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@STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA II 1 O hidrato de cloral foi, durante várias décadas, o único agente injetável utilizado amplamente em animais, sobretudo nos bovinos e equinos. Sua administração era realizada pelas vias oral, retal e intravenosa. Até que outros agentes intravenosos fossem descobertos, os anestésicos inalatórios, entre eles o éter e clorofórmio, foram bastante empregados tanto para a indução da anestesia como para a manutenção anestésica. O hidrato de cloral promovia inúmeros efeitos colaterais e a partir da descoberta do sulfato de magnésio, com o qual passou a ser associado, seu uso tornou-se ainda mais difundido em nosso meio. No entanto, a anestesia com esses dois medicamentos caracterizava-se por recuperação anestésica longa, acompanhada de fenômenos excitatórios e depressão respiratória intensa. Com o advento dos derivados do ácido barbitúrico, a Anestesiologia sofreu um grande avanço tecnológico com vários agentes anestésicos sendo sintetizados. Entretanto, somente a partir da descoberta do pentobarbital e do tiopental, os barbitúricos passaram a ser empregados amplamente em Veterinária. O pentobarbital passou a ser utilizado apenas em pequenos animais, e o tiopental, em grandes e pequenos. Outros agentes, como, por exemplo, o betanaftoxietanol, foram empregados na Anestesiologia Veterinária. Porém, até o surgimento da cetamina muitos anos depois, o hidrato de cloral associado ao sulfato de magnésio, bem como o pentobarbital e o tiopental reinaram quase que absolutos. A cetamina surgiu sendo empregada inicialmente em pacientes humanos, vítimas de grandes queimaduras, pois, ao contrário dos barbitúricos, não promovia depressão cardiorrespiratória importante e conferia analgesia. Nos animais silvestres é, certamente, o agente mais utilizado, uma vez que pode ser administrada pela via intramuscular. O metomidato foi empregado em larga escala em suínos, embora alguns preconizassem seu uso em equinos. @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA II 2 O etomidato nunca se tornou um agente de uso rotineiro em Veterinária, porém a ausência de efeitos adversos no sistema cardiovascular o torna o agente de primeira escolha em animais portadores de cardiopatias. O uso do propofol conquistou popularidade, principalmente na indução e manutenção da anestesia, por meio de infusão contínua. Barbitúricos Devido à sua versatilidade, os barbitúricos tiveram grande popularidade em Medicina Veterinária. São substâncias derivadas do ácido barbitúrico, que é combinação do ácido malônico e da ureia. O ácido barbitúrico é destituído de atividades depressoras centrais, porém a modificação da sua estrutura é capaz de converter o composto inativo em agente hipnótico com uma variedade de atividades farmacológicas. As substituições podem ser realizadas em um ou mais radicais. Sendo assim, centenas de barbitúricos são teoricamente passíveis de serem obtidos, porém apenas 20 são usados clinicamente e somente 10 como anestésicos gerais. A classificação dos agentes barbitúricos pode ser baseada na sua estrutura química, levando-se em consideração as substituições na molécula do ácido barbitúrico ou do período hábil destes agentes. A substituição do átomo de oxigênio na posição 2 por um átomo de enxofre produz os tiobarbitúricos, @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA II 3 substâncias altamente lipossolúveis com início de ação mais rápido e tempo de ação ultracurto. Seus principais representantes são o tiopental e o tiamilal. O pentobarbital pertence ao grupo dos oxibarbituratos, com períodos hábil e de latência mais prolongados. Trata-se de anestésico geral muito utilizado em animais de pesquisa. O fenobarbital e o barbital também fazem parte deste grupo, porém seu emprego está restrito ao tratamento de epilepsia e convulsões. Dos oxibarbituratos metilados, o meto- hexital é o único representante utilizado na prática anestésica. É também classificado como agente de duração ultracurta. Compostos imidazólicos ETOMIDATO O etomidato é potente agente hipnótico, sem propriedades analgésicas. Alquilfenóis PROPOFOL O propofol é um líquido hidrófobo à temperatura ambiente. As nanoemulsões, bem como as microemulsões, são alternativas às emulsões comercialmente disponíveis. @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA II 4 Nas nanoemulsões óleo em água, o propofol é combinado com surfactantes biocompatíveis para formar uma emulsão termodinamicamente estável, transparente, que determina menos dor à injeção, maior vida de prateleira e reduzida propensão ao crescimento bacteriano devido à ausência do óleo de soja como nutriente. Derivados