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GESTÃO DEMOCRÁTICA ESCOLAR: ENTRE O REAL E O IDEAL SAGRILLO, Daniele Rorato – UFSM danielesagrillo@yahoo.com.br Eixo Temático: Políticas Públicas, Avaliação e Gestão da Educação Agência Financiadora: CNPq Resumo Este trabalho integra as investigações realizadas no Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas e Gestão Educacional (GEPPGE), desenvolvido no Centro de Educação/UFSM. O presente estudo teve como objetivo analisar como os professores percebem, no cotidiano do seu trabalho, ações que caracterizam a democratização da gestão escolar. A pesquisa desenvolveu-se em escolas públicas municipais de Santa Rosa e Santa Maria, no Estado do Rio Grande do Sul. A opção metodológica constitui-se de uma abordagem de natureza qualitativa, envolvendo dez professores, regentes de classe, que atuam na rede pública municipal desde 1990. Os dados foram coletados durante o ano de 2010, a partir de entrevistas semiestruturadas e análise documental. As bases teóricas estão pautadas em torno da gestão democrática escolar e de sua importância no atual contexto histórico e político, sendo os autores de referência neste levantamento bibliográfico: Ferreira (2004), Paro (1996), Luck (2001), Wood (2002) e Freire (1981; 1996; 2003). Os resultados indicam que o controle sobre a gestão escolar está “nas mãos” da equipe diretiva e da Secretaria de Educação. Evidenciou-se também como aspectos limitadores da democratização da gestão a falta de diálogo entre a comunidade escolar, bem como a formação continuada dos professores, que tratam dos mais variados assuntos, relacionados à organização e informações, restringindo, desta forma, um espaço em que propostas de trabalho coletivo sejam planejadas, e obstruindo o desenvolvimento dos professores como profissionais comprometidos com o processo de transformação social da escola. Conclui-se que as escolas investigadas ainda não se apropriaram dos espaços possíveis para a construção de um projeto democrático que envolva a comunidade escolar. Demonstram que a prática da gestão democrática (entendida como a participação popular na tomada de decisões) ainda não é uma realidade, sendo em alguns casos restrita a uma forma simples de “tomar conhecimento” dos assuntos em pauta. Palavras-chave: Escola Pública. Gestão escolar. Democracia. Introdução Este trabalho integra as investigações realizadas no Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas e Gestão Educacional (GEPPGE), desenvolvido no Centro de Educação/UFSM. O presente estudo teve como objetivo analisar e conhecer o posicionamento dos professores inseridos nas unidades educativas, de modo a verificar como os mesmos percebem no 10711 cotidiano do seu trabalho, ações que caracterizam a democratização da gestão escolar. Buscou também analisar as interfaces entre a compreensão dos sujeitos da pesquisa e a legislação vigente, que instituiu a gestão democrática – tanto a nível nacional como municipal, ou seja, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a LDB nº 9394/96 e as Leis de Gestão dos municípios envolvidos na pesquisa. A pesquisa desenvolveu-se em escolas públicas municipais de Santa Rosa e Santa Maria, no Estado do Rio Grande do Sul. Justifica-se a escolha destes dois municípios por suas semelhanças: são municípios de médio porte, de reconhecida importância nos aspectos econômicos e sociais nas áreas comercial, industrial e educacional. Santa Maria, situada na região central, se constitui como um centro universitário (sete instituições de Ensino Superior) e Santa Rosa, na fronteira noroeste, por pretender ser um centro regional tecnológico. Apesar disso, os dois municípios em questão, conforme dados do MEC/Prova Brasil e Censo Escolar/20071, apresentam uma significativa rede escolar de Educação Básica com baixo IDEB. A opção metodológica constitui-se de uma abordagem de natureza qualitativa, na qual os sujeitos empíricos foram dez professores2, regentes de classe, que atuam na rede pública municipal desde 1990. Os dados foram coletados durante o ano de 2010. A abordagem qualitativa conforme Bogdan e Biklen (1994, p.17), é indicada quando: [...] o objetivo do investigador é o de compreender, com bastante detalhe, o que é que professores, directores e estudantes pensam e como é que desenvolveram os seus quadros de referência. Este objectivo implica que o investigador passe, frequentemente, um tempo considerável com os sujeitos no seu ambiente natural, elaborando questões abertas do