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2 3 4 5 Apresentação Estas páginas concentram quarenta anos de experiência evangelizadora de meu bom amigo José H. Prado Flores, com quem compartilhamos a missão evangelizadora em vários âmbitos e sob diversas formas. O autor destas páginas nos apresenta o Querigma, ou Primeiro Anúncio, como sendo a grande riqueza da Igreja e base da vida cristã; porém, ele o faz a partir do ponto de vista pastoral, a fim de nos mostrar como usá-lo da melhor maneira para evangelizar como a Igreja Primitiva. “Com grande poder, os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus” (At 4,33). O Evangelho é a “força salvadora de Deus para todo aquele que crê” (Rm 1,16). Todavia, a Pregação do Querigma é também “insensatez” ou loucura (cf. 1Cor 1,21). Na união destes dois fatores, está radicada a evangelização com grande poder. Depois, o autor nos apresenta, com fundamento bíblico, o conteúdo dos enunciados querigmáticos, assim como seu objetivo e a respectiva estratégia: transpassar os corações. Vários fios estabelecem o encadeamento de todo o livro. Para que haja Nova Evangelização, requerem-se, antes de tudo, novos evangelizadores; e assim como a primeira evangelização é fruto do Pentecostes, a Nova Evangelização há de ser fruto de um Novo Pentecostes. Sem a ação do Espírito Santo, é uma missão impossível! O leitor irá encontrar páginas de conteúdo muito forte, que são um chamado a uma conversão pastoral. Com efeito, urge reconhecer que, em nossa Igreja, fala-se muito em evangelização e em Nova Evangelização e, no entanto, temos sido lentos no passar da teoria aos fatos e empreender o caminho da grande missão, com a audácia e o entusiasmo que o Senhor nos pede. Com experiência pastoral, o autor nos mostra que, se quisermos ter uma pesca abundante, já é tempo de lançar as redes do outro lado, com evangelizadores que sejam mais testemunhas do que repórteres. No documento final do CELAM, fruto do encontro em Aparecida em 2007, lemos esta chamada: “A conversão pastoral requer que as comunidades eclesiais sejam comunidades 6 de discípulos missionários em torno de Jesus Cristo, Mestre e Pastor” (nº 368). Em sua carta apostólica sobre o Ano da Fé, Bento XVI escreve: O Ano da Fé é um convite a uma autêntica e renovada conversão ao Senhor, único Salvador do mundo. Deus, no mistério de Sua morte e ressurreição, revelou em plenitude o Amor que salva e chama os homens à conversão de vida, mediante a remissão dos pecados (cf. At 5,31). Para que isso chegue a se tornar realidade, o evangelizador deve: descer ao rio Jordão, para ter a experiência pessoal do amor incondicional de Deus; cair em Damasco, mediante um encontro pessoal com Jesus ressuscitado; subir ao Aposento Alto, para receber a dynamis do Espírito; e caminhar rumo a Emaús, para que seu coração arda com o fogo da Palavra. Serão encontradas páginas repletas de propostas absolutamente concretas para que essa conversão se torne realidade. Se, de um lado, a catequese é exposta pelos mestres com sabedoria, de outro, o Primeiro Anúncio é proclamado por testemunhas que experimentaram a Nova Vida em abundância que Cristo veio trazer a este mundo. Com lógica e experiência, o autor nos mostra ainda que o Primeiro Anúncio deve ser o início do caminho da fé e um verdadeiro anúncio; só depois, e sempre depois, vem a catequese. Sua conclusão, que também parece ser seu sonho, é esta: uma Igreja evangelizada e evangelizadora, na qual os catequistas permitem que os evangelizadores joguem o primeiro tempo, para, depois, entrarem na segunda metade da partida. Parodiando o apóstolo Paulo, que tinha um temor — “Ai de mim, se eu não anunciar o evangelho” (1Cor 9,16) —, José Prado nos alerta: ai daquele que quiser evangelizar sem antes ter sido evangelizado. O desafio da Igreja não está na evangelização, mas sim em evangelizar aqueles que não estão evangelizados e que acabam apenas fazendo propaganda do cristianismo, já que somente convencem quem estiver convencido. O Querigma é eficaz em si mesmo, mas existe somente uma forma de não funcionar: se não o usarmos. Dou graças a Deus por estas páginas, escritas por um evangelizador apaixonado por Jesus Cristo e por Sua Palavra, com um percurso de quarenta anos proclamando a Boa Nova e formando evangelizadores para a missão da Igreja. Peço ao Senhor que estas páginas, plenas de esperança e de dinamismo, nos ajudem a cumprir a grande missão da Nova Evangelização. Que a unção do Espírito seja conferida a estas páginas, para que toquem os corações e vivamos uma renovação no âmbito da evangelização querigmática. 7 GÉRALD CYPRIEN LACROIX Arcebispo de Quebec Primado do Canadá 8 9 Já, já, por favor Estava terminando de escrever estes capítulos, quando recebi um convite cordial de Dom Pigi Perini, um bom amigo com quem, no decurso dos anos, a amizade foi se tornando profunda. Pedia-me para dar um retiro a sacerdotes comprometidos com as Células de Evangelização, que se propagam por todo o mundo. O tema: a Nova Evangelização. O local: a Sacristia Monumental da paróquia de Santo Eustórgio, em Milão, na Itália. Considerando o fato de Dom Pigi haver comentado comigo que o retiro do ano anterior fora exposto pelo padre Raniero Cantalamessa, pregador da Casa Pontifícia, preparei cuidadosamente meu temário, com reforços teológicos e citações do Magistério da Igreja. Meu propósito era o de resumir quarenta anos de experiência evangelizadora, muito embora tal audácia me parecesse o mesmo que pretender encerrar o fogo da sarça de Horeb em uma caixa de fósforos. Quando começamos o retiro, o clima era frio, pois estávamos em pleno inverno, o que ocasionava a necessidade de aquecimento artificial. E assim, com meus apontamentos em mãos, fui seguindo cuidadosamente, passo a passo, com a lógica e a pedagogia que supunha serem exigidas pelos seletos participantes: Comecei apresentando o relato dos discípulos de Emaús, os quais, de simples repórteres que repetiam o que as mulheres diziam ter ouvido dos anjos, foram convertidos em testemunhas da ressurreição de Jesus a partir do momento em que seus corações arderam com o fogo da Palavra. Expliquei-lhes a diferença entre Querigma e Catequese, entre proclamar e ensinar e que o problema da Igreja não está em não evangelizar (Primeiro Anúncio), mas sim no fato de que aqueles que evangelizam não estão evangelizados, convertendo em fria Catequese a apresentação da Boa Notícia, a qual não é algo, e sim Alguém: o próprio Senhor Jesus, único mediador entre Deus e os homens. Detalhadamente, e com precisão, explanei o conteúdo, o objetivo e a metodologia do Anúncio Querigmático, esclarecendo que se trata da Grande Missão de Jesus aos Seus (proclamar a Boa Notícia), o que, infelizmente, na Igreja Católica converteu-se na Grande Omissão, porque desde a ocorrência da 10 Contrarreforma, damos preferência a nossos esquemas teológicos, raciocínios doutrinais e silogismos filosóficos, ao invés de priorizar o Anúncio fascinante da Boa Nova de Jesus, como o fazia o diácono Filipe (cf. At 8,35). A seguir, afirmei categoricamente que, para que ocorra uma Nova Evangelização, são necessários quatro elementos: primeiro, haver fracassado, para sentir a necessidade de algo novo; segundo, ser premidos pelo amor de Cristo; terceiro, novos evangelizadores que sejam testemunhas; finalmente, em quarto lugar, um novo Pentecostes, em que a Ruaj1 divina seja um vento impetuoso, e não um ar-condicionado que nós controlamos. Expliquei-lhes, também, que primeiro é o primeiro. Primeiro o Querigma e, a seguir, a Catequese, moral ou teologia. Primeiro se nasce e depois se cresce. Provoquei-os depois a aceitar o desafio, em função do qual o vinho novo precisa de odres novos e que urge renunciar a fórmulas engessadas e devocionais, que não respondem nem ao Evangelho, nem ao mundo de hoje. O momento-chave sucedeu quando lhes disse que não poderíamos evangelizar se não fôssemos testemunhas, com uma experiência de salvação e um encontro pessoal com Jesus. Imediatamente, em meio à minha suposta eloquentemeditação, um sacerdote levantou a mão e, sem esperar que eu lhe concedesse a palavra, me desafiou: – Já! Todos ficaram mudos; eu, o mais surpreso. – Já, por favor! – gritou, com mais força. Eu não entendia nada. Mantive silêncio e abri minhas mãos, pedindo-lhe explicação do que parecia, ao mesmo tempo, uma queixa e uma súplica. – Já! Já! Não nos fales do Querigma! Já, por favor, dá-nos a Boa Notícia! Fechei meus olhos, assenti com minha cabeça e, em um milésimo de segundo, entendi que o que eles necessitavam não era de uma radiografia do Querigma, mas sim do Evangelho, que tem um perfil e um nome: Jesus, Salvador e Senhor. Deixei meus esquemas de lado, apanhei minha Bíblia e lhes declarei: Eu sou testemunha de que Jesus transforma vidas, porque Ele mudou a minha. Não de pecador para justo, mas de justo para filho, com direito à herança. E mais ainda, muito mais. Minha verdadeira conversão foi de justo, por minhas obras, para justificado, por Sua graça. E se um fariseu como eu experimenta a vida nova, qualquer outro pode vivê-la. Se o fez em mim, é possível realizá-lo em cada um dos senhores. 