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O PROGRAMA DE WALTER KOHAN

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O PROGRAMA DE WALTER KOHAN: FILOSOFIA COM CRIANÇAS NA ESCOLA PÚBLICA
INTRODUÇÃO	
	O caminho trilhado pelo ensino de filosofia até a mesma chegar a escola pública foi longo e árduo. De acordo com Kohan (2003) ela não tem necessidade de defensores, mas o seu ensino tem a necessidade de uma filosofia crítica.
	A pergunta “para que ensinar filosofia” sempre interessou tanto os filósofos quanto os educadores. Montaigne dizia que a matéria deveria ser ensinada aos pequenos para auxiliar na formação de pessoas mais inteligentes e de livre espírito. Para ele, a filosofia é a fundamental para uma formação autônoma (KOHAN, 2003).
	Atualmente, a pergunta acima ainda se faz presente. As respostas a essa indagação são sempre acompanhadas da palavra crítica. Instigar e desenvolver a criticidade dos educandos. Mas, como ensinar filosofia com esse intuito em um lugar regido por ordens, outro tempo e espaço, como a instituição escolar? É possível? O presente trabalho vai analisar e problematizar essas questões por meio do programa de Walter Kohan: filosofia com crianças na escola pública.
A Filosofia na escola
Levar a Filosofia para a escola não é trazer mais um conteúdo, um saber estático e certeiro a ser transmitido por um professor especializado no assunto. É tudo, menos isso! É no exercício de fazer Filosofia – e não ensinar Filosofia – que as práticas se fundamentam (OMELCZUK, 2012).
Como experiência do pensar, a filosofia exige formulações de questionamentos nunca antes feitos. E ninguém melhor que a criança, segundo Kohan, para nos fazer olhar para o óbvio de outra forma. Ele entende a criança como um indivíduo que faz com que pensemos tudo de novo, nos leva a um retorno ao tudo mais infantil possível. Nesse sentido, o autor afere que talvez seja melhor falar em reencontro da Filosofia com a criança do que encontro, uma vez que, com simples perguntas “infantis”– tais como as perguntas que reaprendemos a fazer que nossa experiência expande-se para além do ordinário, o ordinário que ficamos presos a ver (OMELCZUK, 2012).
De acordo com Kohan:
Há educação exepcionalmente, quando se interrompe a lógica da pedagogia, quando a verdade dá lugar à experiência. Assim, negar o que impede a lógica da experiência parece ser o motor que movimenta as engrenagens de uma educação para espíritos livres, os que tornam a vida criativa dentro da escola como algo possível. E este possível a qual nos referimos é criado pelo devir, pela experiência, pelo acontecimento, pelo infantilar (KOHAN, 2007, p. 94).
A partir da perspectiva acima citada que Kohan delineia seu projeto.
O Programa 
Problematizando e questionando alguns pontos relativos ao alcance da proposta de Lipman, Walter Kohan inicia um outro movimento. Nesse contexto, o mesmo desenvolve uma outra alternativa teórica e prática de aproximação entre a filosofia e as crianças, a qual passa a se denominar de filosofia com crianças (CANTALICE, CIRINO, 2020).
Ainda de acordo com Cirino:
Esse movimento que se inicia na Universidade de Brasília e no contexto atual se desenvolve na Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, diferente da FpC de Lipman, não tem um currículo definido e nem uma metodologia específica. Vejamos: “[...] filosofia com crianças compreende a relação entre filosofia e criança de uma forma aberta e constitutiva como uma experiência de pensamento, [...]. Também não tem um programa pré-definido, bem como não assume um método.” (CIRINO, 2016, p. 90, grifos da autora).
Os principais pontos e características mais importantes da proposta da Filosofia com crianças e que Kohan afere que se distinguem, do PFpC são:
1- Trabalha exclusivamente com a educação pública, instituições públicas;
2- O programa é oferecido gratuitamente para os professores e escolas particulares; 
3- Éum projeto teórico e metodológico experimental, não aplica a programas prontos; 
4- Associa-se a um projeto integrado de pesquisa contínua sobre as possibilidades educacionais da filosofia; 
5- Insere-se em escolas com projeto político- pedagógicos que favoreçam e dêem ênfase na efetiva autonomia do aluno e do professor;
6- Trabalha por meio dos projetos em desenvolvimento nas escolas;
7- Ênfase na formação permanente dos professores, na escola e na universidade; 
8- Envolvem professores e alunos de três cursos: Filosofia, Pedagogia e Psicologia; 
9- Conceito horizontal, não hierárquico, de interdisciplinaridade;
10- Integra extensão, ensino e pesquisa na formação de alunos de cursos de graduação da universidade. (KOHAN, 2008, p. 88-89).
