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1 Biodigestor Profº George de Souza Mustafa Abril – 2018 Salvador – Bahia - Brasil 2 1.0 INTRODUÇÃO O objetivo de um processamento industrial é a transformação de matérias-primas em produtos. Além do produto cuja fabricação é intencional, alguns dos quais possuem valor comercial, há outros que são totalmente indesejáveis. Estes últimos são os rejeitos industriais, o que requerem um tratamento adequado antes do seu destino final. Alguns componentes presentes nos rejeitos industriais podem provocar poluição ambiental quando lançados inadequadamente, provocando alguns problemas como: i. Matéria orgânica, que ao ser degradada reduz o nível de oxigênio dissolvido na água, podendo ocasionar a mortandade de peixes e a formação de ambientes malcheirosos; ii. Microrganismos patogênicos; iii. Compostos tóxicos, como metais pesados, cianetos, sulfatos, que causam inibição às atividades vitais da microfauna, microflora e peixes; iv. pH excessivamente alto ou baixo, que pode provocar efeitos tóxicos locais na fauna e na flora; v. Nutrientes (nitrogênio e fósforo, por exemplo) que podem provocar o crescimento indesejável de algas; e vi. Materiais grosseiros, óleos e graxas, espumas, corantes, etc. que deterioram a aparência da água e influem negativamente na capacidade de reoxigenação natural dos cursos de água. Para determinação do processo de disposição final dos rejeitos, devem-se conhecer suas principais características, como: teor de matéria orgânica, teor de sólidos em suspensão e concentração de substâncias tóxicas. Quando a matéria orgânica é o principal poluente, os processos biológicos são geralmente os mais adequados, pela sua relativa simplicidade, elevada eficiência e pelo custo global mais baixo que o dos processos físico- químicos. Visto que, a matéria orgânica presente nos rejeitos industriais se encontra na forma de uma infinidade de compostos, não é possível medir diretamente sua concentração. Para avaliar o conteúdo da matéria orgânica são realizadas medidas indiretas, como a DBO (Demanda Bioquímica de Oxigênio), a DQO (Demanda Química de Oxigênio) e o COT (Carbono Orgânico Total). A DBO é a quantidade de oxigênio requerida pela unidade de volume de um resíduo, para a estabilização biológica da matéria orgânica biodegradável (normalmente 3 determinada após 5 dias de incubação a 20ºC), através de organismos vivos ou de suas enzimas. A DBO é um parâmetro que indica a presença de maior ou menor quantidade de substâncias ávidas por oxigênio na massa líquida. Já a DQO, por definição, é a quantidade de oxigênio necessária para a oxidação da matéria orgânica da amostra, através de dicromato de potássio em meio ácido, e em presença de catalisadores. A vantagem da medida da DQO em relação à DBO é a sua maior reprodutibilidade, facilidade de medida e o pouco tempo dispendido para sua determinação. A desvantagem principal é que a medida da DQO não distingue se a matéria orgânica é biodegradável ou não. O CTO representa a concentração total de carbono orgânico da amostra de efluente, sendo fácil e rapidamente medido através do uso de métodos instrumentais. Na prática do tratamento de rejeitos industriais, a concentração mássica de microrganismos é normalmente avaliada pela concentração de Sólidos em Suspensão Voláteis (SSV) ou Totais (SST). Os processos biológicos de tratamento de rejeitos industriais podem ser classificados de uma forma geral em aeróbios e anaeróbios. Nos processos aeróbios, a matéria orgânica é transformada em produtos finais não energéticos (CO2 e H2O). Já os processos anaeróbios os produtos finais possuem grande conteúdo energético, e que, portanto podem ser usados como fonte de energia (CH4). O tratamento anaeróbio (digestão anaeróbia) de substâncias biodegradáveis é realizado através da fermentação bacteriana que ocorre em ambientes isentos de oxigênio livre (molecular). Como consequência, a matéria orgânica complexa é convertida em biogás (metano e gás carbônico). Devido à elevada concentração de metano presente no biogás, as principais aplicações referem-se à geração de energia, devido ao seu potencial combustível. Para o cálculo da geração de energia, torna-se necessário determinar a eficiência do sistema, que depende da tecnologia utilizada na conversão do biogás. 4 2.0 PROCESSO ANAERÓBIO: ETAPAS DA BIODIGESTÃO O processo de biodigestão anaeróbia pode ser representado como ocorrendo em três etapas, conforme mostra a Figura 1. Figura 1: Esquema da biodigestão anaeróbia completa. No primeiro estágio, o processo de degradação da matéria orgânica inicia-se com a hidrólise do material presente no meio, gerando compostos mais simples, que possam ser assimilados pelos microrganismos. Normalmente os compostos orgânicos complexos (polímeros orgânicos) são transformados em monômeros ou dímeros, como açúcares, ácidos orgânicos, aminoácidos etc. Esta conversão é executada por enzimas extracelulares que são excretadas pelas bactérias fermentativas hidrofílicas, chamadas hidrolases. Os principais fatores que influenciam na hidrólise, segundo Lettinga e Rinzema (1985), são: pH, temperatura, tempo de retenção, tamanho e distribuição das partículas. A aplicabilidade da digestão anaeróbia ficou por algum tempo restrita à degradação de compostos mais simples, como açúcares, carboidratos e ácidos graxos voláteis. Não sendo tratados por este processo os rejeitos que continham gorduras (lipídeos), devido principalmente a problemas de arraste de biomassa (massa de microrganismos) e as substâncias intermediárias formadas durante a hidrólise, que podem ser tóxicas aos microrganismos. 5 A acidogênese acontece quando a matéria orgânica dissolvida é biodegradada até ácidos graxos voláteis (ácidos acético, propiônico e butírico), hidrogênio, dióxido de carbono e álcoois por uma população de bactérias heterogêneas. Dentre os microrganismos presentes nesta etapa estão às bactérias acidogênicas, que são as predominantes e ainda fungos e protozoários. Estas bactérias são consideradas de crescimento rápido, tempo de duplicação mínimo de 30 minutos (Mussati, 1998), e a reação preferida pelas mesmas é a que produz ácido acético. As outras reações são respostas das bactérias ao acúmulo de hidrogênio durante as perturbações de carga do sistema. No segundo estágio, os produtos formados anteriormente são transformados em acetato, hidrogênio e gás carbônico, com o objetivo de fornecer substrato apropriado aos microrganismos metanogênicos. Em geral, isto acontece a partir de dois mecanismos: 1) a acetogênese de hidrogenação que produz ácido acético como um só produto final de fermentação de hexose ou de CO2 e H2; 2) a acetogênese de desidrogenação que converte os ácidos graxos de cadeia curta e longa em ácido acético por um grupo de bactérias acetogênicas. As reações que produzem são muito mais complexas energeticamente e são interrompidas facilmente por acúmulo de gás hidrogênio dissolvido no meio. De todos os produtos gerados por estes microrganismos, somente o acetato e o hidrogênio podem ser assimilados pelas bactérias metanogênicas. De acordo com as pesquisas realizadas por Breure e Van Andel (1984), a distribuição dos ácidos orgânicos voláteis dependerá principalmente da natureza do substrato e das condições às quais os microrganismos estão sendo expostos. Com isto, a etapa de acetogênese pode ser mais ou menos intensa no processo de degradação do substrato. No terceiro estágio, o processo de degradação do substrato é finalizado transformando os produtos formados (com um ou dois átomos) anteriormente, em metano e dióxido de carbono. A formação do metano é executada por dois mecanismos distintos, conforme descreve Speece (1995).O primeiro consiste da formação do metano a partir do CO2 e H2, pelos microrganismos do grupo das arqueas hidrogenotrópicas. Estes se desenvolvem rapidamente com um tempo de duplicação mínimo de 6 horas e controlam o potencial redox do processo. Os traços de hidrogênio que ficam no meio regulam a velocidade total de produção de ácidos pelas bactérias acidogênicas, e a composição da mistura formada. O hidrogênio também controla a velocidade da qual os ácidos propiônico e butírico são convertidos a ácido acético, ou seja, regulam a formação de ácidos voláteis. O segundo mecanismo consiste na produção do metano a partir do 6 acetato, realizada pelos microrganismos do grupo das arqueas acetoclásticas, que se desenvolvem muito lentamente com um tempo de duplicação mínimo de 2 – 3 dias, e influenciam no pH do sistema pela eliminação do ácido acético e formação de dióxido de carbono, além do mais são responsáveis pela maioria do metano produzido. Segundo Lema et al (1995), os microrganismos metanogênicos possuem uma velocidade de crescimento e um fator de produção de biomassa inferior ao dos grupos acidogênicos e sulfato redutores, o que muitas vezes gera desequilíbrio no processo de degradação do substrato. Embora, para o entendimento da microbiologia do processo seja possível separar os microrganismos, como atuando em três estágios, em um biodigestor isto não ocorre. Cada grupo depende do funcionamento do outro, é a chamada ação sinérgica, que significa ação conjunta. A fase limitante do processo é a formação de metano, visto que as bactérias metanogênicas são muito lentas e sensíveis às variações do ambiente. Por essa razão, as condições de processo devem ser tais que se aproximem das condições ótimas de crescimento para bactérias metanogênicas, e o tempo de retenção deve ser baixo o suficiente para que não venha ocorrer a “lavagem” daquelas bactérias, pois, em caso contrário, corre-se o risco de desbalancear o processo, aumentando gradativamente a concentração de ácidos voláteis não transformados em metano. 