tipo ‘descreva um dia típico’ ou ‘de que é que mais gosta no seu trabalho?’, registando as respectivas respostas. Para o desenvolvimento da pesquisa foram realizadas entrevistas semiestruturadas, pois, o caráter flexível deste tipo de abordagem permite “aos sujeitos responderem de acordo com a sua perspectiva pessoal, em vez de terem de se moldar a questões previamente elaboradas” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 17). Utilizou-se ainda da análise documental, pois a mesma ao fundamentar-se em uma abordagem qualitativa, serve tanto para complementar as 1 Disponível em: <http://ideb.inep.gov.br/Site/> 2 Tendo em vista o limitado espaço deste trabalho, e o foco da escrita direcionar-se para a visão dos professores sobre a gestão democrática, apenas alguns depoimentos sobre a temática são apresentados. Os professores de ambos os municípios são identificados por números, para respeitar a sua identidade. 10712 informações obtidas por outras técnicas, como para desvelar aspectos novos de um problema em estudo. Neste contexto, a pesquisa documental se faz necessária tendo em vista que as políticas educacionais se traduzem em leis e normativas para os Sistemas de Ensino. Desta forma, este trabalho pretende abordar questões referentes à gestão democrática, pois a mesma representa uma ruptura com a tradicional organização cotidiana da escola, uma vez que possui o intuito de romper com a administração autoritária, manifestada na setorização e na hierarquização dos processos administrativos, buscando uma gestão descentralizada e comprometida com formas coletivas de participação. Neste sentido, a gestão democrática se constitui em processo necessário para que seja possível alcançar a efetiva participação da comunidade escolar nas decisões que dizem respeito ao contexto escolar. A gestão democrática exige a compreensão em profundidade dos problemas postos pela prática pedagógica, bem como visa romper com a separação entre concepção e execução, entre o pensar e o fazer, entre teoria e prática. Busca, ainda resgatar o controle do processo e do produto do trabalho pelos educadores, pois, quanto mais democrática for a gestão escolar, mais o poder será compartilhado e exercido pela comunidade escolar. Gestão Democrática da Escola Pública O processo de democratização educacional no Brasil tem sido uma luta difícil de ser conquistada, uma vez que a própria sociedade não tem participado de forma sistemática desse movimento. Nesta perspectiva, a ideia de participação na área da educação foi uma conquista, embora com pequenos avanços, resultado da força da sociedade civil. A democratização da educação, de longa data, constituiu-se em uma bandeira dos movimentos sociais no país, e mesmo depois da promulgação da Constituição a luta permanece, agora com o objetivo da consolidação desse princípio regulamentado pela legislação. A gestão Democrática foi instituída pela Constituição Federal promulgada no ano de 1988, como um dos princípios do ensino público brasileiro, em todos os níveis. Assim, no âmbito federal, foram definidas formas de operacionalização que se estabelecem para os sistemas de ensino. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, aprovada em 1996, coloca muito claramente em seus artigos 14 e 15, o princípio da gestão democrática, que tratam também do compromisso da participação dos profissionais da educação e dacomunidade escolar, bem como da garantia dos sistemas de ensino de assegurar às escolas 10713 públicas de educação básica, progressivos graus de autonomia pedagógica-administrativa- financeira, conforme dispõe: Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as normas de gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios: I – participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto político pedagógico da escola; II – participação das comunidades escolar e local em Conselhos Escolares ou equivalentes. Art. 15. Os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas as normas gerais de direito financeiro público. De acordo com Monlevade (1997), estes dois artigos da LDB, têm sua maior implicação na descentralização de poder. A existência da Proposta Pedagógica da Escola, ocasião de encontro entre Estado, famílias, alunos e profissionais da educação para definir o que se quer e o como fazer na escola é o ponto de partida operacional para a implementação da gestão democrática. Cabe destacar que a questão da democratização passou por vários momentos, sendo entendida, inicialmente, como direito