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2 3 4 5 Apresentação Estas páginas concentram quarenta anos de experiência evangelizadora de meu bom amigo José H. Prado Flores, com quem compartilhamos a missão evangelizadora em vários âmbitos e sob diversas formas. O autor destas páginas nos apresenta o Querigma, ou Primeiro Anúncio, como sendo a grande riqueza da Igreja e base da vida cristã; porém, ele o faz a partir do ponto de vista pastoral, a fim de nos mostrar como usá-lo da melhor maneira para evangelizar como a Igreja Primitiva. “Com grande poder, os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus” (At 4,33). O Evangelho é a “força salvadora de Deus para todo aquele que crê” (Rm 1,16). Todavia, a Pregação do Querigma é também “insensatez” ou loucura (cf. 1Cor 1,21). Na união destes dois fatores, está radicada a evangelização com grande poder. Depois, o autor nos apresenta, com fundamento bíblico, o conteúdo dos enunciados querigmáticos, assim como seu objetivo e a respectiva estratégia: transpassar os corações. Vários fios estabelecem o encadeamento de todo o livro. Para que haja Nova Evangelização, requerem-se, antes de tudo, novos evangelizadores; e assim como a primeira evangelização é fruto do Pentecostes, a Nova Evangelização há de ser fruto de um Novo Pentecostes. Sem a ação do Espírito Santo, é uma missão impossível! O leitor irá encontrar páginas de conteúdo muito forte, que são um chamado a uma conversão pastoral. Com efeito, urge reconhecer que, em nossa Igreja, fala-se muito em evangelização e em Nova Evangelização e, no entanto, temos sido lentos no passar da teoria aos fatos e empreender o caminho da grande missão, com a audácia e o entusiasmo que o Senhor nos pede. Com experiência pastoral, o autor nos mostra que, se quisermos ter uma pesca abundante, já é tempo de lançar as redes do outro lado, com evangelizadores que sejam mais testemunhas do que repórteres. No documento final do CELAM, fruto do encontro em Aparecida em 2007, lemos esta chamada: “A conversão pastoral requer que as comunidades eclesiais sejam comunidades 6 de discípulos missionários em torno de Jesus Cristo, Mestre e Pastor” (nº 368). Em sua carta apostólica sobre o Ano da Fé, Bento XVI escreve: O Ano da Fé é um convite a uma autêntica e renovada conversão ao Senhor, único Salvador do mundo. Deus, no mistério de Sua morte e ressurreição, revelou em plenitude o Amor que salva e chama os homens à conversão de vida, mediante a remissão dos pecados (cf. At 5,31). Para que isso chegue a se tornar realidade, o evangelizador deve: descer ao rio Jordão, para ter a experiência pessoal do amor incondicional de Deus; cair em Damasco, mediante um encontro pessoal com Jesus ressuscitado; subir ao Aposento Alto, para receber a dynamis do Espírito; e caminhar rumo a Emaús, para que seu coração arda com o fogo da Palavra. Serão encontradas páginas repletas de propostas absolutamente concretas para que essa conversão se torne realidade. Se, de um lado, a catequese é exposta pelos mestres com sabedoria, de outro, o Primeiro Anúncio é proclamado por testemunhas que experimentaram a Nova Vida em abundância que Cristo veio trazer a este mundo. Com lógica e experiência, o autor nos mostra ainda que o Primeiro Anúncio deve ser o início do caminho da fé e um verdadeiro anúncio; só depois, e sempre depois, vem a catequese. Sua conclusão, que também parece ser seu sonho, é esta: uma Igreja evangelizada e evangelizadora, na qual os catequistas permitem que os evangelizadores joguem o primeiro tempo, para, depois, entrarem na segunda metade da partida. Parodiando o apóstolo Paulo, que tinha um temor — “Ai de mim, se eu não anunciar o evangelho” (1Cor 9,16) —, José Prado nos alerta: ai daquele que quiser evangelizar sem antes ter sido evangelizado. O desafio da Igreja não está na evangelização, mas sim em evangelizar aqueles que não estão evangelizados e que acabam apenas fazendo propaganda do cristianismo, já que somente convencem quem estiver convencido. O Querigma é eficaz em si mesmo, mas existe somente uma forma de não funcionar: se não o usarmos. Dou graças a Deus por estas páginas, escritas por um evangelizador apaixonado por Jesus Cristo e por Sua Palavra, com um percurso de quarenta anos proclamando a Boa Nova e formando evangelizadores para a missão da Igreja. Peço ao Senhor que estas páginas, plenas de esperança e de dinamismo, nos ajudem a cumprir a grande missão da Nova Evangelização. Que a unção do Espírito seja conferida a estas páginas, para que toquem os corações e vivamos uma renovação no âmbito da evangelização querigmática. 7 GÉRALD CYPRIEN LACROIX Arcebispo de Quebec Primado do Canadá 8 9 Já, já, por favor Estava terminando de escrever estes capítulos, quando recebi um convite cordial de Dom Pigi Perini, um bom amigo com quem, no decurso dos anos, a amizade foi se tornando profunda. Pedia-me para dar um retiro a sacerdotes comprometidos com as Células de Evangelização, que se propagam por todo o mundo. O tema: a Nova Evangelização. O local: a Sacristia Monumental da paróquia de Santo Eustórgio, em Milão, na Itália. Considerando o fato de Dom Pigi haver comentado comigo que o retiro do ano anterior fora exposto pelo padre Raniero Cantalamessa, pregador da Casa Pontifícia, preparei cuidadosamente meu temário, com reforços teológicos e citações do Magistério da Igreja. Meu propósito era o de resumir quarenta anos de experiência evangelizadora, muito embora tal audácia me parecesse o mesmo que pretender encerrar o fogo da sarça de Horeb em uma caixa de fósforos. Quando começamos o retiro, o clima era frio, pois estávamos em pleno inverno, o que ocasionava a necessidade de aquecimento artificial. E assim, com meus apontamentos em mãos, fui seguindo cuidadosamente, passo a passo, com a lógica e a pedagogia que supunha serem exigidas pelos seletos participantes: Comecei apresentando o relato dos discípulos de Emaús, os quais, de simples repórteres que repetiam o que as mulheres diziam ter ouvido dos anjos, foram convertidos em testemunhas da ressurreição de Jesus a partir do momento em que seus corações arderam com o fogo da Palavra. Expliquei-lhes a diferença entre Querigma e Catequese, entre proclamar e ensinar e que o problema da Igreja não está em não evangelizar (Primeiro Anúncio), mas sim no fato de que aqueles que evangelizam não estão evangelizados, convertendo em fria Catequese a apresentação da Boa Notícia, a qual não é algo, e sim Alguém: o próprio Senhor Jesus, único mediador entre Deus e os homens. Detalhadamente, e com precisão, explanei o conteúdo, o objetivo e a metodologia do Anúncio Querigmático, esclarecendo que se trata da Grande Missão de Jesus aos Seus (proclamar a Boa Notícia), o que, infelizmente, na Igreja Católica converteu-se na Grande Omissão, porque desde a ocorrência da 10 Contrarreforma, damos preferência a nossos esquemas teológicos, raciocínios doutrinais e silogismos filosóficos, ao invés de priorizar o Anúncio fascinante da Boa Nova de Jesus, como o fazia o diácono Filipe (cf. At 8,35). A seguir, afirmei categoricamente que, para que ocorra uma Nova Evangelização, são necessários quatro elementos: primeiro, haver fracassado, para sentir a necessidade de algo novo; segundo, ser premidos pelo amor de Cristo; terceiro, novos evangelizadores que sejam testemunhas; finalmente, em quarto lugar, um novo Pentecostes, em que a Ruaj1 divina seja um vento impetuoso, e não um ar-condicionado que nós controlamos. Expliquei-lhes, também, que primeiro é o primeiro. Primeiro o Querigma e, a seguir, a Catequese, moral ou teologia. Primeiro se nasce e depois se cresce. Provoquei-os depois a aceitar o desafio, em função do qual o vinho novo precisa de odres novos e que urge