4.0 REATORES ANAERÓBIOS O processo de biodigestão, quando realizado de forma controlada, pode fornecer um gás que pode ser utilizado como combustível e um excedente que pode ser usado como adubo, ou seja, como biofertilizante. Uma das formas de controlar a biodigestão é utilizar biodigestores, reatores onde às reações de fermentação ocorrem. O sistema de biodigestão pode ser operado das seguintes formas: Batelada Nestes tipos de digestores, a matéria-prima a ser fermentada é colocada no seu interior e logo após é feito o seu isolamento do ar para que seja realizada a digestão; o gás produzido é armazenado no próprio recipiente, que serve de digestor ou em um gasômetro acoplado a este. Uma vez cessada a produção de gás, o digestor é aberto e retiram-se os resíduos (material não assimilado pelo processo); após a sua limpeza, é colocada nova quantidade de substrato. 7 Contínuo Neste tipo de digestor, as matérias-primas usadas são líquidas ou semi-líquidas. São colocadas, periodicamente, quase sempre diretamente. Neste digestor usa-se matéria- prima que possua decomposição relativamente fácil e que seja sempre disponível nas suas proximidades. A produção de gás e de resíduos é contínua. Existem vários modelos de digestores contínuos de acordo com o seu formato. De modo geral, os digestores contínuos se encontram divididos em dois tipos: vertical e horizontal, de acordo com o seu posicionamento sobre o solo. O vertical é um tanque cilíndrico, em alvenaria, concreto ou outros materiais, quase sempre com a maior parte submersa no solo. A matéria-prima é colocada na sua parte inferior com a saída do gás na parte superior, funcionando como acumulador de gás e como instrumento de vedação do digestor. Existem dois modelos básicos de digestores verticais: com uma câmara e com dupla câmara. Já o horizontal consiste de uma câmara, com qualquer formato, desde que a altura ou profundidade seja inferior às outras dimensões (comprimento e largura), a qual é enterrada no solo ou não. A matéria-prima é colocada periodicamente em um dos lados do digestor. Este tipo de digestor é mais frequentemente utilizado em regiões onde o lençol freático é muito superficial ou há afloramento de rochas, dificultando a construção. 5.0 TIPOS DE REATORES a) Modelo Indiano A Figura 2 mostra o modelo indiano de biodigestor, que tem como característica principal o uso de uma campânula flutuante como gasômetro, sendo que a mesma pode estar mergulhada sobre a biomassa em fermentação. Existe ainda uma parede central que divide o tanque de fermentação em duas câmaras, onde a função desta divisória é fazer com que o material circule por todo o interior da câmara de fermentação de forma homogênea. O biodigestor possui pressão de operação constante, ou seja, à medida que o biogás produzido não é consumido, o gasômetro desloca-se verticalmente, aumentando o volume deste, mantendo dessa forma a pressão constante em seu interior. Do ponto de vista construtivo, apresenta-se de fácil construção, contudo o gasômetro de metal pode encarecer o custo final, e também à distância entre o biodigestor e o local do consumo do 8 biogás pode dificultar e encarecer o transporte inviabilizando a implantação deste modelo de biodigestor. Figura 2: Biodigestor Indiano Onde: H: altura do nível do substrato; Di: diâmetro interno do biodigestor; Dg: diâmetro do gasômetro; Ds: diâmetro interno da parede superior; h1: altura ociosa (reservatório do biogás); h2: altura útil do gasômetro; a: altura da caixa de entrada; e e: altura de entrada do tubo de entrada do rejeito. b) Modelo Chinês Os principais componentes de um biodigestor modelo chinês são os seguintes: caixa de carga, tubo de carga, câmara de biodigestão cilíndrica com fundo esférico, gasômetro em formato esférico, galeria de descarga e caixa de descarga. 9 Figura 3: Biodigestor Chinês. Sendo assim, uma melhor descrição do modelo chinês mostrado na Figura 3, seria que o mesmo é confeccionando sob a forma de uma câmara cilíndrica de fermentação em alvenaria (tijolo ou blocos), com teto impermeável, destinado ao armazenamento do biogás. Este biodigestor funciona com pressão hidráulica, onde o aumento de pressão em seu interior resulta no acúmulo do biogás na câmara de fermentação, induzindo-o para a caixa de saída. O biodigestor é constituído quase que totalmente em alvenaria, dispensando o uso de gasômetro com chapa de aço, obtendo uma redução de custos, porém podem ocorrer problemas com vazamento do biogás caso a estrutura não seja bem vedada e impermeabilizada. Neste tipo de biodigestor, uma parte do biogás produzido na caixa de saída é liberada na atmosfera, reduzindo em parte a pressão interna do gás e devido a isso, o mesmo não é indicado para instalações de grande porte. Onde: H: altura do corpo cilíndrico; D: diâmetro do corpo cilíndrico; hg: altura da calota do gasômetro; hf: altura da calota do fundo; Of: centro da calota esférica do fundo; Og: centro da calota esférica do gasômetro; 10 he: altura da caixa de entrada; De: diâmetro da caixa de entrada; hs: altura da caixa de saída; Ds: diâmetro da caixa de saída; e a: afundamento do gasômetro. c) Plug Flow – Lona É um modelo tipo horizontal, com sentido de fluxo tubular, apresentando uma geometria retangular, construído em alvenaria e com a largura maior que a profundidade, assim tendo uma grande área de exposição ao sol, que em climas quentes contribui para a produção de biogás pela elevação da temperatura. Este modelo é indicado para grandes volumes de dejetos, pois apresenta um valor financeiro mais acessível para implantação. Sendo um dos mais utilizado nas propriedades do sul doBrasil, é constituído por uma caixa de entrada, para onde são canalizados os dejetos; uma câmara de fermentação subterrânea revestida com material impermeabilizante; campânula superior construída com lona plástica para reter o biogás produzido; uma caixa de saída, por onde passa o efluente final, sendo conduzido para uma esterqueira; um registro para saída do biogás e um queimador do biogás. Por questões de segurança, o biodigestor deve estar cercado e seus arredores limpos, desta maneira, oferecendo um risco menor de ocorrer furos na lona da campânula. Figura 4: Biodigestor Plug Flow - Lona. d) CSTR A geometria e o funcionamento dos digestores de tanque agitado são similares aos reatores químicos deste tipo, com a diferença de que os esforços cortantes gerados pela agitação devem ser consideravelmente diminuídos para evitar o dano dos 11 biocatalisadores. Surgiu nos anos 50, onde solucionou o problema da formação de espuma na parte superior do digestor e obteve-se uma maior eficiência no processo, devido ao maior contato das bactérias com o efluente. Neles, o líquido ou a corrente de lodo se introduz continuamente e o conteúdo de líquidos é continuamente eliminado do reator. Os reatores convencionais podem ser agitados continuamente (CSTR) ou de forma intermitente. A agitação pode ser mecânica ou através da recirculação dos gases produzidos. Em condições normais de operação, podem ser ou não introduzidos no digestor os cultivos microbianos. Os microrganismos que crescem no digestor substituem continuamente os que são eliminados do reator com o efluente. A característica básica do reator CSTR ideal é que as concentrações de substrato e microrganismos são as mesmas em todo reator. As concentrações de biomassa e substrato do efluente que deixa o digestor são as mesmas para o material que permanece no digestor. Esta uniformidade de concentração faz com que a análise do reator CSTR seja comparativamente simples. Nos reatores convencionais do tipo CSTR, o tempo de retenção celular (TRC) é igual ao tempo de retenção hidráulica (TRH), portanto o menor TRH possível de se utilizar está limitado ao tempo de geração média das bactérias limitantes do processo. A Figura 5 apresenta um exemplar do reator CSTR. Figura 5: Biodigestor CSRT. 12 e) UASB Desenvolvido na Holanda, os biodigestores UASB (Upflow Anaerobic Sludge Blanket Digestion) são indicados, segundo Cortez et al (2007), citado por Szymanski et al (2010), para o tratamento de efluentes com teor de sólidos de até 2%. Os reatores UASB são sistemas muito compactos, necessitando de volume reduzido devido à sua