísse durante vários anos, com resultados desastrosos em 1941 e 1945, 
quando muitas áreas chegaram perto da fome. 
O controle estatal da indústria visava a criar uma forma de autarquia na na 
qual prioridade era a necessidade iilitar para o caso de a Espanha envolver 
se 1 numa Guerra européia. Os donos e e gererites retornaram e viram: sé 1 pra 
greves ex eram ilegais, c os cao tinham sido expurgados e a ajormada de traba- 
lho, aumentada com salário fixo; mas os donos das fábricas tinham pouco poder 
para conseguir matéria-prima ou vender seu produto final.” 
Em 25 de setembro de 1941, surgiu o decreto de criação do Instituto 
Nacional de Industria (IND, principal mecanismo de autarquia e controle 
econômico! Cobria quase tudo: produção de guerra, prospecção mineral, ca car- 
vão, ferro ea e aço, cobre e metais não- -ferrosos, produtos químicos, e » explosivos, 
borrachai O INI interveio na produção de aviões e, mais tarde, na de todos os 
tipos de veículos, assim como na produção de combustível sintético, conceito 
que muito atraiu Franco, quevia a autarquia como virtude particularmente 
espanhola e também como necessidade. Ao que parece, só em 1950 ele e seus 
ministros perceberam o fato de que sua relação custo-benefício não era nada 
boa. Ele anunciou que “a Espanha é um país privilegiado que pode sobreviver 
sozinho. Temos tudo de que precisamos para viver e a nossa produção é co- 
piosa o bastante para assegurar nossa sobrevivência. Não precisamos importar 
nada”.? À autarquia só se reduziria depois de pago o grosso das dívidas nacio- 
nalistas com a Alemanha e a Itália. Para pagar a dívida com a Alemanha foi 
necessário, entre 1939 e 1943, o equivalente a 12% do valor de todas as im- 
portações e 3% no caso da, dália 
7 de outubro de 1939, « o » caudilho lançou um plano para: a sua À construção eos 
prisioneiros de guerra 1 republicanos foram postos a trabalhar. Q financiamen- 
A NOVA ESPANHA E O GULAG FRANQUISTA 551 
to desses projetos, assim como de boa parte da economia nacionalista, criou 
um relacionamento muito íntimo entre o regime e os cinco maiores bancos 
espanháisi Em t troca da sua cooperação, foram protegidos da concorrência — 
nenhum banco novo foi fundado na Espanha até 1962!! — e obtiveram gran- 
de poder na economia, o que lhes permitiu acumular lucros imensos e criar 
verdadeiros impérios comerciais.!? Como escreveu um historiador: “O símbo- 
lo arquitetônico da nova Espanha não foi a Igreja, como queriam os carlistas 
antes da guerra, mas o banco.” 
Esse Estado anticomunista também nacionalizou a rede ferroviária, pagando 
aos seus proprietários com títulos que nada valiam.!t “| Numa época em que a 
escassez de petróleo e o seu alto custo pareciam favorecer as ferrovias, a Renfe 
conseguiu ter resultados pífios devido à péssima administração. Alguns comen- 
taristas observaram gue os efeitos do programa de nacionalização de Franco 
foram bem parecidos com os dos Estados-satélite soviéticos depois de 1945.! 
Outro paralelo paradoxal entre o franquismo e a Rússia stalinista foi o medo 
obsessivo de contágio ideológico estrangeiro. Enquanto a maioria dos princi- 
pais assessores soviéticos que voltaram da Espanha foram forçados pelo NKVD 
a confessar contatos traiçoeiros no exterior e depois fuzilados, na Espanha 
nacionalista a retórica exigiu uma cirurgia drástica para salvar o organismo, 
político O bispo de Vic clamou por “um bisturi para drenar o pus das entra- 
nhas espanholas”.!º O adido de imprensa de Franco, conde de Alba y Yeltes, 
disse a um inglês durante a guerra que tinham de livrar a Espanha do vírus do 
bolchevismo, se necessário pela eliminação de um terço da população mascu- 
lina espanhola.” Agora que os nacionalistas tinham quase todos os prisionei- 
ros republicanos em seu poder, podiam dedicar-se à sua limpeza cuidadosa da 
Espanha. 
Criaram-se campos de prisioneiros em todo o país. Incluindo os campos 
temporários e de triagem, havia 190 deles, que continham entre 367 mil e meio 
milhão o de presos. 'º | Durante a ofensiva final, foram feitos 45 mil prisioneiros 
na zona central, 60 milno : sul. e 35 mil no Levante.!º Quando chegou o verão 
de 1939, o seu número teve de ser reduzido, principalmente nos campos tem-
552 A BATALHA PELA ESPANHA 
porários Alguns prisioneiros receberam liberdade condicional; 90 mil foram 
enviados para 121 batalhões de trabalho, 8 mil passaram a trabalhar em ofici- 
nas militares; e as execuções, suicídios e fugas também reduziram o total, 
Mantiveram-se alguns campos “especiais”, como os de Miranda de Ebro e San 
Pedro de Cardefia, para combatentes estrangeiros das Brigadas Internacionais. 
Alguns desses presos foram mandados para reconstruir Belchite — “Vocês 
destruíram Belchite e agora vão reconstruí-la”, disseram-lhes. 
Em-janeiro de 1940, a supervisão dos campas-prisões foi entregue ao ge- 
neral Camilo Alonso Vega, diretor-geral de Serviços do Ministério do Exérci- 
to. Alonso Vega, que fora comandante da Guarda Civil, tornou-se mais tarde 
ministro do Interior. Os condenados por tribunais militares foram transferi- 
dos para colônias penais para trabalhar em obras de reconstrução ou para mi- 
 
nas de carvão nas Astúrias, em Leão e no País Basco; alguns tiveram de extrair 
mercúrio; e muitos milhares foram enviados para abrir canais e trabalhar em 
outros projetos do gosto de Franco] Boa parte desse trabalho forçado mostrou- 
se pouco lucrativo, como no caso do Gulag de Béria,?º mas depois o trabalho 
foi terceirizado para várias empresas que utilizaram melhor seus trabalhadores 
livres do que as autoridades militares. Os presos também foram alugados a 
proprietários de terras, que conseguiram melhorar suas propriedade com pro- 
jetos de irrigação e outros que antes seriam impossíveis. O restante que ficou, 
na'prisão, 270.719 pessoas segundo os números do Ministério da Justiça, foi 
distribuído em cadeias com capacidade para apenas 20 mil presos. . 
Os 150 mil republicanos que voltaram pela fronteira francesa para a Espanha 
nacionalista encontraram uma sociedade ainda em estado de sítio, embora as 
trincheiras tivessem sido abandonadas. Leis repressoras como a de 26-de abril 
de 1940 insistiam em vingar-se de tudo o que acontecera “na 20 EMBNelha 
desde 18 de julho de 1926 até a libertação”, As investigações buscavam escla- 
* —Jecer não só crimes contra pessoas como também os de natureza “moral”, car 
metidos “contra a religião, a cultura, a arte é O patrimônio nacional”.?! 
— Aatribuição de responsabilidades” visava à “destruição física dos quadros 
dos partidos da Frente Popular, dos sindicatos de trabalhadores e das organi- 
A NOVA ESPANHA E O GULAG FRANQUISTA 553 
zações maçônicas” e a “extirpar as forças políticas que patrocinaram e manti- 
veram a República”. 2|Não temos os números finais do terror franquista, mas 
pesquisas recentes em pouco mais da metade das províncias da Espanha indi- 
cam ali um mínimo de 35 mil execuções oficiais.? Isso indica que o número 
geralmente aceito de 50 mil executados depois da guerra pode ser baixo de- 
mais. Quando se somam os fuzilamentos nao oficiais e aleatórios e os que. 
é provável que o número total passe de 200 mil. 
— Maisuma vez, é necessário fazer outra pergunta impossível de responder. 
Se a República tivesse vencido, quantos teriam sido executados e morreriam 
nos campos de prisioneiros? Como destacaram vários historiadores, o vence- 
dor numa guerra civil sempre mata mais que o perdedor. Tudo depende do 
regime republicano que viria a surgir! Se fosse um regime comunista, então, a 
julgar por outras ditaduras comunistas, o número seria bem alto, devido à 
natureza paranóica do sistema. Mas na Espanha muito também dependeria de 
ser uma versão stalinista ou uma variedade mais espanhola que talvez evoluís- 
se, como parecia pensar Negrín. 
O caudilho costumava ler as penas de morte enquanto tomava café de- 
pois das refeições, muitas vezes na presença de seu confessor José Maria Bulart. 
Escrevia “E? nas que decidia que deviam ser cumpridas e “C” quando co- 
mutava a pena. Nas que segundo ele precisavam transformar-se num exem- 
 
plo, escrevia “garrote, 3 prensa” (garrote e imprensa). Depois do café, o seu 
ajudante-de-ordens levava as sentenças para serem entregues ao governador, 
militar de cada região de cada província, que as repassaria por telegrama ao 
diretor da penitenciárial Então as penas seriam lidas em voz alta na galeria 
central da prisão. Alguns funcionários gostavam de ler o primeiro nome e 
depois fazer uma pausa caso fosse um nome comum, como José ou Juan, 
para amedrontar todos os que o usavam, antes de acrescentar o sobrenome. 
Na prisão feminina de Amorebieta, uma das freiras que serviam de carcereiras 
cumpria este dever. 
Os que escaparam à pena de morte enfrentaram muitos anos de terríveis 
condições de vida numa das quinhentas penitenciárias. O diretor da Prisão-
554 A BATALHA PELA ESPANHA 
Modelo de Barcelona, Isidro Castrillón López, dizia aos que estavam aos seus 
cuidados:“Vocês têm de saber que um preso é um décimo milionésimo de 
bosta.”25 Os presos eram obrigados a passar sede e fome. Às vezes não rece- 
biam nada além de uma latinha d'água a cada três dias. Havia epidemias de 
tifo e disenteria até em prisões que tinham mães com crianças pequenas, onde 
praticamente não existiam instalações para lavagem e o fedor era insuportá- 
vel.7 O poeta Miguel Hernández sofreu de pneumonia na prisão de Palencia, 
bronquite na prisão de Otafia e tifo e tuberculose, da qual morreu, na prisão 
de Alicante. 
Até pelos | padrões de muitos sistemas prisionais, a corrupção entre car- 
cereiros e até altos funcionários er era de espantar. Na colônia penal de Sai San 
Simón « de P Pontevedra, a liberdade condicional era vendida e o mais assus- 
tador é que a pena de morte podia ser repassada a outrem caso se pagasse 
uma boa quantia. A família de um médico de Vigo lutou desesperadamen- 
te para juntar as 400 mil pesetas que um alto funcionário exigira por esse 
 