A partir dessas questões, podemos aferir que a proposta de Kohan é experimental, ou seja, não tem um programa determinado, nem cursos específicos para formação de professores/as, porém, há uma formação permanente no decorrer do processo que ocorre entre professores/as, escola e universidade (CANTALICE, CIRINO, 2020).
Para a implementação desse projeto no RJ, Walter Kohan, coordenador do projeto, conta que algumas escolas públicas do estado do Rio foram visitadas em 2007 até que a escola municipal Joaquim da Silva Peçanha no município de Duque de Caxias/RJ apresentou interessados na proposta (OMELCZUK, 2012).
Os interessados participaram de três cursos intensivos de formação e foram acompanhados pela equipe do NEFI em seus planejamentos e durante a realização as experiências no primeiro ano do projeto na escola (OMELCZUK, 2012).
De acordo com o autor, a proposta é formada por seis momentos interligados:
1- Disposição inicial; 
2- Vivência (leitura) de um texto; 
3- Problematização do texto, 
4- Levantamento de temas ou questões; 
5- Escolha de temas;
6- Diálogo; 
7- Algo como uma avaliação, nomeada “Para continuar pensando”. Falarem composição, ao invés de estrutura, aproxima a experiência do fazer artístico,colocando os materiais, as técnicas (e teorias) a serviço do artista (nesse caso do professor), cujo resultado ultrapassa esses instrumentos (OMELCZUK, 2012).
De acordo com Kohan:
O projeto acredita no poder dos “porquês” para ajudar as para ajudar as crianças a oferecer razões sólidas às suas afirmações. Há, também, gestos a serem evitados na experiência de Filosofia, de forma que ajudem na constituição de uma nova relação professor-aluno e na relação com o “saber”. Não é esperado que se dê aula ou se discorde de um aluno rejeitando sua colocação, mas que se construa uma atmosfera de confiança, para que o aluno sinta segurança de que o seu pensamento tem valor, e saiba que será respeitado e ouvido com atenção (KOHAN, 2007, p. 80).
	Com relação especificamente aos professores, cabe ressaltar que o/a professor/a que se dispõe desenvolver a atividade de filosofia com crianças deve entender que a filosofia e seu ensino é uma possiblidade de experiência de pensamento no sentido proposto por Larrosa (2014). Nesse sentido converge o pensamento de Kohan (2009), ao dizer que o ensinar e o aprender filosofia são atividades do pensamento, de modo a afetar a vida daqueles que compartilham. 
	Nesse sentido, Kohan; Olarieta; Wozniak (2012, p. 173), percebem e ressaltam a importância da filosofia nas escolas desde a educação infantil, uma vez que a mesma possibilita às crianças um espaço para o exercício do pensar, para o filosofar. O filosofar é visto para eles nesse processo como uma experiência, como um trabalho sobre o sentido do que somos e do que nos acontece.
Como salientado anteriormente, o programa não tem um um método específico para atuar, experienciar, professor/as e alunos/as em uma experiência de pensamento. O que há são relações de abertura e imprevisibilidade que um encontro é capaz de abrir e que vem carregado de possibilidades múltiplas, que em muitos momentos surpreendem ao nos colocar diante de situações novas, mudando e transformando todo o movimento que se buscava construir, apontando por direções não planejadas, posibilitando que se experimente outros rumos aos quais a novidade da experiência de pensar entre os/as docentes e as crianças instala um novo sentindo (CANTALICE, CIRINO, 2020).
Ainda de acordo com ele “[...]um método a ensinar às professoras que lhes assegure que, seguindo determinado passos, conseguirão obter por resultado uma experiência de pensamento.” Nesse sentido, o processo de formação de professores acontece de forma específica, permeado pela experiência de pensamento com as crianças e a de como o/a docente vai se entregando e deixando-se tocar pela experiência. 