elevada concentração de biomassa. Estes reatores podem apresentar várias configurações, como tanques cilíndricos, quadrados e retangulares na “estrutura de distribuição de vazão”, constituída por uma ou mais caixas distribuidoras de fluxo. Estas caixas são divididas internamente, conduzindo o efluente aos seus compartimentos internos. De cada um destes compartimentos, parte um tubo que conduz o efluente à parte inferior do reator, onde é liberado e inicia seu fluxo ascendente, passando pela manta de lodo e vindo a ser coletado na parte superior, em vertedores ou tubulações perfuradas. Este é o efluente do reator UASB. O gás que é produzido no compartimento de reação na forma de bolhas é coletado na parte central do separador trifásico. Como a entrada de matéria orgânica no reator é contínua, a biomassa cresce continuamente. Isso traz a necessidade de remoção periódica de parte da manta de lodo evitando-se, assim, que a biomassa venha a sair juntamente com o efluente. No entanto, a produção de lodo em reatores tipo UASB é muito baixa e de elevada qualidade, podendo ser simplesmente desidratado em leitos de secagem ou em equipamentos mecânicos. Por ser um processo anaeróbio, ocorre a formação de gases com odor desagradável (sulfurados). No entanto, se o projeto for bem elaborado e o reator bem vedado, incluindo a saída do efluente, a liberação destes odores é bastante minimizada. O reator UASB é ilustrado na Figura 6. 13 Figura 6: Biodigestor UASB. 6.0 PARÂMETROS DE PROCESSO 6.1 Relação carbono/nitrogênio Este é um parâmetro muito importante e está relacionado com as condições em que se desenvolve o processo biológico da fermentação. Para os microrganismos, o carbono é o elemento fundamental para a vida. Além de ser empregado na fabricação de biomoléculas, ele é a fonte de energia necessária para o funcionamento da célula. Nitrogênio, por outro lado, é requerido para a produção de proteínas, materiais genéticos e para estrutura celular. Relação entre a quantidade de carbono e nitrogênio do substrato é fundamental para haja a formação dos ácidos orgânicos, que serão transformados pelas bactérias metanogênicas em biogás. 6.2 Teor de sólidos totais (ST) Toda matéria seca contida na biomassa é analisada como teor de sólidos totais, podendo ser biodegradável ou não. A quantidade de sólido que pode ser biodegradável gera o biogás, e a outra parte não biodegradável forma o chamado biofertilizante ou biossólido. 6.3 Teor de sólidos voláteis (SV) O conhecimento da quantidade de sólidos voláteis da biomassa é muito importante, porque eles é que serão fermentados para produzir o biogás. Quanto maior for à concentração de sólidos voláteis de uma biomassa, maior será a produção de gás, dentro de certos limites, pois dependerá da eficiência do sistema digestor. 14 6.4 Temperatura do biodigestor O desenvolvimento das bactérias metanogênicas e a consequente produção de biogás é função da temperatura operacional do digestor. Digestores mais eficientes operam em temperaturas mais elevadas. A temperatura ótima para o funcionamento de um digestor vai depender do grupo de bactérias com que se pretende trabalhar e das condições locais. As faixas de temperatura associadas ao crescimento microbiano podem ser classificadas como: - Faixa mesofílica: (20-45°C), a temperatura ótima se situa em torno de 35°C. - Faixa termofílica: (45-65°C), a temperatura ótima se situa em torno de 55°C. Segundo Soares (1990), citado por Salomon (2007, p.18), o processo apresenta uma maior instabilidade nos seus parâmetros de controle, quando operado na faixa termofílica, e quando ocorre variação da temperatura, este problema se agrava podendo afetar mais seriamente o processo. O grupo de bactérias metanogênicas são as que mais sofrem com a influência da temperatura, pois apresentam um intervalo de temperatura muito restrito de operação, podendo causar o aumento de ácidos voláteis através de baixas temperaturas, e consequentemente uma queda de pH. 6.5 Tempo de retenção É o tempo em que um substrato qualquer passa no interior de um digestor, isto é, o tempo entre a entrada e a saída dos diferentes materiais do digestor. O tempo de retenção ou de digestão varia em função do tipo de biomassa, granulometria da biomassa, temperatura do digestor, pH da biomassa etc., mas, de modo geral, situa-se na faixa de 4 a 60 dias. 6.6 Produção de H2S Na presença de sulfato, sulfito ou outros compostos a base de enxofre, a oxidação da matéria orgânica é realizada utilizando estes compostos como aceptores de elétrons. Como produtos finais deste processo, serão formados o gás sulfídrico e gás carbônico (Chernicharo, 1997). Segundo Lettinga et al. (1985), os microrganismos responsáveis pela redução dos compostos de enxofre são chamados de bactérias redutoras de sulfato. Estes 16 15 microrganismos são capazes de utilizar vários tipos de substrato para o seu crescimento e manutenção. A habilidade de utilizar os ácidos orgânicos voláteis torna este grupo importante para o equilíbrio da digestão anaeróbia. Pela existência da possibilidade de ambos os grupos de bactérias, redutoras de sulfatoe metanogênicas, poderem utilizar o acetato como fonte de carbono e energia para o seu crescimento, em sistemas onde estes dois grupos estejam presentes, a competição entre eles pode afetar o desempenho do sistema de tratamento (Bhattacharya et al., 1996). O aumento desta competição torna-se mais importante quando a relação DQO:SO4 - 2 é pequena. Segundo Lettinga et al. (1985), a digestão anaeróbia pode ser considerada sem problemas quando esta relação é superior a 10. Teoricamente, a redução completa do sulfato é possível para relações de DQO:SO4 -2 acima de 0,67, porém, a literatura cita que em relações abaixo de 10, o sistema anaeróbio tem dificuldades para proceder a degradação da matéria orgânica em taxas satisfatórias. O modelo matemático desenvolvido por Lettinga et al. (1985) explica que, com a diminuição da relação DQO:SO4 -2, a concentração do H2 aumenta no reator, e a capacidade de arraste do biogás formado no reator decai rapidamente com o declínio da relação, aumentando a quantidade de H2S solúvel no efluente. Lettinga et al. (1985) citam alguns dos microrganismos envolvidos neste processo de redução do sulfato, tais como: Desulfobacter postgatei, Desulfobulbus propionicus, Desulfovibrio sp, entre outros. 6.7 Patógenos nos biossólidos Os biossólidos contêm matéria orgânica, macro e micronutrientes que exercem um importante papel na produção agrícola e na manutenção da fertilidade do solo. Além disto, a matéria orgânica contida no biossólido aumenta o conteúdo de húmus, melhorando a capacidade de armazenamento e de infiltração da água no solo, aumentando a resistência dos agregados e reduzindo a erosão. A quantidade de patógenos nos biossólidos é bastante variável e depende fundamentalmente das condições socioeconômicas da população, das condições sanitárias da região geográfica, da presença de indústrias agroalimentares e do tipo de tratamento do lodo de esgoto. Nos países mais desenvolvidos, cuja população apresenta padrões adequados de saúde, a densidade de alguns patógenos nos biossólidos, como os ovos de helmintos, é mais baixa do que em países em desenvolvimento. 16 Para a redução de patógenos nos biossólidos, a norma norte americana EPA 40 CFR Part 503 recomenda os processos de redução apresentados na Tabela 1 e classifica os biossólidos em função da concentração de patógenos para o uso agrícola. Os biossólidos classe A podem ser utilizados na agricultura sem nenhuma restrição, enquanto que, para o uso dos biossólidos classe B, são determinadas pela EPA algumas restrições em função da cultura e das atividades na área de aplicação do biossólido. A norma norte americana define a digestão anaeróbia como um processo PSRP - processo de redução significativa de organismos patogênicos, condição obrigatória para produção de biossólidos Classe B, desde que observadas as seguintes condições: para temperatura de 35º a 55º C, tempo de digestão mínimo de 15 dias ou para temperatura de 20º C e tempo de digestão de 60 dias. Tabela 1: Processos de redução de patógenos em função da classificação do biossólido. Tipo de Biossólido Critério de Classificação Processo de Redução de Patógeno Classe A Coliformes fecais: Densidade < 1000 NMP/gST Compostagem Secagem térmica Salmonella sp: Densidade < 3 NMP/4gST Tratamento térmico Digestão aeróbia termofílica Irradiação Pasteurização Classe B Coliformes fecais: em pelo menos uma amostra. Ou, coliformes fecais: média geométrica da densidade de 7 amostras < 2.000.000 NMP/gST ou 2.000.000 UFC/gST Digestão aeróbia Secagem Digestão anaeróbia Compostagem Estabilização com cal NMP/gST – Número mais provável por grama de sólidos totais. UFC/gST – Unidades formadoras de colônias por grama de sólidos totais. 6.8 Efluente gerado O efluente gerado pode ser considerado como toda a parte líquida utilizada para diluição dos resíduos sólidos. Em casos onde a biodigestão é realizada em resíduos de esgotos sanitários, o efluente final deve ser analisado, para detecção de substâncias patógenas. 