11 Durante três horas, anunciei Jesus e o Evangelho da graça; anunciei-lhes que fomos salvos gratuitamente. Tivemos oportunidade tanto de confessar Jesus como único e suficiente Salvador, como de proclamá-Lo Senhor de nossas vidas. Culminamos com uma oração pessoal feita individualmente pelos sacerdotes, com a finalidade de pedir uma nova efusão do Espírito, a que Jesus chama de “batismo no Espírito Santo” (cf. At 1,5). Recordei-me daquela frase de São Lucas: “Também um grande grupo de sacerdotes judeus aderiu à fé” (At 6,7c). Regressei ao México, onde o sol resplandecia, anunciando que se aproximava a primavera. Decorridas algumas semanas, recebi uma mensagem eletrônica, a qual transcrevo com a permissão do remetente, padre Mateus: Querido Pepe Prado Flores. Chamo-me padre Mateus, sou um sacerdote da diocese de Pádua, Itália, e nos conhecemos recentemente no retiro para sacerdotes, em fevereiro, realizado em Santo Eustórgio, em Milão. Muito me entusiasmaram tuas catequeses, porém, de maneira especial, tua CONVICÇÃO e a RIQUEZA DA PALAVRA DE DEUS, que continuamente citavas. Lembras-te de que, inclusive, falamos por breve espaço de tempo, porque te dizia que havia me impressionado muito a oração vespertina da quinta-feira, quando explicaste o evangelho do CEGO BARTIMEU... Durante a oração de cura, eu pedia a Jesus que me curasse a vista, dizendo-te, porém, que não havia sentido nada de especial. Não obstante, agora VEJO minha vida com uma nova luz e vi que o Evangelho é minha vida e a vida do mundo. Isto constitui uma motivação que me acompanha: NO EVANGELHO ESTÁ A VIDA, NA VIDA ESTÁ O EVANGELHO. Isto produz em mim ALEGRIA PARA LER, REZAR, MEDITAR A PALAVRA DE DEUS, tanto que ENCONTRO ALEGRIA EM PREPARAR MINHA HOMILIA, UMA ALEGRIA NUNCA ANTES EXPERIMENTADA! Ficaria muito contente se tu pudesses compartilhar comigo teu ponto de vista acerca do que está sucedendo comigo. Eu o peço, para que me ajudes a entender. Agora te digo: OBRIGADO PELA VISÃO EVANGELIZADORA QUE NOS APRESENTASTE EM FEVEREIRO. Rezo por ti, pela Escola Santo André e para que o Espírito Santo anime a Igreja para uma nova PRIMAVERA e uma NOVA EVANGELIZAÇÃO. Obrigado e até breve. Padre Mateus Não respondi ao padre Mateus, porém a resposta é muito simples: “A pregação, a que Paulo chama ‘Querigma’ [loucura] (cf. 1Cor 1,21) ou ‘Evangelho’ (cf. Rm 1,16), é a 12 força salvadora de Deus para todo aquele que crê”. Por meio da Palavra, o Espírito Santo dá testemunho de Jesus na vida de padre Mateus. Quando aquele sacerdote reclamava e suplicava pelo Anúncio, não estava representando apenas padre Mateus, mas todo “Mateus” que está sentado, esperando que Jesus passe diante dele e lhe diga “segue-Me”, para ser capaz de abandonar qualquer coisa e um dia chegar a ser um evangelizador, o qual, por sua vez, dá testemunho: “Todo escriba que se torna discípulo do Reino dos Céus é como um pai de família, que tira do seu tesouro coisas novas e velhas” (Mt 13,52). Existem muitos evangelizadores em potencial que aguardam com ansiedade que lhes “anunciemos a Palavra” (cf. 2Tm 4,2a), para colocar-se em pé, seguir em frente, viver e pregar o Evangelho da salvação, não, porém, como simples repetidores de uma lição aprendida, mas como testemunhas que tiveram um encontro pessoal com Jesus ressuscitado. Na Monumental Sacristia de Santo Eustórgio, tão cheia de relíquias, eu estava repetindo o mesmo erro que estava criticando: transformar o Querigma em uma cátedra de catequese com fundamentos teológicos, em vez de aproveitar a oportunidade para proclamar Jesus. Falava da Palavra, em vez de deixar que a Palavra falasse. Todavia, quando anunciei a Boa Nova, aqueles sacerdotes constataram que não eram sacristia nem relíquias do passado, mas sim templos vivos do Espírito, com nova vida e vida em abundância, para deixarem de ser repórteres e se converterem em testemunhas da ressurreição de Jesus. Por três dias iluminei suas mentes, mas quando em três horas anunciei a Boa Nova, seus corações foram transpassados, e manifestou-se neles a força intrínseca da Palavra. Espero que estas páginas suscitem a mesma sede, e que cada leitor reclame e peça: “Já, já, por favor”. Somente assim este livro tem valor. De outro modo, seria uma prova evidente de que a Catequese, mesmo que seja a Catequese do Querigma, não converte as pessoas. Com esta dúvida e esperança, ouso apresentar nossa experiência da Escola de Evangelização Santo André2, escola eminentemente querigmática que, há mais de 32 anos, está buscando “Pedros” que sirvam, amem e preguem Jesus mais e melhor que nós mesmos, formando novos evangelizadores para a Nova Evangelização em 67 países e, mais ainda, formando formadores de evangelizadores, com mais de duas mil escolas espalhadas pelo mundo. A Nova Evangelização não pode ser outra senão a evangelização primitiva, na qual “com grande poder, os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus” 13 (At 4,33). A Nova Evangelização não é principalmente um conceito para ser discutido, mas sim uma evangelii-action, “ação do Evangelho” ou “Evangelho em ação”, que urge empreender já, porque “o amor de Cristo nos impele” (2Cor 5,14). Outra novidade pedagógica destas páginas é o fato de que, no início de cada capítulo, encontra-se o índice dos pontos que serão abordados, proporcionando ao leitor, desde o início, uma visão panorâmica do tema, bem como a sequência lógica do mesmo. México, 15 de maio de 2012 14 15 PERFIL DA NOVA EVANGELIZAÇÃO ESQUEMA A. Necessitamos de uma Nova Evangelização? B. A Nova Evangelização deve ser nova a. Se fizermos o mesmo que antes, chegaremos ao mesmo ponto de sempre b. O difícil não é a incursão por caminhos novos, mas a renúncia a paradigmas tradicionais c. Arremessar vacas ao despenhadeiro 1. Jesus arremessou vacas ao despenhadeiro - O sábado é para o homem, e não o homem para o sábado - O templo: adoradores em espírito e em verdade - Vender todas as vacas, para comprar o campo do tesouro 2. São Paulo arremessou o estábulo inteiro - Todas as vacas são perda e esterco - A Lei do Sinai não salva nem justifica - A circuncisão já não é vigente 3. A Igreja também arremessou vacas C. A Nova Evangelização deve ser evangelização a. Evangelização Cristocêntrica com um único Evangelho: Jesus Salvador, Senhor e Único Mediador b. Evangelização querigmática: Começa-se com o Primeiro Anúncio c. Evangelização jarismática: A salvação é gratuita d. Evangelização profética: Com o poder da Palavra de Deus e. Evangelização litúrgica: Celebrando a Palavra proclamada f. Dimensão social da Nova Evangelização 16 D. Estratégia: pagar o preço da mudança a. Lançar a rede do outro lado b. Eliminar peixes ruins c. Vinho novo em odres novos 17 18 Introdução A Nova Evangelização há de ser “Nova”, devendo ser, ao mesmo tempo, “Evangelização”. De outro modo, seria apenas um verniz superficial, para justificar o que vínhamosfazendo por tradição. Há de trazer a novidade permanente de Jesus- Evangelho, que “é o mesmo, ontem, hoje e sempre” (Hb 13,8), assim como adaptar-se à mentalidade e cultura de mulheres e homens do século XXI. Por essa razão, acredito que, mais do que “Nova”, deveríamos catalogá-la como evangelização primitiva: “Com grande poder, os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus” (At 4,33). A Nova Evangelização não é um conceito para ser discutido ou refletido, mas uma ação a empreender. Não é um substantivo, e sim um verbo na voz ativa. Todas as discussões e explanações históricas ou teológicas sobre o tema deveriam ser fruto de experiências evangelizadoras ou, pelo menos, aterrissar sobre atos evangelizadores concretos. Dado que não é assim, não poderia ser catalogada como Evangelização, mas sim como reflexão e estudo. Não obstante, isto implica em pagar um preço: desfazer-nos de esquemas e ações que não produziram fruto abundante, assim como adotar odres novos para a Nova Evangelização. 19 20 Desenvolvimento do tema É absolutamente necessário que nos perguntemos se, na verdade, é preciso uma Nova Evangelização. Para tanto, Jesus nos desafia do mesmo modo que o fez com os pescadores do lago de Tiberíades: “Filhinhos, tendes alguma coisa para comer?” (Jo 21,5). A. NECESSITAMOS DE UMA NOVA EVANGELIZAÇÃO? Quem obteve êxito na pesca da evangelização, continue lançando a rede como fez antes. A estratégia que usou é perfeita para conseguir os resultados que alcançou. Não necessita de nada que seja novo. Se suas redes estão tão cheias que por pouco não se rompem, e suas barcas carregam tantos peixes que quase afundam, então você não necessita de uma Nova Evangelização, pois já encontrou a fórmula do êxito no mar da missão. Se sua maneira de evangelizar atrai multidões e o mundo está sedento de ouvir o Evangelho que a Igreja prega, deve continuar com o mesmo método que produz resultados tão maravilhosos. “Em time que está ganhando, não se mexe.” Todavia, se algo está faltando, é o momento de reconhecer que a rede deve ser lançada do outro lado. Se nós não nos questionarmos por que “a missão de Cristo Redentor confiada à Igreja está ainda tão longe de ser cumprida” (João Paulo II, Redemptoris Missio 1), e onde se deteve, paralisada ou diluída, a força do Evangelho hoje na Igreja (cf. Evangelii Nuntiandi, 4), jamais vamos estar conscientes de que precisamos de uma Nova Evangelização. Iremos apenas repetir o que até agora não produziu fruto abundante, transformando o verbo da voz ativa “evangelizar” no substantivo “evangelização” e discutindo seu significado, ao invés de navegar para mares desconhecidos, desafiando o futuro. B. A NOVA EVANGELIZAÇÃO DEVE SER NOVA Não é suficiente o que herdamos do passado, nem o que hoje possuímos. Tampouco se reduz a uma maquilagem superficial. Trata-se de uma novidade que corresponde à 21 natureza da Boa Nova do Evangelho. E se não fosse “nova” neste sentido, então deveria ser chamada de outra maneira. a. Se fizermos o mesmo que antes, chegaremos ao mesmo ponto de sempre É preciso partir de um princípio elementar de administração empresarial: “Se fizermos o mesmo que antes, iremos obter os mesmos resultados de sempre”. Para que haja Nova Evangelização, é preciso estar atento à mudança; e para abrir-se à mudança, deve-se, antes, aceitar necessitá-la e, até certo ponto, experimentar insatisfação e frustração pelos lucros obtidos até o dia de hoje Assim sendo, não é inútil perguntar se estamos dispostos a pagar o preço do que significa empreender o voo por rotas inéditas, novos métodos e novas expressões, como as dos pregadores dos Atos dos Apóstolos. Estamos, nós, abertos para sermos agentes de uma reforma radical e efetiva? Se não ousarmos dar este passo dentro de nós, irão aparecer, e já estão despontando por todas as partes, reformadores à margem da barca de Pedro. b. O difícil não é a incursão por caminhos novos, mas a renúncia a paradigmas tradicionais Os pescadores