serviço.2Os presos depois de 1º de abril de 1939 ficaram conhecidos como 
“posteriores”. Costumavam ser militantes políticos ou integrantes da guer- 
filha de resistência ao regime. Muitos deles tiveram de passar por torturas 
terríveis, quase afogados em “la banera” ou sofrendo choques elétricos, para 
que dissessem o nome de outros membros de sua organização. Tanto “pos- 
teriores” quanto “anteriores” eram às vezes alinhados em desfiles de iden- 
tificação diante de viúvas de vítimas nacionalistas, acompanhadas de 
falangistas, Qualquer suspeito de estar envolvido na morte de um marido 
simplesmente “desaparecia”. 
A idéia de uma contaminação bolchevique como explicação para as idéias 
esquerdistas tinha uma base científica espúria. O major Antonio Vallejo Nágera, 
professor de psiquiatria na Universidade de Madri, abrira, no verão de 1938, 
um centro de pesquisa psicológica com 14 clínicas na zona nacionalista para 
estudar o ig gia fematimo pues”, pre rn Indos foram que aúniça 
lhos de pais suspeitos para serem criados de acordo com os ST nacionalis- 
tas JEm 1943, havia 12,043 crianças tiradas das mães e entregues ao Auxílio 
A NOVA ESPANHA E O GULAG FRANQUISTA 555 
Social falangista, a orfanatos e organizações religiosas. Algumas dessas crian- 
ças foram dadas em adoção a famílias selecionadas, padrão seguido trinta anos 
depois pela Argentina durante a ditadura militar.” 
A Espanha nacionalista era pouco mais que uma prisão aberta para todos os 
que nã não O. slmparizavam. e com o regime. « Criaram-se vários depamamentos de 
do septo o de Información Especial intimas nico em março E 1940, Em 
pela queda da monarquis da monarquia pornumerosos “crimes de Estado” durante o petthdo 
da da República] Em 29 de março de 1941, criou-se uma lei de “Segurança do 
Estado” que atacava a propaganda ilegal, a associação criminosa, inclusive as 
greves e a disseminação de boatos desfavoráveis ao regime, tudo isso conside- 
rado semelhante a “rebelião militar”. Mais tarde, em abril de 1947, a lei de 
Repressão ao Banditismo e ao Terrorismo, voltada contra as guerrilhas, foi mais 
uma volta do parafuso que reduzia as liberdades individuais. 
A mania de domínio total de tudo chegou até o próprio movimento nacio- 
nalista, O movimento político estatal que combinava a Falange e os carlistas, 
 
a FET y de las Jons, teve papel fundamental na rede de repressão e controle 
social. Serrano Súnier assegurou-se de que os “camisas velhas”, com a sua retó- 
a autoridade total — “diante de Deus e da História” — para dirigir a sua ideo- 
logia) Famosos “camisas velhas” falangistas foram mandados para o exterior 
como embaixadores ou receberam cargos distantes na Espanha. Os candidatos 
a integrar o Conselho Nacional do movimento eram escolhidos com todo 
cuidado pela sua obediência cega ao caudilho. No final da guerra civil, em 1939, 
o partido tinha 650 mil filiados. Em 1945 esse número quase dobrara. Como 
na Alemanha e na União Soviética, era essencial filiar-se para quem queria 
promoção dentro da burocracia que dirigia cada aspecto da vida nacional. 
Em setembro de 1939 foi fundada a União da Universidade Espanhola, à 
qual todos os alunos da educação superior tinham de pertencer. As próprias 
universidades se transformaram em extensões da burocracia estatal. As organi-
 
556 A BATALHA PELA ESPANHA 
zações de jovens e até de empregadores foram tratadas de modo semelhante. O 
sindicato falangista, a Organización Sindical, que detinha imenso poder, ti- ti- 
nha pouco | interesse pelos direitos dos trabalhadores. Sua tarefa era garantir 
que a força de trabalho funcionasse em linhas quase militares a serviço do Es- 
tado! Enquanto isso, esperava-se que as mulheres ficassem em casa, a menos 
que se ligassem à Seção Feminina, evolução da instituição de caridade falangista, 
Auxílio de Inverno, copiada da Winterhilfe nazista. O principal papel dessas 
entidades era treinar as mulheres em suas tarefas domésticas e na obediência 
aos maridos. Como contrapartida do serviço nacional nas forças armadas, as 
jovens tinham de trabalhar durante seis meses para o Auxílio Social, cuidando 
de crianças em suas instituições ou trabalhando nas cozinhas de dispensários 
para os pobres.” 
A derrota dos republicanos também as obrigou a submeterem-se à autori- 
dade da Igreja, além dos seus senhores temporais. Franco fora generosíssimo, 
ao devolver todos os privilégios e riquezas da Igreja, além de seu poder na edu- 
cação, , mas esperava em troca que os sacerdotes atuassem na prática como mais 
um braço do Estado Com o restabelecimento do controle da Igreja sobre a 
escola primária, o ministro da Educação de Franco expurgou milhares de 
mestres-escolas e centenas de professores e catedráticos universitários que se 
pensava terem caído sob a influência maçônica, judia ou marxista. As univer- 
sidades eram controladas pela Falange, mas com forte condução das autorida- 
des eclesiásticas. Os )s preceitos do movimento nacionalista eram impostos a todas 
as matérias, da história à arquitetura. À censura à vida cultural em todas as 
suas formas também era exer ida com rigor. Isso começara com a Lei da Im- 
prensa de 1938. Os censores militares e eclesiásticos vasculharam. as bibliote- 
cas, destruindo obras proibidas. 
Os republicanos que não foram presos e os libertados da prisão descobri- 
ram que sua vida ainda estava severamente restrita. Muitos viram que seria 
impossível recuperar o emprego anterior. Dava-se sempre prioridade aos ex- 
integrantes dos exércitos nacionalistas. E havia sempre o risco de ser denun- 
ciado às autoridades por um vizinho ou rival invejoso. A população foi 
encorajada a denunciar os outros como parte do seu dever patriótico. Portei- 
A NOVA ESPANHA E O GULAG FRANQUISTA 557 
ros e zeladores tornaram-se espiões da polícia, como em toda ditadura, e os, 
padres observavam os que não frequentavam a missa. Eram vistos como inte- 
grantes da chamada “sexta coluna”, traidores da causa em pensamento e não, 
com atos identificáveis, 
Tudo isso tornou ainda mais dura a luta pela sobrevivência. Por exemplo, 
os considerados politicamente indignos de confiança não podiam abrir uma 
loja! S Sem. conseguir sobreviver em sua cidade natal, muitos emigraram para as 
grandes cidades onde eram desconhecidos. Os anos logo após a guerra civil 
foram um período de grande sofrimento e pouca esperança de modificação. O 
regime de Franco parecia invencível.
36 
Os exilados e a Segunda Guerra Mundial 
s 450 mil republicanos que cruzaram a fronteira francesa em 1939 quan- 
do a Catalunha caiu não foram os primeiros refugiados da guerra civil.: 
Nem os últimos. Mais 15 mil que conseguiram escapar dos portos mediterrâne- 
trço durante o colapso final da República chegaram à colônia francesa 
 