da fenciclidina Dentre os anestésicos não exclusivos da via intravenosa, têm-se os derivados da fenciclidina, cetamina e tiletamina, que produzem um tipo distinto de anestesia, denominada dissociativa. CETAMINA A forma comercialmente utilizada da cetamina é uma mistura balanceada de seus isômeros (+) e (–). O isômero (+) é descrito ser, aproximadamente, três vezes mais potente como anestésico e duas a quatro vezes mais potente como analgésico quando administrado por via sistêmica. É hidrossolúvel, e uma solução aquosa a 10% tem pH de 3,5. Devido a esta acidez, possui propriedades irritantes quando administrada pela via intramuscular. Sua lipossolubilidade é de aproximadamente 10 vezes a do tiopental, sendo rapidamente absorvida após sua administração. CLORIDRATO DE TILETAMINA O cloridrato de tiletamina é comercialmente apresentado em associação ao zolazepam, potente benzodiazepínico. Barbitúricos Embora os barbitúricos possam ser administrados pelas vias oral e retal em crianças, em Medicina Veterinária a via intravenosa é a mais apropriada para promover anestesia ou tratar emergências convulsivas. As injeções perivasculares podem causar inflamação, dor e até mesmo necrose tecidual devido à elevada alcalinidade da solução (pH de 10 a 11). Uma vez injetado, os efeitos do agente anestésico e o tempo de duração são dependentes de fatores hemodinâmicos e físico-químicos. Os tiobarbituratos apresentam a característica de que, quanto maior a dose inicial, maior a concentração cerebral, fenômeno este conhecido como tolerância aguda. Quando se administra o agente de forma rápida, o paciente também se recupera rapidamente, fenômeno conhecido como dose maciça. Por outro lado, quando são dadas doses complementares, todos os @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA II 5 barbitúricos apresentam o fenômeno denominado efeito cumulativo (retardamento da recuperação anestésica envolvendo todas as características indesejáveis: hipotermia, bradicardia, excitação etc.). Os barbitúricos são sais sódicos do ácido barbitúrico (ácidos fracos) que, quando dissolvidos na água, ionizam. A forma não ionizada é farmacologicamente ativa e difunde-se rapidamente pelas células. A um pH de 7,4, 61% do tiopental e 83% do pentobarbital estão na forma não ionizada (ativa). Quando o pH arterial diminui (acidose), há aumento na quantidade de barbitúrico não ionizado e, portanto, há mais medicamento ativo disponível para entrar na célula e promover anestesia. A lipossolubilidade é provavelmente a característica mais importante dos tiobarbituratos. São altamente solúveis nos lipídios, sendo rapidamente captados por todos os tecidos, produzindo rápido início e duração de ação ultracurta. Na circulação, todos os anestésicos intravenososestão ligados a proteínas plasmáticas, principalmente albumina, porém o grau de ligação varia segundo o agente usado. Uma vez que apenas os medicamentos livres, não ligados às proteínas, podem se difundir através das membranas celulares, a ligação com proteína diminui a captação pelo tecido e retarda o declínio do nível plasmático durante a fase de distribuição. O grau de ligação à proteína é dependente do pH arterial e alcança um máximo de ligação a um pH de 7,6 ou maior. Cerca de 70 a 85% do tiopental ligam-se à albumina. Acidose, uremia e hipoalbuminemia (devido à doença hepática, hemodiluição ou parasitismo) aumentam a disponibilidade do agente no cérebro, ocasionando maior depressão e prolongamento da ação. Certas sulfamidas e anti-inflamatórios não esteroides podem reduzir a dose de tiopental necessária para indução da anestesia. Acredita-se que isto ocorra devido à competição por sítios de ligação a proteínas plasmáticas, resultando em elevação da fração de tiopental livre. A indução e a recuperação da anestesia produzidas pelos tiobarbituratos são dependentes da redistribuição destes agentes nos tecidos. Sua lipossolubilidade faz com que seja prontamente captado por muitos tecidos. Além disso, a captação tecidual é influenciada pelo fluxo sanguíneo do tecido em questão. @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA II 6 Assim, os tecidos do organismo podem ser divididos em 4 grupos, de acordo com seu fluxo regional (% de débito cardíaco [DC] que vai para um dado compartimento): Ricos em vasos sanguíneos Cérebro, coração, rins etc. (perfazem 6 a 10% da massa corpórea e recebem cerca de 70% do DC) Órgãos magros Músculos estriados e pele (50% da massa corpórea e recebem 25% do DC) Tecido adiposo 20% da massa corpórea e recebem 4% do DC Pobres em vasos sanguíneos Ossos, cartilagens e tendões (20% de massa corpórea, 1% do DC). Deste modo, após a administração do tiobarbiturato pela via intravenosa, a