do mar da Galileia já estavam programados para lançar a rede do lado esquerdo. Esta atitude de inércia já havia se transformado em norma que ninguém era capaz de questionar. Alguns o faziam porque eram profissionais experimentados; outros continuavam a realizar esta operação sem saber, nem perguntar, por que era sempre repetida da mesma forma. Quando o costume se transforma em rito, construímos um paradigma monolítico que é muito difícil romper, uma vez que já aderiu à nossa mente e à nossa pele. “Romper um paradigma é mais difícil do que desintegrar um átomo”, afirmava Albert Einstein. A dificuldade não se apoia ao fato de lançar a rede do outro lado, mas em vencer a nossa inércia, que se transformou em lei, e nossas estruturas mentais, que se transformaram em ordens que ninguém pode explicar, porque continuam sendo executadas sempre da mesma maneira. Esta rotina apaga a chama da criatividade, mantendo-nos em uma monotonia asfixiante. Por isso, o Papa João XXIII abriu profeticamente as janelas da Igreja para deixar entrar o vento criador da Ruaj de Deus, que faz novas todas as coisas. Sim, novas, porque “se alguém está em Cristo, é criatura nova. O que era antigo passou, agora tudo é novo” (2Cor 5,17). Sem este sopro renovador, não pode haver Nova Evangelização. c. Arremessar vacas ao despenhadeiro 22 Jesus compara o Reino de Deus, ou seja, o plano de Deus, a uma rede ao redor da qual, após recolher todo tipo de peixes, os pescadores sentam-se à beira do mar para escolher os bons e colocá-los em cestos e eliminar os de má qualidade (cf. Mt 13,47-48). Ambas as categorias são peixes, porém há os bons e os que não prestam. Também no mar da evangelização há peixes que devemos capitalizar, mas também outros que é preciso eliminar. Um empresário muito rico saiu a passear com seu filho e se perderam no bosque. Depois de muito andar, encontraram um rio, o qual foram seguindo, com a certeza de que logo descobririam algum povoado. Cansados e famintos, quando o crepúsculo havia já apagado suas variadas cores, chegaram a uma cabana de madeira, onde foram acolhidos; e à tênue luz de uma lâmpada de azeite, serviram-lhes requeijão, que comeram avidamente. No dia seguinte, ofereceram-lhes um copo de leite recém-ordenhado e um prato com nata fresca. O hóspede perguntou aos amáveis anfitriões: – Por que não semeiam frutas, grãos e legumes nestes campos tão generosos? – Para quê? – respondeu o pai. – Temos uma vaca que nos dá o necessário para viver cada dia. – Com seu leite, fazemos queijo e doce – acrescentou a senhora. – Não queremos mais do que isso. – Mas, pensando assim, viverão sempre afundados na pobreza – replicou com energia o visitante. – Com a vaca, temos o suficiente! – comentou o filho, recostado em uma rede. – Vocês vivem em um lugar privilegiado, têm água, terra fértil e estão perdendo uma grande oportunidade – acrescentou o empresário, um tanto incomodado. Eles simplesmente levantaram os ombros, com indolência, apontando para a vaca. Ao sair da casa, a vaca estava ruminando junto à planície. O pai surpreendeu o filho ao ordenar-lhe com autoridade: – Arremessa a vaca para o despenhadeiro. O filho negou-se: – Não, papai, eles nos ofereceram não somente o melhor, mas a única coisa que possuem. Esta vaca é sua fonte de sustento. Não podemos retribuir a eles desta forma tão vil. 23 – O quê? Arremessa a vaca! Eu sei o que digo! Este bovino é o culpado pelo fato de que eles não progridem. O filho não foi capaz de desobedecer à ordem paterna e, com dor em seu coração, arremessou a vaca ao precipício. Passaram-se os anos. O pai morreu e o filho sofria remorsos por ter pagado assim aquela generosa família que havia compartilhado com eles a única coisa que possuía. E assim, numa tarde de verão, decidiu levar-lhes um presente, para compensar seu malefício. Procurava e procurava, de um a outro lado, por um amplo caminho. Passou por alguns semeadouros e não conseguia dar de encontro com aquela cabana. Viu um estábulo mecanizado, um trator e uma tulha repleta de cereais. Oscampos estavam recobertos de trigo e de árvores frutíferas. A estrada estava iluminada e havia maquinaria moderna. Supôs que aquela pobre família houvesse emigrado da região e bateu à porta de uma bela mansão para perguntar. Ao abrir, foi conduzido a um amplo salão com finos móveis, tapetes importados e um lustre de cristal. Veio a senhora da casa e, levantando as mãos, identificou-o: – Há anos, o senhor veio aqui com seu pai? – Sim, sim, vim. Mas, o que aconteceu? – perguntou com curiosidade, ao notar a mudança tão significante. – Acontece que, um dia, caiu no despenhadeiro a única vaquinha que tínhamos e, ao ficar sem nada, tivemos que começar a buscar outras alternativas de vida. Graças à perda da vaca, surgiram muitas possibilidades que estavam escondidas dentro de nós mesmos. Hoje, temos 153 vacas, centenas de ovelhas e bois, semeadouros e uma debulhadeira. É lógico que o vinho novo seja colocado em odres novos. Todavia, o que custa muito esforço é a renúncia aos odres velhos; em nosso caso, os hábitos imobilizados, atos de piedade e artigos religiosos que não condizem com o Evangelho. Enquanto não arremessarmos a vaquinha ao despenhadeiro, iremos continuar com biscoito, queijo e doce de leite. O mal da vaca está em acomodar-se a ela, sem vislumbrar novas perspectivas. O triste é contentar-se com manteiga e nata, perdendo a ilusão e a criatividade para romper barreiras e arriscar-se por novos caminhos. 24 Se fizermos o mesmo que antes, e de igual maneira, chegaremos exatamente ao mesmo nível que já alcançamos. Se quisermos abrir novos horizontes, é preciso perder algo para ganhar mais. Sim, é preciso empurrar algumas vacas para o desfiladeiro. Isso parece escandaloso, e creio que o seja. Todavia, o primeiro a arremessar vacas para o desfiladeiro foi o próprio Jesus: 1. Jesus arremessou vacas ao despenhadeiro Jesus aplicou e viveu a lei do grão de trigo, que deve morrer para dar fruto. - O sábado é para o homem e não o homem para o sábado Com relação ao sábado, mandamento supremo que sintetizava toda a Lei, o Mestre foi profético: curava e trabalhava no dia de rigoroso descanso. Ousou proclamar que o sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado (cf. Mc 2,27). Ou seja, estava produzindo uma erosão no eixo religioso do povo judeu. - O templo: adoradores em espírito e em verdade Jesus despenhou o sacrossanto templo de Jerusalém quando declarou que havia chegado a hora em que nem no Monte Garizim, nem no Monte Sião de Jerusalém se adoraria a Deus, mas em espírito e em verdade (cf. Jo 4,23). Predisse igualmente a destruição do santuário. Não era fácil desprender-se deste núcleo que constituía, há mais de mil anos, o centro de gravitação do sistema da fé de Israel. Entretanto, o Mestre afirmou que o templo estava vivendo seus últimos dias, pois, de outra forma, não ficaria demonstrado que Ele era o novo e único templo de comunhão de Deus com os homens. Quando Jesus se referiu ao templo, não afirmou que necessitava ser renovado ou melhorar sua distribuição arquitetônica. Não. Declarou sem concessões que deveria ser destruído. Não ficaria pedra sobre pedra. Era necessário desfazer-se desse odre velho para dar lugar à novidade radical do Novo Testamento. - Vender todas as vacas, para comprar o campo do tesouro Em uma de Suas parábolas centrais, o Mestre da Galileia apresentou um homem que vendeu tudo que possuía para comprar o terreno onde se encontrava escondido um maravilhoso tesouro. Renunciou “às vacas” de seu capital material, social e religioso, para adquirir o campo onde estava aquela surpresa que superava qualquer expectativa (cf. Mt 13,44). Se não nos despojarmos de certas vacas, jamais iremos nos apropriar do campo que contém o tesouro. 2. São Paulo arremessou o estábulo inteiro O antigo fariseu de Tarso foi determinante. 25 - Todas as vacas são perda e estrume Quando afirma que tudo quanto supunha como verdadeiro, agora o considera “perda”, está arremessando “esta vaca” ao despenhadeiro, para que surja o Israel de Deus. Paulo, inclusive, é radical quando qualifica tudo como skybalon: esterco, em comparação com o conhecimento de Nosso Senhor Jesus Cristo (cf. Fl 3,7-8). Aqui não saberíamos se, por ter tido um encontro pessoal com Jesus ressuscitado, torna-se opaco o brilho de suas “vacas”, ou até mesmo se, por ter renunciado a suas vantagens e tradições, converteu-se no apóstolo dos gentios. Não obstante, o resultado é o mesmo: cedo ou tarde, urge desprender-se de “velhas vacas”. - A Lei do Sinai não salva nem justifica Quando afirma: “Para mim, de fato, o viver é Cristo”, que “me amou e se entregou por mim” (Fl 1,21; Gl 2,20), relativiza todos os dogmas do judaísmo, até a sacrossanta Lei do Sinai. Desvaloriza por completo o meio de salvação do sistema religioso promulgado pelo próprio Moisés no cume do Monte Sinai. O Monte Calvário se sobrepõe ao Monte Horeb. Quando declara: “[...] De tudo em que vós não pudestes ser justificados pela Lei de Moisés” e “[...] que a Lei não justifica ninguém diante de Deus é de todo evidente” (At 13,38; Gl 3,11), está abatendo uma “das vacas” mais sagradas da religião judaica: o valor das obras da Lei, que contrapôs ao dom gratuito da salvação em Cristo Jesus. - A circuncisão já não está em vigor, mas sim a fé, que atua pela caridade Desfez-se também da circuncisão, que era como o sacramento de iniciação para integrar-se ao povo de Abraão. Declarou sem concessões que já havia perdido todo o seu valor, e que agora contava somente “a fé agindo pelo amor” (Gl 5,6). Esta prática existia antes da Lei do Sinai e era tão fundamental que a cirurgia podia ser efetuada até no próprio sábado. Não obstante, Paulo a arremessa ao precipício quando afirma: “Cristo não será de nenhum proveito para vós, se vos deixardes circuncidar” (Gl 5,2). 