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1 Luiza Lyrio e Agatha Carvalho MED-103C Saúde da Família 3 QUEM USA O SUS Saúde: um direito de todos e dever do Es- tado (Constituição Brasileira, 1988) O sus cuida desde a vigilância dos restau- rantes, aeroportos, vigilância sanitária, qua- lidade do ar, da água, salões de beleza, va- cinas, etc. Ou seja, todos nós usamos o SUS!! CONQUISTA HISTÓRICA DO POVO BRASILEIRO! • não foi criado via um decreto presi- dencial • não foi “dado” aos brasileiros por nenhum político • Foi um aluta de políticos, cidadãos brasileiros, médicos sanitaristas e outros em busca de um acesso mais abrangente a saúde. • É dever do SUS garantir medica- mentos e cuidados especiais aos ne- cessitados. TRAJETÓRIA DO SUS • Movimento da Reforma Sanitária Brasileira (RSB) • 8ª. Conferência Nacional de Saúde (1986) • 1988 - Constituição Brasileira • A saúde é um direito de todos e um dever do Estado. (Art.196) • A Lei 8.080/90 instituiu o Sistema Único de Saúde, constituído pelo conjunto de ações e serviços de sa- úde, prestados por órgãos e institui- ções públicas federais, estaduais e municipais. • Art. 199. da Constituição - A assis- tência à saúde é livre à iniciativa pri- vada. R$ • A iniciativa privada participa do Sis- tema Único de Saúde em caráter complementar. (contratos – convê- nios). Ex.: UTIs de hospitais particu- lares ajudando na luta contra covid. FINANCIAMENTO SUS EC 29-2000 • 2000 Municípios e DF – 15% dos im- postos arrecadados • Estados – 12% • União – o valor do ano anterior (15%) somado da variação do PIB (esse valor não poderia ser inferior a 15%) LEI COMPLEMENTAR Nº 141 – 2012 : PEC EMERGENCIAL: EC 95- 2016: determina que agora o go- verno só vai investir durante 20 anos, a con- tar de 2016, o que ele investiu em 2017 + a inflação. Sistema Único de Saúde - SUS 2 Luiza Lyrio e Agatha Carvalho MED-103C Saúde da Família 3 Hoje existe um movimento para revogação da EC-95 porque em 2 anos, o SUS já perdeu mais de 20bilhões de reais. A falta de dinheiro do SUS reverbera direta- mente no processo e na qualidade do traba- lho dos médicos. EMENDA CONSTITUCIONAL N.º 95: • EC Teto dos Gastos Públicos -no pe- ríodo de 20 anos - um teto individual para os gastos (2017) + (IPCA) • As despesas e os investimentos só terão aumento relativo a inflação do ano anterior, e nada mais. POR QUE ENTENDER A REDE DE ATENÇÃO À SA- ÚDE (RAS) E O SUS? • Médico faz parte da “engrenagem” - viabiliza oferta de ações de promoção e recuperação da saúde - prevenção das doenças; • Empoderamento das pessoas; • Financiamento - P4; não causar mal ao paciente, jamais culpabilizar o pa- ciente. JUDICIALIZAÇÃO DA SA- ÚDE OBS.: Quando um remédio é extremamente caro e não está na lista do SUS, o supremo desobriga a união a comprar, mas existem exceções. Ela conti- nua tendo que comprar por exemplo quando a fa- mília não tem dinheiro ou não tem remédio similar no país. Assim, baseado no princípio da integrali- dade, a criança não pode ficar sem esse medica- mento PRINCÍPIOS E DIRETRIZES Ex.: Qual princípio do SUS garante que a criança da reportagem tem direito de rece- ber pelo SUS o remédio mais caro do mundo R.: Integralidade. Princípios doutrinários OBS.: São também chamados de princípios finalísticos porque estão relacionados aos fins enquanto objetivos, metas. Ex.: forne- cer tudo que a pessoa precisa e atender a to- dos (integralidade). 3 Luiza Lyrio e Agatha Carvalho MED-103C Saúde da Família 3 INTEGRALIDADE É a prática de saúde e sua relação com o mo- delo assistencial. “cada pessoa é um todo in- divisível e integrante de uma comunidade” “Integralidade é atender as pessoa levando em consideração os aspectos holísticos” • INTEGRALIDADE DO SUJEITO – indivíduo como um todo: corpo, mente e meio social (USUÁRIO - SER BIOPSICOSOCIAL) • INTEGRALIDADE DO ACESSO, DO SISTEMA: “desde a vacina até a UTI” UNIVERSALIDADE A Univer- salidade é um dos princípios funda- mentais do SUS e determina que todos os cidadãos brasileiros, sem qualquer tipo de discriminação, têm direito ao acesso às ações e serviços de saúde. “O SUS é para todos, todos devem ter acesso” Mesmo indivíduos que não são brasileiros, se estiverem