universal ao acesso e, posteriormente, foi sendo defendida a proposição da educação como direito a um ensino de qualidade e à participação democrática na gestão das unidades escolares e dos sistemas de ensino. Sendo essas prerrogativas representadas, em grande parte, pelas demandas dos movimentos sociais, não apenas dos professores, mas de todos os trabalhadores que viam na educação a possibilidade de melhorar suas condições de vida e de trabalho. A LDB indica dois instrumentos fundamentais para o processo de democratização da gestão: a elaboração do Projeto Pedagógico da escola, contando com a participação dos profissionais da educação; e a participação das comunidades escolar e local em Conselhos Escolares ou equivalentes. Neste sentido, para que a gestão das escolas se efetive são necessários processos coletivos, garantindo espaços e mecanismos para que a participação, a tomada de decisões e a descentralização tornem-se realidade. De acordo Lück (2006. p.30-31): 10714 [...] a participação em sentido pleno é caracterizada pela mobilização efetiva dos esforços individuais para a superação de atitudes de acomodação, de alienação, de marginalidade, e reversão desses aspectos pela eliminação de comportamentos individualistas, pela construção de espírito de equipe, visando a efetivação de objetivos sociais e institucionais que são adequadamente entendidos e assumidos por todos. Neste contexto a discussão sobre democracia faz-se necessária, considerando que a sua compreensão no contexto capitalista possui várias direções, pois a mesma confunde-se, ou com processo eleitoral, ou com ideia de coletivo, existindo quase como uma falácia, ou como enfatiza Chauí (1980, p.145) uma “farsa bem-sucedida”. No entanto, também pode ser compreendida como soberania popular, ou pelo que significa o próprio nome “o governo do povo ou pelo poder do povo”, ou pelo que pode expressar “a reversão do governo de classe”, em que o conjunto de cidadãos, os homens comuns, desafia a dominação dos ricos. E, nesse sentido, “a democracia” significa o desafio ao governo de classe (WOOD, 2002, p.7). Ao se analisar, portanto, a questão democrática, é preciso ponderar que as democracias deveriam ser por natureza, descentralizadoras, pois quanto mais democrática a organização mais a sociedade estaria pensando e decidindo seus próprios rumos. Desta forma através da descentralização e da participação se consolidaria um espaço para a construção da cidadania, à medida que são fontes de aprendizagens para a própria sociedade. Nesta ótica, a escola assume outro sentido, ao trazer na sua essência a possibilidade de construção de novas práticas que priorizem a via democrática, no sentido de favorecer a formação de amplas camadas da população no seu processo de construção humana. Para Ferreira (2004), novas prioridades impõem-se para as políticas e, em especial, para a gestão democrática da educação comprometida com a qualidade da formação humana. Esses avanços representam: [...] um compromisso de quem toma decisões – a gestão –, de quem tem consciência do coletivo–democrática–, de quem tem a responsabilidade de formar seres humanos por meio da educação. Assim se configura a gestão democrática da educação que necessita ser pensada e ressignificada na “cultura globalizada”, imprimindo-lhe um outro sentido (FERREIRA, 2004, p.1241). A promoção de uma gestão educacional democrática e participativa está associada ao compartilhamento de responsabilidades no processo de tomada de decisão entre os diversos segmentos do sistema escolar, como indica Luck (2001). Desse modo, as escolas poderiam, 10715 em seu interior, “praticar a busca de soluções próprias para seus problemas e, portanto, mais adequadas às suas necessidades e expectativas, segundo os princípios de autonomia e participação” (LUCK, 2001, p.2). As escolas como espaço de aprendizagens (não) democráticas A escola constitui-se em um local onde se dá a aprendizagem das relações sociais que envolvem professores, alunos e o conjunto da sociedade. Neste sentido ela tem um papel fundamental seja para a manutenção do sistema vigente, seja para a transformação das condições e das limitações impostas por este modelo. Embora não seja o único espaço em que se desenvolvem as aprendizagens, a educação e com ela a escola formal servem [...] para muitas outras coisas além da qualificação da força de trabalho: é um estacionamento onde deixar as crianças, oculta o desemprego real, forma bons cidadãos, educa futuros consumidores, adestra