3. A Igreja também arremessou vacas A Igreja teve, recentemente, a bravura de também arremessar “vacas” ao precipício: o limbo, que por vários séculos justificava o batismo no período da infância, era uma crença sem fundamento na revelação. Em outras ocasiões, a Igreja admitiu que não havia base histórica que justificasse certas devoções ou santos que nunca existiram. O Magistério descartou também supostas 26 aparições que eram muito favorecidas pela piedade popular e até fonte de entradas financeiras para seus protagonistas. O Papa Paulo VI, na Marialis Cultus de 1974, reprovou, com toda a intrepidez, práticas devocionais marianas que não condizem com o Evangelho. A Nova Evangelização nos desafia: qual a outra “vaca” que deveria também ser arremessada ao precipício? Ou nos arriscamos a morrer para nascer de novo, ou continuamos não só comendo, mas oferecendo ao mundo unicamente leite e queijo? A novidade do Evangelho se concretiza na medida em que forem arremessadas vacas sagradas que foram tomadas como absolutas, suplantando o lugar de Deus ou a única mediação de Cristo Jesus. A Evangelização autêntica é profética, rompe paradigmas engessados e leva a efeito a incursão por caminhos virgens, com a bravura e ousadia dos profetas que se opunham a toda idolatria. A evangelização denuncia qualquer atitude que se oponha à única mediação de Jesus, quando apresenta o Anúncio explícito da salvação gratuita em Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, que é Salvador e Senhor; o que São Paulo denominava “a Boa-Nova da graça” (At 20,24). C. A NOVA EVANGELIZAÇÃO DEVE SER EVANGELIZAÇÃO Que a Nova Evangelização deva ser Evangelização parece óbvio. Mas, para nós, a evangelização não é um substantivo, e sim um verbo na voz ativa. A evangelização é “Evangelho-ação”, uma ação do Evangelho; ou melhor, o Evangelho em ação. Não é um tema para ser discutido em congressos apenas, mas uma missão que temos de empreender com a ousadia dos pescadores que a cada dia planejam uma nova rota nos mares. Quando se percebeu, na Igreja de Antioquia, que seria preciso dilatar as margens da missão, o Senhor revelou Seu plano por meio de um profeta, que disse: “Separai para mim Barnabé e Saulo, a fim de realizarem aobra para a qual eu os chamei” (At 13,2). Sem mais preparação, impõem as mãos sobre eles e os despedem no primeiro navio. Isto não sucedeu em uma reunião de pastoral nem em congresso ou conferência magistral sobre a missão ad gentes, mas em uma assembleia litúrgica, em que se acreditava na voz dos profetas mais do que na inércia do que já estava preestabelecido. É significativo o fato que a palavra evangelização não tenha tido passaporte para transitar no vocabulário e na pastoral da Igreja por muitos séculos. Por essa razão, nos dias de hoje, urge recuperar o terreno perdido mediante uma autêntica evangelização integral que instaure um novo céu e uma nova terra (cf. Ap 21,1). 27 A evangelização há de ser Evangelho, Boa Notícia, sem emendas, sem maquiagens: “Esta mensagem é necessária; ela é única e não poderia ser substituída. Assim, ela não admite indiferença nem sincretismo, nem acomodação” (Evangelii Nuntiandi, 5). Até depois, e sempre depois, quando vem a Catequese. Para que a Nova Evangelização seja eficaz e constitua uma verdadeira Reforma, deve incluir: a. Evangelização Cristocêntrica com um único Evangelho: Jesus Salvador, Senhor e Único Mediador Em nenhum outro há salvação, pois não existe debaixo do céu outro nome dado à humanidade pelo qual devamos ser salvos (At 4,12). Isto inclui a audácia de declarar anátema a qualquer outro Evangelho ou meio de salvação que não seja o Senhor Jesus, único e suficiente Salvador e Senhor. b. Evangelização querigmática: Começa-se com o Primeiro Anúncio Paulo pregava e ensinava “publicamente e de casa em casa” (At 20,20b). O caminho da fé tem início com a Proclamação do Primeiro Anúncio, o Querigma. “Esta mensagem é necessária; ela é única e não poderia ser substituída” (Evangelii Nuntiandi, 5). Somente depois, e sempre depois, vem a Catequese. A pedagogia da fé segue um processo que não deve ser invertido, sob pena de trair sua essência: primeiro é o primeiro. Primeiro se proclama o Primeiro Anúncio, que precisamente por isso é denominado primeiro; e depois, somente depois e sempre depois, ensina-se a Catequese e a doutrina (Catechesi Tradendae, 18). De outra forma, seria como dar alimento aos mortos, e talvez a isto se referisse o Mestre, quando nos advertia: “nem jogueis vossas pérolas diante dos porcos” (Mt 7,6). Sem Querigma, constrói-se sobre areia; e diante do menor vento de novas doutrinas, cai-se no relativismo ou idolatria. c. Evangelização jarismática: A salvação é gratuita “Carismática” provém de jaris: a graça de Deus; ou seja, a gratuidade da salvação, a que São Paulo denomina: “a Boa-Nova da graça de Deus” (At 20,24). Deus nos salvou gratuitamente, o que constitui o coração e a alma de Sua pregação. 28 A Boa Notícia não nos ordena o que nós devemos fazer por Deus, moral cristã, mas nos apresenta, isto sim, o que Deus fez por nós. Ele nos amou e enviou Seu Filho quando éramos ainda pecadores (cf. Rm 5,8), “não para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele” (Jo 3,17). A salvação é gratuita. d. Evangelização profética: Com o poder da Palavra de Deus O Anúncio do Evangelho baseia-se na Palavra revelada. São Paulo assegura que, “pela loucura da pregação, Deus quis salvar os que creem” (1Cor 1,21); a Proclamação do Evangelho puro, ou seja, a salvação, não provém de transmissão por meio de Catequese, nem de objetos ou práticas religiosas, nem por meio das obras da Lei. Há um princípio essencial no campo da evangelização que foi tomado muito apressadamente: “Proclama a Palavra” (2Tm 4,2). Timóteo, deixa-te de palavreado e discussões, prega a Palavra! Deixa de lado genealogias e vãs elucubrações, prega a Palavra! Não faças longas dissertações, prega a Palavra! Chega de citações de filósofos, poetas e até mesmo teólogos, prega a Palavra! O que nos salva não são nossos manuais de teologia, nem os quilos do peso de volumosos catecismos, uma vez que somente “[o Evangelho] é a força salvadora de Deus para todo aquele que crê” (Rm 1,16) e “não existe debaixo do céu outro nome dado à humanidade pelo qual devamos ser salvos” (At 4,12). e. Evangelização litúrgica: Celebrando a Palavra proclamada Jesus já realizou Sua obra salvífica há dois mil anos, porém, na liturgia, atualizam-se Seus frutos. A liturgia, memorial da morte e ressurreição de Jesus, é como o posto de gasolina no qual nos reabastecemos para tornar presentes e efetivos os méritos de Sua obra salvífica. f. Dimensão social da Nova Evangelização: Instaurar o Reino de Deus A partir do princípio segundo o qual “toda árvore boa produz frutos bons” (Mt 7,17), se realmente semeamos o Evangelho, este se projeta em todos os setores da vida humana: na economia e na política, na ciência e nas belas artes. Enfim, estabelece-se a 29 civilização do amor (Paulo VI), para que vivamos neste mundo o Reino de Deus, que é justiça e paz e alegria no Espírito Santo (cf. Rm 14,17). Quando tornamos Jesus presente por meio de Sua Palavra, especialmente na liturgia, estamos plantando a semente da verdade e da justiça, da solidariedade e da esperança; e vislumbram-se no horizonte um novo Céu e uma nova terra (cf. Ap 21,1). D. ESTRATÉGIA: PAGAR O PREÇO DA MUDANÇA Muitas vezes admitimos que a mudança é necessária, mas nem sempre encontramos o roteiro ou forma de fazê-lo. Falta-nos “o como”. Jesus nos apresenta três critérios fundamentais para o trajeto por este caminho pragmático: a. Mudar a tática: lançar a rede do outro lado A Nova Evangelização não consiste em mudar o Evangelho, mas sim a estratégia e a tática para anunciar Jesus como Salvador e Senhor. Um dos ensinamentos mais maravilhosos de Jesus foi o que Ele proporcionou naquela madrugada, no mar da Galileia. Seus discípulos haviam passado toda a noite lançando a rede repetidas vezes. Da margem, o Mestre os questiona sobre o resultado de seu esforço. Diante da resposta lacônica e negativa que traduzia sua frustração, ordena-lhes o modo mais elementar e, no entanto, nem por isso o mais fácil: “Lançai a rede à direita do barco e achareis” (Jo 21,6a). Se arremessando a rede do lado esquerdo não se conseguiu nada, é preciso lançá- la de outra forma. Assim, de modo tão simples e tão lógico. Se uma forma de proceder não frutifica, devemos mudar a estratégia que já se tornou rotina. b. Eliminar peixes ruins Da mesma maneira que os pescadores se sentam para selecionar alguns peixes e excluir outros (cf. Mt 13,47-48), também nós haveremos de optar pelo melhor, o que implica em renunciar a alguns peixes capturados pela tradição. Na rede da evangelização, há peixes ruins os quais é preciso eliminar. c. Vinho novo em odres novos O Mestre nos revelou também o segredo para que o vinho novo não se perca: são necessários odres novos. Novos contentores, esquemas e paradigmas, a começar por uma nova mentalidade, uma mentalidade querigmática. 30 Se uma equipe de futebol não der bons resultados no campo de jogo, é preciso rever primeiro o trabalho do treinador, corrigir as táticas de jogo e até substituir alguns jogadores. No campo da evangelização, acontece o mesmo: requer-se a mudança de atitude e de mentalidade dos evangelizadores; e até mesmo, caso seja necessário, a exoneração de alguns deles. 