no país tem direito a usar o SUS. OBS.: EQUIDADE R.: Princípio da equi- dade • Lei dos Cuidados Inversos - Tudor Hart → “os que mais necessitam dos serviços de saúde são os que menos têm acesso a eles” Para minimizar as iniquidades em saúde • Equidade – discriminação positiva – justiça social • Esse é o principio que justifica por exemplo a necessidade de enviar mais vacinas ao Amazonas. • “Dar mais a quem precisa de mais” 4 Luiza Lyrio e Agatha Carvalho MED-103C Saúde da Família 3 • Praticar equidade é evitar que uma in- justiça aconteça. Princípios Organizativos DESCENTRALIZAÇÃO Entendida com redistribuição de responsa- bilidades das ações e serviços entre os vá- rios níveis de governo, a partir da ideia de que quanto mais perto do fato for tomada a decisão, mais chance de acerto “É dar poder a quem está na gestão mais próxima a população.” HIERARQUIZAÇÃO O que varia em termos de complexidade é o PROCEDIMENTO, não é a natureza do processo de trabalho. Todos os níveis de atenção são igualmente complexos. Na atenção primária temos baixa densidade tecnológica, os procedimentos são menos complexos, mas a atenção a saúde não. PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE - CONTROLE SOCIAL- LEI 8.142/90 • DIRETRIZ DO SUS • É onde os participantes tem voz e voto. • O conselho de saúde tem poder deli- berativo, poder de decisão. • Paridade quer dizer que metade dos conselheiros pert4encem ao seg- mento dos usuários. Paridade: metade dos delegados deve ser composta por representante dos usuários, e a outra metade deve ser composta por 50% de representantes dos trabalhadores da sa- úde, 25% representantes da gestão e 25% representantes dos prestadores. Conferên- cias de Saúde REGIONALIZAÇÃO – REGIÃO DE SAÚDE Independente do estado e da federação, nós temos regiões de saúde, que não são neces- sariamente as regiões administrativas. É oferecer serviços de atenção secundária e terciá- ria em um ponto da região de saúde, viabilizando o acesso a todas as pessoas que moram ali. É otimizar recursos. 5 Luiza Lyrio e Agatha Carvalho MED-103C Saúde da Família 3 LIVRO-CAP. 1 Condições de Saúde da Po- pulação Brasileira Estima-se que 20% dos brasileiros com 15 anos ou mais sejam analfabetos funcionais (<4 anos for- mais de escola, incluindo 9% de analfabetos).2 O produto interno bruto (PIB) per capita em 2011 era de R$21.252.3 O coeficiente Gini (zero signifi- cando distribuição de renda perfeitamente igual e um, o máximo de desigualdade)4 em 2012 era de 0,53,1 caindo de seu pico de 0,64 em 1991,5 o que reflete uma redução importante no abismo entre ri- cos e pobres brasileiros nas últimas duas déca- das.4,6 Contudo, muito ainda precisa ser feito. Por exemplo, dados de 2007 estimam que os 20% mais ricos detinham 60% do PIB, enquanto os 20% mais pobres detinham apenas 3%; em 2010, a taxa de po- breza (famílias com renda per capita abaixo de meio salário-mínimo) era de 31%.5 Nosso país está mudando rapidamente. Os censos demográficos nacionais realizados a cada 10 anos desde 1940 documentam que a população brasileira vem envelhecendo a cada década. Transformações em curso, notadamente a partir da segunda metade do século XX, levaram a impor- tantes mudanças no comportamento reprodutivo, que se acentuaram com a maior disponibilização dos métodos contraceptivos, a urbanização, e as mudanças do papel da mulher na sociedade. Especialmente a partir da criação do Sistema Únicode Saúde (SUS) e da adoção da Estratégia Saúde da Família, a mortalidade infantil caiu de forma impressionante. De 1980 a 2007, o coefici- ente de mortalidade infantil reduziu-se de 83 por 1.000 nascidos vivos para 16 por 1.000.9 O gráfico abaixo mostra o Coeficiente de mortali- dade infantil por região e ano, 1990 a 2007. Esse quadro de transição demográfica e epidemio- lógica vem sendo alterado pela chamada transição nutricional, que também está se processando rapi- damente como reflexo de novos padrões de mobi- lidade e de consumo alimentar. O crescimento da industrialização e da mecanização da produção, o maior acesso aos alimentos em geral, incluindo os processados, entre outros fatores, se por um lado reduziram a desnutrição, por