Para nortear essa ação docente, Kohan publica alguns subsídios com o intuito de inspirar esses professores, denominados de composição, à organização de uma experiência de pensamento com crianças (CANTALICE, CIRINO, 2020).
Um dos projetos aprovados em 2010 por um financiamento da FAPERJ permitiu a construção de um espaço específico para a atividade filosófica que se diferenciava substancialmente das salas de aula padrão. De acordo com Omelczuk (2012), a “sala do pensamento” – que foi construída com duas portas e janelas bem grandes, com um vidro transparente no teto por onde se pode olhar o céu, e no chão, um degrau em nível mais baixo em formato de retângulo, onde as crianças podem se sentar e ter uma experiência filosófica única, aprendendo a “arte do pensar”.
Ainda de acordo com o autor acima citado:
Habitar o lugar do não saber” dentro de uma instituição que tem seu reconhecimento social marcado pela autoridade do saber não é tarefa fácil. Aprender a estar confortável nesse lugar é um dos grandes desafios e valor do projeto. Os alunos não saem das experiências do pensamento com um novo conhecimento formado, adquirido pela reflexão e assegurado pelos professores, mas têm “a possibilidade de entrar em contato com a infância do pensamento que lhes ensina que os saberes são sempre parciais, logo passíveis, de serem questionados (OMELCZUK, p. 245).
Além dessas questões, Kohan aponta algumas outras relacionadas à necessidade de pensar, basicamente, três: Qual o sentido de praticar Filosofia com crianças, nas escolas brasileiras? Qual o papel de Filosofia para crianças, no sistema educacional brasileiro? Quais as estratégias mais adequadas para tal função? As respostas:
1- É preciso definir claramente quais são os fins políticos do movimento Filosofia para Crianças.
2- Deve-se passar da divulgação e disseminação de qualquer programa ou
proposta (como a de Lipman), para a efetiva crítica das possibilidades educacionais da Filosofia.
3- A prática da Filosofia rejeita qualquer forma de imposição de uma lógica não filosófica, venha ela do mercado, da política, do dogma ou de onde for.
4- As universidades, e em especial as universidades públicas,com todos os seus defeitos e problemas, são espaços privilegiados para a discussão crítica das diversas propostas filosóficas e educacionais. As universidades brasileiras têm o desafio de acolher esta área recente de ensino, extensão e pesquisa – a Filosofia para Crianças, proposta de Lipman ou outras -, de forma a expandir esse campo do conhecimento (MARTINS, 2004).
Após todas essas questões, podemos concluir que o programa apresenta-se para além da História da Filosofia, inserindo-se na sua dimensão criativa. É preciso que a filosofia adentre os muros da escola, suas grades e que enfrente a sua inércia, a inércia resistente a um pensamento crítico, a uma educação para o pensar. O programa de Kohan é um desafio mas um instrumento para vencer todos esses percalços impostos à educação pública e proporcionar aos estudantes uma aprendizagem crítica e significativa. 
Referências:
CANTALICE, Gizolene de Fátima Barbosa da Silva. Filosofia e infância: formação docente para atuar em filosofia para/ com crianças. REFilo 1 - Revista Digital de Ensino de Filosofia, 2020.
CIRINO, Maria Reilta Dantas. Filosofia com Crianças: cenas de experiências em Caicó (RN), Rio de janeiro (RJ) e La Plata (Argentina). Rio de janeiro/RJ: NEFI, 2016 (Coleção Teses e Dissertações).
 KOHAN, Walter Omar. O ensino da Filosofia frente à Educação como formação, 2003.
KOHAN, Walter Omar. Infância, estrangeiridade e ignorância. Ensaios de filosofia e educação. Belo Horizonte: Autentica, 2007.
KOHAN, Walter Omar. Palavras, passos e nomes para um projeto. In: KOHAN, Walter Omar; OLARIETA, Beatriz Fabiana. (Orgs.). A escola pública aposta no pensamento. Belo Horizonte: Autêntica, 2012. p. 13 – 49. (Coleção Ensino de Filosofia).
MARTINS, Marco Antônio. FILOSOFIA PARA CRIANÇAS: UMA ANÁLISE E UMA CRÍTICA. Tubarão, 2004
OMELCZUK, Fernanda Walter. A Escola Pública Aposta no Pensamento. Revista Contemporânea de Educação, vol. 11, n. 21, jan/jul de 2016.

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