31 32 Conclusão Para que produza fruto abundante, a Nova Evangelização há de ser “Nova” e deve ser “Evangelização”. Nova: que suas formas e métodos sejam originais, criativos e pedagógicos; penetrando por novos caminhos, porém renunciando a tudo quanto não seja evangélico. Evangelização: “Evangelho-ação”, que apresente a Boa Notícia, ou melhor, Jesus- Evangelho, sem acréscimos nem reduções. É a Proclamação da Boa Nova, que não é algo, e sim Alguém, Jesus de Nazaré, que “é o mesmo, ontem, hoje e sempre” (Hb 13,8). Esta Nova Evangelização está destinada a ser uma reforma mais profunda, muito embora, com certeza, irá encontrar uma grande resistência na Contrarreforma. A Nova Evangelização não consiste nas reflexões feitas sobre ela, nem nos livros e congressos com este tema, mas em averiguar se estamos conseguindo153 peixes grandes em nossas redes. O essencial não são as discuções históricas e teológicas, nem mesmo bíblicas, sobre a matéria, mas sim o fato de estarmos produzindo um fruto abundante e um fruto que permaneça (cf. Jo 15,16b). Na Igreja Católica, quase sempre temos formado primeiro a mente, antes do agente. Na Escola de Evangelização Santo André, não refletimos primeiro, para depois evangelizar. Começamos evangelizando, e nossas conclusões brotam de uma experiência. A Nova Evangelização não é um conceito que é preciso definir, mas uma ação que é preciso empreender, porque “o amor de Cristo nos impele” (2Cor 5,14). Para concluir, quero comentar um princípio pastoral da Escola de Evangelização Santo André: “A evangelizar, aprende-se evangelizando”. Aplico o mesmo à “Nova Evangelização”: a Nova Evangelização não se conhece em um escritório ou em congressos com sábias dissertações. É um caminho, é um processo, e somente percorrendo-o, chegaremos à meta. 33 34 NOVOS EVANGELIZADORES PARA A NOVA EVANGELIZAÇÃO ESQUEMA A. Descer ao rio Jordão: Experimentar o amor de Deus B. Ir a Damasco: Encontro pessoal com Jesus ressuscitado para curar-se da religiosidade arcaica C. Subir ao Aposento Alto: Receber do Espírito a Dynamis e Parresia a. Presença e ausência do Espírito são percebidas. b. Vento impetuoso ou ar-condicionado? D. Caminhar rumo a Emaús e correr pelas montanhas de Judá a. Caminhar rumo a Emaús, para que o coração arda com o fogo da Palavra. b. Correr pelas montanhas de Judá com alegria 35 36 Introdução Já delineamos o perfil da Nova Evangelização; vamos agora considerar seu princípio fundamental: não pode haver Nova Evangelização sem que haja novos evangelizadores. Assim sendo, delinearemos as quatro características essenciais do novo evangelizador, as quais vêm em primeiro lugar, antes de tudo. Um professor de filosofia entrou na sala de aula com um grande frasco transparente vazio. Sem proferir palavra, começou a colocar as bolas de tênis no frasco. Couberam apenas quatro. Em seguida, para induzir à resposta equivocada, com outra bola na mão, perguntou a seus alunos se havia espaço. Eles afirmaram que já não cabia uma sequer. O catedrático apanhou, então, uma caixa contendo pequenas bolinhas de gude e a esvaziou dentro do frasco. As bolinhas escorregaram por entre as bolas de tênis. O mestre tornou a perguntar-lhes se havia ficado lugar. Eles responderam que não, porque o frasco já estava repleto. O professor repetiu a frase de seus alunos, mas em tom de interrogação: o frasco já está repleto? Em seguida, pegou um saquinho com areia e esvaziou-o dentro do frasco. A areia, por certo, invadiu os espaços vazios. O professor, sorrindo com ironia, perguntou se havia espaço no frasco. Os alunos responderam que não, porque agora estava completamente cheio. Passados alguns momentos de silêncio para refletir, o professor moveu negativamente a cabeça e ajuntou sua xícara de café quente. Os estudantes riam do engenho do professor universitário, enquanto o aroma do café inundava a sala. O filósofo, então, esclareceu: as bolas de tênis simbolizam o essencial da vida, as bolinhas de gude representam o acidental, que vem depois; a areia, o superficial, ao passo que o café significa o supérfluo; supérfluo que, quando dele se abusa, causa dano. No final, simplesmente comentou: se não colocares o essencial primeiro, depois já não haverá lugar para ele. Primeiro é o primeiro. Em nosso caso, se o frasco transparente representa o novo evangelizador, as quatro bolas de tênis identificam-se com as quatro características essenciais que definem seu perfil interno e externo. Vem depois o que não qualificamos como acidental, mas 37 simplesmente secundário, porque vem depois: a Catequese, a teologia e toda a sistematização intelectual. As pequenas bolas de gude simbolizam os esquemas, congressos e todo tipo de reflexão e aprofundamento teórico-doutrinal. A areia significa as técnicas de comunicação e o material didático. O superficial poderia ser identificado com certos tipos de devoções ou práticas religiosas que, embora tenham aparência de sabedoria e piedade, são perecíveis (cf. Cl 2,23). O café poderia fazer alusão a objetos religiosos que não são evangélicos, e que causam dano à fé autêntica. As quatro bolas de tênis que devem ser colocadas primeiro no frasco do evangelizador são as condições que o constituem como tal: Descer ao rio Jordão, para experimentar o amor incondicional de Deus. Ir até Damasco, para ter um encontro pessoal com Jesus vivo e ser curado da religiosidade que não é evangélica. Subir ao Aposento Alto, para ter um novo Pentecostes, com Dynamis e Parresia. Caminhar e correr: > Caminhar rumo a Emaús, para que o coração arda com o fogo da Palavra. > Correr pelas montanhas de Judá com alegria, para alegrar os demais. As quatro características essenciais do novo evangelizador são por nós identificadas com as quatro bolas de tênis que devem entrar primeiro. Se a salvação depende da Pregação ou Querigma, já que “pela loucura da pregação, Deus quis salvar os que creem” (1Cor 1,21), a evangelização depende dos evangelizadores; consequentemente, e pela lógica, a Nova Evangelização depende também de novos evangelizadores. Para que ocorra uma Nova Evangelização, são necessários novos evangelizadores, cuja vida tenha sido renovada e tenham mentalidade querigmática. 38 39 Desenvolvimento do tema Para ser evangelizador, é preciso antes ter sido evangelizado. E se alguém quiser ser evangelizador com grande poder, terá que ter sido evangelizado também com grande poder. De uma forma muito sintética, apresentamos os verbos do itinerário que o novo evangelizador haverá de vivenciar: descer, ir, subir, caminhar e correr. A. DESCER AO RIO JORDÃO: EXPERIMENTAR O AMOR DE DEUS Antes de começar Seu ministério, Jesus desce ao rio Jordão para ouvir a declaração pública do amor de Deus, que O capacita para a missão de instaurar o Reino de Deus neste mundo: Tu és o meu Filho amado; em ti está o meu agrado (Mc 1,11). Não podemos começar nossa missão se antes não estivermos batizados no amor pessoal e incondicional de Deus. Quando Jesus decide subir a Jerusalém para enfrentar Seus invejosos inimigos, que querem aniquilá-Lo, dirige-se antes ao Tabor, a fim de obter a energia que Lhe falta para enfrentar a batalha final. No cimo desta alta montanha, volta a ouvir a voz de Seu Pai que Lhe declara, diante de Moisés e Elias, Seu amor pessoal (cf. Mt 17,1-5). O Calvário só pode ser enfrentado depois de ter subido ao Tabor. B. IR A DAMASCO: ENCONTRO PESSOAL COM JESUS RESSUSCITADO A segunda bola da essência de um novo evangelizador está radicada no fato de ter tido um encontro pessoal com Jesus ressuscitado. Se assim não for, seu ensinamento irá se assemelhar mais a propaganda e charlatanismo do que a um testemunho de uma experiência pessoal. Não basta ser mestre em Israel, como Nicodemos. É necessário nascer de novo. Sem esta condição, transformaríamos o Evangelho em uma doutrina teórica, ou esquema teológico, sem vida. 40 Não é suficiente ser irrepreensível quanto à lei; faz-se necessário ter uma experiência de salvação com Jesus ressuscitado. Será por isso que o testemunho de Paulo é relatado três vezes nos Atos dos Apóstolos e o próprio apóstolo faz contínuas referências a ele como fundamento de seu ministério? Damasco curou Saulo de seu farisaísmo e sistema religioso que já estava vencido. Diante do sublime conhecimento e revelação de Cristo Jesus, o que é velho passa a ser perda e prejuízo (cf. Fl 3,7-8). Muitas pessoas, centradas em seus antigos esquemas, necessitam de cura da religiosidade (não da religião), especialmente quando estas práticas estão competindo ou substituindo a única mediação de Cristo Jesus. Algumas pessoas suprem a ausência de uma relação pessoal com Jesus com práticas religiosas. Assim como Paulo precisou que lhe caíssem as escamas de seu farisaísmo e de todo o sistema religioso em que depositava sua confiança, também nós necessitamos de uma cura para vere conhecer o plano de salvação no qual Jesus é o único Salvador e Senhor. Sem Damasco, não há evangelização verdadeira. Nasci em uma família muito cristã, com tradições religiosas muito fortes. Aos doze anos, entrei em um seminário, supondo que minha vocação fosse o ministério sacerdotal. Procurei viver profundamente minha fé, com fidelidade às regras e constituições da Congregação. Estudei a Bíblia e, aos 22 anos, dava cursos de Sagrada Escritura e linguagem bíblica. Entretanto, só conhecia o Senhor pelo que ouvia e lia. Isso persistiu até o dia 3 de dezembro de 1971, quando Deus teve piedade de mim e me revelou Seu Filho como único e suficiente Salvador. Esse meio-dia foi meu encontro pessoal com Jesus ressuscitado, que tatuou minha vida e definiu meu ministério da Palavra na Igreja, não como sacerdote, mas como leigo que teve uma obsessão por Jesus de Nazaré e está apaixonado por Sua Palavra. Quem viveu seu encontro com Jesus não pode deixar de falar do que viu e ouviu, já que a boca fala da abundância do coração, e seu lema é: “Ai de mim, se eu não anunciar o Evangelho” (1Cor 9,16). O que garante a pregação da Madalena aos apóstolos (cf. Jo 20,18), assim como o que prova que Paulo é um verdadeiro apóstolo e não um impostor (cf. 1Cor 9,1-2), é que ambos usam a forma verbal heóraka, que significa que viram o Senhor Jesus, porém sua experiência deixa uma marca que perdura3. 