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Ano de publicação: 1992; Gênero literário: narrativo; o Narrativa fantástica/realismo mágico; o Romance que possui como pano de fundo a Guerra Civil em Moçambique (1976-1992). ▪ Com a Independência de Moçambique, em junho de 1975, a FRELIMO (Frente Libertadora de Moçambique) assumiu o poder. Contudo, um grupo dissidente formou a RENAMO (Resistência Nacional Moçambicana), que recebia auxílio financeiro da Rodésia e da África do Sul. Essas duas forças determinaram uma guerra sangrenta que duraria 16 anos ocasionando a morte de milhões de pessoas. Os habitantes que não morreram fugiram deambulando pela pátria. O conflito terminou em 1992 após o assinado o Acordo Geral de Paz. O romance de Mia Couto lança um olhar fantástico sobre esse acontecimento histórico de Moçambique. Movimento literário: Modernismo moçambicano; o Linguagem com tendência à africanização da língua portuguesa de Portugal, condição associada à noção nacionalista (preocupação com a identidade de Moçambique); o Nacionalismo crítico: valorização das tradições moçambicanas como possível caminho para a construção de uma nova pátria a partir de um olhar crítico sobre a dominação europeia/lusa; o Coloca como protagonista figuras estigmatizadas pela história mundial (negros, pobres e miseráveis), dando- lhe voz. Possui duas grandes narrativas entrecortadas de múltiplos enredos paralelos (visão de dentro e visão de fora); o Narrativa I: narração em 3ª pessoa/visão de fora, envolvendo os protagonistas: Muidinga e Tuahir; o Narrativa II: narração em 1ªpessoa/visão de dentro (os 11 cadernos de Kindzu) que se articula, principalmente, em torno de Kindzu e Farida. o Parecem ser independentes, mas Prosa poética: romance que tem características de poesia em seu interior, como a musicalidade, a forte carga semântica e o refinamento estético; Uso de neologismos à maneira de Guimarães Rosa; Momentos de intenso lirismo; Reflexões metalinguísticas. O vocábulo ‘sonâmbulo’ se relaciona a um estado de sonolência, algo entre o dormir e o acordar, condição bastante recorrente nas ações narrativas do livro, em que os personagens transitam entre o sonho e a realidade (guerra civil), à procura de uma identidade que possa salvá-los do estado de sonambulismo. Em certo momento da narração, Kindzu declarou: “Eu e a terra sofríamos igual castigo” e, posteriormente, se define como sendo um “sonâmbulo como a terra em que nascera”. É como se Moçambique e, por consequência, as pessoas, vivesse num estado de sonambulismo, de transe e, portanto, de crise de identidade. Esses dois personagens podem ser lidos como a representação do povo moçambicano em busca de sua própria identidade. A criança é alegoria do moderno e o velho, da tradição. Assim, os valores arcaicos não podem ser eliminados pela modernidade, e, por isso, a gradativa conciliação dos dois personagens. A capacidade de ler de Muidinga atesta o seu aspecto moderno além da idade. De outro lado, Tuahir é o porta voz da tradição oral moçambicana. Ao final do romance, Muidinga descobre a sua origem. Conhece que é o próprio Gaspar, filho de Farida. Muidinga/Gaspar é Moçambique em busca de sua identidade, de seu destino. A guerra permitiu o seu renascimento oriundo do ventre da terra (lembre-se dele quase morto agarrado a ela) e, por fim, os cadernos de Kindzu o consolidaram enquanto sujeito. Muidinga seria um nome associado a uma Moçambique em guerra, enquanto Gaspar seria um nome associado a uma nova Moçambique, que alia a tradição e a modernidade. Kindzu significa palmeira mindinha, condição bastante sugestiva no ao final do romance quando ele é morto/plantado na terra ressurgindo aos olhos de Muidinga/Gaspar. A viagem física de Kindzu se articula como um