outro, aumentaram o ganho de peso e a obesidade. INIQUIDADES EM SAÚDE 6 Luiza Lyrio e Agatha Carvalho MED-103C Saúde da Família 3 Por ser um país historicamente desigual em renda, escolaridade e todos os tipos de privilégio e opor- tunidade,56 observam-se também grandes desi- gualdades em saúde. Iniquidades étnicas também são percebidas. A taxa de mortalidade por homicídios em homens de raça/cor negra é quase o dobro daquela em homens brancos. A Estratégia Saúde da Família (ESF), por ter sido implantada preferencialmente em municípios e áreas com índice de desenvolvimento humano me- nores, tem contribuído para a redução de iniquida- des em saúde, notadamente em relação à mortali- dade infantil. ATENÇÃO À SAÚDE O sistema de saúde brasileiro é formado por uma rede complexa de prestadores e compradores de serviços que competem entre si, gerando uma com- binação público-privada. O sistema tem três subse- tores: o subsetor público (abordado no Capítulo O Sistema de Saúde no Brasil), no qual os serviços são financiados e providos pelo Estado nos níveis federal, estadual e municipal; o subsetor privado (com fins lucrativos ou não), no qual os serviços são financiados de diversas maneiras com recursos públicos ou privados; e, por último, o subsetor de saúde suplementar, com diferentes tipos de planos privados de saúde e de apólices de seguro, e apoi- ado por subsídios fiscais. Os componentes público e privado do sistema são distintos, mas estão inter- conectados, e as pessoas podem utilizar os serviços de todos os três subsetores, dependendo da facili- dade de acesso ou de sua capacidade de pagamento Historicamente, as políticas de saúde estimularam o setor privado no Brasil e promoveram a privati- zação da atenção à saúde, seja por meio de creden- ciamento de consultórios médicos, seja pela remuneração e criação de clínicas diagnósticas e te- rapêuticas especializadas, hospitais, ou ainda medi- ante incentivos às empresas de planos e seguros de saúde.5 O subsistema privado de saúde se imbrica com o setor público oferecendo serviços terceirizados pelo SUS, serviços hospitalares e ambulatoriais pa- gos por desembolso direto, medicamentos e planos e seguros de saúde privados. Parte dessa oferta é financiada pelo SUS, e o restante, por fontes priva- das. A demanda por planos e seguros de saúde pri- vados vem especialmente de trabalhadores de em- presas públicas e privadas, que oferecem tais bene- fícios a seus funcionários O SUS é altamente dependente de contratos com o setor privado, sobretudo no caso de serviços de apoio diagnóstico e terapêutico; por exemplo, ape- nas 24% dos tomógrafos e 13% dos aparelhos de ressonância magnética são públicos, sendo o acesso a eles desigual. No entanto, o SUS é um sistema de saúde em de- senvolvimento que continua a lutar para garantir a cobertura universal e equitativa. À medida que a participação do setor privado no mercado aumenta, as interações entre os setores público e privado criam contradições e competição injusta, levando a ideologias e objetivos opostos (acesso universal vs. segmentação do mercado), que geram resultados negativos na equidade, no acesso aos serviços de saúde e nas condições de saúde. LIVRO-CAP. 2 ASPECTOS HISTÓRICO-CON- CEITUAIS Com a república, os problemas continuaram os mesmos, mas muda o enfoque de enfrentamento. Com as novidades científicas vindas da Europa, 7 Luiza Lyrio e Agatha Carvalho MED-103C Saúde da Família 3 novos conceitos de bacteriologia e fisiologia emba- saram a criação de vários institutos de pesquisa vin- culados aos serviços sanitários, fatos que corrobo- raram para a hegemonia dos médicos higienistas organizados em algumas ligas sobre os tradiciona- listas identificados com as teorias miasmáticas. O interesse era melhorar as condições sanitárias das cidades e dos portos de maior importância econô- mica, sem qualquer atenção ao meio rural onde vi- via o maior contingente populacional. Com a Lei Elói Chaves, de 1923, foi criada a pri- meira Caixa de Aposentadorias e Pensões (CAP), destinada aos ferroviários de São Paulo, inaugu- rando o sistema previdenciário brasileiro sem mo- dificar muito o modelo do sanitarismo campanhista que mantinha