41 Por isso, Jesus não apareceu a qualquer pessoa, “mas às testemunhas designadas de antemão por Deus” (At 10,40-41). C. SUBIR AO APOSENTO ALTO: RECEBER DO ESPÍRITO A DYNAMIS E A PARRESIA A terceira bola de tênis, que deve entrar antes que qualquer outra coisa, representa a experiência pentecostal dos que levam a mensagem do Evangelho da Graça. Jesus deu indicações claras a Seus discípulos no sentido de não se afastarem de Jerusalém até que fossem revestidos do poder do Alto (cf. Lc 24,49). Eles subiram a uma sala do segundo andar e, no dia de Pentecostes, um vento impetuoso, qual furacão incontrolável, invadiu os 120 reunidos em oração junto com Maria, a Mãe de Jesus, para capacitá-los como testemunhas da morte e ressurreição de Cristo. A missão que Deus nos confiou ultrapassa nossas forças, mas não supera a Dynamis do Espírito. Por isso, faz-se necessário, antes de mais nada, subir ao aposento alto com o intuito de receber Sua força, para empreender o voo pelos amplos horizontes da Nova Evangelização, com a Dynamis e a Parresia divina. Não pode haver novos evangelizadores sem que haja, antes, um novo Pentecostes. Se a primeira evangelização, na praça de Jerusalém, foi fruto da chegada impetuosa do Espírito Santo, a Nova Evangelização não pode ser senão consequência de um novo Pentecostes, já que a Ruaj divina é a protagonista da missão evangelizadora (Redemptoris Missio, 21). Sem a presença do Espírito Santo, nossos esquemas e reflexões teológicas não dão frutos de conversão, uma vez que, “se o Senhor não construir a casa, é inútil o cansaço dos pedreiros. Se não é o Senhor que guarda a cidade, em vão vigia a sentinela” (Sl 127,1). O Papa Paulo VI afirma-o categoricamente na Evangelii Nuntiandi, 75: Nunca será possível haver evangelização sem a ação do Espírito Santo. [...] As técnicas da evangelização são boas, obviamente; mas, ainda as mais aperfeiçoadas, não poderiam substituir a ação discreta do Espírito Santo. A presença do Paráclito inclui o Espírito de revelação que Paulo pedia para os efésios (cf. Ef 1,17); porque reconhecer Jesus como Salvador e Senhor não é obra de um raciocínio ou dedução mental, mas revelação do Espírito de Deus vivo, que nos leva à verdade completa (cf. Jo 16,13). O Espírito nos dá testemunho de que somos filhos com direito à herança. Por isso, o evangelizador deve ter tido seu Pentecostes pessoal. a. Presença e ausência do Espírito Santo são percebidas 42 Quando a Igreja primitiva teve necessidade de iniciar o diaconato, os apóstolos solicitaram sete varões cheios de fé e de Espírito Santo. A comunidade apresentou sete candidatos (cf. At 6,5), porque era evidente que eles estavam cheios do Espírito de Deus, pois derramavam seus frutos e carismas por todas as partes. Quando Paulo chega a Éfeso, encontra-se com doze discípulos, mas percebe imediatamente que lhes falta algo essencial: o Espírito Santo. Notava-se que não o possuíam. “Vós recebestes o Espírito Santo quando abraçastes a fé?” Eles responderam: “Nem sequer ouvimos dizer que existe Espírito Santo!” Então Paulo perguntou: “Que batismo então recebestes?” Eles responderam: “O batismo de João.” Paulo disse-lhes: “João administrava um batismo de conversão, dizendo ao povo que acreditasse naquele que viria depois dele, isto é, em Jesus”. Tendo ouvido isso, eles foram batizados no nome do Senhor Jesus. Paulo impôs-lhes as mãos, e o Espírito Santo desceu sobre eles. Começaram então a falar em línguas e a profetizar. Ao todo, eram uns doze homens (At 19,2-7). A grande diferença entre o batismo de João e o batismo do Messias está em que o primeiro carece de Espírito Santo, ao passo que o segundo é a fonte da nova vida, e vida em abundância. Receio que muitos que se classificam como católicos nas pesquisas e recenseamentos receberam somente o batismo de João. Se São Paulo aparecesse hoje “nos Éfesos” de nossas comunidades, centros de catequese e até universidades católicas, iria nos perguntar se nos falta Espírito Santo? b. Vento impetuoso ou ar-condicionado? Em não poucos espaços, o vento impetuoso de Pentecostes transformou-se em ar- condicionado, o que acaba por domesticar a força do Espírito de Deus vivo. É comum a figura do vento, a Ruaj ou o Pneuma para fazer referência ao Espírito Santo. No Pentecostes, trata-se de pnoés biaias: vento impetuoso, que encheu até mesmo os recantos mais obscuros da vida dos apóstolos, convertendo-os em testemunhas com poder de Cristo ressuscitado. Não obstante, outros reduzem esta Ruaj imponente a um simples ar-condicionado, que se ajusta de acordo com a conveniência ou comodidade. O vento impetuoso, tal como sucedeu a Paulo, nos surpreende e rompe esquemas de seguranças humanas, para indagar: Senhor, que queres que eu faça? O ar-condicionado, ao contrário, é favorável a que façamos nossos planos pastorais, que elaboremos os esquemas e depois peçamos que o Senhor nos ajude. O ar-condicionado está ajustado em uma temperatura constante para agradar os homens. O vento impetuoso nos dá a coragem para sermos fiéis a Deus, sem dar importância ao preço a ser pago. 43 Nós possuímos o ar-condicionado. O vento impetuoso se apodera de nós. O ar-condicionado exclui carismas que incomodam ou comprometem. O vento impetuoso nos surpreende com variedade de carismas e ministérios. O ar-condicionado é como essas fontes em que circula sempre a mesma água. Em contrapartida, o furacão sopra como quer, e não sabemos de onde vem nem para onde vai. O vento impetuoso é motivo de liberdade. É livre e nos torna livres. O ar-condicionado é uma pomba engaiolada, sem liberdade para voar pelo espaço infinito. Há pessoas que tentam manipular o Espírito com o controle de Seus esquemas; todavia, jamais poderão regular a força impetuosa de um furacão, porque o vento é sempre imprevisível; sempre cheio de surpresas, criativo e novo. O ar-condicionado é de tal modo cômodo que nos faz cair na letargia de análises calculadoras. O furacão nos transforma em testemunhas com poder da ressurreição do Senhor Jesus. D. CAMINHAR E CORRER a. Caminhar rumo a Emaús, para que o coração arda com o fogo da Palavra Os discípulos de Emaús percorrem o caminho com Jesus, que explica as Escrituras, as quais, por sua vez, explicam Jesus. Cléofas e seu companheiro de viagem, rumo à pequena aldeia de Emaús, eram testemunhas da morte de Jesus, porém simples repórteres de Sua ressurreição, pois se limitavam a repetir o que as mulheres diziam ter ouvido dos anjos. Até que seus corações arderam com a Palavra de Jesus e eles O reconheceram na Fração do Pão; e então, embora a noite se aproximasse, voltaram pelo mesmo caminho para testemunharque, verdadeiramente, o Senhor Jesus havia ressuscitado. Já não são simples repórteres que repetiam o que as mulheres diziam. Não. Agora são testemunhas, pois seus corações estavam inflamados com o fogo da Palavra. Se nosso coração não arder com a Palavra, não conseguiremos abrasar o mundo com o Evangelho da graça. b. Correr pelas montanhas de Judá com alegria Naqueles dias, Maria partiu apressadamente para a região montanhosa, dirigindo-se a uma cidade de Judá (Lc 1,39). Tão logo engravidou pelo poder do Espírito Santo e com a Palavra encarnada em seu coração, a primeira coisa que Maria faz é spoudés: “apressar-se” para levar Jesus, tanto a 44 Isabel como a João Batista. Um evangelizado que abriu as portas do coração corre para dar testemunho do que lhe aconteceu, e o faz com pressa, porque o amor de Cristo o impele (cf. 2Cor 5,14). Maria estava tão repleta de júbilo do Espírito que, ao saudar sua prima Isabel, João Batista saltou de alegria no ventre de sua mãe. A carteira de identidade de um evangelizador não consiste em carregar a cruz da dor e do sofrimento. O cristianismo não é a religião da cruz, mas sim a religião do poder da cruz, que se manifesta na alegria contagiante de haver encontrado o tesouro escondido. Quando André encontra Jesus no deserto, vai buscar imediatamente seu irmão Simão, para levá-lo ao Mestre. Leva alguém que sirva, ame e pregue Jesus mais e melhor que ele próprio. Se você não correr para anunciar Jesus, ainda não é evangelizador. Nem Maria nem André foram fazer um retiro de trinta dias para fins de discernimento, nem sequer programaram uma reunião de pastoral: simplesmente evangelizaram, uma vez que, a evangelizar, aprende-se evangelizando! Assim, pois, a essência do perfil do novo evangelizador encontra-se delineada nessas quatro bolas. 45 46 Conclusão A Nova Evangelização somente poderá ser realizada com novos evangelizadores. Se as peras se produzem nos pomares e a uva nas videiras, a Nova Evangelização só floresce em árvores de novos evangelizadores. Delineamos o perfil do que constitui o essencial em um novo evangelizador nas quatro bolas de tênis: Desce ao rio Jordão para experimentar o amor incondicional de Deus. Vai a Damasco para ter um encontro pessoal com Jesus ressuscitado, que o cura da religiosidade vencida, já superada pelo Novo Testamento. Sobe ao aposento alto para viver o Pentecostes pessoal. Caminha e corre. Caminha até Emaús, para que seu coração se abrase com o fogo da Palavra, e corre pelas montanhas de Judá com alegria. Estas quatro características são as que fazem do evangelizador um testemunho autorizado da morte redentora e da gloriosa ressurreição do Senhor Jesus. Isto constitui o essencial, o que é colocado, em primeiro lugar, no frasco do novo evangelizador. O que é secundário é colocado depois, não porque não é importante, mas simplesmente porque é posterior ao fato de haver estabelecido esta coluna vertebral. O que for superficial é situado de igual maneira; e até mesmo o supérfluo perde seu sentido. 