renunciar a fórmulas engessadas e devocionais, que não respondem nem ao Evangelho, nem ao mundo de hoje. O momento-chave sucedeu quando lhes disse que não poderíamos evangelizar se não fôssemos testemunhas, com uma experiência de salvação e um encontro pessoal com Jesus. Imediatamente, em meio à minha suposta eloquentemeditação, um sacerdote levantou a mão e, sem esperar que eu lhe concedesse a palavra, me desafiou: – Já! Todos ficaram mudos; eu, o mais surpreso. – Já, por favor! – gritou, com mais força. Eu não entendia nada. Mantive silêncio e abri minhas mãos, pedindo-lhe explicação do que parecia, ao mesmo tempo, uma queixa e uma súplica. – Já! Já! Não nos fales do Querigma! Já, por favor, dá-nos a Boa Notícia! Fechei meus olhos, assenti com minha cabeça e, em um milésimo de segundo, entendi que o que eles necessitavam não era de uma radiografia do Querigma, mas sim do Evangelho, que tem um perfil e um nome: Jesus, Salvador e Senhor. Deixei meus esquemas de lado, apanhei minha Bíblia e lhes declarei: Eu sou testemunha de que Jesus transforma vidas, porque Ele mudou a minha. Não de pecador para justo, mas de justo para filho, com direito à herança. E mais ainda, muito mais. Minha verdadeira conversão foi de justo, por minhas obras, para justificado, por Sua graça. E se um fariseu como eu experimenta a vida nova, qualquer outro pode vivê-la. Se o fez em mim, é possível realizá-lo em cada um dos senhores. 11 Durante três horas, anunciei Jesus e o Evangelho da graça; anunciei-lhes que fomos salvos gratuitamente. Tivemos oportunidade tanto de confessar Jesus como único e suficiente Salvador, como de proclamá-Lo Senhor de nossas vidas. Culminamos com uma oração pessoal feita individualmente pelos sacerdotes, com a finalidade de pedir uma nova efusão do Espírito, a que Jesus chama de “batismo no Espírito Santo” (cf. At 1,5). Recordei-me daquela frase de São Lucas: “Também um grande grupo de sacerdotes judeus aderiu à fé” (At 6,7c). Regressei ao México, onde o sol resplandecia, anunciando que se aproximava a primavera. Decorridas algumas semanas, recebi uma mensagem eletrônica, a qual transcrevo com a permissão do remetente, padre Mateus: Querido Pepe Prado Flores. Chamo-me padre Mateus, sou um sacerdote da diocese de Pádua, Itália, e nos conhecemos recentemente no retiro para sacerdotes, em fevereiro, realizado em Santo Eustórgio, em Milão. Muito me entusiasmaram tuas catequeses, porém, de maneira especial, tua CONVICÇÃO e a RIQUEZA DA PALAVRA DE DEUS, que continuamente citavas. Lembras-te de que, inclusive, falamos por breve espaço de tempo, porque te dizia que havia me impressionado muito a oração vespertina da quinta-feira, quando explicaste o evangelho do CEGO BARTIMEU... Durante a oração de cura, eu pedia a Jesus que me curasse a vista, dizendo-te, porém, que não havia sentido nada de especial. Não obstante, agora VEJO minha vida com uma nova luz e vi que o Evangelho é minha vida e a vida do mundo. Isto constitui uma motivação que me acompanha: NO EVANGELHO ESTÁ A VIDA, NA VIDA ESTÁ O EVANGELHO. Isto produz em mim ALEGRIA PARA LER, REZAR, MEDITAR A PALAVRA DE DEUS, tanto que ENCONTRO ALEGRIA EM PREPARAR MINHA HOMILIA, UMA ALEGRIA NUNCA ANTES EXPERIMENTADA! Ficaria muito contente se tu pudesses compartilhar comigo teu ponto de vista acerca do que está sucedendo comigo. Eu o peço, para que me ajudes a entender. Agora te digo: OBRIGADO PELA VISÃO EVANGELIZADORA QUE NOS APRESENTASTE EM FEVEREIRO. Rezo por ti, pela Escola Santo André e para que o Espírito Santo anime a Igreja para uma nova PRIMAVERA e uma NOVA EVANGELIZAÇÃO. Obrigado e até breve. Padre Mateus Não respondi ao padre Mateus, porém a resposta é muito simples: “A pregação, a que Paulo chama ‘Querigma’ [loucura] (cf. 1Cor 1,21) ou ‘Evangelho’ (cf. Rm 1,16), é a 12 força salvadora de Deus para todo aquele que crê”. Por meio da Palavra, o Espírito Santo dá testemunho de Jesus na vida de padre Mateus. Quando aquele sacerdote reclamava e suplicava pelo Anúncio, não estava representando apenas padre Mateus, mas todo “Mateus” que está sentado, esperando que Jesus passe diante dele e lhe diga “segue-Me”, para ser capaz de abandonar qualquer coisa e um dia chegar a ser um evangelizador, o qual, por sua vez, dá testemunho: “Todo escriba que se torna discípulo do Reino dos Céus é como um pai de família, que tira do seu tesouro coisas novas e velhas” (Mt 13,52). Existem muitos evangelizadores em potencial que aguardam com ansiedade que lhes “anunciemos a Palavra” (cf. 2Tm 4,2a), para colocar-se em pé, seguir em frente, viver e pregar o Evangelho da salvação, não, porém, como simples repetidores de uma lição aprendida, mas como testemunhas que tiveram um encontro pessoal com Jesus ressuscitado. Na Monumental Sacristia de Santo Eustórgio, tão cheia de relíquias, eu estava repetindo o mesmo erro que estava criticando: transformar o Querigma em uma cátedra de catequese com fundamentos teológicos, em vez de aproveitar a oportunidade para proclamar Jesus. Falava da Palavra, em vez de deixar que a Palavra falasse. Todavia, quando anunciei a Boa Nova, aqueles sacerdotes constataram que não eram sacristia nem relíquias do passado, mas sim templos vivos do Espírito, com nova vida e vida em abundância, para deixarem de ser repórteres e se converterem em testemunhas da ressurreição de Jesus. Por três dias iluminei suas mentes, mas quando em três horas anunciei a Boa Nova, seus corações foram transpassados, e manifestou-se neles a força intrínseca da Palavra. Espero que estas páginas suscitem a mesma sede, e que cada leitor reclame e peça: “Já, já, por favor”. Somente assim este livro tem valor. De outro modo, seria uma prova evidente de que a Catequese, mesmo que seja a Catequese do Querigma, não converte as pessoas. Com esta dúvida e esperança, ouso apresentar nossa experiência da Escola de Evangelização Santo André2, escola eminentemente querigmática que, há mais de 32 anos, está buscando “Pedros” que sirvam, amem e preguem Jesus mais e melhor que nós mesmos, formando novos evangelizadores para a Nova Evangelização em 67 países e, mais ainda, formando formadores de evangelizadores, com mais de duas mil escolas espalhadas pelo mundo. A Nova Evangelização não pode ser outra senão a evangelização primitiva, na qual “com grande poder, os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus” 13 (At 4,33). A Nova Evangelização não é principalmente um conceito para ser discutido, mas sim uma evangelii-action, “ação do Evangelho” ou “Evangelho em ação”, que urge empreender já, porque “o amor de Cristo nos impele” (2Cor 5,14). Outra novidade pedagógica destas páginas é o fato de que, no início de cada capítulo, encontra-se o índice dos pontos que serão abordados, proporcionando ao leitor, desde o início, uma visão panorâmica do tema, bem como a sequência lógica do mesmo. México, 15 de maio de 2012 14 15 PERFIL DA NOVA EVANGELIZAÇÃO ESQUEMA A. Necessitamos de uma Nova Evangelização? B. A Nova Evangelização deve ser nova a. Se fizermos o mesmo que antes, chegaremos ao mesmo ponto de sempre b. O difícil não é a incursão por caminhos novos, mas a renúncia a paradigmas tradicionais c. Arremessar vacas ao despenhadeiro 1. Jesus arremessou vacas ao despenhadeiro - O sábado é para o homem, e não o homem para o sábado - O templo: adoradores em espírito e em verdade - Vender todas as vacas, para comprar o campo do tesouro 2. São Paulo arremessou o estábulo inteiro - Todas as vacas são perda e esterco - A Lei do Sinai não salva nem justifica - A circuncisão já não é vigente 3. A Igreja também arremessou vacas C. A Nova Evangelização deve ser evangelização a. Evangelização Cristocêntrica com um único Evangelho: Jesus Salvador, Senhor e Único Mediador