concentração é máxima no cérebro e outros órgãos ricos em vasos em 30 a 45 s, devido ao elevado DC. Há lenta captação do tiobarbiturato pelo compartimento magro; o máximo ocorre em 10 a 15 min após administração e corresponde à recuperação dos tiobarbituratos. A ação ultracurta é consequência da sua redistribuição em tecidos não nervosos (exceto gordura) do corpo. No cão, a redistribuição no compartimento de gordura é máxima em 4 h, com equilíbrio gordura/plasma em 6 h. Os tiobarbituratos são extremamente lipossolúveis e tendem a se instalar na gordura, promovendo efeito sedativo residual, e, quando liberados, são biotransformados pelo fígado e os metabólitos excretados pela urina. A redistribuição não tem ligação significativa com a recuperação dos oxibarbituratos de curta e longa ações. No cão, 15% da dose total do pentobarbital são destoxificados por hora. Após cerca de 30 a 45% da dose destoxificada, há recuperação da anestesia. No cão, somente 5% da dose total do tiobarbiturato são biotransformados por hora. Deve-se evitar o uso concomitante de barbitúricos com cloranfenicol, pois este último promove inibição enzimática microssomal, desencadeando maior período de ação dos barbitúricos. O clearance plasmático e a recuperação de oxibarbitúricos de longa duração (fenobarbital) são primariamente dependentes da excreção renal, ocorrendo pouca biotransformação hepática. Os metabólitos dos oxibarbitúricos de ação curta são excretados na urina. @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA II 7 Compostos imidazólicos Aproximadamente 75% do etomidato ligam-se, no plasma, à albumina. São rapidamente distribuídos para cérebro, baço, pulmão, fígado e intestino. Cerca de 87% do agente administrado são excretados na urina (3% inalterados) e 13% através da bile. Não tem efeito cumulativo e não se observa tolerância adquirida após doses repetidas. Alquilfenóis O propofol apresenta elevado grau de ligação às proteínas plasmáticas: 97 a 98%. A depuração e a distribuição do propofol são rápidas. Estas características farmacocinéticas facilitam seu uso na indução e manutenção da anestesia e, em consequência, a recuperação da anestesia é rápida. Sua biotransformação é realizada por meio das vias hepática e extra- hepática, devido à depuração do propofol ser mais rápida que o fluxo sanguíneo hepático, o que também o torna um anestésico indicado para pacientes hepatopatas. Sua eliminação se dá em nível renal. Como se trata de um composto fenólico, pode induzir lesão oxidativa nas hemácias da espécie felina quando administrado repetidamente por vários dias. Essa toxicidade resulta, provavelmente, da habilidade reduzida dos felinos em conjugar fenóis; podem ser observados corpúsculos de Heinz e sinais clínicos de anorexia e diarreia. Devido a essa limitação, podem ocorrer recuperações prolongadas em alguns felinos submetidos à infusão contínua deste agente. Derivados da fenciclidina Devido ao seu baixo pH, a cetamina é irritante para os tecidos; os animais mostram sinais de dor quando este agente é administrado pela via intramuscular, não promovendo edema ou necrose tecidual, como ocorre com os barbitúricos. O padrão de biodisposição da cetamina exibe certas semelhanças com o tiopental. Possui rápido início de ação após administração pela via intravenosa ou intramuscular, devido à sua elevada lipossolubilidade. @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA II 8 Gatos apresentam decúbito lateral em 90 s após administração intravenosa e 2 a 4 min da injeção intramuscular. Redistribui-se subsequentemente para os tecidos magros. O metabolismo hepático é importante para a depuração da cetamina na maior parte das espécies animais, já que menos de 5% do agente podem ser recuperados na urina, na forma inalterada. Em gatos, porém, cerca de 87% do agente são excretados inalterados na urina. Após a administração intramuscular da associação tiletamina-zolazepam, o início da anestesia ocorre em 5 a 12 min e entre 30 e 90 s após aplicação intravenosa. Em cães, a meia-vida plasmática da tiletamina é de 1,2 h, mas somente de 1 h para o zolazepam. Portanto, dependendo da dose, da via de administração, repetições e do procedimento cirúrgico realizado, os animais poderão apresentar sinais de excitação na recuperação (vocalização, hipertonia muscular ou até mesmo convulsões) da anestesia com tiletamina. Em gatos, a recuperação é bastante tranquila, pois a meia-vida plasmática do zolazepam é de 4,5 h e a da tiletamina é bem menor: 2,5 h. Além disso, nestes animais, somente 5 a 10% da tiletamina são detectados na urina. Barbitúricos Os barbitúricos são potentes hipnóticos que produzem depressão dose-dependente do SNC. Seus efeitos depressores variam