rito de passagem para a sua vida adulta à procura de seu próprio destino. Ele e o seus cadernos é um elo entre Muidinga/Gaspar e Farida. Citação, localizada no início do livro, que serve para sintetizá-lo. I. Se dizia daquela terra que era sonâmbula. Porque enquanto os homens dormiam, a terra se movia espaços e tempos afora. Quando despertavam, os habitantes olhavam o novo rosto da paisagem e sabiam que, naquela noite, eles tinham sido visitados pela fantasia do sonho (Crença dos habitantes de Matimati). II. O que faz andar a estrada? É o sonho. Enquanto a gente sonhar a estrada permanecerá viva. É para isso que servem os caminhos, para nos fazerem parentes do futuro (Fala de Tuahir). • Nas páginas do livro, Mia Couto semeia a esperança de um futuro, no qual Moçambique seria a terra dos sonhos de cada moçambicano: unidos e fortificados pela tradição, ligados à cultura global. Na fala de Tuahir, residia a existência de um conhecimento ancestral, assim como nos cadernos de Kindzu, que tem suas histórias reveladas através da fala de Muidinga. Assim, a oralidade representa, na narrativa, o elo de ligação entre a tradição e o moderno, pois Muidinga é partícipe da cultura letrada mas também da cultura que se perpetua pela oralidade. Então, é em Muidinga, que reside a esperança de um futuro de paz e sonhos para essa terra. III. Há três espécies de homens: os vivos, os mortos e os que andam no mar (Platão). • Vivos: pessoas que simplesmente existem, sem buscar fazer a diferença; • Mortos: pessoas que deixaram de existir ou que são mais insignificativos que os vivos; • Pessoas que andam no mar: aquelas que fazem a diferença na vida delas mesmas e das demais pessoas. ➢ Numa estrada caminham Tuahir e Muidinga. Os dois personagens encontram um ônibus/machimbombo queimado, ao lado do qual há um corpo de um defunto e uma mala. Enterram o corpo do morto e, ao abrirem a mala, Muidinga encontra os “Cadernos de Kindzu”; o Posteriormente, descobriremos que o corpo do defunto era o próprio Kindzu, que havia sido morto (mas não queimado) ao ter sido baleado. ➢ No outro dia, andando pelos arredores, Tuahir narra à criança como o tinha encontrado dias anteriores. Ele, Muidinga, estava quase morto agarrado a terra (havia contraído Mantakassa - paralisia). Tuahir viu a criança com vida e resolveu cuidar dela como se fosse seu filho; ➢ Andam novamente nas proximidades do ônibus queimado quando caem em um buraco, espécie de armadilha feita por um solitário velho nomeado de Siqueleto, no qual ficam presos por meio de uma rede; ➢ Siqueleto, após ver Muidinga escrever algo na terra, pediu ao garoto para escrever o nome dele, Siqueleto, numa árvore. Em seguida, Siqueleto colocou o dedo no ouvido e, ao tirá-lo, sangue passa a jorrar dele, até Siqueleto reduzir-se ao tamanho de uma semente; o O nome de Siqueleto é uma sugestiva ironia às misérias africanas; o De acordo com as crenças do velho aldeão desdentado, a sua “morte” poderia determinar o nascimento de uma nova aldeia. Siqueleto pode ser compreendido como a possibilidade de transcender o mundo material (a guerra), encarnado na figura da hiena (a hiena é a representação das próprias misérias da guerra, ao esperar a morte do indivíduo para dele se alimentar) que o acompanha e que ele abandona com a morte. Dessa maneira, ele se transforma na semente de um mundo novo. ➢ Em outro passeio, encontraram Nhamataca (“fazedor de rio”), amigo de Tuahir, o qual tentava construir um rio com as suas próprias mãos, o qual contornaria Moçambique, impedindo a entrada de pessoas armadas no país. Tuahir e Muidinga ajudaram o homem a cavar o rio, embora o jovem não acreditasse no projeto/sonho do outro. À noite, caiu uma tempestade, fazendo nascer um rio que engole Nhamataca; ➢ Em outro