trabalhadores dóceis, facilita a justificação meritocrática da divisão em classes da sociedade capitalista, permite que a propriedade se esconda atrás do emaranhado da administração (ENGUITA, 1993, p.197). No que diz respeito à gestão, na escola poderiam ser desenvolvidos princípios e valores democráticos, à medida que a gestão assumisse uma postura, uma concepção descentralizadora das ações e decisões que permeiam o cotidiano escolar. Ocorre que o sentido que tem se dado à função social desta instituição está atrelado ao mundo da produção, acabando por reproduzir neste espaço as relações hierárquicas, verticalizadas, setorizadas que dividem ao invés de aproximar, separando de uma maneira os grupos “pensantes” e os “executores” das funções. Diante disso, a divisão entre trabalho manual e trabalho intelectual se intensifica na escola, ao retirar dos profissionais a possibilidade de interferir no processo de trabalho e ao colocar as decisões para os, normalmente denominados supervisores, equipe diretiva, diretores, coordenadores ou “orientadores”. A educação acaba aderindo ao modelo de gestão centralizado com divisão de funções e diferenças salariais. Situação comprovada nos municípios investigados nesta pesquisa, conforme o adendo colocado na Lei no 75/2011 que institui o Plano de Carreira dos Servidores Municipais de Santa Rosa e no Art. 46 da Lei nº4696/03, referente ao Município de Santa Maria. 10716 A organização do trabalho, fundamentada nas concepções de Ford e Taylor, acaba determinando o modelo de administração da escola garantindo, através dos "gerentes", que são os especialistas, o que será trabalhado em reuniões pedagógicas e o que é prioridade para a escola, tanto em termos pedagógicos, quanto administrativos e financeiros, como pode ser confirmado pelos dados3 obtidos pelos sujeitos da pesquisa: “Na realidade, a gente não tem formação, gurias, é muito burocrático, é muito papel, preencher papel, passar recado. Nós não, aqui na Escola, nósnão temos [formação], dificilmente [...] o tempo é muito curto” (PROFESSORA SANTA MARIA V-A). Nesta ótica, a Professora de Santa Maria V-B demonstra nem se lembrar da última reunião pedagógica: “Nós estamos no mês de maio praticamente, e nós tivemos uma formação continuada, esse ano. Se é que teve, ou foi final do ano passado?”. [...] as nossas reuniões pedagógicas, elas são... é para ser de estudo, mas a gente faz uma divisão, a gente procura dividir o tempo entre o que tem que ser passado também, os avisos, as organizações, planejamento, que faz parte. Afinal, como é que nós vamos fazer o planejamento dos nossos projetos se não é numa reunião pedagógica? Tem que [ ] ali. Depois [...] a gente faz um projeto, a gente pensa o que fazer, mas aí o que falta, às vezes, é a parte da fundamentação. Eu vejo, a fundamentação fica. E daí, os professores cada um faz como eles acham que podem e têm condições de fazer, mas daí falta complementar acho que a questão pedagógica, a fundamentação do projeto. Então, têm muitos projetos acontecendo, mas, ao mesmo tempo, falta estudo de cada um de viabilizar isso, fundamentado em autores, em textos, em material (PROFESSORA SANTA MARIA VII). Em relação às reuniões, a fala da Professora I de Santa Rosa, reforça as colocações feitas pelas colegas de profissão e vai além, quando reclama da falta de assuntos que tratem sobre as suas inquietações e preocupações principalmente com o todo da escola: Precisamos tratar assuntos que nos angustiam, que às vezes ficam abandonados porque não temos tempo para conversar com os colegas, temos muita burocracia. Toda hora vêm novidades [...] muitos professores querem ficar discutindo muito a questão individual do aluno. E o tempo é muito pouco, muito pequeno, se tu fores ver. Tem coisa que tu tens que tratar que envolvem a escola e ficam de fora. 3 Ao transcrever as entrevistas dos professores, procurou-se manter as marcas típicas da fala. Os dados referentes a esta pesquisa encontram-se disponíveis para consulta na íntegra. 