da Tunísia, onde f foram levados aos campos de Getta e Gafsa, perto de Túnis, e 
para outros perto « de Bizerta e da Argélia. As condições foram descritascomo 
subumanas: As autoridades coloniais francesas não gostaram desse fluxo de “ver- 
melhos” | 1Um de dos muitos presos ali foi Cipriano Mera, ex-pedreiro que se torna- 
ta comandante do IV Corpo e companheiro militar de Casado no golpe. Como 
muitos outros republicanos, Mera foi entregue à Espanha nacionalista depois da 
queda da França em 1940, mas a sua pena de morte foi comutada.? 
Os refugiados que cruzaram a fronteira em fevereiro e março de 1939 fo- 
ram divididos entre mulheres, crianças, velhos e doentes, de um lado, e solda- 
dos e homens em idade de prestar o serviço militar, do outro. Os primeiros, 
cerca de 170 mil, foram para os campos de Prats de Molló, La Tour-de-Carol, 
Le Boulu, Bourg-Madame e Arles-sur-Tech e, mais tarde, espalhados por mais 
de setenta departamentos franceses. Os últimos ficaram presos em campos 
improvisados, principalmente nas praias do sudoeste da França. 
Os lugares para onde foram mandados os republicanos derrotados consistiam 
em trechos de litoral úmidos e salgados sem nenhuma proteção contra o ven- 
to. O primeiro campo a ser aberto, em meados de fevereiro, ficava em Argelês-
560 A BATALHA PELA ESPANHA 
sur-Mer. Era pouco mais que um charco dividido em retângulos de um hec- 
dos senegaleses. Havia « escassez de água potável, muitos recorriam a a beber 
água do mar, e nada se fez para construir instalações sanitárias. A comida 
que recebiam era pouca e de má qualidade) Os homens sofriam de sarna e 
pediculose. Os 77 mil refugiados, muitos sem roupas adequadas, pertences, 
dinheiro nem comida, tiveram de construir cabanas para os doentes e feri- 
dos. O resto enterrava-se na areia para se abrigar do vento. Só depois das 
primeiras semanas lhes entregaram água potável em latas e madeira para 
construir latrinas perto do mar. 
Emil Shteingold, brigadista internacional letão, descreveu o maior cam- 
po, Saint-Cyprien, onde foram reunidos até 90 mil homens. 
Imagine um pedaço de terra arenoso e melancólico, sem nenhuma vegetação, 
com uns dois quilômetros de comprimento e cerca de quatrocentos a quinhentos 
metros de largura. Era lavado pelo mar Mediterrâneo de um lado e terminava 
num pântano, do outro. Essa área era cercada de arame farpado e dividida em 
currais quadrados. Havia metralhadoras no perímetro do campo. Construíram 
uma latrina na praia, que consistia em um tronco comprido preso em pólos 
sob o qual a maré ia e vinha. Foi assim que fomos recebidos pela França repu- 
blicana com o seu governo socialista. Como sinal de gratidão por essa recepção 
calorosa, decidimos chamar a área da latrina de “Boulevard Daladier”. (...) À 
areia parecia seca, mas só era seca na superfície. Tínhamos de dormir em gru- 
pos de cinco a dez homens. Alguns sobretudos e cobertores eram colocados 
por baixo e com os outros sobretudos e cobertores nos cobríamos. Não era boa 
idéia virar de um lado para o outro porque o lado molhado congelaria no ven- 
to frio e isso podia provocar pneumonia (...) Homens feridos e doentes tam- 
bém foram levados para lá. A mortalidade era altíssima, chegou a cem pessoas 
por dia.º 
Os outros campos no sul eram bem parecidos e criaram-se novos. Em abril, 
bascos, aviadores e brigadistas internacionais foram transferidos para Gurs. 
Barcarês era um pouco melhor, porque as pessoas mandadas para lá tinham 
OS EXILADOS E A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL 561 
declarado sua disposição de serem repatriadas para a Espanha. Bram, muito 
menor, perto de Carcassone, era um dos poucos muito bons. Tinha até uma 
enfermaria com oitenta leitos. Na tentativa de melhorar as condições miserá- 
veis dos campos maiores, as autoridades francesas tentaram transferir alguns 
dos que lá estavam para os campos de triagem iniciais de Arles e Prats de Mollo, 
nas montanhas, mas tiveram de interromper a prática porque gente demais 
morreu literalmente de frio. 
O campo de Vernet-les-Bains, situado entre Saverdun e Foix, era um cam- 
po de trabalhos forçados da Primeira Guerra Mundial, isolado do mundo ex- 
terior. Com cerca de cinquenta hectares de área e dividido em três seções 
cercadas de arame farpado, mantinha os republicanos que as autoridades fran- 
cesas consideravam “um perigo à segurança pública”, entre eles os sobreviven- 
tes da 262 Divisão, antiga coluna de Durruti, e 150 brigadistas internacionais 
segregados num setor conhecido como “leprosário”. No governo de Vichy, o 
campo passou aos alemães, que o reconstruíram de acordo com as suas pró- 
prias diretrizes para campos de concentração. Mas Arthur Koestler escreveu 
que, “do ponto de vista da comida, das instalações e da higiene, Vernet era 
pior que um campo de concentração nazista”.” Em tais condições, era previst- 
vel que muitos milhares de refugiados morressem. Ativistas políticos suspeitos 
do sexo masculino que estavam em outros campos foram transferidos para o 
castelo templário de Collioure e as militantes, para o campo de Rieucros. 
Às a gutogidades francesas nunca se prepararam para tarmianho fluxo, mas até 
na a ação. 1 Isso não foi total surpresa, já que o custo de cuidar de tantos refugiados 
chegava a a7 milhões de francos por d dialA i imprensa de direita atacava constante- 
mente o governo de Daladier por ter r permitido a entrada de tantos esquerdistas e 
Candide queixava-se de que os alimentassem. As autoridades francesas encoraja- 
ram os refugiados a voltar à Espanha e render-se aos nacionalistas! Somente os que 
tinham parentes na França e se dispusessem a assinar um documento afirmando 
que jamais pediriam ajuda do Estado tiveram permissão de sair dos campos. Às 
alternativas, além de voltar à Espanha, eram emigrar para o Novo Mundo ou para 
qualquer outro país que os aceitasse ou apresentar-se como “voluntário” à Legião
562 A BATALHA PELA ESPANHA 
Estrangeira francesa ou aos batalhões de serviço, usados para melhorar as fortifica- 
ções e outros projetos conforme aumentava a ameaça de guerra” 
No final de 1939, entre 140 mile 180 mil tinham decidido voltar à Espanha 
e correr o risco? Uns 300 mil prefeririam o exílio na França, em outros países 
Em toe e mi 
europeus ou na América Latina. O governo mexicano do presidente Lázaro 
Cárdenas já recebera crianças evacuadas da zona republicana. Outros milhares 
de pessoas de todas as idades iriam em seguida para lá em várias ondas, inclu- 
sive José Giral e o general Miaja. Alguns foram para o Chile, então com um 
governo de frente popular, outros para a República Dominicana e dali para para 
Venezuela e Cubal A Argentina só permitiu a entrada de 2.500, dando priori- 
dade aos bascos. Na Europa, a Bélgica recebeu 5 mil, mas a Grã-Bretanha res- 
tringiu a imigração a apenas algumas centenas. À União Soviética não aceitou 
mais do que 3 mil, em sua maioria membros importantes do Partido Comu- 
nista espanhol. Dos 50 mil a 60 mil que ficaram na França, a maioria se engajou 
nas Companhias de Trabalhadores Estrangeiros, organização semimilitarizada 
que os colocou a trabalhar nas minas, na indústria bélica ou na agricultura,” 
* Raramente os líderes republicanos sofreram os mesmos rigores e frustra- 
ções dos exilados comuns. Azafia, com graves problemas cardíacos, morreu em 
Montauban em 4 de novembro de 1940. Juan Negrín e Indalecio Prieto, ex- 
amigos que tinham se tornado inimigos figadais, continuaram a brigar na Fran- 
ça. Embora Negrín tivesse convocado uma reunião da delegação permanente 
das Cortes em Paris em 31 de março de 1939, Prieto organizou outra em 27, 
de julho para dissolver formalmente o governo da República, mas Negrín re. re- 
cusou-se a aceitar a votação. O 
o confronto azedou cada vez mais quando Prieto e a delegação perma- 
nente criaram a Jare, Junta de Auxílio aos Republicanos Espanhóis. '0 Prieto 
exigiu que Negrín entregasse o controle dos valores e do dinheiro que o pover- 
no republicano tinha na Europa e na América do Norte, inclusive o famoso 
“tesouro” do iate Vita. Negrín destinara-o à sua própriaorganização, o Sere, 
Serviço de Evacuação dos Republicanos Espanhóis! O tesouro — jóias, títulos 
e outros valores num total de cerca de 300 milhões de dólares — vinha do 
confisco dos bens de partidários nacionalistas pelo Tribunal Popular de Res- 
OS EXILADOS E A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL 563 
ponsabilidade Civil. Estava armazenado no Vita, que fora o iate particular de 
Afonso XIII, guardado por um destacamento dos carabineros de Negrín. 
O Vita zarpou do Havre para o México e chegou a Veracruz poucos dias 
antes do esperado. Em consequência, o dr. José Puche, amigo fiel de Negrín, 
não estava no porto para se encarregar do conteúdo. Enrique Puente, coman- 
dante dos carabineros, telefonou a Prieto para perguntar-lhe o que devia fazer 
e Prieto encarregou-se do carregamento com aprovação do presidente Cárdenas. 
O tesouro foi levado para a Cidade do México sob o controle da Jare e, assim, 
Prieto conseguiu tomá-lo debaixo do nariz de Negrín e dos comunistas. 
Mas, mesmo depois desse golpe, Negrín e os seus nunca ficaram exata- 
mente num estado de pobreza. Ele controlava pessoalmente um fundo forma- 
do com recursos confiscados pelo seu governo e pôde comprar uma grande 
casa de campo perto de Londres onde morou até 1945, abrigando lá até uma 
dúzia de políticos republicanos. Outros líderes não tiveram tanta sorte. De- 
pois que a França foi ocupada por soldados alemães no verão de 1940, o gene- 
ral Franco pediu ao marechal Pétain que extraditasse 3.617 líderes republicanos. 
o governo de Vichy aceitou extraditar pouquíssimos, mas entregou à Gestapo 
sete líderes, inclusive Lluis Companys, presidente da Generalitat, Joan Peiró, 
ex-ministro anarquista, Francisco Cruz Salido e Julián Zugazagoitia. Estes úl- 
timos quatro foram executados, os outros três condenados à prisão perpétua. 
Largo Caballero foi capturado pela Gestapo e, depois de interrogado em Berlim, 
foi mandado para o o campo de concentração de Sachsenhausen. Mal estava vivo 
na libertação, em 1945, e morreu pouco depois. 
Os comunistas estrangeiros na França continuaram sob as ordens do 
Comintern e foram obrigados a manter silêncio quando o pacto nazi-soviético 
foi assinado em | agosto) Os que ficaram na Espanha tentaram criar organizações 
clandestinas, mas a polícia secreta franquista conseguiu destruir uma rede de- 
pois da outra, em geral como resultado do uso da tortura para extrair nomes. 
A Segunda Guerra Mundial seria o maior desafio ao talento de Franco como 
estadista, ta. Quando a Alemanha invadiu a Polônia em 1º de setembro de 1939, 
Franco baixou um decreto impondo “a neutralidade mais estrita dos súditos
564 A BATALHA PELA ESPANHA 
espanhóis”. Mas, dois meses depois, em 31 de outubro, convocou a Junta de 
Defesa Nacional para anunciar que se decidira pelo plano ambicioso de rearmar 
as tropas e aumentar o exército para 150 Divisões, por meio de conscrição. 
Isso significava uma meta de 2 milhões de homens em armas. Ordenou que o 
Estar ic Peas se preparasse para ao o estreito de Gibraltar, concen- 
Marrocos de prontídio para invadir a zona francesa, muito maior. A marinha 
devia preparar o bloqueio do tráfego marítimo francês no Mediterrâneo, in- 
clusive os seus portos do norte da África, e interromper, se necessário, o trans- 
porte naval britânico com o bloqueio também do litoral português.!! 
As costas e águas territoriais espanholas foram colocadas à disposição 
da Kriegsmarine alemá, que, além de sua base em Cádiz, poderia reabaste- 
cer 21 submarinos em Vigo. Navios-tanque e de suprimento viriam aten- 
«deraos U- Boot kOs navios e submarinos italianos que vigiavam o estreito 
de Gibraltar costumavam usar as águas territoriais espanholas, tanto no 
Mediterrâneo quanto no Atlântico.'? 
Em abril de 1940, Mussolini decidiu entrar na guerra do lado alemão. Em 
12 de junho, durante a Queda da França, Franco passou da neutralidade a um 
estado de “não-beligerância”. Quarenta e oito horas depois, ordenou a ocupa- 
ção de Tânger. No mesmo dia, numa reunião com Von Stohrer, embaixador 
alemão, passou a Hitler uma mensagem exprimindo seu desejo de entrar na 
guerra caso o Fiihrer precisasse dele. Em meados de julho mandou o general 
Vigón encontrar-se com Hitler e Ribbentrop; então no Chãteau de Aco, , Da, 
Queria negociar as condições. Além de armas, combustível, munição e e comi- 
da, queria, em compensação: “Marrocos, Oran, o Saara até o 20º paralelo e ca 
zona litorânea da Guiné até o delta do Níger.” 3 
 