b. Evangelização querigmática: Começa-se com o Primeiro Anúncio c. Evangelização jarismática: A salvação é gratuita d. Evangelização profética: Com o poder da Palavra de Deus e. Evangelização litúrgica: Celebrando a Palavra proclamada f. Dimensão social da Nova Evangelização 16 D. Estratégia: pagar o preço da mudança a. Lançar a rede do outro lado b. Eliminar peixes ruins c. Vinho novo em odres novos 17 18 Introdução A Nova Evangelização há de ser “Nova”, devendo ser, ao mesmo tempo, “Evangelização”. De outro modo, seria apenas um verniz superficial, para justificar o que vínhamosfazendo por tradição. Há de trazer a novidade permanente de Jesus- Evangelho, que “é o mesmo, ontem, hoje e sempre” (Hb 13,8), assim como adaptar-se à mentalidade e cultura de mulheres e homens do século XXI. Por essa razão, acredito que, mais do que “Nova”, deveríamos catalogá-la como evangelização primitiva: “Com grande poder, os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus” (At 4,33). A Nova Evangelização não é um conceito para ser discutido ou refletido, mas uma ação a empreender. Não é um substantivo, e sim um verbo na voz ativa. Todas as discussões e explanações históricas ou teológicas sobre o tema deveriam ser fruto de experiências evangelizadoras ou, pelo menos, aterrissar sobre atos evangelizadores concretos. Dado que não é assim, não poderia ser catalogada como Evangelização, mas sim como reflexão e estudo. Não obstante, isto implica em pagar um preço: desfazer-nos de esquemas e ações que não produziram fruto abundante, assim como adotar odres novos para a Nova Evangelização. 19 20 Desenvolvimento do tema É absolutamente necessário que nos perguntemos se, na verdade, é preciso uma Nova Evangelização. Para tanto, Jesus nos desafia do mesmo modo que o fez com os pescadores do lago de Tiberíades: “Filhinhos, tendes alguma coisa para comer?” (Jo 21,5). A. NECESSITAMOS DE UMA NOVA EVANGELIZAÇÃO? Quem obteve êxito na pesca da evangelização, continue lançando a rede como fez antes. A estratégia que usou é perfeita para conseguir os resultados que alcançou. Não necessita de nada que seja novo. Se suas redes estão tão cheias que por pouco não se rompem, e suas barcas carregam tantos peixes que quase afundam, então você não necessita de uma Nova Evangelização, pois já encontrou a fórmula do êxito no mar da missão. Se sua maneira de evangelizar atrai multidões e o mundo está sedento de ouvir o Evangelho que a Igreja prega, deve continuar com o mesmo método que produz resultados tão maravilhosos. “Em time que está ganhando, não se mexe.” Todavia, se algo está faltando, é o momento de reconhecer que a rede deve ser lançada do outro lado. Se nós não nos questionarmos por que “a missão de Cristo Redentor confiada à Igreja está ainda tão longe de ser cumprida” (João Paulo II, Redemptoris Missio 1), e onde se deteve, paralisada ou diluída, a força do Evangelho hoje na Igreja (cf. Evangelii Nuntiandi, 4), jamais vamos estar conscientes de que precisamos de uma Nova Evangelização. Iremos apenas repetir o que até agora não produziu fruto abundante, transformando o verbo da voz ativa “evangelizar” no substantivo “evangelização” e discutindo seu significado, ao invés de navegar para mares desconhecidos, desafiando o futuro. B. A NOVA EVANGELIZAÇÃO DEVE SER NOVA Não é suficiente o que herdamos do passado, nem o que hoje possuímos. Tampouco se reduz a uma maquilagem superficial. Trata-se de uma novidade que corresponde à 21 natureza da Boa Nova do Evangelho. E se não fosse “nova” neste sentido, então deveria ser chamada de outra maneira. a. Se fizermos o mesmo que antes, chegaremos ao mesmo ponto de sempre É preciso partir de um princípio elementar de administração empresarial: “Se fizermos o mesmo que antes, iremos obter os mesmos resultados de sempre”. Para que haja Nova Evangelização, é preciso estar atento à mudança; e para abrir-se à mudança, deve-se, antes, aceitar necessitá-la e, até certo ponto, experimentar insatisfação e frustração pelos lucros obtidos até o dia de hoje Assim sendo, não é inútil perguntar se estamos dispostos a pagar o preço do que significa empreender o voo por rotas inéditas, novos métodos e novas expressões, como as dos pregadores dos Atos dos Apóstolos. Estamos, nós, abertos para sermos agentes de uma reforma radical e efetiva? Se não ousarmos dar este passo dentro de nós, irão aparecer, e já estão despontando por todas as partes, reformadores à margem da barca de Pedro. b. O difícil não é a incursão por caminhos novos, mas a renúncia a paradigmas tradicionais Os pescadores do mar da Galileia já estavam programados para lançar a rede do lado esquerdo. Esta atitude de inércia já havia se transformado em norma que ninguém era capaz de questionar. Alguns o faziam porque eram profissionais experimentados; outros continuavam a realizar esta operação sem saber, nem perguntar, por que era sempre repetida da mesma forma. Quando o costume se transforma em rito, construímos um paradigma monolítico que é muito difícil romper, uma vez que já aderiu à nossa mente e à nossa pele. “Romper um paradigma é mais difícil do que desintegrar um átomo”, afirmava Albert Einstein. A dificuldade não se apoia ao fato de lançar a rede do outro lado, mas em vencer a nossa inércia, que se transformou em lei, e nossas estruturas mentais, que se transformaram em ordens que ninguém pode explicar, porque continuam sendo executadas sempre da mesma maneira. Esta rotina apaga a chama da criatividade, mantendo-nos em uma monotonia asfixiante. Por isso, o Papa João XXIII abriu profeticamente as janelas da Igreja para deixar entrar o vento criador da Ruaj de Deus, que faz novas todas as coisas. Sim, novas, porque “se alguém está em Cristo, é criatura nova. O que era antigo passou, agora tudo é novo” (2Cor 5,17). Sem este sopro renovador, não pode haver Nova Evangelização. c. Arremessar vacas ao despenhadeiro 22 Jesus compara o Reino de Deus, ou seja, o plano de Deus, a uma rede ao redor da qual, após recolher todo tipo de peixes, os pescadores sentam-se à beira do mar para escolher os bons e colocá-los em cestos e eliminar os de má qualidade (cf. Mt 13,47-48). Ambas as categorias são peixes, porém há os bons e os que não prestam. Também no mar da evangelização há peixes que devemos capitalizar, mas também outros que é preciso eliminar. Um empresário muito rico saiu a passear com seu filho e se perderam no bosque. Depois de muito andar, encontraram um rio, o qual foram seguindo, com a certeza de que logo descobririam algum povoado. Cansados e famintos, quando o crepúsculo havia já apagado suas variadas cores, chegaram a uma cabana de madeira, onde foram acolhidos; e à tênue luz de uma lâmpada de azeite, serviram-lhes requeijão, que comeram avidamente. No dia seguinte, ofereceram-lhes um copo de leite recém-ordenhado e um prato com nata fresca. O hóspede perguntou aos amáveis anfitriões: – Por que não semeiam frutas, grãos e legumes nestes campos tão generosos? – Para quê? – respondeu o pai. – Temos uma vaca que nos dá o necessário para viver cada dia. – Com seu leite, fazemos queijo e doce – acrescentou a senhora. – Não queremos mais do que isso. – Mas, pensando assim, viverão sempre afundados na pobreza – replicou com energia o visitante. – Com a vaca, temos o suficiente! – comentou o filho, recostado em uma rede. – Vocês vivem em um lugar privilegiado, têm água, terra fértil e estão perdendo uma grande oportunidade – acrescentou o empresário, um tanto incomodado. Eles simplesmente levantaram os ombros, com indolência, apontando para a vaca. Ao sair da casa, a vaca estava ruminando junto à planície. O pai surpreendeu o filho ao ordenar-lhe com autoridade: – Arremessa a vaca para o despenhadeiro. O filho negou-se: – Não, papai, eles nos ofereceram não somente o melhor, mas a única coisa que possuem. Esta vaca é sua fonte de sustento. Não podemos retribuir a eles desta forma tão vil. 23 – O quê? Arremessa a vaca! Eu sei o que digo! Este bovino é o culpado pelo fato de que eles não progridem. O filho não foi capaz de desobedecer à ordem paterna e, com dor em seu coração, arremessou a vaca ao precipício. Passaram-se os anos. O pai morreu e o filho sofria remorsos por ter pagado assim aquela generosa família que havia compartilhado com eles a única coisa que possuía. E assim, numa tarde de verão, decidiu levar-lhes um presente, para compensar seu malefício. Procurava e procurava, de um a outro lado, por um amplo caminho. Passou por alguns semeadouros e não conseguia dar de encontro com aquela cabana. Viu um estábulo mecanizado, um trator e uma tulha repleta de cereais. Oscampos estavam recobertos de trigo e de árvores frutíferas. A estrada estava iluminada e havia maquinaria moderna. Supôs que aquela pobre família houvesse emigrado da região e bateu à porta de uma bela mansão para perguntar. Ao abrir, foi conduzido a um amplo salão com finos móveis, tapetes importados e um lustre de cristal. Veio a senhora da casa e, levantando as mãos, identificou-o: – Há anos, o senhor veio aqui com seu pai? – Sim, sim, vim. Mas, o que aconteceu? – perguntou com curiosidade, ao notar a mudança tão significante. – Acontece que, um dia, caiu no despenhadeiro a única vaquinha que tínhamos e, ao ficar sem nada, tivemos que começar a buscar outras alternativas de vida. Graças à perda da vaca, surgiram muitas possibilidades que estavam escondidas dentro de nós mesmos. Hoje, temos 153 vacas, centenas de ovelhas e bois, semeadouros e uma debulhadeira. É lógico que o vinho novo seja colocado em odres novos. Todavia, o que custa muito esforço é a renúncia aos odres velhos; em nosso caso, os hábitos imobilizados, atos de piedade e artigos religiosos que não condizem com o Evangelho. Enquanto não arremessarmos a vaquinha ao despenhadeiro, iremos continuar com biscoito, queijo e doce de leite. O mal da vaca está em acomodar-se a ela, sem vislumbrar novas perspectivas. O triste é contentar-se com manteiga e nata, perdendo a ilusão e a criatividade para romper barreiras e arriscar-se por novos caminhos. 24 Se fizermos o mesmo que antes, e de igual maneira, chegaremos exatamente ao mesmo nível que já alcançamos. Se quisermos abrir novos horizontes, é preciso perder algo para ganhar mais. Sim, é preciso empurrar algumas vacas para o desfiladeiro. Isso parece escandaloso, e creio que o seja. Todavia, o primeiro a arremessar vacas para o desfiladeiro foi o próprio Jesus: 1. Jesus arremessou vacas ao despenhadeiro Jesus aplicou e viveu a lei do grão de trigo, que deve morrer para dar fruto. - O sábado é para o homem e não o homem para o sábado Com relação ao sábado, mandamento supremo que sintetizava toda a Lei, o Mestre foi profético: curava e trabalhava no dia de rigoroso descanso. Ousou proclamar que o sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado (cf. Mc 2,27). Ou seja, estava produzindo uma erosão no eixo religioso do povo judeu. - O templo: adoradores em espírito e em verdade Jesus despenhou o sacrossanto templo de Jerusalém quando declarou que havia chegado a hora em que nem no Monte Garizim, nem no Monte Sião de Jerusalém se adoraria a Deus, mas em espírito e em verdade (cf. Jo 4,23). Predisse igualmente a destruição do santuário. Não era fácil desprender-se deste núcleo que constituía, há mais de mil anos, o centro de gravitação do sistema da fé de Israel. Entretanto, o Mestre afirmou que o templo estava vivendo seus últimos dias, pois, de outra forma, não ficaria demonstrado que Ele era o novo e único templo de comunhão de Deus com os homens. Quando Jesus se referiu ao templo, não afirmou que necessitava ser renovado ou melhorar sua distribuição arquitetônica. Não. Declarou sem concessões que deveria ser destruído. Não ficaria pedra sobre pedra. Era necessário desfazer-se desse odre velho para dar lugar à novidade radical do Novo Testamento. - Vender todas as vacas, para comprar o campo do tesouro Em uma de Suas parábolas centrais, o Mestre da Galileia apresentou um homem que vendeu tudo que possuía para comprar o terreno onde se encontrava escondido um maravilhoso tesouro. Renunciou “às vacas” de seu capital material, social e religioso, para adquirir o campo onde estava aquela surpresa que superava qualquer expectativa (cf. Mt 13,44). Se não nos despojarmos de certas vacas, jamais iremos nos apropriar do campo que contém o tesouro. 2. São Paulo arremessou o estábulo inteiro O antigo fariseu de Tarso foi determinante. 25 - Todas as vacas são perda e estrume Quando afirma que tudo quanto supunha como verdadeiro, agora o considera “perda”, está arremessando “esta vaca” ao despenhadeiro, para que surja o Israel de Deus. Paulo, inclusive, é radical quando qualifica tudo como skybalon: esterco, em comparação com o conhecimento de Nosso Senhor Jesus Cristo (cf. Fl 3,7-8). Aqui não saberíamos se, por ter tido um encontro pessoal com Jesus ressuscitado, torna-se opaco o brilho de suas “vacas”, ou até mesmo se, por ter renunciado a suas vantagens e tradições, converteu-se no apóstolo dos gentios. Não obstante, o resultado é o mesmo: cedo ou tarde, urge desprender-se de “velhas vacas”. - A Lei do Sinai não salva nem justifica Quando afirma: “Para mim, de fato, o viver é Cristo”, que “me amou e se entregou por mim” (Fl 1,21; Gl 2,20), relativiza todos os dogmas do judaísmo, até a sacrossanta Lei do Sinai. Desvaloriza por completo o meio de salvação do sistema religioso promulgado pelo próprio Moisés no cume do Monte Sinai. O Monte Calvário se sobrepõe ao Monte Horeb. Quando declara: “[...] De tudo em que vós não pudestes ser justificados pela Lei de Moisés” e “[...] que a Lei não justifica ninguém diante de Deus é de todo evidente” (At 13,38; Gl 3,11), está abatendo uma “das vacas” mais sagradas da religião judaica: o valor das obras da Lei, que contrapôs ao dom gratuito da salvação em Cristo Jesus. - A circuncisão já não está em vigor, mas sim a fé, que atua pela caridade Desfez-se também da circuncisão, que era como o sacramento de iniciação para integrar-se ao povo de Abraão. Declarou sem concessões que já havia perdido todo o seu valor, e que agora contava somente “a fé agindo pelo amor” (Gl 5,6). Esta prática existia antes da Lei do Sinai e era tão fundamental que a cirurgia podia ser efetuada até no próprio sábado. Não obstante, Paulo a arremessa ao precipício quando afirma: “Cristo não será de nenhum proveito para vós, se vos deixardes circuncidar” (Gl 5,2). 