17 6.9 Concentração de nutrientes As necessidades nutricionais dos microrganismos presentes no sistema anaeróbio são estabelecidas de acordo com a composição química das células microbianas. Este dado exato é raramente conhecido, sendo esta informação determinada com base na composição empírica das células. Os elementos químicos em maior quantidade na composição dos microrganismos são: carbono, oxigênio, nitrogênio, hidrogênio, fósforo e enxofre. Outros nutrientes são necessários para a biossíntese dos componentes celulares, como cátions (Mg+2, Ca+2, Na+1, K+1, Fe+2), ânions (Cl-, SO4 -2) e traços de elementos considerados como micronutrientes (Co, Cu, Mn, Mo, Zn, Ni, Se), servindo como elementos auxiliares para várias enzimas. Os microrganismos precisam de uma fonte de carbono para o seu crescimento, muitos utilizam CO2 e outros carbono orgânico. De acordo com Chernicharo (1997), assumindo que os nutrientes estejam numa forma disponível, uma relação de nutrientes representada pela Equação 1, geralmente é utilizada nos processos de tratamento de efluente. C:N:P = 130:5:1 Eq. (1) 6.10 Controle do pH Mudanças no pH do meio afetam sensivelmente as bactérias envolvidas no processo de digestão. A faixa de operação dos digestores é em pH 6,0 a 8,0, tendo como ponto ideal o pH 7, o que ocorre normalmente quando o digestor está funcionando bem. Em condições acima ou abaixo desta faixa decresce a taxa de produção de metano. As bactérias produtoras de ácidos têm um crescimento ótimo na faixa de pH entre 5 e 6, tendo uma tolerância maior a valores mais baixos de pH que as metanogênicas. Em sistemas onde existe uma série de microrganismos atuando em forma de consórcio, deve-se buscar a faixa de pH onde se propicia o crescimento máximo da maior parte dos microrganismos envolvidos. Soares (1990), citado por Salomon (2007, p.19), relata ainda que, o pH está intimamente ligado a concentrações de ácidos orgânicos voláteis no meio, resultante do equilíbrio entre populações de microrganismos e a alcalinidade total do sistema. Portanto, qualquer desequilíbrio no sistema provoca o acúmulo de ácidos orgânicos no meio e, consequentemente, queda do pH. Segundo este autor, os valores de pH abaixo de 6 e acima de 8, praticamente fazem cessar a produção de metano. 18 Os dois principais compostos que afetam o pH nos processos anaeróbios são o ácido carbônico e os ácidos voláteis. Na faixa de pH entre 6 e 7,5 a capacidade de tamponamento (capacidade de uma determinada amostra em resistir a mudança do pH) do sistema é quase completa, dependendo da relação gás carbônico/alcalinidade, que em equilíbrio com a dissociação do ácido carbônico, tende a regular a concentração do íon H+. Aumentos significativos no teor de matéria orgânica na carga do biodigestor causam aumentos expressivos na atividade das bactérias produtoras de ácidos. No entanto, infelizmente, tais aumentos não são acompanhados por aumentos na mesma intensidade na atividade das bactérias metanogênicas. Em decorrência disto, há um acúmulo de ácidos voláteis no biodigestor e, por conseguinte uma severa queda de pH, que causa a imediata paralisação do metabolismo das bactérias metanogênicas. Para evitar tais choques por mudança na composição da carga, emprega-se em biodigestores a adição de bicarbonato de sódio para atuar como um tampão. 6.11 Ácidos orgânicos voláteis (AOV) É um dos parâmetros mais importantes para o acompanhamento e controle da digestão anaeróbia, pois este mede o equilíbrio entre as populações de microrganismos acidogênicos e metanogênios. O acúmulo dos mesmos indica desequilíbrio do processo e consequentementea falha. Vários métodos estão disponíveis para sua medida, das quais podem-se destacar a cromatografia em fase gasosa ou em fase líquida, por fornecer informações mais detalhadas. 6.12 Substâncias tóxicas O excesso de qualquer nutriente ou elemento em solução no digestor pode provocar toxidez ao meio bacteriano. A adequada degradação dos efluentes por qualquer processo biológico depende da manutenção de um ambiente favorável para os microrganismos, incluindo o controle e a eliminação de constituintes tóxicos. A toxicidade tem sido considerada uma das principais razões para a não aplicação de processos anaeróbios, pois as bactérias metanogênicas são facilmente inibidas por toxinas, devido a sua pequena fração de substratos sintetizados em células e ao elevado tempo de geração destas bactérias. Os microrganismos possuem um grau de adaptação a concentrações inibitórias, desde que certas condições de projeto sejam favorecidas, como elevados tempos de residência de sólidos e minimização do tempo de residência das toxinas no sistema. 19 Grupos de substâncias químicas, como metais pesados e organoclorados, têm uma influência tóxica, mesmo em concentrações muito baixas. Os microrganismos podem ser capazes de biotransformar compostos como clorofórmio e tricloroetano, desde que seja usada uma metodologia apropriada. A seguir, são apresentados alguns tipos de toxidade. a) Toxidade por compostos orgânicos: Segundo Hwu et al. (1998), citado por Salomon (2007, p.21)998), que estudaram a biossorção dos ácidos graxos de cadeia longa (LCFA) em reatores UASB, concluindo que a adsorção destes compostos na matriz dos grânulos de microrganismo é rápida e que, com o aumento da concentração destes compostos no efluente, maior será a sua adsorção aos grânulos, gerando uma maior inibição na sua degradação. A degradação de corantes do tipo azo, produto normalmente utilizado na indústria têxtil e de curtume, foi estudada por Manu et al. (2001), onde o efeito tóxico destes corantes e dos sais presentes neste tipo de efluente, nos microrganismos metanogênicos foi avaliado através dos indicadores de produção máxima de metano e máxima atividade metanogênica. Os resultados mostraram não haver inibição quanto à máxima produção de metano, porém os resultados da atividade metanogênica indicaram que concentrações acima de 400 mg/L do azocorante preto (Reativo 5B) podem ser inibitórias para estes microrganismos. b) Toxidade por amônia: segundo Chernicharo (1997), a presença do bicarbonato de amônia, resultante da degradação de efluentes ricos em compostos protéicos ou uréia, é benéfica ao sistema de digestão, como fonte de nitrogênio e como tampão para alterações de pH. Tanto o íon amônia (NH4 +) quanto à amônia livre (NH3), podem ser tóxicas aos microrganismos. c) Toxidade por metais pesados: elementos e compostos químicos como cromo, cromatos, níquel, zinco, cobre, arsênico, cianetos, dentre outros, são classificados como altamente tóxicos. As concentrações dos metais pesados mais tóxicos que podem ser toleradas no tratamento anaeróbio estão relacionadas com a concentração de sulfeto disponível no meio para combinar com estes metais pesados e formar sais de sulfeto que são bastante insolúveis, sem efeito adverso ao tratamento anaeróbio. Cerca de 1,8 a 2 mg/L de metais pesados são precipitados como sulfetos metálicos, quando estes estão presentes na quantidade de 1 mg/L de sulfeto (Chernicharo, 1997). 20 6.13 Impermeabilidade ao ar Nenhuma das atividades biológicas dos microrganismos, inclusive, seu desenvolvimento, reprodução e metabolismo, exige oxigênio, que em cuja presença são muito sensíveis. A decomposição de matéria orgânica na presença de oxigênio produz dióxido de carbono (CO2); na ausência de oxigênio produz metano. Se o biodigestor não estiver perfeitamente vedado à produção de biogás será inibida. Tabela 3: Geração de biogás e características de resíduos vegetais. Carga % N Relação C/N Umidade % Sólidos Voláteis (SV)em % Sólidos Totais (ST) Biogás m3/kg SV Inibidores2 Restos de Comida 1,9 - 2,91 14 - 161 691 801 0,5 a 0,62 Desinfetantes Restos de Frutas2 n.a. 35 75-80 75 0,25 a 0,50 Pesticidas Folhas n.a 30 - 802 603 901 0,1 a 0,32 Pesticidas Restos de Jardim n.a 100 - 1502 403 901 0,2 a 0,52 Pesticidas Grama n.a 15 - 252 603 901 0,552 Pesticidas 1 Cornell Composting; 2 Ileleji (2008); Martin e Jones (2007); 3 RIS International Ltd (2005). 