Os nazistas, estupefatos com o preço que Franco cobrava para entrar na 
guerra, mostraram pouco entusiasmo, mas alguns dias depois Hisler jhe man-” 
dou um recado por Von Richthofen de que deveria preparar-se para colaborar 
ma aire erre 
numa operação iminente contra Gibraltar, que coincidiria com a Operação 
Leão- Marinho, ou seja, a invasão da Grá-Bretanhai Richthofen e Vigón en- 
OS EXILADOS E A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL 565 
contraram-se para coordenar os planos de ataque mas, em 31 de julho, a Leão- 
Marinho foi suspensa porque o almirante Raeder avisou ao Fiihrer que a 
Kriegsmarine não poderia garantir o sucesso. 
A atenção de Hitler logo se voltou para a sua maior ambição, a invasão da 
União Soviética. Oferecendo a Espanha como bastião do Eixo no Atlântico, 
Franco escreveu a Mussolini em 15 de agosto pedindo-lhe que intercedesse 
junto a Hitler para convencê-lo a concordar com as suas condições para que a 
Espanha pudesse entrar na guerra “no momento favorável”. Mas Hitler não 
queria dar a Franco poder sobre o Mediterrâneo ocidental, já que o mar deve- 
ria ser mantido como domínio da Itália. 
Hitler decidiu ter um encontro pessoal particular com Franco em 23 de 
outubro em Hendaye, na fronteira francesa. Por azar, Franco viajou pelo siste- 
ma ferroviário espanhol e chegou atrasado, o que irritou profundamente o li- 
der nazista. Mais uma vez Hitler recusou-se a ceder às reivindicações de Franco 
sobre o império francês no norte da África. Iria encontrar-se com o marechal 
Pétain no dia seguinte e queria consolidar a colaboração do regime de Vichy. 
No final redigiu-se um protocolo afirmando que Franco entraria na guerra 
quando requisitado, que Gibraltar seria entregue à Espanha, e fizeram-se afir- 
mações vagas sobre compensá-lo em data posterior com alguns territórios afri- 
canos indefinidos. 
Em dezembro, Hitler mandou Canaris encontrar-se com Franco e dizer- 
lhe que a Wehrmacht estava preparando uma tropa com 15 divisões para to- 
mar Gibraltar na Operação Félix. Franco declarou seu temor de que os 
britânicos reagissem atacando as Ilhas Canárias, e pediu garantias. Hitler fi- 
cou furioso quando soube da “traição” de Franco ao acordo feito em Hendayel 
Em 6 de fevereiro de 1941, Hitler enviou a Franco outra carta, educada mas 
imperativa. Esta cruzou com um memorando de Franco pedindo artilharia, 
peças de reposição, equipamento de sinalização, caminhões, locomotivas e 
vagões, numa lista que os funcionários públicos alemães consideraram além 
da capacidade da Alemanha.” Hitler então escreveu a Mussolini pedindo-lhe, 
que combinasse as.coisas com Franco, achando que os “charlatães latinos” se 
entenderiam. 
 
 
566 A BATALHA PELA ESPANHA 
Mussolini teve uma reunião com Franco em 12 de fevereiro na Villa 
Margherita, em Bordighera. Serrano Súfier, agora ministro do Exterior, tam- 
bém estava presente! Franço disse que temia entrar na guerra tarde demais e 
queixou-se de que os alemães demoravam muito para entregar-lhe as armas de 
que precisava. Mussolini contou a Hitler os resultados da reunião e recomen- 
 
dou não insistir mais com Franco. É bem possível que Mussolini não quisesse 
Franco como rival no Mediterrâneo. !º 
Ao voltar a Madri, Serrano Súfier, que se reunira recentemente com Hitler 
rm 
e tivera cinco encontros com Ribbentrop, sentiu-se o homem da hora. Mas 
deixou de perceber como era odiado pelos generais espanhóis e pelos “camisas 
velhas” da Falange. Nos últimos meses,o serviço secreto britânico vinha'pa- 
gando elevadas propinas aos generais mais monarquistas e 
encorajá-los a se opor a Franco e ao seu cunhado) Entre meados de 1940 co. 
final de 1941, cerca de trinta desses generais receberam 13 milhões de dólares 
e continuavam a receber mais. Aranda sozinho recebeu 2 milhões de dólares 
em 1942. As combinações financeiras eram feitas pelo grande contrabandista 
Juan March, que agora se aliara aos britânicos.!”? O general Vigón teve uma, 
entrevista particular com o caudilho na qual o avisou do profundo ressenti- 
mento dos generais com o enorme poder que Serrano Súfer acumuilara e acres. 
centou que circulavam pela Espanha boatos de que era seu cunhado quem 
controlava tudo. — 
Até alguns falangistas começaram a voltar-se contra Serrano Súfer, mas 
outros estavam decididos a aumentar o poder da Falange. A situação vinha 
ficando perigosa porque agentes alemães os encorajavam. Serrano Súfier sen- 
tiu que a melhor maneira de avançar era pressionar Franco para entrar na guerra 
o mais cedo possível. Naquela primavera de 1941 os alemães tinham acabado 
de vencer a Iugoslávia e a Grécia e capturado Creta. 
Franco avançou em estágios, com uma série de mudanças no nível mais alto. 
Serrano Súfer descobriu que não só perdera o ministério do Interior e o contro- 
Te do Movimento como sua condução dos assuntos externos estava sendo « 2 q ues- 
tionada nos círculos do governo. Então, em 22 de junho, a Wehrmacht invadiu 
a União Soviética. Dois dias depois, os falangistas foram às ruas numa grande 
qu
e 
OS EXILADOS E A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL 567 
manifestação, gritando frases contra o “comunismo ateu”. Serrano Súfier achou 
que era a sua oportunidade| Fardado, fez um discurso na varanda da Secretaria 
Geral do Movimento, que dava para a Calle de Alcalá: “A Rússia é culpada! 
Culpada da nossa guerra civil! (...) O extermínio da Rússia é exigido pela Histó- 
ria e pelo futuro da Europa!” Os manifestantes falangistas, num frenesi belicoso, 
foram gritar diante da embaixada britânica: “Gibraltar é espanhol!” 
Serrano Súfier achou que poderia recuperar todo o seu poder se conseguis- 
se canalizar o jorro de energia falangista. Então lhe ocorreu uma linha de ação 
que parecia permitir um triunfo retumbante aos olhos tanto dos espanhóis 
quanto dos alemães. Foi até Franco e falou-lhe da necessidade de formar uma 
divisão de voluntários falangistas para ir à Rússia ao lado da Wehrmacht e 
combater a “fera do Apocalipse”. Mas os principais generais, usando Varela 
como s seu porta-voz, deixaram claro que se opunham à tentativa de Serrano de 
se intrometer em assuntos militares, ainda mais porque isso também envolvia 
a Falange. Mas Franco, mais uma vez, adotou uma solução dúplice. Concor- 
dou com u uma divisão voluntária de falangistas, mas teria de ser comandada 
por um dos seus generais. 
Em 13 de julho, a “División Espafiola de Voluntarios”, mais conhecida 
como “División Azul”, começou a partir para o campo de treino de Grafenwôhr, 
nã à Alemanha. Comandada pelo general Agustín Mufioz Grandes, tornou-se a 
2502 Divisão de Infantaria do exército alemão e foi mandada para a frente de 
Volkhov, perto do lago Ilmen, a leste de Leningrado.'s Alguns dias depois de 
 
 
sua partida, Franco fez um discurso no aniversário do levante no qual ligou o 
destino da Espanha à vitória nazista e disse que os aliados tinham perdido! 
Este discurso, combinado com o despacho da Divisão Azul, alarmou os britã- 
nicos, que começaram a preparar a Operação Peregrino, a invasão das Ilhas 
Canárias. Churchill acabou por cancelá-la, mas aumentou a pressão sobre o 
regime de Franco, reduzindo as entregas de petróleo e trigo e exigindo que 
parassem as exportações de tungstênio para a Alemanha. 
Mesma depois do xeque de Hitler a Moscou em dezembro de 1941 e da en-. 
trada dos Estados Unidos na guerra, Serrano Súfier ficou cada vez mais confiante. 
Mas em 16 de agosto de 1942, assim que os exércitos de Hitler começaram a avan- 
 