3. A Igreja também arremessou vacas A Igreja teve, recentemente, a bravura de também arremessar “vacas” ao precipício: o limbo, que por vários séculos justificava o batismo no período da infância, era uma crença sem fundamento na revelação. Em outras ocasiões, a Igreja admitiu que não havia base histórica que justificasse certas devoções ou santos que nunca existiram. O Magistério descartou também supostas 26 aparições que eram muito favorecidas pela piedade popular e até fonte de entradas financeiras para seus protagonistas. O Papa Paulo VI, na Marialis Cultus de 1974, reprovou, com toda a intrepidez, práticas devocionais marianas que não condizem com o Evangelho. A Nova Evangelização nos desafia: qual a outra “vaca” que deveria também ser arremessada ao precipício? Ou nos arriscamos a morrer para nascer de novo, ou continuamos não só comendo, mas oferecendo ao mundo unicamente leite e queijo? A novidade do Evangelho se concretiza na medida em que forem arremessadas vacas sagradas que foram tomadas como absolutas, suplantando o lugar de Deus ou a única mediação de Cristo Jesus. A Evangelização autêntica é profética, rompe paradigmas engessados e leva a efeito a incursão por caminhos virgens, com a bravura e ousadia dos profetas que se opunham a toda idolatria. A evangelização denuncia qualquer atitude que se oponha à única mediação de Jesus, quando apresenta o Anúncio explícito da salvação gratuita em Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, que é Salvador e Senhor; o que São Paulo denominava “a Boa-Nova da graça” (At 20,24). C. A NOVA EVANGELIZAÇÃO DEVE SER EVANGELIZAÇÃO Que a Nova Evangelização deva ser Evangelização parece óbvio. Mas, para nós, a evangelização não é um substantivo, e sim um verbo na voz ativa. A evangelização é “Evangelho-ação”, uma ação do Evangelho; ou melhor, o Evangelho em ação. Não é um tema para ser discutido em congressos apenas, mas uma missão que temos de empreender com a ousadia dos pescadores que a cada dia planejam uma nova rota nos mares. Quando se percebeu, na Igreja de Antioquia, que seria preciso dilatar as margens da missão, o Senhor revelou Seu plano por meio de um profeta, que disse: “Separai para mim Barnabé e Saulo, a fim de realizarem aobra para a qual eu os chamei” (At 13,2). Sem mais preparação, impõem as mãos sobre eles e os despedem no primeiro navio. Isto não sucedeu em uma reunião de pastoral nem em congresso ou conferência magistral sobre a missão ad gentes, mas em uma assembleia litúrgica, em que se acreditava na voz dos profetas mais do que na inércia do que já estava preestabelecido. É significativo o fato que a palavra evangelização não tenha tido passaporte para transitar no vocabulário e na pastoral da Igreja por muitos séculos. Por essa razão, nos dias de hoje, urge recuperar o terreno perdido mediante uma autêntica evangelização integral que instaure um novo céu e uma nova terra (cf. Ap 21,1). 27 A evangelização há de ser Evangelho, Boa Notícia, sem emendas, sem maquiagens: “Esta mensagem é necessária; ela é única e não poderia ser substituída. Assim, ela não admite indiferença nem sincretismo, nem acomodação” (Evangelii Nuntiandi, 5). Até depois, e sempre depois, quando vem a Catequese. Para que a Nova Evangelização seja eficaz e constitua uma verdadeira Reforma, deve incluir: a. Evangelização Cristocêntrica com um único Evangelho: Jesus Salvador, Senhor e Único Mediador Em nenhum outro há salvação, pois não existe debaixo do céu outro nome dado à humanidade pelo qual devamos ser salvos (At 4,12). Isto inclui a audácia de declarar anátema a qualquer outro Evangelho ou meio de salvação que não seja o Senhor Jesus, único e suficiente Salvador e Senhor. b. Evangelização querigmática: Começa-se com o Primeiro Anúncio Paulo pregava e ensinava “publicamente e de casa em casa” (At 20,20b). O caminho da fé tem início com a Proclamação do Primeiro Anúncio, o Querigma. “Esta mensagem é necessária; ela é única e não poderia ser substituída” (Evangelii Nuntiandi, 5). Somente depois, e sempre depois, vem a Catequese. A pedagogia da fé segue um processo que não deve ser invertido, sob pena de trair sua essência: primeiro é o primeiro. Primeiro se proclama o Primeiro Anúncio, que precisamente por isso é denominado primeiro; e depois, somente depois e sempre depois, ensina-se a Catequese e a doutrina (Catechesi Tradendae, 18). De outra forma, seria como dar alimento aos mortos, e talvez a isto se referisse o Mestre, quando nos advertia: “nem jogueis vossas pérolas diante dos porcos” (Mt 7,6). Sem Querigma, constrói-se sobre areia; e diante do menor vento de novas doutrinas, cai-se no relativismo ou idolatria. c. Evangelização jarismática: A salvação é gratuita “Carismática” provém de jaris: a graça de Deus; ou seja, a gratuidade da salvação, a que São Paulo denomina: “a Boa-Nova da graça de Deus” (At 20,24). Deus nos salvou gratuitamente, o que constitui o coração e a alma de Sua pregação. 28 A Boa Notícia não nos ordena o que nós devemos fazer por Deus, moral cristã, mas nos apresenta, isto sim, o que Deus fez por nós. Ele nos amou e enviou Seu Filho quando éramos ainda pecadores (cf. Rm 5,8), “não para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele” (Jo 3,17). A salvação é gratuita. d. Evangelização profética: Com o poder da Palavra de Deus O Anúncio do Evangelho baseia-se na Palavra revelada. São Paulo assegura que, “pela loucura da pregação, Deus quis salvar os que creem” (1Cor 1,21); a Proclamação do Evangelho puro, ou seja, a salvação, não provém de transmissão por meio de Catequese, nem de objetos ou práticas religiosas, nem por meio das obras da Lei. Há um princípio essencial no campo da evangelização que foi tomado muito apressadamente: “Proclama a Palavra” (2Tm 4,2). Timóteo, deixa-te de palavreado e discussões, prega a Palavra! Deixa de lado genealogias e vãs elucubrações, prega a Palavra! Não faças longas dissertações, prega a Palavra! Chega de citações de filósofos, poetas e até mesmo teólogos, prega a Palavra! O que nos salva não são nossos manuais de teologia, nem os quilos do peso de volumosos catecismos, uma vez que somente “[o Evangelho] é a força salvadora de Deus para todo aquele que crê” (Rm 1,16) e “não existe debaixo do céu outro nome dado à humanidade pelo qual devamos ser salvos” (At 4,12). e. Evangelização litúrgica: Celebrando a Palavra proclamada Jesus já realizou Sua obra salvífica há dois mil anos, porém, na liturgia, atualizam-se Seus frutos. A liturgia, memorial da morte e ressurreição de Jesus, é como o posto de gasolina no qual nos reabastecemos para tornar presentes e efetivos os méritos de Sua obra salvífica. f. Dimensão social da Nova Evangelização: Instaurar o Reino de Deus A partir do princípio segundo o qual “toda árvore boa produz frutos bons” (Mt 7,17), se realmente semeamos o Evangelho, este se projeta em todos os setores da vida humana: na economia e na política, na ciência e nas belas artes. Enfim, estabelece-se a 29 civilização do amor (Paulo VI), para que vivamos neste mundo o Reino de Deus, que é justiça e paz e alegria no Espírito Santo (cf. Rm 14,17). Quando tornamos Jesus presente por meio de Sua Palavra, especialmente na liturgia, estamos plantando a semente da verdade e da justiça, da solidariedade e da esperança; e vislumbram-se no horizonte um novo Céu e uma nova terra (cf. Ap 21,1). D. ESTRATÉGIA: PAGAR O PREÇO DA MUDANÇA Muitas vezes admitimos que a mudança é necessária, mas nem sempre encontramos o roteiro ou forma de fazê-lo. Falta-nos “o como”. Jesus nos apresenta três critérios fundamentais para o trajeto por este caminho pragmático: a. Mudar a tática: lançar a rede do outro lado A Nova Evangelização não consiste em mudar o Evangelho, mas sim a estratégia e a tática para anunciar Jesus como Salvador e Senhor. Um dos ensinamentos mais maravilhosos de Jesus foi o que Ele proporcionou naquela madrugada, no mar da Galileia. Seus discípulos haviam passado toda a noite lançando a rede repetidas vezes. Da margem, o Mestre os questiona sobre o resultado de seu esforço. Diante da resposta lacônica e negativa que traduzia sua frustração, ordena-lhes o modo mais elementar e, no entanto, nem por isso o mais fácil: “Lançai a rede à direita do barco e achareis” (Jo 21,6a). Se arremessando a rede do lado esquerdo não se conseguiu nada, é preciso lançá- la de outra forma. Assim, de modo tão simples e tão lógico. Se uma forma de proceder não frutifica, devemos mudar a estratégia que já se tornou rotina. b. Eliminar peixes ruins Da mesma maneira que os pescadores se sentam para selecionar alguns peixes e excluir outros (cf. Mt 13,47-48), também nós haveremos de optar pelo melhor, o que implica em renunciar a alguns peixes capturados pela tradição. Na rede da evangelização, há peixes ruins os quais é preciso eliminar. c. Vinho novo em odres novos O Mestre nos revelou também o segredo para que o vinho novo não se perca: são necessários odres novos. Novos contentores, esquemas e paradigmas, a começar por uma nova mentalidade, uma mentalidade querigmática. 