10717 Desta forma, as reuniões que deveriam cooperar com o processo de melhoria da qualidade da educação, tendo ênfase no caráter pedagógico, como determina a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, acabam sendo momentos de reclamações, lamúrias que não contribuem e acabam limitando a democratização da educação. Os procedimentos adotados nas reuniões demonstram atitudes arbitrárias que destoam totalmente de uma gestão democrática, pois de acordo com os entrevistados, geralmente tornam-se espaços de avisos e de organização administrativa. Desta maneira, a tônica concentra-se distante das necessidades emanadas do coletivo. A visão dos professores, neste contexto, fica limitada às necessidades burocráticas e da disciplina ministrada. Fica, portanto o questionamento: como é possível ter uma visão mais ampla da educação e da sociedade? Como conquistar a autonomia se os espaços e tempos da formação destinados aos educadores são restritos aos tempos e espaços da disciplina que eles lecionam? A aprendizagem das relações sociais não se sustenta por meio de imposições, nem com determinações de cima para baixo, que provocam com maior ou menor intensidade, reações ou sentimentos de insatisfação, temor, desrealização, afastamento, adoecimento, absenteísmo ou incredulidade em mudanças possíveis. As relações que envolvem o contexto educativo precisam fundamentar-se no respeito e no diálogo e não na imposição ou na arrogância, pois, Nem a arrogância é sinal de competência nem a competência é causa da arrogância. Não nego a competência, por outro lado, de certos arrogantes, mas lamento neles a ausência da simplicidade que, não diminuindo em nada seu saber, os faria gente melhor. Gente mais gente (FREIRE, 1996, p. 46). Contribuir com a transformação de relações autoritárias implica em tratar a gestão escolar como “mecanismo de hominização do ser humano” (FERREIRA, 2004, p.1241), ou seja, uma gestão e uma educação comprometida com a “sabedoria” de viver junto respeitando as diferenças, comprometida com a construção de um mundo mais humano e justo para todos os que nele habitam, independentemente de raça, cor, credo ou opção de vida (FERREIRA, 2004, p.306-307). Neste contexto, Paro (1996, p.7) salienta que a gestão da escola “exige a permanente impregnação de seus fins pedagógicos na forma de alcançá-los”. Paro (1996) adverte que a administração escolar é portadora de uma qualidade própria que a diferencia da administração 10718 especificamente capitalista, cujo objetivo é o lucro, já que o princípio básico da administração é a coerência entre meios e fins. Dourado, Oliveira e Santos (2007) esclarecem que os fins da empresa capitalista, por seu caráter de dominação, são não apenas diversos, mas antagônicos aos fins de uma educação emancipadora, também não é possível que os meios utilizados no primeiro caso possam ser transpostos acriticamente para a escola, sem comprometer irremediavelmente os fins humanos que aí se buscam. A educação é compromisso com a liberdade e com a transformação da sociedade e por esta razão fundamenta-se no diálogo. Através do diálogo se estabelece uma mediação com o mundo, e uma maior significação dos homens como seres humanos. Neste sentido a educação dialógica se processa no coletivo, pois, como assegura Freire (1981, p.79): “Ninguém educa ninguém, ninguém se educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”. Desta maneira, quando se perguntou o que precisaria ser alterado para que mudanças efetivamente ocorressem, a maioria das respostas explicitou o diálogo, o que pode ser comprovado com as falas dos professores: “Fica difícil a integração [...] Eu não conheço teu trabalho, então eu não sei aonde posso me integrar contigo. Então, falta conversar, falta diálogo. Os professores não têm tempo de chegar e sentar” (PROFESSORA SANTA MARIA V-B). Diálogo. Tem que ter mais [...] É uma coisa profissional, que a gente tem que pensar na vida do nosso aluno, na nossa profissão aqui dentro [...] deslanchar o trabalho, mostrar resultado. Então, tem que ter mais abertura, diálogo [...] A gente sempre vai fazer os cursos, a gente está sempre correndo atrás da máquina. Eu acho que, apesar dessa falta de diálogo e de algum protecionismo, ainda a Escola pode ser séria. (PROFESSORA SANTA MARIA V-A). A escola que se deseja não deve ser uma utopia, mas uma realidade democrática e de qualidade, organizada para atender às características, as especificidades das comunidades nas quais está inserida e com as quais deve assumir um caráter educativo e democratizante. As mudanças/permanências relativas à gestão democrática A gestão democrática definida pela Constituição e referendada pela LDB nº 9394/96 não tem sido no cotidiano das escolas uma realidade. Assim como a autonomia e a 10719 participação pressupõem democracia pode-se afirmar que as mesmas encontram limitações para serem implantadas. Especificamente nos municípios em que esta pesquisa foi realizada, o que consta em relação à gestão democrática é apenas uma referência