 
568 A BATALHA PELA ESPANHA 
çar sobre Stalingrado e investir sobre o Cáucaso, um incidente curioso aconteceu 
em Bilbao. Era a festa religiosa do santuário da Virgem de Begofia, durante a qual 
ocorreu um confronto entre falangistas e carlistas tradicionalistas. O choque evo- 
luiu de insultos e empurrões para coisa mais fatall Juan Domingo, um falangista, 
jogou uma granada de mão que feriu trinta pessoas. O general Varela, tradiciona- 
lista, entendeu o distúrbio como tentativa de assassiná-lo, declarou que constituía 
“um ataque a todo o exército” e enviou telegramas aos generais de todas as capita- 
nias. Dominguez foi acusado o ser agente pregpeador a serviço dos Entios e 
reinar, Em3 3. ea aceitou. a renúncia de Varela em protesto contra à 
“falangização” do regime, mas para fechar as contas também demitiu Serrano Súrier. 
Substituiu-o no ministério do Exterior pelo anglófilo general Gámez-Jordana A 
carreira política do seu cunhado estava encerrada, 
Quando os aliados iniciaram os desembarques da Operação Tocha no norte 
da África, em novembro de 1942, usaram Gibraltar como base principal. 
Roosevelt mandou a Franco uma carta para tranquilizá-lo quanto às intenções 
dos Aliados em relação à Espanha e às suas possessões no Marrocos. Enquanto 
isso, os britânicos encorajaram Kindelán a pressionar Franco para restaurar a 
monarquia, mas sem sucesso. Franco, sob pressão no estrangeiro e em casa, só 
pôde contemplar o desmoronamento dos seus sonhos imperiais e das esperan- 
ças do Eixo. Depois do: sucesso aliado no norte da África, que mudou comple- 
tamenteo equilíbrio de poder no Mediterrâneo ocidental, o marechal- -de-campo 
Paulus. capitulou em Stalingrado no final de janeiro de 19431 Então, em julho, 
o Exército Vermelho, na batalha de Kursk, esmagou o poderio blindado da 
Wehrmacht e os Aliados desembarcaram na Sicília, o que logo levou à queda 
de Mussolini. O verão seguinte assistiu à invasão aliada da Normandia e à 
destruição do Grupo de Exércitos Centro da Wehrmacht na Bielo-Rússia. A 
França fo foi libertada no final de agosto e, no fim da guerra, a última grande 
ofensiva alemã foi esmagada na nas Ardenas. Em maio de 1945, o Terceiro Reich 
finalmente desmoronou. TA 
Franco adaptara-se a essas drásticas reviravoltas políticas modificando a sua 
política em relação aos aliados por intermédio de Gómez-Jordana. Em l6 de 
OS EXILADOS E A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL 569 
março de 1943, abriu a versão franquista das Cortes com um discurso 
conclamando a um acordo com os Aliados para defender dos soviéticos a “ci- 
vilização » ocidental” e, em novembro, a retirada da Divisão Azul foi acompa- 
nhada da volta da posição de “não-beligerância” à de neutralidade. | Em maio 
de 1944, fechou o consulado alemão em Tânger e interrompeu a exportação 
de tungstênio para a Alemanha. Em agosto, depois da morte de Jordana, no- 
meou ministro do Exterior José Felix de Lequerica, que mostrou a mesma 
aproximação obsequiosa « dos Aliados que Serrano Súfier adotara com o Eixo. 
Em casa, adotou uma política mais dura. Depois da pressão para restaurar 
a monarquia em junho de 1943, declarou aos seus generais mais graduados 
que essa era uma conspiração maçônica destinada a subverter o regime de 18 
de julho de 1936. E em setembro daquele ano destituiu um grupo de generais 
monarquistas, temeroso de que pudesse enfrentar queda igual à de Mussolini 
nas mãos do Grande Conselho fascista. Em 4 de novembro de 1944, deu uma 
entrevista à United Press na qual declarou q que a Espanha nacionalista nunca 
fora fascista nem nacional-socialista e que nunca se aliara às potências do Eixo. 
Quando Hitler soube disso, comentou que “a desfaçatez do sefior Franco” não 
 
tinha limites.”? 
“Assim que a Segunda Guerra Mundial terminou, Franco, em 17 de julho 
de 1945, baixou um decreto sobre os Direitos dos Espanhóis que concedia um 
perdão geral aos presos políticos da guerra civil. Acalmou tanto os grandesproprietários de terras quanto os generais mais graduados e voltou-se mais uma 
vez para à Igreja. | Em 18 de julho de 1945 formou um novo governo, dando 
cargos importantes a políticos católicos, conseguindo assim realizar a transi- 
ção para o nacional-catolicismo que pôs de lado o Movimento) Em 13 de de- 
zembro de 1946, a Organização das Nações Unidas recomendou a retirada dos 
embaixadores da Espanha, mas o início da Guerra Fria, que duraria mais de 
quarenta anos, viria a mostrar-se a salvação do regime. Em 17 de abril de 1948, 
o general Franco aboliu o estado de sítio na Espanha. Fazia quase 12 anos desde 
o início da guerra civil.
37 
A guerra inacabada 
p ara muitos republicanos espanhóis, principalmente os que estavam na Fran- 
ça, a Segunda Guerra Mundial foi uma continuação igualmente dura da. 
guerra civil. Assim que a guerra começou, muitos refugiados republicanos se 
alistaram para combater o inimigo comum. Uma das formações com propor- 
—— 
ção mais alta de republicanos espanhóis (mil em 2.500) foi a 132 Meia-Briga- 
da da Legião Estrangeira francesal Muitas outras unidades francesas e britânicas 
tinham espanhóis em suas fileiras, no norte da África e em outros locais. Uma 
companhia de republicanos espanhóis lutou entre os comandos do coronel 
Robert Laycock na fase final da batalha de Creta. 
O contingente mais conhecido talvez tenha sido o 3º Batalhão de Marcha 
do Chade, que lutou na 2? Divisão Blindada do general Leclerc durante todo o 
caminho até Paris. A 9º Companhia, conhecida como “La Nueve” até pelos fran- 
ceses, comandada pelo capitão Raymond Dronne, foia primeiraa entrar na capital 
francesa ao som do dobre dos sinos na noite de 23 de agosto de 1944 Os seus 
blindados tinham nomes como Madri, Teruel, Ebro, Guernica e Don Quixote. 
Seus companheiros menos afortunados na França foram enviados para 
campos na / Alemanha ou usados como mão-de-obra escrava pela Organização 
Todr. Em Mauthausen, os 7.200 espanhóis foram obrigados a usar um triân- 
gulo azul-falangista em seus uniformes listrados, ainda que fossem “vermelhos”. 
Aproximadamente 5 mil deles morreram alil Dachau, Buchenwald, Bergen- 
Belsen, Sachsenhausen-Oranienburg e Auschwitz também tinham muitos pri- 
sioneiros republicanos espanhóis.? 
 
 
572 A BATALHA PELA ESPANHA 
Na União Soviética, cerca de setecentos republicanos espanhóis serviram 
no Exército Vermelho e um número correspondente, na guerrilha de resistên- 
 