7.2 Estimativa de produção de biogás A estimativa de produção de biogás para esgotos é baseada principalmente no seu teor de DQO – Demanda Química de Oxigênio. É importante ressaltar que o esgoto apresenta um menor teor de sólidos em suspensão, o que representa uma grande facilidade para o seu tratamento de biodigestão. De fato, por conta disso, é possível seu processamento em reatores anaeróbios de baixos tempos de residência hidráulica, tipo UASB – Upflow Anaerobic Sludge Blanket. Tais reatores toleram baixos teores de sólido em suspensão, o que limita os tipos de carga possíveis de processamento. Como exemplo do emprego desse tipo de biorreator para tratamento de esgoto cita-se a ETE Tupi, Piracicaba, que opera um reator UASB modificado para realizar o polimento do efluente antes de seu descarte (Matsuo e Lamo, 2009). No entanto, apesar da facilidade de processamento, o esgoto oferece um pequeno potencial de geração de biogás e não será considerado como uma alternativa de carga neste estudo. Para restos de comida do refeitório, como também para resíduos de poda, a estimativa do volume de biogás produzido baseia-se em dados de rendimento de biogás em função do teor de sólidos voláteis encontrados na literatura. Sólidos voláteis são 21 aqueles que são de natureza orgânica e passíveis, a depender de sua biodegradabilidade, de serem convertidos em biogás. Deve-se ressaltar também que restos de comida, resíduos de poda e esgotos sanitários são muito diferentes entre si em relação à velocidade de biodegradação. Enquanto que os restos de poda apresentam um alto teor de material celulósico, de lenta digestão, nos restos de comida este teor depende principalmente do teor de cascas de frutas presente. Porém, dada a maior presença de outros elementos nos restos de comida, o seu teor de material celulósico é bem menor do que aquela dos resíduos de poda. Entretanto, apesar do resíduo de poda apresentar um potencial de geração de biogás da mesma ordem de magnitude dos restos de alimentos, ele não será empregado neste estudo como uma alternativa de carga para biodigestão por ser difícil manter uma mistura homogênea, sem forte sedimentação e/ou flutuação de sólidos, de água e resíduos de poda dentro do biodigestor. A seguir, será apresentado o cálculo do volume de biogás produzido a partir dos restos de comida. Os cálculos para resíduos de poda e esgoto sanitário encontram-se, respectivamente, nos Anexos 1 e 2. 7.3 Cálculo do volume de biogás produzido a partir dos restos de comida O cálculo do volume de biogás produzido é função da umidade do material, do teor de sólidos voláteis em relação aos sólidos totais e do índice de rendimento de biogás em relação ao conteúdo de sólidos voláteis. A Equação 2 apresenta o cálculo da vazão de biogás: Eq. (2) Onde: Qbiogás: vazão volumétrica diária de biogás nas condições padrão (m 3/d); �̇�: quantidade mássica média diária dos restos de comida (kg/d); U: teor de umidade dos restos de comida (%); SV: teor de sólidos voláteis em relação aos sólidos totais (%) e; RBG/SV: índice de rendimento de biogás em relação aos sólidos voláteis (m3/kg). 22 7.4 Cálculo da potência elétrica gerada Após o tratamento do biogás para a remoção de H2S, este é enviado a um motor de combustão interna acopladoa um gerador de energia elétrica. O motor empregado nestes grupos geradores são frequentemente do tipo diesel, adaptados com a inclusão de uma vela de ignição. No mercado nacional, a Cummins, por exemplo, oferece sistemas operando a gás natural com potências de 20 a 100 kW (http://www.cumminspower.com .br/geradoresgas.asp). A eficiência possível para a conversão energética de biogás em energia elétrica foi reportada na literatura com valores de 31% a 33% (Bullard et al., 2009). Porém, na prática, a experiência mostra que a eficiência alcançada está bem abaixo deste patamar. Martin e Roos (2007), relatam eficiências de 20 e 21% para a geração de energia elétrica a partir de biogás produzido em plantas de biodigestão anaeróbia, utilizando esterco bovino, localizadas nos estados de Nova York e Wisconsin, respectivamente. Em 2003, Martin reportava, para uma unidade geradora de energia elétrica pela queima de biogás produzido com dejetos suínos em uma planta localizada no Colorado, uma eficiência de 22%. O autor indicava a taxa média de utilização, cerca de 52% apenas, do motor de combustão de 80 kW, como a possível causa da baixa eficiência de geração do sistema moto-gerador, e sugeria que para a operação a carga plena do sistema de geração de energia elétrica a conversão atingiria o valor de 30%. Conservadoramente será empregada neste estudo uma eficiência de geração de energia elétrica de apenas 20% para a queima de biogás produzido na empresa. 7.4.1 Cálculo do poder calorífico inferior do biogás (PCIbiogás) Pela Norma ABNT NBR15213 de 2008, o poder calorífico inferior do biogás, neste estudo com a composição de 60% em mol de CH4 e 40% em mol de CO2, pode ser calculada segundo a Equação 4: 𝑃𝐶𝐼𝑏𝑖𝑜𝑔á𝑠 = ∑ 𝑃𝐶𝐼𝑗 ∗ 𝑦𝑗 2 𝑗=1 Eq.(4) Onde: PCIbiogás é o poder calorífico inferior do biogás a 15˚C em MJ/m3; PCIj é o poder calorífico inferior do componente j da mistura gasosa, em MJ/m3; e http://www.cumminspower/ 23 yj é a fração molar do componente j na mistura gasosa. Utilizando os valores de PCIj obtidos na tabela B5 da ABNT NBR 15213, o PCI do biogás é: 𝑃𝐶𝐼𝑏𝑖𝑜𝑔á𝑠 = 33,948 ∗ 0,60 + 0 ∗ 0,40 = 20,369 MJ/m 3(4782 kcal/m3) Eq.(4) O PCI acima se refere ao biogás considerado como um gás ideal. 7.4.2 Produção de energia elétrica A vazão total de biogás a ser utilizada na produção de energia elétrica é 149 m3/d, e representa o biogás proveniente apenas da biodigestão dos restos de comida. Não será produzido biogás a partir da biodigestão dos esgotos e de resíduo de poda. A produção de energia elétrica para uma eficiência de geração de 20% será: 𝐸𝐸 = 𝑄𝑏𝑖𝑜𝑔á𝑠 ∗ 𝑃𝐶𝐼𝑏𝑖𝑜𝑔á𝑠 ∗ 𝜂 ∗ 𝐹𝑡1 ∗ 𝐹𝑡2 Eq.(5) Onde: EE: potência elétrica gerada, em kW; Qbiogás: vazão de biogás, em m³/d; η: eficiência de conversão da energia térmica em elétrica; Ft1: fator de transformação, de dia para segundos; e Ft2: fator de transformação, de mega para kilo. 7.5 Parâmetros para cálculo do volume do biodigestor O cálculo do volume para processos aeróbios, tais como o de tratamento biológico por lodos ativados, é feito de maneira análoga ao do cálculo de volume de reatores que conduzem reações químicas. Conhecendo-se as constantes cinéticas de crescimento da biomassa, a vazão volumétrica da carga, e as concentrações de matéria biodegradável presente na entrada e desejada na saída da planta, é calculado o volume necessário do tanque de aeração – que é o reator nos sistemas aeróbios – necessário para a redução da carga orgânica. Em reatores anaeróbios, no entanto, a grande diversidade da comunidade microbiana presente faz com que o procedimento de cálculo seja bem peculiar e bem mais 24 simplificado. Nestes sistemas, onde são observadas diferentes taxas de crescimento para cada microrganismo presente, distintas taxas metabólicas e complexas interações entre seus membros, o cálculo a partir de modelos cinéticos não é factível. Assim, o cálculo do volume necessário para os reatores anaeróbios é conduzido simplesmente a partir da experiência adquirida na observação do tempo de residência necessário para reduzir a matéria orgânica aos níveis desejados. Com o tempo de residência indicado para um dado tipo de carga, seja ela esgoto, poda ou esterco, e a vazão volumétrica a ser processada, determina-se o volume requerido. Convém lembrar aqui que outro importante parâmetro neste cálculo é a concentração de sólidos totais na carga. Escolhida uma concentração, esta é que irá determinar o volume necessário de água de diluição e em última análise a vazão volumétrica da carga. A Equação 6 apresenta a relação utilizada no cálculo do volume do biodigestor anaeróbio: 𝑉 = 𝑄 ∗ 𝜏 Eq.(6) Onde: V: volume do biodigestor, em m3; Q: vazão volumétrica da suspensão sólido–líquido, em m3/d; e Τ: tempo de residência hidráulico, em dias. Em biodigestores, o tempo de residência hidráulico é idêntico ao tempo de residência celular, já que não ocorre nestes sistemas a sedimentação da biomassa, e sua retirada da planta não se dá através de corrente segregada (Chernicharo, 2007). Pelo contrário, sólidos e líquidos saem da planta em uma mesma corrente. Por conta disso, não há a possiblidade de redução de volume do biodigestor, e consequentemente de investimento, como em sistemas que aliam um longo tempo de residência celular a um curto tempo de residência hidráulico. O reator anaeróbio tipo UASB – Upflow Aanaerobic Sludge Blanket, é um exemplo de tais sistemas. Ele opera com baixos tempos de residência hidráulico, isto é, altas vazões, ao mesmo tempo em que permite que a biomassa permaneça por longos tempos no reator. No entanto, toleram apenas cargas com baixo teor de sólidos em suspensão (Tchobanoglous et al., 2004). Cada tipo de carga requer um tempo de residência adequado para sua biodigestão. Cargas com alto teor de celulose e lignina estão entre aquelas de digestão mais difícil, dado a complexidade estrutural da celulose e da complexidade química da lignina 25 (Swapnavahini et al., 2010). Por conta disso, requerem um maior tempo de digestão. Na literatura são encontrados tempos de residência que variam de 20 a 30 dias para a biodigestão de resíduos celulósicos (Ris International, 2005). Tais tempos variam de acordo com a empresa detentora da tecnologia e da faixa de temperatura em que a biodigestão ocorre. Por exemplo, a Valorga, empresa francesa que desenvolve e vende tecnologia para a biodigestão de diferentes fontes, tais como, resíduos sólidos urbanos, restos de papelão e lodo, reporta tempos de residência para processos mesofílicos – temperatura entre 35˚ e 40˚C – que variam de 24 a 33 dias a depender da carga e da planta (Ris International, 2005). Restos de comida, por outro lado, são de menor grau de dificuldade para sua digestão, embora também requeiram altos tempos de residência. O relatório final da EPA sobre a digestão anaeróbia de restos de comida, de março 2008, apresenta dados experimentais obtidos em escala de laboratório com biodigestores de 30 L de capacidade. Este biodigestor apresentou bom desempenho com tempos de residência de 10 e 15 dias sendo alimentado com uma carga composta de restos de comida de restaurantes misturados a refugos de frutas, legumes e verduras obtidas em mercados hortifrutigranjeiros. Para o tempo de residência de 5 dias, no entanto, o biodigestor não funcionou a contento. Este baixo tempo de residência, menor que o tempo de duplicação apresentado pelas bactérias metanogênicas, não permitiu que a cultura permanecesse dentro do reator.Tais ocorrências são denominadas no jargão da engenharia bioquímica como lavagem do reator (washout). O biodigestor da empresa irá operar com uma carga composta por restos de comida e deve ter um tempo de residência compatível com esta carga. A literatura indica tempos de residência de 15 dias (Gray et al., 2008) a 20 dias (Ileleji et al.). Assim, para efeito deste estudo, é recomendável que o tempo de residência seja de no mínimo 20 dias. O cálculo do volume do biodigestor passa em primeiro lugar pela escolha do teor de sólidos presente no biodigestor. Este teor é o resultado da diluição da carga com o objetivo de facilitar sua biodigestão. Escolhido o teor de sólidos para a alimentação do biodigestor, calcula-se o fator de diluição necessário levando-se em conta o teor de umidade presente na carga in natura. A Equação 7 apresenta o teor de sólidos ST após a adição de água diluição: 𝑆𝑇 = �̇�∗(1−𝑈/100) �̇�/𝜌𝑀+𝜌á𝑔𝑢𝑎𝑉á𝑔𝑢𝑎 ∗ 100 Eq.(7) 26 Onde: ST: teor de sólidos na carga diluída, em %; Ṁ: vazão mássica do material in natura que será biodigerido, em kg/d; U: teor de água do material in natura que será biodigerido, em %; ρM: massa específica do material in natura que será biodigerido, em kg/L; ρágua: é a massa específica da água: 1,0 kg/L; e Vágua: é a vazão de água de diluição, em L/d. Após rearranjo esta equação se torna: 𝑉á𝑔𝑢𝑎 = �̇�∗(1−𝑈/100− 1 𝜌𝑀 𝑆𝑇/100) 𝜌á𝑔𝑢𝑎∗𝑆𝑇/100 Eq.(8) Assim, escolhido qual o teor de sólido que a carga deverá conter, e o teor de umidade do material a ser digerido, o volume da água de diluição pode ser imediatamente calculado pela Equação 8. Entretanto deve-se escolher a priori o tipo de processo que se deseja operar, se aqueles chamados de úmidos ou os denominados secos. Processos secos são aqueles em que o teor de sólidos totais situa-se entre 20% e 40% (Vandevivere et al., 2002), enquanto que os processos úmidos a carga se assemelha a uma lama, cujo teor de sólidos chega até 15% (Vandevivere et al., 2002). O uso de processos secos é recente. Apenas na década de 80 comprovou-se que esses processos podiam produzir biogás em rendimentos e taxas semelhantes aos processos úmidos. A tecnologia dos biodigestores que operam processos secos é dominada por empresas europeias e pouco utilizada nos Estados Unidos, por exemplo. A principal vantagem do processo seco é a significativa redução do volume do biodigestor. Outra grande vantagem é a diminuição substancial do inventário dentro do biodigestor, o qual para países temperados implica em um menor gasto energético para manter o biodigestor na temperatura desejada: entre 39˚C e 65˚C para processos termofílicos. No entanto, por conta do alto teor de sólidos a ser manipulado os processos secos necessitam de sistemas mais robustos para transporte desses sólidos através da unidade. Os sistemas úmidos, por sua vez, baseiam-se em processos conhecidos há muito tempo, permitem uma movimentação mais fácil da lama e uma diluição maior dos eventuais inibidores da biodigestão. Contudo requerem maiores volumes para o biodigestor e são mais suscetíveis 27 a caminhos preferenciais dentro do biodigestor. Dado a maior facilidade de transporte da lama e a maior experiência, recomenda-se o emprego da tecnologia com processos úmidos no projeto do biodigestor. 8.0 PARÂMETROS OPERACIONAIS 8.1 Temperatura A temperatura no interior do biodigestor deve ser controlada para atingir a melhor eficiência da reação. As bactérias responsáveis pela biodigestão são bastante sensíveis a variações bruscas de temperatura, estas variações podem ser suficiente para provocar a morte da maioria das bactérias digestoras, por isso, em locais onde a amplitude térmica seja elevada, deve-se dispor de sistemas de aquecimento ou resfriamento auxiliares. Para controlar a temperatura interna no biodigestor podem ser utilizados: isolamento térmico, trocadores de calor e alimentação de fluido aquecido. 8.2 pH Variações do pH do meio podem diminuir a eficiência da reação, ou até mesmo a morte dos microrganismos. O pH do meio reacional deve ser monitorado afim de informar as variações no interior do biodigestor, possibilitando assim correções operacionais. Para isto, o reator deve possuir um analisador on-line no seu interior ou então deve ser analisado rotineiramente o pH através de pHmetro portátil. 8.3 Relação Carbono/Nitrogênio A relação carbono/nitrogênio ideal para uma digestão ótima está na faixa de 20 a 30 partes de carbono para uma parte de nitrogênio. Valores da relação carbono/nitrogênio acima da faixa ótima indicam que o nitrogênio limita o processo de biodigestão. Estes casos podem ser corrigidos pela adição à carga do biodigestor de compostos nitrogenados tais como uréia ou nitrato. Por outro lado, valores da relação carbono/nitrogênio abaixo da faixa ótima indicam que o nitrogênio se encontra em excesso. Neste caso pode-se corrigir a carga do biodigestor pela adição de um material com alto teor de carbono, tal como folhas, resíduo de poda, jornais velhos, pó de serra, etc. No entanto, a adição destes materiais pode causar problemas de sedimentação ou flotação no biodigestor. Uma alternativa para o excesso de nitrogênio é permitir que este seja expelido pela cultura microbiana na forma de amônia, desde que estas emissões gasosas sejam mantidas em 28 um valor mínimo. No caso deste estudo, pode-se estimar a relação C/N para restos de alimentos a partir dos dados da Tabela 2. Os restos de alimentos serão o resíduo majoritário na carga do biodigestor e, por isso, foram considerados como a base de cálculo para este estudo. A relação C/N para os resíduos de alimento será calculada pela Equação 12: Eq.(12) Onde: MO: teor de matéria orgânica nos restos de alimento, em % massa; TC: teor de carbono na matéria orgânica, em % massa; e TN: concentração total de nitrogênio, em mg/kg. O teor de carbono na matéria orgânica será estimado considerando-se conservativamente que a matéria orgânica é formada na sua maioria por carboidratos. Assim, TC é igual a 40%. Assim: Eq.(12) C/N é igual a 103. Vê-se que a relação está bem acima do valor requerido de 20 a 30 e por isso será necessária a adição de nitrogênio para a correção da relação C/N. A adição de nitrogênio é calculada pela Equação 13: Eq.(13) Onde AN, que representa a adição de nitrogênio, é igual a 1,9 g/kg.d. São necessários portanto a adição de cerca de 3,5 kg de nitrogênio por dia. Caso seja utilizada uréia, que possui cerca de 46% de nitrogênio em massa, será necessária a adição de 7,5 kg/d deste composto. 29 8.4 Alcalinidade A alcalinidade do meio reacional é um importante parâmetro relacionado ao pH no biorreator. O controle da alcalinidade representa baixas variações do pH do meio, fator importante para as bactérias metanogênicas, que são sensíveis a variações do pH. Soluções tampão são utilizadas para evitar variações no pH do meio, como por exemplo, bicarbonato de sódio aquoso. 8.5 Agitação Em alguns casos, onde o meio reacional possui fases muito densas de sobrenadantes, diminuído assim a eficiência de produção de biogás, a agitação do meio torna-se uma eficiente solução. Os tipos de agitação são: agitador mecânico, agitação por gás e recirculação através de bomba. 8.6 Características da carga do biodigestor Os sólidos em suspensão contidos na carga de alimentação do biodigestor devem possuir uma alta relação áreas superficial –volume, aumentando assim a eficiência do sistema. Resíduos como grama e poda de árvores podem gerar uma fase sobrenadante espessa no interior do biodigestor, dificultando o processo de biodigestão. Sendo assim, cargas compostas por grama e poda de árvore devem ser trituradas antes de serem alimentadas ao biodigestor. Entretanto, para este estudo foi considerado apenas os restos de alimentos como carga do biodigestor, não necessitando assim de triturador de alta potência. 