aos incisos I e II do artigo 14 da LDB. Esta constatação se evidencia no município de Santa Rosa em que o Plano Municipal de Educação, aprovado em 20 de outubro de 2006, apenas menciona o que já está estabelecido na LDB, sem apresentar avanços nem especificar de que forma se processa a democratização da gestão. No que diz respeito ao sistema Municipal de Educação de Santa Maria, ao implantar a Lei da Gestão Escolar Democrática (N°4740/03) regulamenta a eleição de diretores e a constituição e funcionamento do Conselho Escolar como os principais mecanismos de participação da comunidade na gestão da escola. Ciavatta e Frigotto (2003, p.90) afirmam que na sociedade capitalista, característica do nosso país, a democraciaé “frágil, exatamente porque supõe a expressão das condições concretas, contraditórias da vida social, dos interesses de grupos e classes sociais”. Nas entrevistas realizadas, perguntou-se aos professores: como você que é professor da Rede Municipal de Ensino percebe as alterações propostas pela Legislação que instituiu a Gestão democrática do Ensino Público? A grande maioria das respostas refere-se à eleição de diretores, como pode ser evidenciado pela fala da Professora II de Santa Rosa: na “prática o que se vivencia é a eleição de diretores, embora, na Lei de Gestão ainda se coloca para o prefeito o poder de definição, e a possibilidade de participar da elaboração do PPP da escola”. Esta é uma forma de participação bastante limitada, que não condiz com um projeto democrático e emancipador. Percebeu-se nas entrevistas realizadas que a gestão das escolas fica por conta das equipes diretivas, que concentram as ações e deliberações, demonstrado pelo comentário da Professora VI de Santa Maria: “[...] não sei como vai ficar no próximo ano, não sei o que vai acontecer aqui na Escola porque [...] é ano de eleição ano que vem, aí eu não sei qual o rumo que a escola vai adotar”. A partir das falas também foi possível constatar a necessidade dos professores de integrar-se as demais ações escolares: Eu vejo que precisaria haver um trabalho de planejamento maior entre todos, professores e equipe diretiva. Mas também que a equipe diretiva desse esse suporte para os professores, para mostrar o que nós queremos, qual é também a nossa proposta. Direcionar, a equipe diretiva faria apenas o direcionamento para que a gente pudesse colocar nossas opiniões [...] (PROFESSORA SANTA MARIA VI). 10720 Neste sentido, a tomada de decisões mostra-se restrita a nível micro (Escola), bem como a nível macro (Sistema), pois como as próprias professoras anunciam, os avanços não são muito grandes, citam por exemplo: “O nosso Projeto Pedagógico é submetido para aprovação da Mantenedora [Secretaria de Educação e Juventude], o Regimento Escolar, o Calendário e inclusive a aprovação dos alunos acaba sendo determinada pelo Sistema” (PROFESSORA SANTA ROSA III). Com esta argumentação, a professora III de Santa Rosa parece compreender que a questão da gestão democrática é muito mais ampla e complexa do que a prática cotidiana da escola. Estes argumentos fazem com que se questione a ideia de gestão, visto que ela parece não permitir a autonomia das instituições, dos profissionais e da comunidade local, portanto, não pode ser entendida como democrática. Essa situação é compreendida com Gadotti (1995, p.202), para quem “autonomia, democracia e cidadania são conceitos que se implicam mutuamente entendendo, que cidadão é aquele que participa do governo e participa do governo aquele que tem poder, liberdade e autonomia para exercê-lo”. Logo, a democratização da educação pressupõe a democratização do conhecimento; a democratização do acesso e a garantia de permanência; a democratização da gestão e a autonomia do professor. A participação na gestão da escola implica no poder real de tomar parte ativa no processo educacional, “tanto no nível microssocial como no macrossocial”, por parte de todos os envolvidos nesse processo, os “alunos, pais de alunos, professores, administradores do sistema educacional e da escola e inclusive grupos sociais organizados” (FILHO J. C.,1998, p.74). Sendo assim, a gestão democrática pressupõe, de acordo com Ferreira (2004, p.1242): Respeito, paciência e diálogo como encontro de idéias e de vidas “única forma superior de encontro” dos seres humanos, os únicos seres vivos que possuem esta condição e possibilidade e que não a utilizam. [...] Diálogo como uma generosa disposição de abrir-se ao “outro” que irá “somar” compreensões convergentes ou divergentes no sentido da construção da humanização das relações. [...] Diálogo como a verdadeira forma de comunicação humana, na tentativa de superar as estruturas de poder autoritário que permeiam as relações sociais e as práticas educativas a fim de se construir, coletivamente na escola, na sociedade e em todos os espaços do mundo, uma nova ética humana e solidária. Uma nova ética que seja o princípio e o fim da gestão democrática da educação comprometida com a verdadeira formação da cidadania. 