desde leve sedação e sono, anestesia geral até completa depressão bulbar que ocasiona o óbito. Os barbitúricos deprimem o córtex, tálamo e áreas motoras do SNC. O sistema reticular mesencefálico é especialmente sensível aos efeitos depressores destes agentes. Este sistema controla o grau de atividade no SNC, incluindo estado de alerta e sono. Os centros medulares, isto é, o centro termorregulador, vagal, os centros respiratórios e o centro vasomotor também são deprimidos por doses anestésicas de barbitúricos. O mecanismo de ação é complexo, pois os barbitúricos alteram tanto a condutividade iônica de diversos íons como interagem com o complexo receptor do ácido gama-aminobutírico (GABA). No que diz respeito ao GABA, os barbitúricos incrementam sua capacidade deinduzir aumento da @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA II 9 condutância ao íon cloreto em diferentes locais do SNC, causando hiperpolarização da membrana e, consequentemente, redução da atividade elétrica do SNC. Com relação à condutância dos demais íons (Na+, Ca++, K+), os barbitúricos a reduzem através da membrana plasmática, o que resulta em depressão seletiva do sistema reticular mesencefálico e das respostas polissinápticas em todas as porções do cérebro. Perifericamente, os barbitúricos diminuem a ligação e a seletividade da acetilcolina na membrana pós- sináptica, o que ocasiona excelente relaxamento muscular, potencializando os efeitos dos bloqueadores neuromusculares. Compostos imidazólicos Seu mecanismo de ação ainda não foi completamente elucidado. O etomidato também pode modular a neurotransmissão GABAérgica, interferindo com o receptor GABAA. Em concentrações empregadas na clínica, potencializa os efeitos do GABA neste receptor, prolongando o tempo de abertura do canal de cloro e aumentando a probabilidade da abertura destes canais. Ao contrário da afinidade aumentada do receptor GABAérgico produzida pelos barbitúricos, o etomidato parece aumentar o número de receptores GABA disponíveis, possivelmente deslocando inibidores endógenos da ligação com este neurotransmissor. Alquilfenóis O mecanismo de ação do propofol é semelhante ao dos barbitúricos e benzodiazepínicos, visto que potencializa a ação do GABA em receptores GABAA, bem como age diretamente induzindo a corrente de cloro na ausência do GABA. Foi demonstrado que este agente exerce ação pró-GABAérgica, inibindo tanto a taxa de disparos de neurônios dopaminérgicos quanto daqueles não dopaminérgicos. Derivados da fenciclidina Os agentes dissociativos têm ações complexas e não totalmente compreendidas na neurotransmissão do SNC. Bloqueiam os receptores muscarínicos dos neurônios centrais e podem potencializar os efeitos inibitórios do GABA. Estas substâncias interferem com a neurotransmissão GABAérgica e bloqueiam o processo de transporte neuronal da serotonina, dopamina e norepinefrina. Há evidências de que os agentes dissociativos potencializem os efeitos dessas catecolaminas por bloquearem sua recaptação. @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA II 10 As doses de cetamina necessárias para bloquear os receptores do tipo N-metil-D-aspartato (NMDA) são consideravelmente menores que aquelas necessárias para induzir anestesia cirúrgica, o que explica por que este anestésico conserva propriedades analgésicas mesmo em doses subanestésicas. O aumento da atividade motora que é observado após a utilização da cetamina é atribuído à sua capacidade de induzir aumento da concentração cerebral de dopamina e serotonina, o mesmo ocorrendo com a hipertonicidade muscular que estes agentes podem induzir. A cetamina diminui ou altera a resposta do SNC a impulsos sensitivos sem bloquear o tronco cerebral e as vias medulares. Ocorre depressão no tálamo, centros dolorosos e, muito pouco, no sistema reticular mesencefálico. No entanto, em áreas subcorticais e no hipocampo, causa ativação. A ação anestésica da cetamina requer a presença de córtex cerebral funcional, sendo incapaz de induzir a anestesia em casos de lesão maciça do neocórtex, doenças corticais prévias ou hidrocefalia adiantada. A analgesia causada pela cetamina é atribuída ao bloqueio da condução de impulsos dolorosos ao tálamo e áreas corticais. Os anestésicos intravenosos podem ser empregados para diferentes finalidades. Normalmente, são utilizados na indução anestésica que será mantida com anestésicos inalatórios ou para a realização de pequenos procedimentos cirúrgicos ou exames diagnósticos que requeiram contenção química de animais de temperamento irascível, nos quais sedação e anestesia local são insuficientes. Em Medicina Veterinária são utilizados isoladamente para promover anestesia em diversos procedimentos