8.7 Desaguamento do biossólido produzido Após a retirada do biossólido do biodigestor, seja pela saída destes sólidos juntamente com o efluente líquido durante a operação ou através de remoções periódicas por caminhões a vácuo para manter baixo o assoreamento do reator, estes devem ser processados de maneira a reduzir o teor de água antes de serem enviados à compostagem ou a aterro. Existem várias possibilidades para a separação da água: separação por sedimentação em campo de forças gravitacionais, centrífugas ou filtração, desde que, para este último caso, os sólidos sejam grandes o bastante para serem retidos. A Tabela 5 apresenta as principais tecnologias existentes. 30 Tabela 5: Principais tecnologias de desidratação mecânica de sólidos sedimentáveis. Técnica Aplicações Limitações Custo Relativo Prensa desaguadora Capaz de obter lodo relativamente seco, com 40 – 50% de sólidos. Eficiência depende das características da suspensão. Deterioração das correias por abrasão. Baixo Decantação centrífuga Capaz de obter lodo com 15 – 35% de sólidos. Taxa de captura de 90% à 98%. Tambor sujeito à abrasão. Médio Filtro Prensa Utilizada para sedimentar sedimentos finos. Taxa de captura de até 98%. Necessita adição de cinzas e cal. Alto Filtro Rotativo à Vácuo Mais indicado para tratar sólidos finos granulares. Taxa de captura de 88 a 95%. Elevado consumo de energia. Mais Alto Fonte: Adaptado de Richter, 2001. Além dos processos mecânicos listados na Tabela 5, há também processos não mecânicos. Os dispositivos não mecânicos mais comuns são as lagoas e os leitos de secagem. Estes sistemas são indicados para pequenas capacidades de até 200 L/s (Richter, 2001). As lagoas e os leitos de secagem trabalham com a mesma carga superficial, porém apresentam diferentes profundidades de líquido: 60 cm para os leitos e 1,80m para as lagoas. As cargas superficiais dependem da natureza dos sólidos. O dimensionamento dos leitos e lagoas de secagem pode ser feito com a seguinte expressão (Richter, 2001): 𝐴 = 𝑉 𝑛•𝐻 Eq.(14) Onde: A: área total dos leitos de secagem, em m2; V: volume anual de lodos gerados na estação, em m3; N: número de aplicações por ano; e H: profundidade útil do leito, m. Para o caso do biodigestor, pode ser estimada a seguinte área mínima para um leito de secagem: 31 𝐴 = 0276𝑚 3 𝑑 ∗365𝑑𝑎 3𝑎−1•0,6𝑚 = 56𝑚2 Eq.(14) A área do leito de secagem depende do teor de água contido nos sólidos. O volume apresentado acima é baseado em uma estimativa de 50% de água. 8.8 Tratamento do biogás A presença de substâncias não combustíveis no biogás, como a água e o dióxido de carbono, torna o processo de queima menos eficiente. Estas substâncias absorvem parte de energia gerada. Além destes, também há a presença de gás sulfídrico (H2S) que pode provocar corrosão, diminuindo tanto o rendimento, quanto à vida útil do motor térmico utilizado. A maioria dos digestores anaeróbios produz um biogás que contém entre 0,3 a 2% de H2S, observando-se também a presença de traços de nitrogênio e hidrogênio (Coelho, 2004). Dependendo da aplicação é recomendável a purificação do biogás removendo o H2S, CO2, e a umidade. As práticas mais utilizadas são: 8.8.1 Remoção de H2S do biogás O ácido sulfídrico (H2S) está sempre presente no biogás em diversas concentrações. Ele deve ser removido, pois pode causar corrosão no compressor, nos tanques de armazenamento e nos motores em geral (Wellinger et al., 1999). O H2S é corrosivo e tóxico, bem como, causa danos ao ambiente, pois durante a combustão e convertido em dióxido de enxofre. Também pode afetar o processo de digestão anaeróbia por inibição. Os principais processos de remoção de H2S são: I. Remoção química utilizando óxidos de ferro: O H2S reage com os hidróxidos e óxidos de ferro para formar sulfeto de ferro. O biogás passa através de pellets de óxidos de ferro e remove o H2S. Quando estes pellets são completamente recobertos por enxofre eles são removidos para regeneração do enxofre. É um método simples, mas durante a regeneração ocorre perda de calor. Este processo é sensível à presença de água no biogás. Pequenos pedaços de madeira cobertos com óxidos de ferro também são utilizados, pois possuem uma ampla superfície de contato. Este processo também pode ser feito com carvão ativado. O carvão também age como um catalisador (Hagen et al., 2001). Um dos principais parâmetros para remoção do odor é a área superficial do sólido adsorvente. 32 Outros sólidos também são utilizados, mas com menor frequência, são eles: alumina, bauxita, sílica gel e o carvão vegetal. Esses materiais são menos utilizados devido a sua regeneração que é problemática e também está ligada a absorção de água que reduz a eficiência de adsorção. Podem ser construídos leitos rasos com alta vazão de gás que podem ser utilizados até um ano e meio antes de serem trocados. São utilizadas velocidades superficiais de 0,13 a 0,18 m/s para se controlar o odor. A temperatura do efluente não pode ultrapassar 52 °C e a umidade relativa deve ser abaixo de 50%, porque nas faixas superiores a estas os gases não são facilmente adsorvidos. O carvão após sua vida útil pode ser reativado, pelo próprio fornecedor, em processos em processos termoquímicos a temperaturas na faixa de 600°C. Uma variante do processo de abatimento de H2S com óxido de ferro é realizar ao mesmo tempo a reação de remoção de H2S com a de regeneração do óxido de ferro. As reações deste processo são apresentadas a seguir: 2Fe2O3 + 6H2S → 2Fe2S3 + 6H2O Eq.(15) 2Fe2S3 + 3O2 → 2Fe2O3 + 6S Eq.(16) Para isso, a corrente de biogás e uma pequena corrente de ar são alimentadas ao vaso de dessulfurização. Por outro lado, no entanto, o processo de regeneração pode ser feito separadamente. Deve haver mais de um vaso de dessulfurização, onde um dos vasos opera retirando o H2S, enquanto o segundo regenera o catalisador. As Figuras 8 e 9 apresentam um esquema e uma foto do vaso separador de H2S. Figura 8: Esquema da dessulfurização. Figura 9: Vaso separador de H2S. II. Processos de absorção em fase líquida 33 Estes processos são geralmente utilizados em tratamento de gases onde a concentração de H2S é relativamente baixa. São eles: processo de absorção física e processo de absorção química. a) Processo de absorção física: neste processo o H2S pode ser absorvido por um solvente, que pode ser a água. O consumo de água é relativamente alto para a quantidade pequena de H2S absorvido. Para melhorar o processo algumas substâncias químicas podem ser adicionadas a água como a soda cáustica. Os subprodutos formados são sulfetos ou hidrossulfetos de sódio que não podem ser recuperados e devem ser tratados para sua disposição final. b) Processo de absorção química: a absorção química do H2S pode ser feita com soluções de sais de ferro, taiscomo o cloreto de ferro. Este método é altamente eficaz na redução de altos níveis de H2S. Os produtos formados são precipitados insolúveis. FeCl3 pode ser diretamente adicionado no digestor. Estes métodos de remoção de H2S são mais apropriados para digestores anaeróbios de pequeno porte, mas todos os outros processos são economicamente viáveis em plantas de grande escala. Por este processo, a concentração final de H2S chega em torno de 10 ppm. III. Adsorção de H2S e siloxanos com sílica gel O termo siloxanos refere-se a um subgrupo de compostos de sílica que contém ligações sílica – oxigénio com radicais orgânicos ligados a molécula de sílica, incluído grupos metila e etila, podendo ainda conter igualmente compostos halogenados e azoto (Branco, 2010). Os siloxanos originam uma camada de micro cristais de sílica que se deposita no equipamento e leva à falha dos motores. De fato, a combustão de gases que contenham sílica leva a produção de micro cristais de sílica, que são bastante abrasivos para o equipamento. Os compostos que se formam apresentam propriedades similares às do vidro comum. A dureza apresentada por este material conduz a abrasão dos componentes dos motores (Branco, 2010). Os siloxanos são usados em vários processos industriais, e são frequentemente adicionados a produtos de consumo. Eles são também gerados como um resíduo da produção de silicone. Os siloxanos encontrados em biogás são originários de sua deposição em aterros ou como parte da carga de processos de biodigestão. No entanto, dado a natureza do resíduo, restos de alimentos, não é esperada a presença desses compostos no biogás. A Figura 10 apresenta a deposição de siloxanos em tubos de caldeira. 34 Figura 10: Deposição de siloxanos em tubos de caldeira. Sílica gel tem bom potencial de remoção de siloxanos, e de H2S, com alta capacidade de adsorção e remoção seletiva de compostos de silício orgânicos. O desempenho da sílica, no entanto, é afetado pela presença de umidade. 9.0 ALTERNATIVAS DE BIODIGESTOR As duas principais tecnologias de biodigestão são definidas a partir do teor de sólidos totais presentes na carga: os processos secos, com teores totais de água de 20 a 40%, e os processos úmidos, onde o teor máximo de água é de cerca de 15%. A Tabela 6 apresenta as principais vantagens e desvantagens entre estes dois grupos de processo de biodigestão anaeróbia. Dada a pouca experiência no país com a tecnologia em base seca e as dificuldades com o transporte e mistura de uma suspensão com alto teor de sólidos, a tecnologia via úmida é a mais apropriada. Uma segunda classificação dos biodigestores se dá quanto ao regime de fluxo da carga através do reator. Dois tipos principais de fluxo, e de biodigestor, são disponíveis: plug flow e CSTR. A Tabela 7 lista as vantagens e desvantagens de cada um destes tipos. 