30 Se uma equipe de futebol não der bons resultados no campo de jogo, é preciso rever primeiro o trabalho do treinador, corrigir as táticas de jogo e até substituir alguns jogadores. No campo da evangelização, acontece o mesmo: requer-se a mudança de atitude e de mentalidade dos evangelizadores; e até mesmo, caso seja necessário, a exoneração de alguns deles. 31 32 Conclusão Para que produza fruto abundante, a Nova Evangelização há de ser “Nova” e deve ser “Evangelização”. Nova: que suas formas e métodos sejam originais, criativos e pedagógicos; penetrando por novos caminhos, porém renunciando a tudo quanto não seja evangélico. Evangelização: “Evangelho-ação”, que apresente a Boa Notícia, ou melhor, Jesus- Evangelho, sem acréscimos nem reduções. É a Proclamação da Boa Nova, que não é algo, e sim Alguém, Jesus de Nazaré, que “é o mesmo, ontem, hoje e sempre” (Hb 13,8). Esta Nova Evangelização está destinada a ser uma reforma mais profunda, muito embora, com certeza, irá encontrar uma grande resistência na Contrarreforma. A Nova Evangelização não consiste nas reflexões feitas sobre ela, nem nos livros e congressos com este tema, mas em averiguar se estamos conseguindo153 peixes grandes em nossas redes. O essencial não são as discuções históricas e teológicas, nem mesmo bíblicas, sobre a matéria, mas sim o fato de estarmos produzindo um fruto abundante e um fruto que permaneça (cf. Jo 15,16b). Na Igreja Católica, quase sempre temos formado primeiro a mente, antes do agente. Na Escola de Evangelização Santo André, não refletimos primeiro, para depois evangelizar. Começamos evangelizando, e nossas conclusões brotam de uma experiência. A Nova Evangelização não é um conceito que é preciso definir, mas uma ação que é preciso empreender, porque “o amor de Cristo nos impele” (2Cor 5,14). Para concluir, quero comentar um princípio pastoral da Escola de Evangelização Santo André: “A evangelizar, aprende-se evangelizando”. Aplico o mesmo à “Nova Evangelização”: a Nova Evangelização não se conhece em um escritório ou em congressos com sábias dissertações. É um caminho, é um processo, e somente percorrendo-o, chegaremos à meta. 33 34 NOVOS EVANGELIZADORES PARA A NOVA EVANGELIZAÇÃO ESQUEMA A. Descer ao rio Jordão: Experimentar o amor de Deus B. Ir a Damasco: Encontro pessoal com Jesus ressuscitado para curar-se da religiosidade arcaica C. Subir ao Aposento Alto: Receber do Espírito a Dynamis e Parresia a. Presença e ausência do Espírito são percebidas. b. Vento impetuoso ou ar-condicionado? D. Caminhar rumo a Emaús e correr pelas montanhas de Judá a. Caminhar rumo a Emaús, para que o coração arda com o fogo da Palavra. b. Correr pelas montanhas de Judá com alegria 35 36 Introdução Já delineamos o perfil da Nova Evangelização; vamos agora considerar seu princípio fundamental: não pode haver Nova Evangelização sem que haja novos evangelizadores. Assim sendo, delinearemos as quatro características essenciais do novo evangelizador, as quais vêm em primeiro lugar, antes de tudo. Um professor de filosofia entrou na sala de aula com um grande frasco transparente vazio. Sem proferir palavra, começou a colocar as bolas de tênis no frasco. Couberam apenas quatro. Em seguida, para induzir à resposta equivocada, com outra bola na mão, perguntou a seus alunos se havia espaço. Eles afirmaram que já não cabia uma sequer. O catedrático apanhou, então, uma caixa contendo pequenas bolinhas de gude e a esvaziou dentro do frasco. As bolinhas escorregaram por entre as bolas de tênis. O mestre tornou a perguntar-lhes se havia ficado lugar. Eles responderam que não, porque o frasco já estava repleto. O professor repetiu a frase de seus alunos, mas em tom de interrogação: o frasco já está repleto? Em seguida, pegou um saquinho com areia e esvaziou-o dentro do frasco. A areia, por certo, invadiu os espaços vazios. O professor, sorrindo com ironia, perguntou se havia espaço no frasco. Os alunos responderam que não, porque agora estava completamente cheio. Passados alguns momentos de silêncio para refletir, o professor moveu negativamente a cabeça e ajuntou sua xícara de café quente. Os estudantes riam do engenho do professor universitário, enquanto o aroma do café inundava a sala. O filósofo, então, esclareceu: as bolas de tênis simbolizam o essencial da vida, as bolinhas de gude representam o acidental, que vem depois; a areia, o superficial, ao passo que o café significa o supérfluo; supérfluo que, quando dele se abusa, causa dano. No final, simplesmente comentou: se não colocares o essencial primeiro, depois já não haverá lugar para ele. Primeiro é o primeiro. Em nosso caso, se o frasco transparente representa o novo evangelizador, as quatro bolas de tênis identificam-se com as quatro características essenciais que definem seu perfil interno e externo. Vem depois o que não qualificamos como acidental, mas 37 simplesmente secundário, porque vem depois: a Catequese, a teologia e toda a sistematização intelectual. As pequenas bolas de gude simbolizam os esquemas, congressos e todo tipo de reflexão e aprofundamento teórico-doutrinal. A areia significa as técnicas de comunicação e o material didático. O superficial poderia ser identificado com certos tipos de devoções ou práticas religiosas que, embora tenham aparência de sabedoria e piedade, são perecíveis (cf. Cl 2,23). O café poderia fazer alusão a objetos religiosos que não são evangélicos, e que causam dano à fé autêntica. As quatro bolas de tênis que devem ser colocadas primeiro no frasco do evangelizador são as condições que o constituem como tal: Descer ao rio Jordão, para experimentar o amor incondicional de Deus. Ir até Damasco, para ter um encontro pessoal com Jesus vivo e ser curado da religiosidade que não é evangélica. Subir ao Aposento Alto, para ter um novo Pentecostes, com Dynamis e Parresia. Caminhar e correr: > Caminhar rumo a Emaús, para que o coração arda com o fogo da Palavra. > Correr pelas montanhas de Judá com alegria, para alegrar os demais. As quatro características essenciais do novo evangelizador são por nós identificadas com as quatro bolas de tênis que devem entrar primeiro. Se a salvação depende da Pregação ou Querigma, já que “pela loucura da pregação, Deus quis salvar os que creem” (1Cor 1,21), a evangelização depende dos evangelizadores; consequentemente, e pela lógica, a Nova Evangelização depende também de novos evangelizadores. Para que ocorra uma Nova Evangelização, são necessários novos evangelizadores, cuja vida tenha sido renovada e tenham mentalidade querigmática. 