10721 Dessa forma, a comunidade escolar precisa aproximar os envolvidos no processo educacional, fazendo com que participem ativamente de outra dinâmica de gestão escolar e de organização da sociedade, estabelecendo mecanismos para se alcançar uma democracia realmente participativa, onde a comunidade possa ultrapassar a condição histórica de mera presença física na instituição escolar e desempenhar o seu papel de direito, isto é, atuar de forma efetiva na tomada de decisões em busca de uma escola engajada numa proposta de transformação da sociedade e de construção da cidadania (PEREIRA, 2008). Considerações Finais Os resultados indicam a partir da pesquisa realizada, que os professores, sujeitos da pesquisa, de ambos os municípios investigados, demonstram que a prática da gestão democrática (entendida como a participação popular na tomada de decisões) ainda não é uma realidade, sendo em alguns casos restrita a uma forma simples de “tomar conhecimento” dos assuntos em pauta. Infere-se que a escola ainda não se apropriou dos espaços possíveis para a construção de um projeto democrático que envolva a todos. Isso reforça o imperativo de construção de um trabalho coletivo, crítico e articulado ao enfrentamento de mudanças da organização escolar. Para tal, os professores precisam se posicionar diante da realidade evidenciada, pois segundo Freire e Horton (2003, p.35), [...] o educador ou educadora como um intelectual tem que intervir, tem que ter posicionamento. Não pode ser um mero facilitador. [...] O que o educador deve fazer quando ensina é possibilitar os alunos a se tornarem eles mesmos. E ao fazer isso, ele ou ela vive a experiência de relacionar democraticamente como autoridade com a liberdade dos alunos. Tendo em vista o contexto analisado, cabe destacar que apenas a Lei não garante a realidade e a equidade dos direitos, nem a democratização da gestão. Assim, a democracia não pode ser fictícia, nem existir como promessa e não como realidade, pois, “a democracia como qualquer sonho, não se faz com palavras desencarnadas, mas com reflexão e prática” (FREIRE, 1996, p.91.). O processo de democratização da escola pública implica na conquista da autonomia e da participação do professor e da comunidade nas ações e decisões da escola. Neste sentido, torna-se necessária uma redução dos controles burocráticos e a extinção da gerência exercida 10722 pela divisão hierárquica do trabalho, pois a democratização educacional não é um processo que pode ser implantado de “cima para baixo” também não se dá “em um passe de mágica”, é necessário que o próprio grupo decida e possa no coletivo se auto-organizar. Isto implica em envolvimento, participação, tomada de decisões, formação continuada e reflexão. As entrevistas realizadas evidenciam que o controle sobre a gestão escolar está “nas mãos” da equipe diretiva e das Secretarias de Educação, confirmando o fato da direção apesar de ser eleita pela comunidade ter que prestar contas de todo o trabalho realizado na escola à Secretaria. Entre tantos aspectos que limitam a democratização, destacamos também a formação continuada dos professores, que de acordo com os dados obtidos na pesquisa, trata dos mais variados assuntos, relacionados à organização e informações, restringindo, desta forma, mais um espaço em que propostas de soluções e trabalho coletivo sejam planejadas, e impedindo o desenvolvimento dos professores como profissionais comprometidos com o processo de transformação social da escola. É evidente que a gestão democrática por sisó não garante o pleno funcionamento da escola, mas ainda é um caminho que permite minimizar em parte as dificuldades históricas das escolas da rede pública. REFERÊNCIAS BOGDAN, Robert; BIKLEN, Sari. Investigação qualitativa em Educação: fundamentos, métodos e técnicas. In: Investigação qualitativa em educação. Portugal: Porto Editora, 1994, p. 15-80. BRASIL. Constituição Federal. Senado Federal, 1988. ______. 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