ordem e melhora das condições de saúde das cidades e portos, garantindo as condições de exportação da economia agrícola, predominante até a metade do século passado. A transição para uma economia industrial urbana provoca a expan- são das CAPs para outras categorias profissionais e, no início da década de 1930, a migração das CAPs para os Institutos de Aposentadorias e Pen- sões (IAPs), com crescente necessidade de mais serviços de medicina previdenciária para uma grande massa de trabalhadores. Em 1960, todos os IAPs foram reunidos pela Lei Orgânica da Previ- dência Social. Em 1966, é criado o Instituto Nacional de Previ- dência Social (INPS) e, em 1977, o Instituto Naci- onal de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS). Influenciado pelo golpe militar de 1964, o sistema médico previdenciário foi moldado pela centralização político-administrativa, e suas características eram a tomada de decisões a cargo da tecnoburocracia, com exclusão da cidadania, o modelo assistencial dividido entre ações curativas e preventivas, o acesso não universal e o financiamento privilegiado para a expansão de ser- viços privados.1 Esse modelo ficou conhecido como médico-assistencial privatista e foi hegemô- nico até o final dos anos de 1970, quando entrou em profunda crise fiscal, junto com a crise do es- tado autoritário, que progressivamente foi per- dendo legitimidade. A necessidade de mudança verificada no fim da dé- cada de 1970 vai se acelerando na década de 1980, embalada pelo aprofundamento da crise econômica e pela instalação definitiva do processo de redemo- cratização. A implantação de novos planos (Pro- grama Nacional de Serviços Básicos de Saúde – PREV-Saúde, Conselho Consultivo da Administra- ção de Saúde Previdenciária – Conasp – e Ações Integradas de Saúde – AIS) foi limitada, mas algu- mas experiências localizadas tiveram o mérito de mostrar que um novo modelo assistencial era viá- vel, em especial pela possibilidade de contar com o apoio e a participação da sociedade. Ao longo das duas décadas subsequentes, a prática privada de medicina, com sua visão mais biológica e maior ênfase em diagnóstico de doença e inter- venções curativas, cresceu e se qualificou, criando uma grande rede de hospitais, clínicas, sociedades médicas e planos privados de saúde. 8 Luiza Lyrio e Agatha Carvalho MED-103C Saúde da Família 3 O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE Marcos importantes no desenvolvimento do Sis- tema Único de Saúde (SUS) estão destacados na. Com a 8a Conferência Nacional de Saúde em 1986 e a elaboração da nova Constituição, na qual o mo- vimento sanitário e o governo reencontram-se com os movimentos sociais populares, inaugurou-se uma nova fase de participação social nas políticas públicas de saúde. Em 1987, foi lançado o Sistema Unificado e Descentralizadode Saúde (SUDS), corrigindo algumas distorções das AIS, mas care- cendo de legitimidade por também ter origem em leis infraconstitucionais. Com a promulgação da nova Constituição, em 1988, e sua regulamentação com a Lei Orgânica da Saúde6 e a Lei 8.142,7 ambas em 1990, a Norma Operacional Básica do SUS de 1993 e 1996 (NOB – SUS), as Normas Operacio- nais da Assistência à Saúde do SUS de 2001 e 2002 (NOAS – SUS), a Política Nacional de Atenção Bá- sica (PNAB) de 2006 e sua segunda edição em 2011, os Pactos pela Saúde em 2006 e a Portaria no 4.279 de 20108 sobre as Redes de Atenção à Sa- úde, constituiu-se um arcabouço jurídico bastante avançado, contemplando e ajudando a colocar em prática os princípios e as diretrizes do SUS. As Conferências Nacionais de Saúde seguintes con- centraram sua atenção na implementação e conso- lidação do SUS. • A Lei Orgânica da Saúde, Lei no 8.080,6 dis- pôs sobre as condições para promoção, pro- teção e recuperação de saúde, organização e funcionamento dos serviços, reafirmando os princípios doutrinários (universalidade, equidade, integralidade) e as diretrizes or- ganizacionais (regionalização, hierarquiza- ção, descentralização e participação social) • Os Pactos pela Vida, em defesa do SUS e de Gestão foram resultado de um grande acordo entre o Ministério da Saúde, o