38 39 Desenvolvimento do tema Para ser evangelizador, é preciso antes ter sido evangelizado. E se alguém quiser ser evangelizador com grande poder, terá que ter sido evangelizado também com grande poder. De uma forma muito sintética, apresentamos os verbos do itinerário que o novo evangelizador haverá de vivenciar: descer, ir, subir, caminhar e correr. A. DESCER AO RIO JORDÃO: EXPERIMENTAR O AMOR DE DEUS Antes de começar Seu ministério, Jesus desce ao rio Jordão para ouvir a declaração pública do amor de Deus, que O capacita para a missão de instaurar o Reino de Deus neste mundo: Tu és o meu Filho amado; em ti está o meu agrado (Mc 1,11). Não podemos começar nossa missão se antes não estivermos batizados no amor pessoal e incondicional de Deus. Quando Jesus decide subir a Jerusalém para enfrentar Seus invejosos inimigos, que querem aniquilá-Lo, dirige-se antes ao Tabor, a fim de obter a energia que Lhe falta para enfrentar a batalha final. No cimo desta alta montanha, volta a ouvir a voz de Seu Pai que Lhe declara, diante de Moisés e Elias, Seu amor pessoal (cf. Mt 17,1-5). O Calvário só pode ser enfrentado depois de ter subido ao Tabor. B. IR A DAMASCO: ENCONTRO PESSOAL COM JESUS RESSUSCITADO A segunda bola da essência de um novo evangelizador está radicada no fato de ter tido um encontro pessoal com Jesus ressuscitado. Se assim não for, seu ensinamento irá se assemelhar mais a propaganda e charlatanismo do que a um testemunho de uma experiência pessoal. Não basta ser mestre em Israel, como Nicodemos. É necessário nascer de novo. Sem esta condição, transformaríamos o Evangelho em uma doutrina teórica, ou esquema teológico, sem vida. 40 Não é suficiente ser irrepreensível quanto à lei; faz-se necessário ter uma experiência de salvação com Jesus ressuscitado. Será por isso que o testemunho de Paulo é relatado três vezes nos Atos dos Apóstolos e o próprio apóstolo faz contínuas referências a ele como fundamento de seu ministério? Damasco curou Saulo de seu farisaísmo e sistema religioso que já estava vencido. Diante do sublime conhecimento e revelação de Cristo Jesus, o que é velho passa a ser perda e prejuízo (cf. Fl 3,7-8). Muitas pessoas, centradas em seus antigos esquemas, necessitam de cura da religiosidade (não da religião), especialmente quando estas práticas estão competindo ou substituindo a única mediação de Cristo Jesus. Algumas pessoas suprem a ausência de uma relação pessoal com Jesus com práticas religiosas. Assim como Paulo precisou que lhe caíssem as escamas de seu farisaísmo e de todo o sistema religioso em que depositava sua confiança, também nós necessitamos de uma cura para vere conhecer o plano de salvação no qual Jesus é o único Salvador e Senhor. Sem Damasco, não há evangelização verdadeira. Nasci em uma família muito cristã, com tradições religiosas muito fortes. Aos doze anos, entrei em um seminário, supondo que minha vocação fosse o ministério sacerdotal. Procurei viver profundamente minha fé, com fidelidade às regras e constituições da Congregação. Estudei a Bíblia e, aos 22 anos, dava cursos de Sagrada Escritura e linguagem bíblica. Entretanto, só conhecia o Senhor pelo que ouvia e lia. Isso persistiu até o dia 3 de dezembro de 1971, quando Deus teve piedade de mim e me revelou Seu Filho como único e suficiente Salvador. Esse meio-dia foi meu encontro pessoal com Jesus ressuscitado, que tatuou minha vida e definiu meu ministério da Palavra na Igreja, não como sacerdote, mas como leigo que teve uma obsessão por Jesus de Nazaré e está apaixonado por Sua Palavra. Quem viveu seu encontro com Jesus não pode deixar de falar do que viu e ouviu, já que a boca fala da abundância do coração, e seu lema é: “Ai de mim, se eu não anunciar o Evangelho” (1Cor 9,16). O que garante a pregação da Madalena aos apóstolos (cf. Jo 20,18), assim como o que prova que Paulo é um verdadeiro apóstolo e não um impostor (cf. 1Cor 9,1-2), é que ambos usam a forma verbal heóraka, que significa que viram o Senhor Jesus, porém sua experiência deixa uma marca que perdura3. 41 Por isso, Jesus não apareceu a qualquer pessoa, “mas às testemunhas designadas de antemão por Deus” (At 10,40-41). C. SUBIR AO APOSENTO ALTO: RECEBER DO ESPÍRITO A DYNAMIS E A PARRESIA A terceira bola de tênis, que deve entrar antes que qualquer outra coisa, representa a experiência pentecostal dos que levam a mensagem do Evangelho da Graça. Jesus deu indicações claras a Seus discípulos no sentido de não se afastarem de Jerusalém até que fossem revestidos do poder do Alto (cf. Lc 24,49). Eles subiram a uma sala do segundo andar e, no dia de Pentecostes, um vento impetuoso, qual furacão incontrolável, invadiu os 120 reunidos em oração junto com Maria, a Mãe de Jesus, para capacitá-los como testemunhas da morte e ressurreição de Cristo. A missão que Deus nos confiou ultrapassa nossas forças, mas não supera a Dynamis do Espírito. Por isso, faz-se necessário, antes de mais nada, subir ao aposento alto com o intuito de receber Sua força, para empreender o voo pelos amplos horizontes da Nova Evangelização, com a Dynamis e a Parresia divina. Não pode haver novos evangelizadores sem que haja, antes, um novo Pentecostes. Se a primeira evangelização, na praça de Jerusalém, foi fruto da chegada impetuosa do Espírito Santo, a Nova Evangelização não pode ser senão consequência de um novo Pentecostes, já que a Ruaj divina é a protagonista da missão evangelizadora (Redemptoris Missio, 21). Sem a presença do Espírito Santo, nossos esquemas e reflexões teológicas não dão frutos de conversão, uma vez que, “se o Senhor não construir a casa, é inútil o cansaço dos pedreiros. Se não é o Senhor que guarda a cidade, em vão vigia a sentinela” (Sl 127,1). O Papa Paulo VI afirma-o categoricamente na Evangelii Nuntiandi, 75: Nunca será possível haver evangelização sem a ação do Espírito Santo. [...] As técnicas da evangelização são boas, obviamente; mas, ainda as mais aperfeiçoadas, não poderiam substituir a ação discreta do Espírito Santo. A presença do Paráclito inclui o Espírito de revelação que Paulo pedia para os efésios (cf. Ef 1,17); porque reconhecer Jesus como Salvador e Senhor não é obra de um raciocínio ou dedução mental, mas revelação do Espírito de Deus vivo, que nos leva à verdade completa (cf. Jo 16,13). O Espírito nos dá testemunho de que somos filhos com direito à herança. Por isso, o evangelizador deve ter tido seu Pentecostes pessoal. a. Presença e ausência do Espírito Santo são percebidas 42 Quando a Igreja primitiva teve necessidade de iniciar o diaconato, os apóstolos solicitaram sete varões cheios de fé e de Espírito Santo. A comunidade apresentou sete candidatos (cf. At 6,5), porque era evidente que eles estavam cheios do Espírito de Deus, pois derramavam seus frutos e carismas por todas as partes. Quando Paulo chega a Éfeso, encontra-se com doze discípulos, mas percebe imediatamente que lhes falta algo essencial: o Espírito Santo. Notava-se que não o possuíam. “Vós recebestes o Espírito Santo quando abraçastes a fé?” Eles responderam: “Nem sequer ouvimos dizer que existe Espírito Santo!” Então Paulo perguntou: “Que batismo então recebestes?” Eles responderam: “O batismo de João.” Paulo disse-lhes: “João administrava um batismo de conversão, dizendo ao povo que acreditasse naquele que viria depois dele, isto é, em Jesus”. Tendo ouvido isso, eles foram batizados no nome do Senhor Jesus. Paulo impôs-lhes as mãos, e o Espírito Santo desceu sobre eles. Começaram então a falar em línguas e a profetizar. Ao todo, eram uns doze homens (At 19,2-7). A grande diferença entre o batismo de João e o batismo do Messias está em que o primeiro carece de Espírito Santo, ao passo que o segundo é a fonte da nova vida, e vida em abundância. Receio que muitos que se classificam como católicos nas pesquisas e recenseamentos receberam somente o batismo de João. Se São Paulo aparecesse hoje “nos Éfesos” de nossas comunidades, centros de catequese e até universidades católicas, iria nos perguntar se nos falta Espírito Santo? b. Vento impetuoso ou ar-condicionado? Em não poucos espaços, o vento impetuoso de Pentecostes transformou-se em ar- condicionado, o que acaba por domesticar a força do Espírito de Deus vivo. É comum a figura do vento, a Ruaj ou o Pneuma para fazer referência ao Espírito Santo. No Pentecostes, trata-se de pnoés biaias: vento impetuoso, que encheu até mesmo os recantos mais obscuros da vida dos apóstolos, convertendo-os em testemunhas com poder de Cristo ressuscitado. Não obstante, outros reduzem esta Ruaj imponente a um simples ar-condicionado, que se ajusta de acordo com a conveniência ou comodidade. O vento impetuoso, tal como sucedeu a Paulo, nos