cirúrgicos. Seu uso não requer a utilização de aparelhos específicos, de difícil acesso à maioria dos profissionais devido ao seu alto custo e necessidade de especialização. São de fácil administração, sendo, em alguns casos, empregadas outras vias de administração. O que limita seu uso é o período hábil normalmente curto e a manutenção de plano anestésico adequado, que muitas vezes requer a repetição de doses. Os anestésicos intravenosos podem promover os mais diferentes graus de depressão do SNC. @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA II 11 Esta depressão pode variar desde leve sedação e sono até ausência total de reações do animal frente ao estímulo doloroso. Barbitúricos Dentre todos os derivados do ácido barbitúrico, apenas o tiopental é utilizado em anestesia e encontra-se disponíveis no mercado nacional. Emprega-se o tiopental na indução da anestesia que será mantida por intermédio de anestésico inalatório ou para procedimentos de curta duração, uma vez que a duração do efeito deste agente não ultrapassa 10 a 15 min. É utilizado em todas as espécies de animais domésticos e em algumas de animais silvestres. A administração dos barbitúricos geralmente é precedida de medicação pré-anestésica, que pode ser realizada com fenotiazínicos, agentes agonistas de α2- adrenorreceptores, benzodiazepínicos ou com a associação destes agentes aos opioides. A utilização de tais medicamentos contribui para que a indução e recuperação anestésicas sejam destituídas dos fenômenos excitatórios observados quando os barbitúricos são empregados como agentes únicos. A medicação pré-anestésica também contribui para redução da dose do agente, o que torna a técnica anestésica mais segura. Em cães, quando precedida de fenotiazínico, a dose de tiopental é reduzida à metade daquela como agente único. Associando-se o fenotiazínico ao midazolam, o sinergismo torna-se ainda mais evidente, sendo o decréscimo da dose do barbitúrico de quase 75%. Após 10 a 20 s da administração de dose padrão de tiopental, observa-se perda da consciência e relaxamento muscular adequado, o que permite fácil intubação traqueal em cães e equinos. Em felinos e suínos, em geral, a intubação requer maior grau de relaxamento, que é obtido quando se utilizam doses maiores do agente indutor, bloqueadores neuromusculares ou prévia dessensibilização da orofaringe com anestésicos locais. Normalmente, em pequenos animais administra-se primeiramente 1/3 ou 1/2 da dose total tanto do tiopental quanto do pentobarbital. Decorridos aproximadamente 15 a 20 s para o tiopental e 30 a 60 para o pentobarbital, injeta-se lentamente o restante da dose, levando-se em consideração a perda gradativa dos reflexos protetores, até que se tenha administrado a dose calculada integralmente, ou quando se tiver @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA II 12 alcançado o plano de anestesia adequado para o procedimento em questão. Para obter-se o efeito desejado, é importante que a administração destes agentes seja feita exclusivamente pela via intravenosa. A injeção realizada inadvertidamente no tecido perivascular, além de necrosá-lo, pode prejudicar a técnica anestésica, visto que o plano de anestesia pode não ser alcançado, tornando necessárias doses suplementares que são difíceis de adequar neste momento. A velocidade de administração também influenciará a ocorrência ou não de efeitos adversos, como apneia e taquicardia acentuada, quando a administração é muito rápida, ou a duração doefeito inferior à esperada, quando estes agentes são injetados muito lentamente. A repetição da dose de tiopental com o objetivo de prolongar o período hábil anestésico pode tornar a recuperação anestésica extremamente longa e acompanhada de excitação. Em equinos, principalmente, esta prática não é recomendada. Os animais fazem várias tentativas para readquirir a posição quadrupedal, permanecendo com incoordenação motora por várias horas. Os barbitúricos são importantes depressores respiratórios; reduzem tanto a frequência respiratória quanto o volume minuto. Observa-se comumente apneia após injeção em bólus, podendo ser revertida com manobras simples como pinçamento da orelha, tração da língua, entre outras. A depressão respiratória causada pelos barbitúricos em alguns animais pode ser grave a ponto de causar aumento da PaCO2 e diminuição da pressão parcial de oxigênio no sangue arterial (PaO2). No sistema cardiovascular, as ações dos barbitúricos são bastante variáveis de acordo com as associações de medicamentos e o estado prévio do animal. Em cães normovolêmicos, após administração de dose anestésica padrão de tiopental, verifica-se taquicardia e aumento da pressão arterial média e do débito cardíaco. Em