passeio pelos arredores, Muidinga acabou sendo agredido sexualmente por velhas profanadoras, que estavam fazendo um ritual; ➢ Tuahir masturba Muidinga, condição que sugereuma espécie de indução ao mundo do adulto. Isso é uma representação de que o novo e o velho devem andar aliados, uma vez que o novo depende do conhecimento das antigas tradições do país para progredir; ➢ O velho a criança seguiram rumo ao mar, passando por um pântano onde foram picados por mosquitos; ➢ Muidinga encontra-se com um pastor que lhe conta a narrativa que envolvia um boi apaixonado por uma garça; ➢ Tuahir, que não estava bem de saúde, constrói um barco a fim de partirem rumo ao mar. Lá, encontraram o barco de Taímo que tinha sido usado por Kindzu. Tuahir e Muidinga esperam a água do mar subir e entram no barco; ➢ Tuahir pede a Muidinga que deitasse com ele debaixo de uma manta. Tuahir faleceu, sugestão anunciada pelo canto da xigovia. ➢ Kindzu (“palmeira pequena”) narra o seu passado em sua tribo. Taímo, pai de Kindzu (que vivia bêbado – uma perspectiva um tanto sonâmbula), anunciou aos filhos a Independência do país. A mãe de Kindzu estava grávida e daria luz a um filho cujo nome seria 25 de Junho, numa alusão à independência de Moçambique. Essa criança passaria a ser chamada de Junhito; ➢ Taímo anunciou que Junhito seria assassinado por algum grupo de guerrilha (seria, na verdade, recrutado para o exército). Sendo assim, ele deveria se esconder no galinheiro. Junhito passa, então, a viver no galinheiro fantasiado de galo; o Tal fato representa a animalização que a guerra instaura na sociedade humana; o O galo é o animal que anuncia a chegada do sol, parecendo indicar o surgimento de um novo tempo em Moçambique. ➢ Certo dia, porém, ele desapareceu; ➢ Taímo morre e seu corpo foi lançado ao mar, que secou. No lugar, nasceram lindas palmeiras. Nelas, havia frutos que não poderiam ser colhidos, segundo a voz do espírito de Taímo. Contudo, os moradores não escutaram o conselho e, quando tiraram os frutos, jorrou uma enorme quantidade de água inundando tudo ao redor. ➢ Kindzu tinha um grande amigo na aldeia indiano, Surendra. Certo dia, a venda de Surendra foi assaltada por um africano. Na venda, houve uma confusão e, em meio à briga, apareceu um naparama, espécie de guerreiro da paz. A venda de Surendra, dias depois, foi incendiada, fazendo com que o indiano decidisse partir; o Surendra Valá é um desterrado indiano que parece estar à procura de uma pátria que coubesse em seus sonhos. ➢ Kindzu também resolve sair da aldeia. Antes de sair, Kindzu consultou o ngamga, líder espiritual, que disse para ele viajar pelo mar; ➢ Kindzu se despediu da mãe, que estava grávida há tempos e não queria dar luz a mais uma criança em meio à guerra; o Sua eterna gravidez consiste em uma sutil crítica ao mundo em guerra. ➢ Kindzu passou por inúmeros problemas dentro do barco e na terra; ➢ Kindzu chegou a Matimati. Nesse lugar, foi aconselhado por Assane a não permanecer por lá. Assim, Kindzu partiu; o Assane era um africano que morava em Matimati e que perdeu o movimento das pernas, pois estivera envolvido com os políticos do lugar. ➢ Em alto mar, no barco, Kindzu recebeu a inesperada visita de um tchoti, anão do céu, que estava à procura do navio náufrago; ➢ No navio naufragado, Kindzu encontrou Farida (“pérola” – resultado de dor e sofrimento por parte da ostra) que narrou todo o seu passado a ele. Ela viveu uma espécie de maldição dada a crianças gêmeas, tendo “perdido” a mãe e a irmã. Farida saiu da aldeia onde morava. No caminho, passou mal, sendo resgatada por Virgínia, mulher portuguesa; o Vive em busca de um farol (que ninguém mais vê), símbolo do sonho, desejo e de acreditar naquilo que não se encontra nessa realidade. É