Con- selho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) e o Conselho Nacional de Se- cretarias Municipais de Saúde (CO- NASEMS), definindo também as instâncias das Comissões Intergestores Tripartite em nível nacional e Bipartite para os Estados como fórum privilegiado dos novos meca- nismos de gestão para as competências con- correntes nas três esferas de governo O SUS é financiado com recursos das três esferas de governo, mas o percentual dos orçamen- tos para a saúde vem sendo menor do que o necessário. A Emenda Constitucional 29 foi 9 Luiza Lyrio e Agatha Carvalho MED-103C Saúde da Família 3 regulamentada em 2012, definindo os per- centuais de 15% e 12%, respectivamente, para municípios e estados, enquanto a União aplicará o valor destinado no ano an- terior acrescido da variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB) dos dois anos anteriores. DIRETRIZES E CARACTERÍSTI- CAS DO MODELO ASSISTEN- CIAL DO SUS Antes de comentar as diretrizes do SUS, é impor- tante apresentar o conceito de saúde definido pela 8a Conferência Nacional de Saúde, pois sintetiza grande parte do ideário do Movimento Sanitário Brasileiro: “Em sentido mais abrangente, a saúde é a resultante das condições de alimentação, habita- ção, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde. É assim, antes de tudo, o resultado das formas de organiza- ção social da produção, as quais podem gerar gran- des desigualdades nos níveis de vida” UNIVERSALIDADE É a garantia de que todos os cidadãos devem ter acesso aos serviços de saúde públicos e priva- dos conveniados, em todos os níveis do sistema de saúde, assegurado por uma rede hierarquizada de serviços e com tecnologia apropriada para cada ní- vel. A universalização do acesso aos serviços de saúde, por encontrar-se em condições de financiamento inadequado, gera diferentes problemas e dilemas. Para a população mais pobre, um dos problemas é a falta de serviços além da APS, obrigando-a a en- frentar uma série de dificuldades para conseguir passagem para os outros níveis de atendimento. Para os setores médios da população, o dilema é se submeter à universalização de baixa qualidade no setor público ou optar por um seguro privado sem cobertura universal, engrossando a lista dos que buscam acesso ao subsistema público de alta tecno- logia, por meio de estratégias que privilegiam o cli- entelismo, mecanismo ainda comum na cultura bra- sileira. EQUIDADE Em princípio, o acesso aos serviços de saúde deve ser garantido a toda a população em condições de igualdade, não importando o gênero, a situação econômica, social, cultural, racial ou religiosa, mas podendo haver uma discriminação positiva em ca- sos especiais, em que a prioridade deve ser dada a quem tem mais necessidades. Esse acesso também deve garantir possibilidades de atendimento em to- dos os níveis de complexidade do sistema de saúde. A equidade no Brasil é incipiente, pois há obstá- culos, com graus variados de dificuldades para os diferentes estratos sociais. Os mais pobres e margi- nalizados chegam com alguma facilidade ao nível da APS. A partir daí, somente chegam aos outros níveis do sistema com muito sacrifício, permane- cendo muito tempo nos escaninhos da regulação, grande parte ainda em papel nos Documentos de Referência e Contra-Referência, ou nas filas virtu- ais do sistema de regulação eletrônico (SIS-REG), dificultando a coordenação do cuidado. Para alcançar equidade de acesso aos cuidados secundário e terciário, é preciso melhorar a regula- ção, garantindo fluxos adequados a todos os níveis de complexidade tecnológica do sistema e aumen- tando a oferta e resolutividade dos serviços, princi- palmente no nível ambulatorial especializado. 