equinos pode-se verificar redução da pressão arterial, do retorno venoso e inotropismo negativo quando doses excessivamente altas são administradas em bólus. O débito cardíaco encontra-se normalmente diminuído, mas a resistência vascular periférica permanece normal ou ligeiramente aumentada. @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA II 13 Em indivíduos hipovolêmicos, as alterações promovidas pelos barbitúricos podem ser mais drásticas. No choque hemorrágico ou em outros tipos de instabilidade circulatória (septicemia, arritmias não controladas, insuficiência cardíaca congestiva etc.) qualquer barbitúrico deve ser administrado com grande cautela ou não ser utilizado. O tiopental pode promover arritmias cardíacas de origem ventricular; sensibiliza o miocárdio à ação das catecolaminas, particularmente na presença de halotano, que também é agente arritmogênico. Os barbitúricos diminuem a pressão intracraniana e por este motivo são indicados em pacientes vítimas de traumatismo craniano. Ocorre decréscimo do consumo de oxigênio cerebral, por diminuição do metabolismo do tecido nervoso. Diminuem ou não causam alteração da pressão intraocular, sendo particularmente úteis na indução da anestesia em cirurgias de olho aberto. Os barbitúricos não interferem significativamente nas contrações uterinas. Atravessam a barreira placentária causando efeitos depressores no feto, sendo estes efeitos dose- dependentes. O recém-nascido normalmente apresenta-se com depressão respiratória de grau moderado a grave; não são, por isso, recomendados como agentes de indução nas cesarianas ou em fêmeas no final da gestação. Compostos imidazólicos O etomidato é anestésico intravenoso de eleição em pacientes cardiopatas. Promove efeito de ultracurta duração, desencadeando anestesia que não ultrapassa 10 a 15 min. Causa relaxamento muscular razoável, não possuindo ação analgésica. Dor à injeção, mioclonias, excitação e vômitos são episódios frequentes após a administração. As mioclonias podem permanecer durante todo o ato cirúrgico, sendo necessária a administração de relaxante muscular, como o diazepam, para atenuá-las. A mímica do vômito intermitente que ocorre imediatamente após a indução da anestesia no cão é particularmente desagradável para o anestesista e pode ser evitada quando se administra metoclopramida, pela via intramuscular ou intravenosa, no mesmo momento em que se injeta o agente pré- anestésico. O emprego de midazolam imediatamente antes da administração do etomidato reduz a incidência de excitação e mioclonias. @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA II 14 A injeção de ambos os agentes deve ser feita o mais lentamente possível No sistema cardiovascular, o etomidato não causa qualquer alteração do ritmo cardíaco. Quando comparado com doses equipotentes do propofol ou tiopental, não promove diminuição da pressão arterial, redução da resistência vascular periférica ou depressão da contratilidade miocárdica. A frequência cardíaca também não sofre alterações, sendo, portanto, o débito cardíaco mantido; não sensibiliza o miocárdio às catecolaminas Quando utilizado em doses clínicas nos cães (1,0 a 2,0 mg/kg), pode desencadear aumento da frequência respiratória e redução do volume corrente, resultando na manutenção dos valores de volume minuto. Em doses mais elevadas (3,0 mg/kg), pode promover acidose respiratória e hipoxemia moderada com recuperação dos valores da pressão parcial de oxigênio após 10 min. Sua administração é seguida por um breve período de hiperventilação e posterior depressão respiratória. Pode ocorrer apneia transitória, principalmente quando empregado em doses elevadas ou se administrado rapidamente. O etomidato reduz o fluxo sanguíneo cerebral em até 50%, o metabolismo e a pressão intracraniana, sendo, portanto, indicado em neurocirurgia. Seu índice terapêutico é 16 no cão, o que significa que a dose letal é 16 vezes a dose hipnótica. O etomidato fica praticamente restrito aos cães ou gatos portadores de cardiopatias que justifiquem seu emprego, tendo-se em vista os efeitos desagradáveis observados após seu uso. Sabe-se que sua administração lenta, bem como a associação com opioides ou benzodiazepínicos, minimiza a ocorrência de efeitos adversos e potencializa sua ação. Alquilfenóis Anestésico intravenoso de curta duração, o propofol pode ser utilizado em injeção contínua ou em doses repetidas, sem que o despertar ocorra tardiamente. A indução e a recuperação da anestesia geralmente ocorrem de forma bastante satisfatória; observa-se ausência de fenômenos excitatórios quando sedativos são utilizados na medicação pré-anestésica. Pode ocorrer dor à injeção, mas somente quando o propofol é injetado