cia. Muitos outros tentaram alistar-se, mas disseram-lhes que já tinham trava- 
do a sua própria guerra e serviriam melhor à União Soviética trabalhando nas 
fábricas.'INo total, 46 pilotos, a maioria dos quais em treinamento na União 
Soviética no final da guerra civil, foram designados para regimentos da avia- 
ção depois de apelarem à Pasionaria e a outros líderes comunistas da “emigra- 
ção para Moscou” para que intercedessem a seu favor.“ O mais surpreendente, 
considerando as suspeitas stalinistas contra comunistas estrangeiros, foi que 
119 espanhóis e seis espanholas serviram na Omsbon (a Brigada Isolada de 
Infantaria Motorizada de Nomeação Especial do NKVD da URSS), que era a 
principal unidade pretoriana em Moscou para defender o Kremlin. Seis deles 
eram oficiais e um tornou-se comandante de uma companhia. 
Outros serviram na 1º Brigada Aérea Especial dos Guardas de Fronteira do 
NKVD, estacionada em Bikovo, vinte quilômetros ao sul de Moscou, pronta a 
defender a capital soviética. Outros setecentos seuniram a unidades guerrilheiras 
na retaguarda alemã, muitos deles levados de pára-quedas. Entre eles estava um 
grupo de catalães comandado por José Fusimania, enquanto outro destacamento 
de 18+ homens lutou com Medvedev, um dos mais renomados líderes guerrilheiros 
soviéticos. dVários soldados republicanos que falavam bem o russo serviram na li- 
nha de frente do Exército Vermelho como se fossem cidadãos soviéticos. Rubén 
Ruiz Ibárruri, filho da Pasionaria, tornou-se Herói da União Soviéticae morreu na 
luta diante de Stalingrado, enquanto dois outros receberam a Ordem de Lenin. 
Dizem também que 150 órfãos espanhóis participaram da defesa de Leningrado.” 
Muitos outros refugiados republicanos lutaram na resistência francesa e 
mm aa 
nas Forces Françaises de PIntérieur (FED. Durante a primeira fase, até novem- 
bro de 1942, suas redes cooperaram com a espionagem aliada e auxiliaram as as 
rotas de fuga para aeronautas derrubados! Os libertários e poumistas foram 
ativíssimos, como Francisco Ponzán (“François Vidal”), ex-membro anarquis- 
ta do Conselho de Aragão que participou do grupo de Par O'Leary. Captura- 
do pelos alemães em agosto de 1944, foi fuzilado e seu corpo queimado num 
bosque. Josep Rovira, do Poum, conseguiu escapar. 
A GUERRA INACABADA 573 
Em 1943 e na primeira metade de 1944, houve certa unificação dos gru- 
pos de resistência espanhola sob direção comunista no sudoeste da França. Na 
última fase da resistência francesa, os grupos republicanos foram um elemento 
importante na luta que na prática se tornou uma guerra civil contra a milícia 
de Vichy. Assim que a luça na França terminou, começaram a olhar para a fron- 
teira espanhola à espera do iminente colapso do regime franquista. 
Depois da invasão alemã da União Soviética em junho de 1941 e obede- 
cendo a ordens do Comintern, o Partido Comunista espanhol fez apelos ur- 
gentes na Rádio Espanhola Independente e na Rádio Toulouse pela criação de 
uma frente antifascista com todas as forças republicanas espanholas, inclusive 
a CNT, Os comunistas chamaram-na Unión Nacional Espafiola, que se tor- 
nou o braço político do XIV Corpo de Guerrilha. Desde o início de 1944 o 
XIV Corpo controlou quase todas as unidades espanholas de 31 departamen-. 
tos da r metade sul da França! Em maio de 1944, seu nome foi mudado para 
Grupo de Guerrilheiros Espanhóis e, nos meses seguintes, tomou propriedade 
do Estado, consulados e conselhos comerciais espanhóis na região, hasteando 
a bandeira republicana. A UNE convocou uma mobilização geral de ambos os 
lados da fronteira para “reorganizar o nosso exército patriótico para a recon- 
quista da Espanha”.* Mas a Espanha de Franco nunca foi vencida. 
Os que tinham ido para as montanhas, “los hombres de la sierra”, depois de 
escapar da prisão e dos batalhões de trabalhos forçados, formaram grupos pe- 
quenos e isolados que não podiam se comunicar com eficácia. Mas os primei- 
ros exemplos de resistência armada à conquista nacionalista tinham surgido 
desde o princípio da guerra civil. Na Galícia, onde tantos tinham fugido da 
violenta repressão falangista, formaram-se grupos nas montanhas, principal- 
mente na Sierra do E Em 1937, havia cerca de 3 mil fugitivos nos arredo- 
res de Vigo e Tuy. Havia outros bandos em Leão, Astúrias, Santander, Cáceres, 
Badajoz, Granada, Ronda de Huelva, mas também eram improvisados e agiam 
mais por razões de sobrevivência do que como força de resistência coordena- 
da. A maioria dos que estavam no sul foi aniquilada em 1937, mas no norte a 
luta continuou até o fim da guerra e depois dela. Quando a frente das Astúrias 
desmoronou em 1937, mais de 2 mil soldados fugiram para as montanhas e os
574 A BATALHA PELA ESPANHA 
nacionalistas precisaram mobilizar 15 sabores de regulares e oito batalhões de 
infantaria durante muitos meses para caçá-los. 
Na zona central, durante a guerra, os fugitivos agruparam-se nas monta- 
nhas de Toledo sob o comando de um ex-prefeito socialista, Jesús Gómez Recio, 
edo comunista José Manzanero, que também fugira da prisão, em seu caso no 
dia em que devia ser executado depois de terríveis torturas A partir de 1941, 
depois que muitos grupos caíram, a Guarda Civil tornou-se a principal força 
engajada em operações antiguerrilha. Os guerrilheiros, que precisavam s sobre- 
viver roubando comida, costumavam gerar antipatia na população local e aju- 
davam o regime franquista em sua tentativa de mostrá-loscomo bandoleiros 
comuns. À polícia também mandou agentes que fingiam ter fugido da prisão 
para se infiltrar em seus grupos. 
o Depois da libertação da França em 1944, o Partido Comunista espanhol 
preparou um plano duplo para a “reconquista” da Espanha — um era invadir 
o país pelos Pireneus; o outro, enviar pequenos destacamentos de » guerrilhei- 
ros para ligar-se na Espanha a outros grupos e organizar uma resistência mais 
bem coordenada. À esperança vá era que isso encorajasse os Aliados vitoriosos 
a adotar uma linha mais robusta contra o regime de Francok Em setembro de 
1944, o líder comunista Jesús Monzón deu ordem de atacar partindo do Valle 
de Arán e a partir daí investir sobre Lérida, com a idéia de estabelecer uma 
cabeça-de-ponte na qual se pudesse criar um “governo de união nacional” para 
liderar um levante em massa em toda a Espanha. A operação foi confiada à 
chamada 2042 Divisão, que consistia em menos de 4 mil homens sob o co- 
mando do coronel Vicente López Tovar, 
Em 19 de outubro, às seis da manhã, cruzaram a fronteira enquanto se 
realizavam ataques diversionários em diferentes pontos dos Pireneus. Nesse 
primeiro estágio, a força invasora conseguiu penetrar várias dezenas de quilô- 
metros na Espanha, ocupando pequenas aldeias, capturando alguns postos da 
Guarda Civil e fazendo trezentos prisioneiros. Mas cometeram o erro republi- 
cano de sempre e desperdiçaram tempo sitiando Viella, principal cidade do 
Valle de Arán. Mais uma vez os nacionalistas reagiram com rapidez e enviaram 
40 mil soldados marroquinos sob o comando dos generais Yagúe, García Valiho, 
A GUERRA INACABADA 575 
Monasterio e Moscardó. López Tovar deu ordem de recuar de volta à fronteira 
em 28 de outubro. À operação terminou numa retumbante derrota com a baixa 
de duzentos mortos e oitocentos aprisionados. Outros duzentos conseguiram 
escapulir para o interior da Espanha.” Do mesmo modo, a tentativa de produ- 
zir um levante com os chamados “corpos” e “exércitos” da guerrilha dentro da 
Espanha falhou redondamente. Mas a atividade guerrilheira continuou. Na 
Galícia, foi até 1950. Nas Astúrias, o movimento dividiu-se devido a desen- 
tendimentos entre socialistas e comunistas. No levante e no norte de Aragão, 
os grupos guerrilheiros mantiveram-se com destacamentos menores que cru- 
zavam a fronteira francesa para se unir a eles. 
Houve em Madri uma tentativa de Jesús Monzón de criar um exército 
guerrilheiro do centro e iniciaram-se operações em áreas urbanas, como um 
ataque à sede falangista de Cuatro Caminos. Mas os métodos impiedosos da 
Guarda Civil e da polícia secreta causaram muitas perdas. Na Catalunha, o 
PSUC comunista criou outro “exército guerrilheiro”, mas este também foi 
esfacelado em 1947, com 78 integrantes julgados na maior corte marcial já 
montada na Espanha. Os guerrilheiros mais famosos da Catalunha, contudo, 
foram anarquistas como Francisco Sabaté Llopart (“El Quico”), Ramon Vila 
Capdevila (*Caraquemada”), Luis Facerías e Marcelino Massana. Massana 
conseguiu fugir para a França em 1950, Facerías refugiou-se na Itália em 1952 
mas voltou a Barcelona, onde foi morto pela polícia em agosto de 1957. 
“Quico” começou sua atividade guerrilheira em 1945, em 20 de outubro, 
quando conseguiu liberar três presos anarquistas escoltados pela polícia. Pas- 
sava períodos na Espanha e depois descansava na França antes de atravessar a 
fronteira outra vez. Em março de 1949 organizou uma tentativa de assassinato 
do violento comissário de polícia Eduardo Quintela, mas atacou o carro erra- 
do e matou seus ocupantes. Quando voltou à França, foi preso por gendarmes 
e preso ficou até 1955. Mais tarde, no final de 1959, voltou à Espanha, mas 
em janeiro de 1960 a Guarda Civil cercou-o com alguns companheiros numa 
casa de fazenda na província de Gerona. A troca de tiros deixou alguns feridos, 
inclusive o próprio “Quico”, mas ele conseguiu romper o cerco. Segiúestrou 
um trem alguns dias depois e fugiu de novo, mas seu ferimento gangrenara.
576 A BATALHA PELA ESPANHA 
Procurou tratamento médico mas foi reconhecido e morto em 5 de janeiro. 
Seu camarada “Caraquemada” foi cercado em 6 de agosto de 1963 e fuzilado 
por guardas civis.'? 
A repressão à guerrilha entre 1947 e 1949 foi incansável. No total, cerca 
de 60 mil pessoas foram presas na década que se seguiu à guerra civil, mas na 
verdade a resistência guerrilheira só envolveu uma minoria minúscula da po- 
pulação, provavelmente menos de 8 mil indivíduos em toda a Espanha. Entre 
os últimos sobreviventes estavam Francisco Blancas, que liderou um grupo entre 
Ciudad Real e Cáceres até 1955, quando fugiu para a França; Patrício Serra, 
em Badajoz, que viveu até abril de 1954; e no primeiro e último bastião da 
Galícia, Benigno Andrade, executado em julho de 1952, José Castro Veiga, 
fuzilado pela Guarda Civil em março de 1965, e Mario Rodríguez Losada, 
que acabou fugindo para a França em agosto de 1968. Nessa época, turistas 
estrangeiros enchiam as praias do litoral sul e a Espanha de Franco viu-se mais 
subvertida pelos novos valores vindos de fora do que pelas velhas ideologias 
vindas de dentro. 
Enquanto a luta prosseguia na Espanha, os líderes republicanos no exílio con- 
tinuaram com suas rivalidades cruéis e autodestrutivas. Em novembro de 1943, 
Indalecio Prieto criou uma coalizão política no México que uniu o PSOE, : a 
Unión Republicana e os partidos catalães sob a liderança de Martínez Barrio.!! 
Os anarquistas e comunistas foram excluídos. É 
Em agosto de 1945, Negrín mudou-se de Londres para o México para 
participar da sessão das Cortes no exílio convocada por Martínez Barrio por 
instigação de Prieto. Negrín anunciou formalmente sua renúncia ao cargo de 
presidente do conselho de ministros, seis anos depois do fato consumado, e 
Martínez Barrio foi eleito presidente de uma república que deixara de existir. 
Negrín apresentou-se como novo líder do governo, mas Prieto vetou-o e José 
Giral ofereceu-se para assumir a tarefa. Mais uma vez, não havia em seu gover- 
no- no-fantasma comunistas nem anarquistas. Nem com o governo trabalhista no 
poder em Londres havia esperança de conseguir o reconhecimento da Grã- 
Bretanha ou da França. Ainda assim, Ernest Bevin, secretário do Exterior, 
A GUERRA INACABADA 577 
marcou uma reunião em outubro de 1947 com Prieto e Gil Robles, ex-líder da 
Ceda, contra quem participara do levante de outubro de 1934. Depois de dis- 
cussões tensas e dificeis, assinaram um pacto em Saint Jean de Luz, perto da 
fronteira basca! Entre outras coisas, exigiam uma anistia na Espanha, o fim 
das represálias e o direito dos espanhóis de escolher seu próprio governo. Fazia 
quase dez anos que os mesmos três pontos tinham sido apresentados em 
Figueras. 
O pacto teve pouco efeito porque cinco dias depois de assinado o filho de 
“Afonso XIII, don Juan, conde de Barcelona, reuniu-se com Franco a bordo do 
| Carlos, faria seus estudos na Espanha sob a tutela de Franco. Esse menino, 
[então com menos de dez anos, se tornaria o herdeiro do caudilho. Mas, depois: 
“da morte de Franco, em 1975, presidiria a volta bem-sucedida da Espanha à 
democracia e à liberdade. 
| 
| 
i 
"iate Azor, ao largo de San Sebastián. Concordou que seu filho, o príncipe Juan |, 
| 
| 
1
38 
Causas perdidas 
m junho de 1937 o cardeal Gomá descrevera a Guerra Civil Espanhola 
como “um plebiscito armado”. Era mesmo uma extensão da política por 
meios militares. Mas a violência do conflito causou muita impressão no exte- 