10 Luiza Lyrio e Agatha Carvalho MED-103C Saúde da Família 3 INTEGRALIDADE No Brasil, durante muitos anos, havia uma clara separação entre as ações preventivas, ligadas ao Ministério da Saúde, e as ações curativas, vincula- das ao Ministério da Previdência. A atual legisla- ção é muito clara na definição: não deve mais haver essa separação; as ações de caráter individual e co- letivo devem ser financiadas e estar articuladas no mesmo sistema, gerando atendimento da demanda espontânea da população, sem que sejam esqueci- dos os programas estruturados para atender às ne- cessidades epidemiologicamente definidas pelo gestor do serviço de saúde. O atendimento com a diretriz da integralidade deve incorporar um amplo espectro de intervenções, articulando prevenção, atendimento curativo e reabilitação. Essa ação in- tegrada deve ter a capacidade de promover a saúde no cotidiano das pessoas, fazer diagnósticos e tra- tamentos precoces para reduzir danos e iniciar ra- pidamente a reabilitação e readaptação ao convívio social. Os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) são o desdobramento institucional para ampliar o espectro de atenção incorporando um conjunto de profissões na APS. No entanto, a conjuntura atual mostra um sis- tema estruturado para atender de forma prioritária os pacientes com doença já instalada, focalizando a intervenção no momento em que o agravo já acon- teceu. É muito comum os serviços de saúde subsu- mirem à lógica de apagar incêndio e atender, prio- ritariamente, a demanda espontânea. Um exemplo atual disso é a expansão de Unidades de Pronto- Atendimento à Saúde (UPAS), muitas vezes pouco vinculadas às equipes da ESF e das Unidades Bási- cas de Saúde (UBSs) tradicionais. A vontade polí- tica de organizar modelos assistenciais integrais também esbarra na formação curativista da maioria dos profissionais de saúde. Além de o enfoque do atendimento ser centrado na doença, ainda há o problema da falta de médicos generalistas para atuar na APS. Sua substituição por médicos treinados em outras especialidades e subespecialidades focais, que cada vez mais frag- mentam o corpo do paciente, dificulta a noção de uma atenção integral. HIERARQUIZAÇÃO E REGIONA- LIZAÇÃO Os serviços de saúde precisam estar organiza- dos em níveis de complexidade crescente, com tec- nologia adequada para cada nível, potencializando a resolutividade. É fundamental a regulação ade- quada entre os níveis do sistema, de modo que haja fluxos de referência e contrarreferência claramente normatizados e funcionando para que o acesso seja garantido a todos, sem que se perca a capacidade de discernir a prioridade de atendimento especiali-zado, por exemplo, entre um paciente com suspeita de um nevo maligno na retina e outro com necessi- dade de trocar de óculos. A Portaria no 4.279 estabeleceu diretrizes para a or- ganização de redes de atenção à saúde com o intuito de efetivar a hierarquização e a regionalização dos serviços de saúde, cumprindo com o objetivo de atender às necessidades em saúde da população, mas respeitando os princípios de ordenação do sis- tema pela APS e os conceitos de escala e qualidade dos serviços de saúde. Tal proposição pretende re- solver lacunas importantes da rede pública assis- tencial de nosso país, sobretudo a baixa oferta de consultas e procedimentos diagnósticos de nível se- cundário, além da qualidade questionável em repe- tir diversas ações em múltiplos níveis assistenciais. DESCENTRALIZAÇÃO 11 Luiza Lyrio e Agatha Carvalho MED-103C Saúde da Família 3 A diretriz da descentralização deve ser enten- dida como uma resposta a um movimento anterior, que foi a centralização político-administrativa nos governos militares. No SUS, há uma redistribuição do poder, repassando competências e instâncias de- cisórias para esferas mais próximas à população. Com isso, houve uma redefinição das atribuições, desconcentrando o poder da União e dos Estados para os municípios. No centro dessa estratégia está o processo de municipalização da saúde, entendido como um fenômeno político-administrativo que aponte para uma ruptura com o modelo assistencial tradicional e consiga dotar os municípios com mo- delos locais de saúde de acordo com todas as dire- trizes do SUS. CONTROLE SOCIAL Essa diretriz é a garantia dada pelo Estado de que a sociedade civil organizada tem possibilidade concreta de influir sobre as políticas públicas de sa- úde. A participação popular deve ter caráter delibe- rativo, oferecendo condições para que se possa de- terminar a política de saúde que interessa ao con- junto da população. Para que essa participação seja efetiva, é necessário que os atores sociais estejam devidamente