dotada de uma beleza ímpar. ➢ Certo tempo depois, Farida foi enviada para uma missão católica. Um dia, ao retornar à casa de Virgínia (que não estava), para visitá-la, Farida acabou sendo violentada sexualmente por Romão Pinto. Ela ficou grávida e quando a criança nasceu, entregou o bebê à missão. Anos depois, Farida tentou resgatar o seu filho, Gaspar, mas ele tinha fugido. Chega em Matimati em meio às suas viagens em busca do filho. Lá, pede ajuda ao prefeito, Estevão Jones, casado do Carolinda. Esta última, por ciúmes, leva Farida ao navio naufragado, abandonando-a lá; o O nascimento de Gaspar representa o nascimento de uma outra Moçambique, formada por povos europeus e povos autóctones africanos. ➢ Farida pede a Kindzu que fosse a busca de seu filho Gaspar, o qual partirá no dia seguinte em direção a Matimati. Ao chegar lá, encontra, jogada na praia, uma mulher nua, coberta de algas, a qual pensa reconhecer; ➢ Em Matimati, descobre que Assane tinha se tornado sócio de Surendra, e Antoninho continuava trabalhando para ele; ➢ Descobre que a mulher na praia era Assma, mulher de Surendra; ➢ Ocorre a catastrófica inauguração da loja de Assane e Surendra. Nela, Kindzu conhece Carolinda, esposa do administrador da cidade, com a qual se envolve sexualmente. Durante a inauguração, um grupo de pessoas armadas invade o local e o incendeia. Assma, esposa de Surendra, morre queimada; ➢ Kindzu, junto com Quintino, um bêbado e ex- funcionário de Romão Pinto, é preso por Estevão Jones, ao ter sido acusado de enfeitiçar Carolinda; o Quintino conta a Kindzu que seu ex- patrão, Romão Pinto, morre após ter relações sexuais com uma africana casada que estava menstruada. ➢ Kindzu, com a ajuda de Quintino, foi à procura de Virgínia a fim de obter informações sobre Gaspar. Descobre que ela fingia ser louca, a fim de se preservar. Kindzu consegue extrair dela algumas informações sobre Gaspar, que poderia estar com Euzinha, tia de Farida, que se encontrava em um acampamento de civis; o Na cultura africana, os “loucos” são considerados como pessoas iluminadas, que deveriam ser respeitadas. ➢ Carolinda descobre as alianças corruptas do marido com o defunto Romão Pinto, os quais pretendiam explorar as desgraças consequentes da guerra; ➢ Quintino e Kindzu encontram tia Euzinha no interior e, por meio dela, descobrem que Carolinda e Farida eram irmãs. Segundo tia Euzinha, Carolinda é dominada por um espírito do mal, motivo pelo qual ela não mede esforços para tentar matar Farida; ➢ No campo de civis, Carolinda aparece e distribui alimentos aos famintos. Euzinha, após receber os donativos, dança até morrer; ➢ A morte de Euzinha deixou Kindzu desanimado por não ter conseguido descobrir a atual localização de Gaspar e, assim, resolveu voltar para Matimati. Lá, Kindzu descobre, por meio de Assane, que Farida havia morrido queimada após tentar acender o farol que ela dizia haver; ➢ Kindzu resolve partir de volta à sua vila em um ônibus/machimbombo, da companhia de Assane; ➢ Kindzu teve um sonho, espécie de presságio do que iria ocorrer com ele, a morte. No sonho, ele vê seu irmão, que antes estava sendo perseguido por grupos armados defensores da guerra, agora se transformava em sua forma humana novamente. Kindzu se vê transformado em naparama e vê sua mãe com uma criança em seu colo, o que representaria que a guerra estava chegando a seu fim. Em seguida, sonha ter levado um tiro na cabeça e, depois de morto, vê um velho e uma criança se aproximando de seu corpo que estava ao lado de um ônibus incendiado. Esse final mostra que Muidinga era quem Kindzu procurava, isto é, ele é o próprio Gaspar. Indiretamente, Kindzu consegue cumprir sua promessa à Farida: encontrar Gaspar.
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