rior. Os pressupostos estereotipados sobre as paixões hispânicas foram às vezes 
reforçados pela imagem masculina dos espanhóis sobre si mesmos “Não es- 
tou dizendo”, escreveu mais tarde El Campesino, “que não fui culpado, eu mes- 
mo, de coisas feias ou que nunca provoquei o sacrifício desnecessário de vidas 
humanas. Sou espanhol. Vemos a vida de modo trágico. Desprezamos a mor- 
te.”! Mas tais declarações,além de um grotesco elogio em boca própria, são 
profundamente enganosas. Muitas vezes a violência é produto de uma expres- 
são de medo distorcida. E quanto mais o medo é suprimido pela necessidade 
de demonstrar bravura, mais explosivo o resultado. 
O culto da virilidade andou de mãos dadas com o da morte, como de- 
monstrou o irnaginário de Queipo de Llano, da Falange e da Legião Estran- 
geira. Os líderes nacionalistas também se refestelaram na linguagem do duro 
cirurgião patriarcal cujos diagnóstico e tratamento para o país não podiam ser 
questionados porque o paciente não sabia o que era melhor para elel Contá- 
gios e cânceres estrangeiros tinham de ser extirpados. À regeneração nacional 
só poderia vir através da dor, à moda medieval do julgamento pela tortura. 
As invocações ideológicas e religiosas tornaram abstrata a violência. Di- 
zem que havia um jovem de temperamento doce entre os defensores de 
Moscardó em Toledo, que foi chamado de Anjo do Alcázar porque, antes de
580 A BATALHA PELA ESPANHA 
disparar seu fuzil, costumava gritar: “Matar sem ódio!” Essa despersonalização 
também existia do lado republicano. David Antona, líder da CNT, disse que 
“as balas que deram fim à vida dos oficiais do quartel de Montafia não mata- 
ram homens, mataram todo um sistema social”. Todos eram encorajados a 
mergulhar sua identidade e sua responsabilidade individual em causas com auras 
místicas ou super-humanas. Diziam aos requetés carlistas que passariam upa, 
ano a menos no purgatório a cada vermelho que matassem, como se a cristan- 
dade ainda estivesse combatendo os mouros. Foi essa desumanização do ini- 
migo que tornou a guerra tão terrível, ao lado, é claro, das armas modernas e 
das táticas de terror que visavam às populações civis. 
A destruição de Guernica tornou-se o símbolo internacionalmente reco- 
nhecido do novo horror, porém ainda mais apavorantes eram os motivos por 
trás da campanha nazista na Espanha. Houve um grande debate sobre o peso 
comparativo e a escolha do momento da intervenção estrangeira dos dois la- 
dos durante a guerra. Mas discutir o número exato de aeronaves, blindados e 
assessores militares faz errar o alvo. Muita coisa dependia do padrão de treina- 
mento e da qualidade do equipamento. Não há dúvida, por exemplo, de que 
os pilotos e aeroplanos alemães eram consideravelmente superiores aos dos seus 
adversários soviéticos, fato enfatizado com efeito terrível em junho de 1941 
quando a Luftwaffe destruiu mais de 2 mil aviões soviéticos, a maioria deles 
em terra, em menos de 48 horas. A contribuição italiana para a vitória de Franco 
foi realmente grande, mas a natureza aleatória do seu bombardeio e a impos- 
sibilidade geral de contar com ela diminuíram bastante o seu potencial militar. 
A Guerra Civil Espanhola, como o governo nazista reconheceu desde o 
im — cotas 
princípio, constituía o mais perfeito campo de testes para armamentos e táti- 
cas. O Exército Vermelho também viu a oportunidade mas, devido à ortodo- 
xia militar stalinista depois da execução do marechal Tukhatchevski, não pôde 
aproveitá-la muito. A Legião Condor da Luftwaffe, pelo contrário, foi meti- 
culosa em seus relatórios sobre os efeitos dos novos sistemas de armas, Suas 
esquadrilhas descobriram, por exemplo, que, durante uma ofensiva, era muito 
eficaz metralhar as trincheiras inimigas assim que o bombardeio da artilharia 
—| 
cessava, para manter a cabeça dos republicanos abaixada enquanto a infantaria 
CAUSAS PERDIDAS 581 
nacionalista avançava as últimas centenas de metros! As posições da artilharia 
inimiga também foram atacadas para impedir o fogo contra as baterias e as 
esquadrilhas de bombardeiros dirigiam-se às áreas de concentração de tropas e 
de comunicações na retaguarda para impedir a vinda de reforços. 
Quanto às táticas dos caças, as esquadrilhas de Messerschmitts da Luftwaffe 
abandonaram a tradicional formação em V nas batalhas aéreas sobre o Ebro. Seus 
aviões começaram a voar em pares duplos, tática que o Comando de Caças da 
RAF foi obrigado a imitar dois anos depois durante a Batalha da Grã-Bretanha. 
Mas a arma psicológica mais importante que a Legião Condor testou na Espanha 
talvez tenha sido o Junker 87, ou Stuka. Na investida em Aragão na primavera 
de 1938, a Legião Condor bombardeou cidades e aldeias — como Albocacer, 
Ares del Maestre, Benasal e Villar de Canes — e depois as fotografou cuidadosa- 
mente, do ar e em terra, para medir os padrões das bombas e a destruição causa- 
da. Estavam interessados acima de tudo em avaliar a precisão dos Stukas no, 
bombardeio com bombas de quinhentos quilos) Em Benasal, que atingiram com 
nove dessas bombas, tiraram muitas fotografias da grande igreja de lá, que ti- 
nham destruído inteiramente. Boa parte deste trabalho de investigação foi reali- 
zado pelo major conde Fugger, de uma antiga família de banqueiros de Augsburg ? 
Em terra, osalemães aprenderam lições importantes que muito os ajudariam 
nos próximos anos. Os seus blindados precisavam ter armas mais pesadas e 
concentrar-se em divisões blindadas para rompimentos ao estilo “Schawerpunk?”. 
Também descobriram na Espanha a exatidão e o poder de seus canhões antia- 
éreos de 88 milímetros quando usados contra alvos blindados. Mais tarde, esse 
canhão foi instalado no tão temido blindado Tigre. Na verdade, foi em conse- 
giência da guerra na Espanha que o exército alemão viu a necessidade de au- 
mentar o tamanho e a potência da sua força de blindados. Na Espanha, os 
blindados soviéticos lá utilizados — o T-26 e o BT-5 — mostraram-se mais 
eficazes que o alemão Panzer Mark I, enquanto o miniblindado Fiat-Ansaldo 
italiano mais lembrava um brinquedinho de corda, também pelo seu desem- 
penho.: Mas os assessores soviéticos não podiam aconselhar táticas blindadas 
modernas depois do expurgo do marechal Tukhatchevski, de modo que mui- 
tas vezes a brigada blindada foi subutilizada, quando não desperdiçada.
582 A BATALHA PELA ESPANHA 
A necessidade de uma ligação muito maior entre os soldados que avança- 
vam em terra e o seu apoio aéreo também ficou óbvia para ambos os lados na 
época da Batalha do Jarama, mas o Exército Vermelho recusou-se a instalar 
rádios em blindados a não ser nos que estavam no comando, durante toda a 
Segunda Guerra Mundial e na maior parte da Guerra Fria. À única verdadeira 
lição que os assessores soviéticos aprenderam foi a vantagem de concentrar a 
artilharia de longo alcance com comando central, tática que finalmente teve 
oportunidade de dar frutos na batalha de Stalingrado. —— 
Uma das questões mais discutidas é se a intervenção estrangeira foi deci- 
siva ou não. Com certeza a decisão de Hitler de mandar aviões de transporte 
Junker 52 para ajudar Franco a levar os primeiros destacamentos de regula- 
ves e da legião estrangeira pelo estreito de Gibraltar foi importante, mas é 
difícil dizer que tenha sido decisiva. À incompetência da marinha republica- 
na e a falta de iniciativa durante o caos revolucionário das primeiras sema- 
nas mostraram que o exército da África acabaria conseguindo chegar à 
Espanhal E, como as tropas republicanas não conseguiam lançar uma ofen- 
siva, o tempo não foi tão fundamental quanto poderia ter sido. O argumen- 
to de que a rebelião dos generais teria desmoronado no verão de 1936 não 
convence, a menos que se fale da outra forma de intervenção, o suprimento 
de munição vinda de Portugal. Franco e seus colegas generais rebeldes ti- 
nham ido longe demais para recuar e, enquanto tivessem munição suficien- 
te, a batalha continuaria até que uma massa crítica de africanistas chegasse 
ao continente europeu. 
À intervenção soviética pode ter ajudado a República a salvar Madri em 
novembro de 1936, como afirmam os historiadores franquistas, mas em ter- 
mos gerais não há dúvida de que as forças alemã e italiana encurtaram bas- 
tante a guerra a favor dos nacionalistas. Dizer que venceram inteiramenteà. 
guerra para Franco seria ir longe demais. À Legião Condor acelerou acima 
de tudo a conquista do norte, fato que permitiu aos nacionalistas concentrar 
suas forças no centro da Espanha, Mas a eficácia verdadeiramente devasta- 
dora da Legião Condor aconteceu no enfrentamento das grandes ofensivas 
republicanas de 1937 e 1938, batalhas que destruiriam a resistência das for- 
CAUSAS PERDIDAS 583 
ças armadas republicanas. Essas oportunidades perfeitas para a mobilização 
do poderio aéreo com o máximo efeito foram, entretanto, oferecidas pela 
liderança desastrosa dos comandantes comunistas e de seus assessores sovié- 
ticos. 
A organização e os objetivos assumidos pelo Exército Popular no inver- 
no de 1936 foram configurados mais por pressões políticas internas e exter- 
nas do: que por considerações militares. As exigências de comando unificado 
e disciplina dos comunistas eram inteiramente lógicas do ponto de vista 
militar (ao mesmo tempo, é claro, que lhes ofereciam o melhor caminho para 
assumir o controle “do poder). Mas a idéia de que a única estratégia possível 
consistia em ofensivas cuidadosamente planejadas saídas dos manuais fran- 
ceses de treinamento da Primeira Guerra Mundial mostrou-se uma desvan- 
tagem tão grande quanto a crença das milícias no triunfo da disposição de 
luta revolucionária) Pior ainda, as decisões de partir para a ofensiva não fo- 
ram guiadas por raciocínios coerentes. Em quase todos os casos, esses ata- 
ques foram tentativas inúteis de aliviar a pressão sobre outros setores 
ameaçados e foram iniciados devido a considerações propagandísticas. De- 
pois que o ataque conseguia surpreender, os comandantes do Exército Po- 
pular permitiam que se perdesse o fmpeto da ofensiva ao sitiar aldeias e 
cidadezinhas. Em questão de dias, os nacionalistas conseguiam deslocar seus 
soldados e a Legião Condor. 
Esta última, como confirmam seus diários de guerra, descobriu que falta- 
va aos pilotos soviéticos e à força aérea republicana confiança em combate e 
que constituíam mais um incômodo que um perigo. Assim, as suas esquadri- 
lhas conseguiram bombardear e metralhar à vontade as formações de elite do 
Exército Popular, já que estas costumavam estar encurraladas numa área pe- 
quena em terreno completamente exposto. Mas os líderes republicanos, ainda 
que tivessem perdido toda a surpresa e todo o ímpeto, não podiam recuar os 
seus preciosos soldados e blindados devido às exageradíssimas declarações de 
propaganda feitas quando do anúncio da ofensiva. Assim, as batalhas de 
Brunete, Belchite, Teruel e Ebro foram todas reprises desastrosas. Para piorar 
ainda mais as coisas, a paranóia stalinista dos assessores soviéticos e dos líderes
584 A BATALHA PELA ESPANHA 
comunistas espanhóis atribuía todos os reveses à traição trotskista e aos “sus 
ta-colunas”, Inventavam-se teorias absurdas, oficiais e soldados inocentes ===» 
presos e fuzilados e enviavam-se relatórios a Moscou que revelavam [= 
bem além do limite da sanidade. Não surpreende que o moral repub. ==> 
sofresse tanto. 
Os dois únicos sucessos da República foram Guadalajara, vitória cus = 
sultou basicamente da queda do moral italiano, e a defesa da linha XYZ » 
verão de 1938. Esta última mostrou-se a batalha com melhor relação cus 
benefício de toda a guerra para os republicanos, que causaram quatro vs 
mais baixas do que sofreram. Presume-se que tenha merecido tão pouca === 
ção porque nenhuma das formações comunistas mais famosas estava er: 
da e poucos esforços propagandísticos foram feitos numa batalha que => = 
encaixava na “política de guerra ativa do governo Negríin”. 
Tudo isso indica que uma condução bem mais eficaz da guerra seria =>» 
binar uma forte estratégia defensiva com ataques rápidos e profundos dv = 
dagem em pontos diferentes para confundir os nacionalistas. As tropas bli==="4 
do Exército Popular ficariam guardadas como reserva motorizada pros + 
contra-atacar qualquer rompimento nacionalista. À República não podiz = 
plesmente abandonar a guerra ortodoxa em troca da não-ortodoxa, como =» 
nhavam alguns idealistas da milícia. Simplesmente não existiam condições se» 
uma guerrilha universal, As regiões mais adequadas, com o tipo certo a: ===" 
no, eram insuficientes para forçar as tropas nacionalistas além da sua css 
dade. Mas em frentes pouco guarnecidas a ação dos comandos pocder= == 
engajado muito mais soldados nacionalistas. Isso atrapalharia muito === - 
estratégia violenta e nada sutil do general Franco. Na verdade, Franco, dh 
venceu propriamente a guerra; os comandantes republicanos, com as prisss 
 