35 Tabela 6: Vantagens e desvantagens dos dois principais processos de biodigestão Tipo de Processo Vantagens Desvantagens Seco • Menor volume e investimento na construção do biodigestor. • Transporte mais difícil da carga concentrada através do biodigestor. • Maior investimento em equipamentos de agitação e movimentação da carga. Úmido • Alta diluição da carga facilita seu transporte através do biodigestor. • Maior volume e investimento na construção do biodigestor. Plug flow: modelos indiano e chinês A biodigestão anaeróbia é uma das mais antigas tecnologias. Entretanto seu uso industrial começou em 1859, com a implantação de um planta em Bombaim, na Índia (Monnet, 2003). Na Índia e na China foram os locais onde a tecnologia mais se disseminou ao longo do século XX. Nestes países ocorreu a implantação de modelos simples de biodigestores: o indiano e o chinês, com cerca de 300 mil unidades instaladas na Índia e 8 milhões na China (Bezerra, 1993). Os modelos indiano e chinês são quase idênticos, com exceção, no entanto, das campânulas empregadas no gasômetro. No primeiro modelo a campânula é móvel, enquanto que no chinês ela é fixa. Esta diferença faz com que a pressão de entrega do biogás seja constante, no caso indiano, e variável no caso chinês. Estes modelos geralmente construídos, especialmente o modelo chinês, enterrados para permitir reduzir a perda de calor para o meio ambiente. Este detalhe construtivo é muito importante para países de clima temperado, como a China, onde as baixíssimas temperaturas certamente interromperiam o processo de biodigestão durante o inverno. O escoamento da carga através dos modelos chinês e indiano é do tipo plug flow. A diferença de cota entre a entrada e a saída faz com que a adição, geralmente diária, de carga force a movimentação do conteúdo do biodigestor da entrada até a saída, como mostrado na Figura 11. 36 Tabela 7: Vantagens e desvantagens dos dois principais tipos de fluxo no biodigestor Tipo de Fluxo Vantagens Desvantagens Plug flow Básico • Construção mais simples; • Ausência de partes mecânicas (eixos, pás etc) dentro do biodigestor; • Menor investimento; • Menor gasto de energia para operação; e • Menor necessidade de manutenção. • Caminhos preferenciais da carga através do biodigestor; • Necessidade de um sistema de agitação para manter os sólidos não dissolvidos em suspensão: reinjeção de biogás ou agitação ao longo do comprimento do biodigestor; e • No modelo plug flow com cobertura do topo com manta de PVC: necessidade de troca periódica da manta por conta do desgaste decorrente da exposição ao sol. Plug flow com agitação e/ou reinjeção de biogás • Redução / eliminação da sedimentação dos sólidos em suspensão. • Possibilidade de obstrução no sistema de injeção de biogás, corrosão e aparecimento de crosta na superfície da suspensão; • Maior investimento; e • Maior gasto de energia. CSTR • Operação mais eficiente; • Melhor mistura dos sólidos em suspensão; e • Ausência de caminhos preferenciais dentro do biodigestor. • Maior investimento com o sistema de agitação: eixos, pás, sistema de injeção de biogás; • Maior gasto de energia com a operação do biodigestor; e • Difícil acesso ao interior do biodigestor. Eventuais quebras no sistema de agitação necessitam, para seu reparo, da abertura do biodigestor. Figura 11: Fluxo interno da carga através de um biodigestor indiano. 37 Para o caso em que biodigestores indiano ou chinês são utilizados quando a carga possui alto de fibras, recomenda-se a incorporação de um misturador vertical para evitar a sedimentação das mesmas no fundo do reator (Barrera, 2009). Modelo plug flow Neste modelo a carga entra por uma extremidade e, após percorrer uma trajetória retilínea, sai pela outra extremidade. Figura 12: Biodigestor tipo plug flow com cobertura flexível (EPA, AgSTAR). O modelo plug flow é de fácil construção e, na sua versão mais básica, não incorpora dispositivos de mistura, tais como agitadores ou injeção de biogás, para evitar a sedimentação dos sólidos de carga. A estrutura pode ser construída em alvenaria como mostrado na Figura 13. Figura 13: Detalhe de construção do biodigestor tipo plug flow (Wright e Inglis). Reatores extremamente baratos, mas menos resistentes são construídos totalmente em lona plástica, como pode ser visto na Figura 14. A cobertura do reator tipo plug flow pode ser construído com material leve, lona plástica, ou em alvenaria. A cobertura com lona plástica é mais barata, permite um maior espaço no topo do biodigestor para armazenamento de gás para um mesmo volume 38 construído de base, permite um acesso mais fácil ao interior do biodigestor, porém temuma vida menor e pode estar sujeita a vandalismo. A cobertura em alvenaria tem uma vida útil muito maior, permite uma operação com maiores pressões para o biogás, porém requer um maior investimento e é de acesso mais difícil (Wright e Inglis). Figura 14: Biodigestor de polietileno instalado na Costa Rica. Fonte: Hojnacki et al. (2011). Reatores tipo plug flow são menos eficientes e consistentes do que os biodigestores de mistura (CSTR). Os reatores plug flow tem aplicação limitada a cargas com baixas quantidades de areia, terra ou pedregulhos, porque tais substâncias tendem a sedimentar no biodigestor requerendo grande esforço para a sua remoção e limpeza. Os biodigestores plug flow são sujeitos à formação de uma crosta na superfície, o resultado de substâncias menos densas flutuando para o topo da suspensão. A literatura reporta para os reatores plug flow utilizados com esterco de animais problemas com entupimento no sistema de manuseio e de bombeamento, vazamentos, corrosão com H2S, problemas com abrasão causada por fibras, pedregulhos e alta viscosidade (Klavon). A operação destes biorreatores apresenta uma forte propensão para sedimentação. Após 5 anos de operação um biodigestor instalado no estado de Nova York foi aberto para reparos emergenciais, quando se constatou que o volume de operação do biodigestor tinha sofrido uma redução de 16% (Klavon). Para reduzir os problemas com sedimentação, os biodigestores tipo plug flow atuais incorporam agitação no seu projeto. Um exemplo desta tendência é a inclusão nestes biodigestores de um sistema vertical de injeção do biogás captado do topo do biodigestor. Problemas com este tipo de arranjo é a ocorrência de obstruções no sistema de injeção de biogás, corrosão e o aparecimento de uma crosta na superfície da suspensão (Klavon). 39 Figura 15: Biodigestor tipo plug flow, com cobertura em lona plástica instalado na Haubenschild Farms, Inc., Minnesota, EUA. Fonte: Lamb e Nelson (2002). Figura 16: Biodigestor tipo plug flow, com cobertura em concreto. Fonte: Wright e Inglis. Figura 17: Biodigestor tipo plug flow com agitação lateral. Fonte: American Biogas Council. Modelo CSTR Este tipo de biodigestor requer maior capital para sua implantação e maior energia para realizar a agitação da suspensão no seu interior. Porém, apresenta um desempenho mais consistente e não é suscetível a acumulação de areia, pedregulhos e outros materiais, 40 pois com a agitação tais materiais são mantidos em suspensão pela agitação (CH2MHILL). A agitação impede também a formação de uma crosta na superfície da suspensão (SEVERN WYE ENERGY). Existem diferentes sistemas de agitação que mantém o material sólido em suspensão, seja pela introdução dentro do biodigestor de pás, chicanas ou pela circulação de biogás tomado do espaço livre no topo do biodigestor e injetado na suspensão líquida. As Figuras 18 à 21 apresentam os principais tipos de agitação implantados. Biodigestores tipo CSTR são tipicamente projetados com o fundo cônico, como aqueles utilizados na biodigestação dos lodos ativados, originados em sistemas de tratamento de esgotos (Klavon). A operação de agitação pode ser conduzida continuamente ou intermitentemente. Neste último modo, o biodigestor é agitado durante a introdução diária da carga e ocasionalmente entre as operações de carga (Hamilton). Embora tal estratégia possibilite reduções substanciais de consumo de energia, sua implantação depende da verificação prática da sua eficácia em manter os sólidos não dissolvidos em suspensão. Figura 18: Sistema de agitação para biodigestor através da injeção distribuída de biogás. Fonte: Tchobanoglous et al. (2004). 41 Figura 19: Sistema de agitação para biodigestor através da injeção confinada de biogás. Fonte: Tchobanoglous et al. (2004). Figura 20: Sistema de agitação mecânico para biodigestor. Fonte: Tchobanoglous et al., (2004). Figura 21: Sistema de agitação para biodigestor utilizando bombas. Fonte: Tchobanoglous et al. (2004).
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