47 48 O QUE É O QUERIGMA APOSTÓLICO ESQUEMA A. Ponto de partida: São duas etapas diferentes e complementares entre si B. O que é o Querigma Apostólico: Grito de Boa Notícia de Jesus C. Conteúdo do Querigma dos Apóstolos: Jesus Morto, Ressuscitado e Glorificado como Salvador, Senhor e Messias D. Intencionalidade do Querigma dos Apóstolos: Por nós e para nós E. Enfoque do Querigma Apostólico: Transpassar os corações F. Objetivo da Pregação apostólica: Receber o Espírito Santo G. Nossa resposta à proposta divina: Fé, arrependimento e conversão. Confessar Jesus como Salvador e proclamá-Lo Senhor H. Perseverar até o fim: Formando o Corpo de Cristo na Igreja 49 50 Introdução Quando São Paulo sintetiza seu ministério, distingue duas etapas: anunciava e ensinava – euanguelai hymin kai didazjai hymás (cf. At 20,20). Para referir-se ao Anúncio, usa o verbo anguelo, cujo conteúdo é “a Boa Nova de Jesus, o Messias” (cf. At 5,42). Ao aludir à segunda etapa, emprega o verbo didasco, do qual deriva a didajé, ou ensinamento. É tão importante distinguir as duas etapas quanto a sequência entre elas. Não são a mesma coisa, porém ambas estabelecem uma harmonia, com base em certa pedagogia: primeiro se anuncia e, posteriormente, se ensina. Mais tarde, o apóstolo afirma que “Deus quis salvar os que creem – díá tes morías tou kerygmatos – pela loucura da pregação” (cf. 1Cor 1,21). Este kérygma – kerýgmatos, que se traduz por Proclamação ou Anúncio, nós o identificamos com o Primeiro Anúncio ou Querigma, para distingui-lo da Catequese. Trata-se do meio pelo qual somos salvos. Ou seja, não é por meio da Catequese nem por meio da doutrina, mas sim do Anúncio da Boa Notícia de Jesus. No campo pastoral, durante vários séculos, enterramos o denário do Anúncio Querigmático, não apenas não ganhando juros, mas desvalorizando o capital da Igreja. Por muitos anos, a província de Alberta foi uma das mais pobres do Canadá, tendo que receber subsídios do governo central para suprir suas necessidades. As pessoas emigravam em busca de trabalho e os jovens dirigiam-se a outras latitudes para estudar. Um dia, porém, descobriu-se que existia uma imensa jazida petrolífera no subsolo daquela região, que se transformou na província mais florescente do Canadá. Nadavam em um mar de petróleo e, no entanto, não sabiam. Possuíam uma grande riqueza, mas viviam como pobres. A maior riqueza da Igreja é o Evangelho da Graça (cf. At 20,24), e sua grande missão é proclamá-lo até os confins da terra, mas, infelizmente, a partir da Reforma de Martinho Lutero (1483–1546), no século XVI, colocamos esta luz debaixo da mesa. Abandonamos a dimensão querigmática e compensamos esta grande omissão focalizando os refletores no dogma, no culto e nos sacramentos. Basta observar que os termos “Querigma” ou 51 “Primeiro Anúncio” ainda não existem no Vaticano II (1962-1965), muito embora, certamente, a Constituição Dei Verbum, 24, faça distinção entre Pregação e Catequese. Nestes últimos anos, a Igreja está redescobrindo, acredito que por meio de estudo, a importância do Querigma ou Primeiro Anúncio. Não obstante, o que ainda não consegue recuperar é a prática de mostrar com fatos que o Anúncio Querigmático é o primeiro passo, e que a Catequese vem somente depois. A inércia de cinco séculos faz com que ela caminhe com o freio de mão sob controle. Ainda não ousa dar o passo profético, uma vez que tomar consciência do coração do Evangelho implicaria em uma Reforma radical, onde apareceriam os grupos dos contrarreformistas. Nosso desafio é levantar esta luz do Anúncio Querigmático, para que ilumine os de casa e o mundo inteiro. Não podemos viver como pobres, possuindo tal riqueza dentro de nós mesmos. 52 53 Desenvolvimento do tema A. PONTO DE PARTIDA: DIFERENÇA ENTRE QUERIGMA E CATEQUESE Duas etapas diferentes e complementares entre si Nossa plataforma de decolagem é o seguinte pressuposto: “A Catequese é diferente do Primeiro Anúncio” (Catechesi Tradendae, 19). Evangelizar e ensinar são dois passos sucessivos; incompletos no sentido de que se supõem mutuamente, porém complementares entre si, uma vez que formam um binômio indissolúvel, em que cada qual tem seu lugar, ainda que a fronteira entre um e outro tenha muitos pontos comuns. O Papa João Paulo II assinala que “entre evangelização e catequese não existe separação nem oposição, nem identificação pura e simples, mas sim relações profundas de integração e complemento recíproco” (Catechesi Tradendae, 18). A Evangelii Nuntiandi nos mostrava desde 1975 que são duas colunas que sustêm a construção da fé. Cada uma delas possui seu espaço, objetivo e conteúdo, que é preciso distinguir, respeitar e valorizar. B. O QUE É O QUERIGMA APOSTÓLICO Grito de Boa Notícia de Jesus Kérygma significa brado e se aplica à Proclamação Apostólica, também chamada Primeiro Anúncio ou Evangelização Fundamental; ABC do cristianismo; sua carteira de identidade e DNA. Trata-se do alicerce, para que nossa vida cristã nãoseja edificada sobre areia. Trata-se, outrossim, da Boa Nova de Jesus; ou melhor, de Jesus como a Boa Nova de Deus (cf. Mc 1,1). São Lucas registrou a Pregação original dos apóstolos em seis enunciados querigmáticos4: - Cinco de Pedro: At 2,14-29; 3,12-26; 4,8-12; 5,29-32 e 10,34-43. - Um de Paulo: At 13,16-41. 54 C. CONTEÚDO DO QUERIGMA DOS APÓSTOLOS: Jesus, Morto, Ressuscitado e Glorificado, como Salvador, Senhor e Messias O grito inicial não é teoria nem doutrina, mas “a Boa Nova de Jesus, o Messias” (cf. At 5,42), o que talvez, melhor traduzindo, convenha assim expressar: “Jesus, como a Boa Nova de Deus”. Por isso, todos os enunciados querigmáticos são centrados em uma Pessoa com Seus três acontecimentos, assim como os três títulos mais importantes, com uma intencionalidade: por nós e para nós. A seguinte estrela resume-o de forma sintética: Conteúdo do Querigma Apostólico Se elaborarmos um quadro sinótico do conteúdo dos discursos querigmáticos, encontraremos os seguintes elementos (em caracteres itálicos, as palavras exatas que aparecem no texto bíblico): Jesus É identificado por seu nome próprio: Yeshuá, que em hebraico significa YHWH salva. Jesus é a Boa Nova que torna presente o reinado de Deus. Nele se identificam a salvação e o Salvador (cf. Jo 4,22; At 4,2; 1Tm 2,5; Lc 2,11). Homem: pertence cem por cento à raça humana. Nesta primeira etapa, não se proclama Jesus como Deus nem Filho de Deus, mas como um homem igual aos outros (cf. Hb 4,15). Afirma-se, pura e simplesmente, que Deus estava com ele (cf. At 10,38). Até após o recebimento do Espírito Santo pode-se aceitar que o Nazareno é Filho de Deus e é Deus, bendito para sempre! (cf. Rm 9,5). De Nazaré ou Nazareno: enquadrado na geografia. Da Galileia dos gentios (cf. Mt 4,12-16). Pertence ao povo eleito. Da descendência de Davi: integrado na história de Israel e na família de Davi (pastor e rei). É “o Descendente” (cf. 2Sm 7,11-12; Is 7,14; 9,5; 11,1; Mq 5,1-3), que instaura o Reino de Israel (cf. At 1,6). 55 Ungido com o Espírito Santo: a característica mais importante de Jesus é a de que Deus O ungiu com o Espírito Santo (cf. Lc 4,18; Mc 1,9-11; Mt 3,13-17; Jo 1,32-34). É o Ungido, o Messias, o Cristo. Profeta: não era um teólogo nem um mestre profissional, mas sim um carismático inspirado por Deus (cf. Mc 6,15; Mt 21,11; Lc 7,16; Jo 4,19). Poderoso em obras e palavras: unem-se, em Seu ministério, a ação poderosa e a mensagem eficaz. O Evangelho de Mateus resume a pregação de Jesus, assim como o de Marcos, Seus milagres. Fez o bem, curou e libertou. Os milagres, prodígios e sinais não eram adornos acidentais, nem apenas provas da veracidade de Sua doutrina, mas a salvação integral que estava se realizando. a. Morreu na cruz Pedro responsabiliza os judeus, especialmente os sumos sacerdotes e magistrados do povo, pela morte de Jesus; esta, no entanto, é levada a termo por mãos dos romanos: Pilatos. Assim, tanto judeus quanto gentios, todos nós constituímos causa de Sua morte. Todavia, em última instância, Jesus não é morto, pois Ele se entrega voluntariamente (cf. Jo 10,18; Jo 13,1). Por isso mesmo, São Paulo usa a forma verbal apéthanen, que em grego é um aoristo (passado) da voz ativa (1Cor 15,3): Cristo morreu; não foi morto. Os discursos querigmáticos salientam que havia um determinado, e não determinista, desígnio divino, já anunciado pelos profetas nas Escrituras. Na cruz: cinco dos seis discursos querigmáticos fazem alusão à ignomínia do madeiro, o qual, se é um escândalo para os judeus e uma loucura para os gentios, para aqueles que creem transforma-se em força e sabedoria de Deus (cf. 1Cor 1,22-25). Padeceu: a morte de Jesus está contida em Sua dolorosa paixão, que O identifica com o Servo de YHWH, anunciado pelo profeta Isaías, quando se afirma que por Suas chagas fomos curados e que Ele suportou o castigo que nos traz a paz (cf. Is 53,5). Sepultado: Jesus esteve verdadeiramente morto e foi tratado como um defunto. b. Ressuscitado por Deus, aparece às testemunhas Nos discursos querigmáticos, Jesus não ressuscitou, mas foi ressuscitado pelo Deus de nossos pais. Paulo usa a forma verbal eguéguertai, que em grego é um tempo perfeito da voz passiva (1Cor 15,4) e que poderíamos assim traduzir: “foi ressuscitado e está ressuscitado (por Deus)”. Ao terceiro dia: não significa setenta e duas horas, e sim um breve espaço de tempo. Manifestou-se às testemunhas: as aparições são manifestações àqueles que são ou haverão de ser testemunhas (cf. At 10,41). Destaca-se, entre tais pessoas, Simão ou 56 Cefas. De acordo com 1Cor 15,45, Jesus ressuscitado é: O vivente (um ser natural, dotado de vida): zoonta, particípio presente do verbo “viver”. Jesus está vivo hoje. Vivificante (o ser que dá vida): zoopoiún, particípio presente do verbo “vivificar”. Jesus ressuscitado é fonte de vida. c. Glorificado: exaltado à direita de Deus Jesus, morto e ressuscitado, foi exaltado e glorificado pelo Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó. Ou seja, tem continuidade a linha salvífica do Antigo Testamento. À Sua direita ou pela direita de Deus: recebe um posto de honra e os títulos mais gloriosos: Salvador: Soter, que nos livra de toda opressão, especialmente do pecado, assim como de sua causa e consequências (cf. Mt 1,21; Lc 2,11; Jo 4,42). Senhor: Kúpios – Kyrios. O Nome que está acima de todo nome. Ele é o dono e administrador régio de tudo quanto existe no Céu e na terra (cf. Fl 2,11; Mt 28,18). Messias: Jristós. O ungido com Espírito Santo (cf. Is 11,1-2; 42,1; 61,1), que dá o Espírito Santo (cf. Jo 1,33; 7,39; 16,7). D. INTENCIONALIDADE DO QUERIGMA DOS APÓSTOLOS: Por nós e para nós Nesta etapa inicial, não se apresenta doutrina, nem moral, nem dogma. Proclama-se tão somente uma Pessoa viva, com três acontecimentos (morto, ressuscitado e glorificado) e três títulos (Salvador, Senhor e Messias), com uma conclusão teológica: Tudo isso aconteceu por nós e para nós. São Paulo assim o resume: “Jesus, nosso Senhor, entregue