instrumentalizados para intervir no processo, de forma a indicar um modelo de saúde mais adequado para as necessidades da população, e para criar uma nova consciência sanitária de acordo com o conceito de saúde que embasa as di- retrizes do SUS. A participação social está garantida, em todos os níveis, com os conselhos federal, estaduais e municipais. Esses órgãos são permanentes e, ao lado das conferências nacional, estaduais e munici- pais de saúde, compõem o conjunto de instituições que garantem a participação da sociedade. Essa participação social em instituições do Estado está normatizada em lei7 e é composta pelos represen- tantes do governo, prestadores de serviço, profissi- onais de saúde e usuários, sendo que estes têm pa- ridade com a soma de outros setores. É o espaço oferecido ao cidadão que quer exercer influência no direcionamento do SUS. O SETOR PRIVADO E SUA PAR- TICIPAÇÃO COMPLEMENTAR NO SUS o setor privado ocupa grande espaço nos servi- ços de saúde brasileiros, sobretudo em cuidados dos níveis secundário e terciário. Por exemplo, ape- nas 6,4% dos serviços diagnósticos e terapêuticos no País são públicos e 69% dos hospitais são do se- tor privado. Uma fração crescente da população brasileira, 26% em 2008, possui seguro de saúde oferecido pelo setor privado. Das internações hos- pitalares, 20% eram pagas por seguro e 10% dire- tamente pelo paciente. O setor público, mantidas as atuais condições, não pode arcar sozinho com todos os serviços ne- cessários para compor um sistema de saúde com- pleto. Acaba contratando, por necessidade, muitos serviços do setor privado, que podem e devem ser aproveitados quando esgotadas as possibilidades do setor público, e dando-se preferência aos de ca- ráter não lucrativo. Boa parte dos serviços privados ainda não se submeteu plenamente às diretrizes do SUS, seguindo uma lógica de mercado. Estrategicamente, é muito importante manter a grande rede hospitalar privada conveniada com o SUS, mas, no atendimento ambulatorial no nível de atenção primária, é necessário e desejável ampliar o investimento em serviços públicos, apontando claramente para uma perspectiva de hegemoniza- ção do setor público nessa área. 12 Luiza Lyrio e Agatha Carvalho MED-103C Saúde da Família 3 RECURSOS HUMANOS Na implementação integral de um novo modelo as- sistencial baseado em todas as diretrizes do SUS, a questão dos recursos humanos desempenha um pa- pel central. A atual política de recursos humanos apresenta um descompasso entre a teoria e a prá- tica. As conferências e os planos de saúde do go- verno anunciam o perfil dos profissionais de saúde a serem formados para atender as necessidades do SUS, mas as instituições de ensino continuam for- mando profissionais alheios a essas novas deman- das. O resultado dessa política é o de profissionais formados fora da realidade, inadequados tanto em qualidade como em quantidade para atuação no se- tor público. Uma das consequências dessa política é a dificuldade de encontrar profissionais com per- fil adequado para atuar na ESF, pois a grande mai- oria dos profissionais de saúde, sobremaneira da área médica, passa por treinamentos em programas de Residência Médica e estágios de graduação fei- tos em hospitais. Para atender às novas diretrizes do SUS, seria ne- cessário formar profissionais com uma nova men- talidade, dispostos a trabalhar em equipes multipro- fissionais e enfrentar o processo saúde-doença em sua real complexidade. Isso significa que os profis- sionais deveriam ter um profundo conhecimento de todos os determinantes sociais, econômicos, bioló- gicos, psicológicos, ecológicos e culturais que de- finem o perfil epidemiológico da população, bem como um conhecimento sobre as estratégias de in- tervenção. Cabe ressaltar ainda que a multiplicidade de in- serção no mercado de trabalho gera distorções. Muitos profissionais são obrigados a trabalhar em vários empregos, estendendo perigosamente a jor- nada de trabalho, situação esta aliada a péssimas condições de trabalho. Uma das consequências é o pouco tempo para a atualização profissional. Todas essas condições colaboram de forma decisiva para a baixa qualidade do atendimento.