lidades já muito grandes contra eles, desperdiçaram a coragem e o sacrif 2...» 
seus soldados e a perderam. 
Não surpreende que a política de não-intervenção, de inspiração >.» 
ca, gerasse grande paixão e ofensa moral. Para os republicanos, pass 
 
impensável que o governo legitimamente eleito de um país não posses 
CAUSAS PERDIDAS 585 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
morar armas para se defender. Também há poucas dúvidas sobre a hipo- 
ia de manter uma política que manifestamente não funcionava, en- 
sento o comitê em Londres, que incluía as três principais potências 
ervencionistas — Alemanha, Itália e União Soviética —, fingia o con- 
rio. É compreensível que a raiva maior tenha sido reservada para o go- 
no britânico, que, mesmo não tendo proposto oficialmente o plano de 
intervenção, era com toda a certeza a principal força por trás dele. Os 
sivos dos dois primeiros-ministros, Baldwin e Chamberlain, e dos dois 
retários do Exterior, Eden e Halifax, costumam ser atribuídos a uma 
ma conservadora para dar apoio a Franco. Embora extremamente plausí- 
considerando as suas amizades e preferências pessoais, ao que tudo 
ica essa é uma distorção da verdade. 
Nenhum deles nutria nenhuma sim patia pela naturezaesquerdista, embo- 
zalvez não revolucionária, da Espanha republicana e, com certeza nos pri- 
«os dias, prefeririam um sucesso nacionalista rápido ao que viam como 
jência aos horrores do bolchevismo. Mas seus principais temores eram 
:ros. Não queriam que a Espanha fosse controlada pela Alemanha nazista 
e pela Itália fascista, principal rival da Grã-Bretanha no Mediterrâneo, muito 
nos que o país caísse sob a influência soviética. Acima de tudo, estavam com 
sito medo de que a conflagração espanhola acabasse sendo outra Sarajevo, 
indo uma onda cada vez maior de envolvimento que se transformaria na 
xima guerra européia. Ainda assim, o Ministério das Relações Exteriores 
rânico errou por completo ao assumir o papel arrogante de policial interna- 
al enquanto se preparava secretamente para sacrificar o povo espanhol, as- 
2 como sacrificou os tchecos em 1938., 
Também é preciso examinar os resultados efetivos da política de não-in- 
=senção, que impediu a República de comprar armas abertamente. À maior 
cessidade dos republicanos eram aeronaves, blindados e armas automáticas. 
geral, o equipamento francês era de má qualidade e o único avião britâni- 
disponível naquela data era obsoleto. O único país capaz de satisfazer às 
necessidades, além da União Soviética, talvez fosse os Estados Unidos. 
osevelt e Cordell Hull podem ter sido influenciados pelo acordo de não-
586 A BATALHA PELA ESPANHA 
intervenção, mas foi o lobby católico que levou o Congresso a cortar a rerz="" 
de armas para a República: Assim, além de algumas compras de aviões, de 5-=: 
e munição mexicanos e de metralhadoras tchecoslovacas compradas paz» 
larmente, parece que, mesmo sem o Comitê de Não-Intervenção, a Repúi 
não tinha alternativa senão o monopólio soviético do fornecimento de arm= 
Ainda assim, a decisão de mandar a Stalin as reservas de ouro da Repúblics = 
uma das mais importantes da guerra. 
O arcebispo de Burgos, que justificou a crueldade da guerra como sendo. = 
fim das contas, menos cruel por ter permitido

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