por causa de nossos pecados e ressuscitado para nossa justificação” (Rm 4,24-25). - Morreu, ressuscitou e foi glorificado, por nós. - É Salvador, Senhor e Messias, para nós. Não é simples história nem mesmo resumo da vida e missão de Jesus. Tudo isto era feito com uma intenção: nós somos os destinatários e beneficiários destes 57 acontecimentos. E. ENFOQUE DO QUERIGMA APOSTÓLICO: Transpassar os corações O Anúncio Querigmático, mais do que uma doutrina ou ensinamento que ilumina nossa mente, é um grito que desafia a vontade. Os que ouviram a pregação de Pedro no dia de Pentecostes, perguntaram katenyguesan te tardia: com o coração transpassado, o que deviam fazer para apropriar- se do dom gratuito da salvação (cf. At 2,37). O Querigma, mais que luz para o entendimento, é uma espada que penetra o coração daqueles que escutam. Portanto, uma Pregação Querigmática desafia o centro da vontade e as decisões para aceitar ou rejeitar a salvação gratuita. Aqui está a chave do Anúncio. F. OBJETIVO DA PREGAÇÃO APOSTÓLICA: Receber o Espírito Santo A epístola aos Efésios mostra claramente o processo e o resultado do Anúncio do Evangelho: Nele, também vós ouvistes a palavra da verdade, a Boa-Nova da vossa salvação. Nele acreditastes e recebestes a marca do Espírito Santo prometido (Ef 1,13). O Espírito Santo coroa a obra evangelizadora. Por isso, quando Paulo chegou a Éfeso, perguntou se haviam cumprido o objetivo da Proclamação do Evangelho: receber o Espírito Santo (cf. At 19,2). O Querigma culmina com a efusão do Espírito Santo, a que Jesus chama ousadamente de batismo no Espírito Santo (cf. At 1,5), por se tratar de uma imersão, para ficarmos plenamente cheios do Espírito da Promessa, que nos faz nascer de novo e atualiza os méritos da Páscoa Redentora5. Algumas pessoas poderiam objetar que já receberam o Espírito Santo, tanto no batismo quanto na confirmação. Isto é tão certo quanto o fato que aconteceu sem uma evangelização prévia, que implique em uma adesão livre e consciente a Jesus Cristocomo Salvador e Senhor. Além disso, valeria a pena perguntar se o Espírito se recebe unicamente uma ou duas vezes na vida ou toda vez que for necessário. G. NOSSA RESPOSTA À PROPOSTA DIVINA: Fé, arrependimento e conversão 58 Confessar Jesus Salvador e proclamá-Lo Senhor Se Jesus já nos salvou e nos presenteou com o dom da salvação, de que modo nos apropriamos dos frutos da redenção? Encontramos um mosaico que aborda a questão a partir de diferentes perspectivas. Todos os elementos são importantes e implicam-se reciprocamente. Os que ouvem Pedro perguntam-lhe o que devem fazer para obter essa nova vida. Pedro responde: Convertei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo, para o perdão dos vossos pecados. E recebereis o dom do Espírito Santo (At 2,38). São Paulo, por sua vez, resume-o magistralmente: Se, pois, com tua boca confessares que Jesus é Senhor e, no teu coração, creres que Deus o ressuscitou dos mortos, serás salvo. É crendo no coração que se alcança a justiça, e é confessando com a boca que se consegue a salvação (Rm 10,9-10). Em outra passagem, assinala: “Insisti com judeus e gregos para que se convertessem a Deus e acreditassem em Jesus, nosso Senhor” (At 20,21). A oferta da salvação requer uma resposta de fé: crer em Jesus. Isso abrange diferentes aspectos: arrepender-se e converter-se, culminando com o batismo; confessar Jesus como único, suficiente, exclusivo e excludente Salvador pessoal; e, igualmente, proclamar Seu Senhorio em todos os aspectos da vida. H. PERSEVERAR ATÉ O FIM: Formando o Corpo de Cristo na Igreja O Querigma atinge seu ponto culminante quando os evangelizados formam o Corpo de Cristo, vivendo a comunhão eclesial: Eles eram perseverantes em ouvir o ensinamento dos apóstolos, na comunhão fraterna, na fração do pão e nas orações. Perseverantes e bem unidos, frequentavam diariamente o templo, partiam o pão pelas casas e tomavam a refeição com alegria e simplicidade de coração. E, cada dia, o Senhor acrescentava a seu número mais pessoas que eram salvas (At 2,42.46-47). Somos um povo, o povo de Deus, que caminha em caravana rumo à terra prometida, para a qual não basta iniciar a caminhada, mas é preciso chegar à meta, pois quem perseverar até o fim, esse será salvo (cf. Mt 10,22). É necessário, portanto, um sistema que garanta o crescimento até a estatura de Cristo Jesus, tanto por meio da formação catequética quanto da vivência sacramental. 59 Assim, os convertidos ou salvos integram a comunidade cristã (cf. At 2,47b), pois a salvação não pode ser vivida de forma isolada ou individual. Somos Corpo de Cristo. Trata-se da Igreja evangelizada e evangelizadora. Esta atualização da Proclamação, assim como os frutos dos méritos de Cristo Jesus, faz-se presente e efetiva na liturgia, memorial da morte e ressurreição de Jesus. Sendo assim, adquire sentido a afirmação do Papa Paulo VI na Evangelii Nuntiandi, 60: a evangelização é um ato profundamente eclesial. 60 61 Conclusão Querigma e Catequese são como os dois tempos de uma partida de futebol. Cada um tem seu espaço, porém ambos são interdependentes e complementares. O Querigma é a base e o ponto de partida da vida cristã. A Catequese vem depois, e sempre depois. Pregar é diferente de ensinar, assim como Querigma é diferente de Catequese, mas estão intimamente unidos de forma consecutiva, ainda que a fronteira seja permeável. A Boa Nova da salvação, formulada no Querigma ou Primeiro Anúncio, está centrada em uma Pessoa com Seus três acontecimentos (morte, ressurreição e glorificação), assim como Seus três títulos mais importantes (Salvador, Senhor e Messias), para receber o dom do Espírito Santo e formar a comunidade de salvos que instauram o Reino de Deus neste mundo. Tudo isto com uma intenção: Jesus morre, ressuscita e é glorificado por nós. É Salvador, Senhor e Messias para nós. Se a Catequese se dirige mais ao entendimento, o Querigma desafia a vontade e transpassa os corações, nos quais será derramado o Espírito Santo. Ao tratar do Querigma, nós o denominamos intencionalmente “o Querigma apostólico”, porque tem seu ponto de partida na Pregação dos apóstolos. Não obstante, isto traz consigo uma consequência: se a Igreja é apostólica, haverá de transmitir o que, por sua vez, recebeu dos apóstolos. Em poucas palavras, na fidelidade a esta Mensagem está em jogo a apostolicidade da Igreja. Esta é nossa riqueza; todavia, é necessário descobrir este tesouro, extraí-lo e usá-lo para não viver como pobres, e que nosso povo emigre para outras denominações cristãs em busca da Proclamação ou Anúncio da Boa Nova. 62 63 GRANDE MISSÃO, GRANDE OMISSÃO ESQUEMA A. Ponto de partida para evangelizar Evangelizar é proclamar a Boa Nova de Jesus B. O primeiro, o novo e o grande mandamento C. Evangelizar não é optativo, é imperativo D. A Grande missão – A Grande Omissão E. Por que não evangelizamos: porque não estamos evangelizados 1º Porque não nos sentimos chamados nem enviados por Deus 2º Porque nos falta a fé, o que se manifesta em medos que nos paralisam 3º Porque não vemos fruto imediato 4º Porque não estamos apaixonados por Jesus 5º Porque nos falta coerência de vida com o Evangelho que pregamos F. Quando não evangelizamos 1º Quando duvidamos do amor gratuito de Deus 2º Quando nos falta Espírito Santo 3º Quando carecemos de comunidade 4º Quando nosso coração ainda não arde com o fogo da Palavra de Deus 5º Quando transmitimos doutrina e catequese, supondo que seja a Boa Nova 64 65 Introdução Uma das parábolas mais breves do Evangelho é a que tem por título “Os dois filhos” e se encontra em Mt 21,28-30. É tão curta, que vamos reproduzi-la por inteiro: “Que vos parece? Um homem tinha dois filhos. Dirigindo-se ao primeiro, disse: ‘Filho, vai trabalhar hoje na vinha!’ O filho respondeu: ‘Não quero’. Mas depois mudou de atitude e foi. O pai dirigiu-se ao outro filho e disse a mesma coisa. Este respondeu: ‘Sim, senhor, eu vou’. Mas não foi” (Mt 21,28-30). Quando Jesus apresenta esta parábola, pergunta-nos: Que vos parece? Não se trata de saber o que pensamos nem de elaborar um esquema doutrinal; tampouco de uma crítica histórica literal; trata-se, isto sim, de tomar postura diante desta, assim como de outras situações análogas, pelas quais poderíamos até fazer parte do cenário. Neste tema, iremos considerar os três mandamentos de Jesus, especialmente “o Grande Mandamento”, que é mais conhecido como “a Grande Missão”; missão de proclamar a Boa Nova, sem acréscimos nem supressões, mas que infelizmente veio a se tornar “a Grande Omissão”. Não obstante, iremos descobrir que a razão pela qual nós não evangelizamos é não estarmos evangelizados. O objetivo deste tema é transformar o problema em desafio, para recuperar o valor e a riqueza do Querigma, superando as causas ou pretextos pelos quais não evangelizamos. 66 67 Desenvolvimento do tema A. PONTO DE PARTIDA PARA EVANGELIZAR: Evangelizar é proclamar a Boa Nova de Jesus O Papa João Paulo II afirma que a Catequese é diferente do Primeiro Anúncio (Catechesi Tradendae, 19). Assim, nós iremos utilizar o termo evangelizar, à diferença de catequizar, para nos referirmos ao Primeiro Anúncio ou Proclamação do Querigma, coração do Evangelho. Esta diferença conceitual poderia correr o risco de ser reducionista; de fato, porém, não há nenhum termo que a expresse com perfeição. Neste capítulo, nós sacrificamos este aspecto, para poder identificar a evangelização com o Primeiro Anúncio e distingui-la da Catequese. B. O PRIMEIRO, O NOVO E O GRANDE MANDAMENTO Todo mundo conhece o primeiro mandamento: “Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu entendimento! Amarás teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22,37.39b). Da mesma forma, ninguém ignora o mandamento novo: Eu vos dou um novo mandamento: amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros (Jo 13,34). Entretanto, por infelicidade, poucos sabem qual é “o Grande Mandamento” ou Grande Missão,
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