em veia de pequeno calibre; não promove lesão tecidual se administrado fora da veia. Não ocorre analgesia com este agente e o grau de relaxamento muscular é moderado. @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA II 15 No sistema respiratório promove depressão; após sua administração ocorrem apneia transitória, redução do volume minuto e da frequência respiratória com aumento da PaCO2 e diminuição da PaO2, sendo a incidência destes efeitos diretamente proporcional à dose administrada, assim como a velocidade de aplicação do fármaco. O propofol provoca hipotensão sistêmica resultante da redução da resistência vascular periférica. O índice cardíaco não é afetado de forma acentuada. Seu uso deve ser evitado em indivíduos com função cardiovascular comprometida, no paciente geriátrico ou hipovolêmico. O propofol promove efeitos adversos mínimos na função hepática, fato evidenciado pela ausência de alterações nos testes de função hepática; o mesmo ocorre com a função renal. Atravessa a barreira placentária, não promovendo efeitos teratogênicos ou depressão importante que inviabilize os fetos. Os filhotes de mães submetidas à cesariana com este agente mostram- se deprimidos, sendo o grau de depressão dose-dependente. Pode ser empregado em pequenos e grandes animais e é especialmente útil em situações nas quais a administração de anestesia inalatória é difícil, como, por exemplo, nas salas de radiologia e quando se necessita prolongar a anestesia com doses subsequentes. Nestes casos, a recuperação ocorreno mesmo período de tempo que aquele após administração de dose única, sendo a marcha rapidamente readquirida e quase desprovida de incoordenação motora. Apesar de o propofol ser considerado atualmente o agente hipnótico mais indicado para a anestesia intravenosa total em cães, seu perfil farmacocinético não é o ideal, pois seu volume de distribuição é superior ao do tiopental sódico. Apresenta como grande vantagem uma taxa de depuração elevada com sua biotransformação rápida pelas vias hepática e extra-hepática, possibilitando que o período de recuperação anestésica seja curto, dependendo da duração da infusão. As taxas de infusão de propofol para a manutenção da anestesia em cães e gatos variam entre 0,2 e 0,8 mg/kg/min, de acordo com o analgésico associado, a medicação pré-anestésica administrada e a duração da manutenção da anestesia. Derivados da fenciclidina A cetamina e a tiletamina são os dois únicos representantes da classe das fenciclidinas que se encontram atualmente em uso clínico. @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA II 16 O amplo emprego destes agentes em Medicina Veterinária deve-se ao fato de apresentarem margem de segurança elevada, por haver a possibilidade de administração por outras vias além da intravenosa e por serem utilizados em inúmeras espécies de animais domésticos e silvestres. Os anestésicos dissociativos promovem um tipo de anestesia que difere completamente daquela observada com outros agentes anestésicos. Não se verifica perda de reflexos protetores, os olhos permanecem abertos, as pupilas midriáticas e há ausência de relaxamento muscular. A hipertonia muscular é comum com cetamina, sobretudo se administrada isoladamente. A sialorreia é frequente, principalmente em felinos e ruminantes. A administração prévia de anticolinérgicos para antagonizar este efeito foi prática muito comum, porém não é indicada. A taquicardia que se observa quando estes dois agentes são associados é extremamente deletéria para o sistema cardiovascular, sobretudo em animais idosos ou portadores de cardiopatias. A cetamina e a tiletamina promovem analgesia intensa no sistema muscular esquelético. Podem ocorrer movimentos involuntários bruscos durante o ato operatório, sem que estejam associados a dor. A recuperação da anestesia pode ocorrer de forma súbita e acompanhada de excitação. Como os anestésicos dissociativos estimulam determinadas áreas do SNC, são comuns reações de delírio e alucinações no despertar. Em felinos, observa-se frequentemente catalepsia, seguida de ataxia e aumento da atividade motora. Verificam-se hiper-reflexia e sensibilidade ao toque também. Em alguns casos, as manifestações de delírio ou excitação podem ocorrer muitas horas após a recuperação da anestesia. Com o intuito de incrementar o grau de relaxamento muscular, geralmente associam-se à cetamina benzodiazepínicos (midazolam, diazepam), agonistas de α2- adrenorreceptores ou, eventualmente, os fenotiazínicos. A acepromazina, em associação com opioide, seguida da administração de midazolam e cetamina, tem sido empregada em cães e gatos para indução da anestesia com anestésicos @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA II 17 inalatórios ou procedimentos de curta duração. A recuperação anestésica em geral é isenta de fenômenos excitatórios. Esta associação é utilizada em outros animais como potros, ovelhas, cabras e porcos. Em cavalos adultos, a cetamina pode ser utilizada em uma série de associações que envolvem o emprego de fenotiazínico, éter glicerila guaiacol, agonistas de α2- adrenorreceptores ou benzodiazepínicos (midazolam ou diazepam). Utilizando-se agonistas de α2- adrenorreceptores, detomidina ou romifidina na medicação pré- anestésica e diazepam seguido da cetamina, obtém-se ótima anestesia caracterizada por indução e recuperação anestésicas suaves e excelente grau de relaxamento muscular. A associação tiletamina-zolazepam promove, durante a recuperação da anestesia, rigidez muscular nas extremidades, sobretudo dos membros pélvicos com apoio característico em pinça. Em cães, o uso de tiletamina- zolazepam pode ser acompanhado de excitação intensa na recuperação, que ocorre com maior frequência que a desejável para um anestésico de uso rotineiro. A cetamina causa depressão dose- dependente do sistema respiratório. Pode aumentar a PaCO2 e diminuir o pH e a PaO2, evidenciando a depressão. Diminui a frequência respiratória e o volume minuto, tornando a respiração arrítmica, caracterizada como apnêustica. Nesta situação, o animal faz uma pausa na inspiração e expira rapidamente. No sistema cardiovascular, os efeitos da cetamina e da tiletamina são bastante discutíveis. Há quem afirme que estes agentes possuem propriedades simpatomiméticas, promovendo aumento do débito cardíaco e da pressão arterial, e outros que asseguram que são agentes depressores. No contexto geral, no entanto, tem-se que estes agentes são taquicardizantes, aumentam a pressão arterial, a pressão da artéria pulmonar, de capilares pulmonares, a resistência vascular periférica, a pressão intracraniana e a pressão intraocular. Em animais com insuficiência cardíaca hipertrófica, deve-se evitar seu uso, bem como naqueles portadores de taquiarritmias. Seu uso é desaconselhável em pacientes que sofreram traumatismo craniano; pode ser empregado em @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA II 18 pacientes portadores de glaucoma e como técnica anestésica para as cirurgias oftalmológicas desde que em associações com benzodiazepínicos. A cetamina atravessa a barreira placentária prontamente, alcançando altas concentrações no concepto, e cães nascidos de cesárea apresentam-se com sinais de depressão do SNC. O mesmo não ocorre com caprinos, que mostram valores de pressão arterial e frequência cardíaca elevados. A dose do tiopental varia conforme a medicação pré-anestésica utilizada, doença prévia, função cardiovascular e respiratória. A concentração preconizada é de 2,5% para pequenos animais e de 5% para grandes animais, sendo esta diluição realizada com água bidestilada. Após o uso, a solução deve permanecer refrigerada a 4 °C, sendo estável por 1 semana. Solução de Ringer com lactato não deve ser usada para reconstituir qualquer dos barbitúricos, e estes não devem ser misturados com soluções ácidas de outros medicamentos, porque, com a diminuição da alcalinidade, precipita-se sob forma de ácidos livres. O etomidato deve ser aplicado lentamente, durante período de 30 a 60 s. Por conter lecitina de ovo em sua composição, a emulsão de propofol possibilita o crescimento de microrganismos, de modo que, uma vez que a ampola foi aberta, é necessário seu consumo ou o descarte da mesma ao término do dia. @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA II 19 A associação da cetamina é preconizada com substâncias que promovam relaxamento muscular, tais como benzodiazepínicos (diazepam ou midazolam), agonistas de α2- adrenorreceptores (xilazina, detomidina, romifidina ou dexmedetomidina), assim como anticolinérgicos (atropina) para reduzirem a salivação profusa induzida. A tiletamina apresentasse associada ao zolazepam, na proporção de 1/1. A diluição do pó deve ser feita com água esterilizada (5 ml), sendo tal solução estável por 4 dias em temperatura ambiente e por 2 semanas se conservada a 4 °C. Preconiza-se, a fim de reduzir a salivação abundante produzida pelos agentes dissociativos, o uso prévio de atropina(exceção feita aos ruminantes e equinos), na dose de 0,025 mg/kg, pela via subcutânea, 15 min antes da aplicação da associação tiletamina-zolazepam. @STDSELVAGEM FARMACOLOGIA E TERAPÊUTICA II 20 SPINOSA, H. S., et al. (2017). Farmacologia aplicada à Medicina Veterinária. 6ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara. Koogan Capítulo 11 – Anestésicos Intravenosos e Outros Parenterais.
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