surpreende e rompe esquemas de seguranças humanas, para indagar: Senhor, que queres que eu faça? O ar-condicionado, ao contrário, é favorável a que façamos nossos planos pastorais, que elaboremos os esquemas e depois peçamos que o Senhor nos ajude. O ar-condicionado está ajustado em uma temperatura constante para agradar os homens. O vento impetuoso nos dá a coragem para sermos fiéis a Deus, sem dar importância ao preço a ser pago. 43 Nós possuímos o ar-condicionado. O vento impetuoso se apodera de nós. O ar-condicionado exclui carismas que incomodam ou comprometem. O vento impetuoso nos surpreende com variedade de carismas e ministérios. O ar-condicionado é como essas fontes em que circula sempre a mesma água. Em contrapartida, o furacão sopra como quer, e não sabemos de onde vem nem para onde vai. O vento impetuoso é motivo de liberdade. É livre e nos torna livres. O ar-condicionado é uma pomba engaiolada, sem liberdade para voar pelo espaço infinito. Há pessoas que tentam manipular o Espírito com o controle de Seus esquemas; todavia, jamais poderão regular a força impetuosa de um furacão, porque o vento é sempre imprevisível; sempre cheio de surpresas, criativo e novo. O ar-condicionado é de tal modo cômodo que nos faz cair na letargia de análises calculadoras. O furacão nos transforma em testemunhas com poder da ressurreição do Senhor Jesus. D. CAMINHAR E CORRER a. Caminhar rumo a Emaús, para que o coração arda com o fogo da Palavra Os discípulos de Emaús percorrem o caminho com Jesus, que explica as Escrituras, as quais, por sua vez, explicam Jesus. Cléofas e seu companheiro de viagem, rumo à pequena aldeia de Emaús, eram testemunhas da morte de Jesus, porém simples repórteres de Sua ressurreição, pois se limitavam a repetir o que as mulheres diziam ter ouvido dos anjos. Até que seus corações arderam com a Palavra de Jesus e eles O reconheceram na Fração do Pão; e então, embora a noite se aproximasse, voltaram pelo mesmo caminho para testemunharque, verdadeiramente, o Senhor Jesus havia ressuscitado. Já não são simples repórteres que repetiam o que as mulheres diziam. Não. Agora são testemunhas, pois seus corações estavam inflamados com o fogo da Palavra. Se nosso coração não arder com a Palavra, não conseguiremos abrasar o mundo com o Evangelho da graça. b. Correr pelas montanhas de Judá com alegria Naqueles dias, Maria partiu apressadamente para a região montanhosa, dirigindo-se a uma cidade de Judá (Lc 1,39). Tão logo engravidou pelo poder do Espírito Santo e com a Palavra encarnada em seu coração, a primeira coisa que Maria faz é spoudés: “apressar-se” para levar Jesus, tanto a 44 Isabel como a João Batista. Um evangelizado que abriu as portas do coração corre para dar testemunho do que lhe aconteceu, e o faz com pressa, porque o amor de Cristo o impele (cf. 2Cor 5,14). Maria estava tão repleta de júbilo do Espírito que, ao saudar sua prima Isabel, João Batista saltou de alegria no ventre de sua mãe. A carteira de identidade de um evangelizador não consiste em carregar a cruz da dor e do sofrimento. O cristianismo não é a religião da cruz, mas sim a religião do poder da cruz, que se manifesta na alegria contagiante de haver encontrado o tesouro escondido. Quando André encontra Jesus no deserto, vai buscar imediatamente seu irmão Simão, para levá-lo ao Mestre. Leva alguém que sirva, ame e pregue Jesus mais e melhor que ele próprio. Se você não correr para anunciar Jesus, ainda não é evangelizador. Nem Maria nem André foram fazer um retiro de trinta dias para fins de discernimento, nem sequer programaram uma reunião de pastoral: simplesmente evangelizaram, uma vez que, a evangelizar, aprende-se evangelizando! Assim, pois, a essência do perfil do novo evangelizador encontra-se delineada nessas quatro bolas. 45 46 Conclusão A Nova Evangelização somente poderá ser realizada com novos evangelizadores. Se as peras se produzem nos pomares e a uva nas videiras, a Nova Evangelização só floresce em árvores de novos evangelizadores. Delineamos o perfil do que constitui o essencial em um novo evangelizador nas quatro bolas de tênis: Desce ao rio Jordão para experimentar o amor incondicional de Deus. Vai a Damasco para ter um encontro pessoal com Jesus ressuscitado, que o cura da religiosidade vencida, já superada pelo Novo Testamento. Sobe ao aposento alto para viver o Pentecostes pessoal. Caminha e corre. Caminha até Emaús, para que seu coração se abrase com o fogo da Palavra, e corre pelas montanhas de Judá com alegria. Estas quatro características são as que fazem do evangelizador um testemunho autorizado da morte redentora e da gloriosa ressurreição do Senhor Jesus. Isto constitui o essencial, o que é colocado, em primeiro lugar, no frasco do novo evangelizador. O que é secundário é colocado depois, não porque não é importante, mas simplesmente porque é posterior ao fato de haver estabelecido esta coluna vertebral. O que for superficial é situado de igual maneira; e até mesmo o supérfluo perde seu sentido. 47 48 O QUE É O QUERIGMA APOSTÓLICO ESQUEMA A. Ponto de partida: São duas etapas diferentes e complementares entre si B. O que é o Querigma Apostólico: Grito de Boa Notícia de Jesus C. Conteúdo do Querigma dos Apóstolos: Jesus Morto, Ressuscitado e Glorificado como Salvador, Senhor e Messias D. Intencionalidade do Querigma dos Apóstolos: Por nós e para nós E. Enfoque do Querigma Apostólico: Transpassar os corações F. Objetivo da Pregação apostólica: Receber o Espírito Santo G. Nossa resposta à proposta divina: Fé, arrependimento e conversão. Confessar Jesus como Salvador e proclamá-Lo Senhor H. Perseverar até o fim: Formando o Corpo de Cristo na Igreja 49 50 Introdução Quando São Paulo sintetiza seu ministério, distingue duas etapas: anunciava e ensinava – euanguelai hymin kai didazjai hymás (cf. At 20,20). Para referir-se ao Anúncio, usa o verbo anguelo, cujo conteúdo é “a Boa Nova de Jesus, o Messias” (cf. At 5,42). Ao aludir à segunda etapa, emprega o verbo didasco, do qual deriva a didajé, ou ensinamento. É tão importante distinguir as duas etapas quanto a sequência entre elas. Não são a mesma coisa, porém ambas estabelecem uma harmonia, com base em certa pedagogia: primeiro se anuncia e, posteriormente, se ensina. Mais tarde, o apóstolo afirma que “Deus quis salvar os que creem – díá tes morías tou kerygmatos – pela loucura da pregação” (cf. 1Cor 1,21). Este kérygma – kerýgmatos, que se traduz por Proclamação ou Anúncio, nós o identificamos com o Primeiro Anúncio ou Querigma, para distingui-lo da Catequese. Trata-se do meio pelo qual somos salvos. Ou seja, não é por meio da Catequese nem por meio da doutrina, mas sim do Anúncio da Boa Notícia de Jesus. No campo pastoral, durante vários séculos, enterramos o denário do Anúncio Querigmático, não apenas não ganhando juros, mas desvalorizando o capital da Igreja. Por muitos anos, a província de Alberta foi uma das mais pobres do Canadá, tendo que receber subsídios do governo central para suprir suas necessidades. As pessoas emigravam em busca de trabalho e os jovens dirigiam-se a outras latitudes para estudar. Um dia, porém, descobriu-se que existia uma imensa jazida petrolífera no subsolo daquela região, que se transformou na província mais florescente do Canadá. Nadavam em um mar de petróleo e, no entanto, não sabiam. Possuíam uma grande riqueza, mas viviam como pobres. A maior riqueza da Igreja é o Evangelho da Graça (cf. At 20,24), e sua grande missão é proclamá-lo até os confins da terra, mas, infelizmente, a partir da Reforma de Martinho Lutero (1483–1546), no século XVI, colocamos esta luz debaixo da mesa. Abandonamos a dimensão querigmática e compensamos esta grande omissão focalizando os refletores no dogma, no culto e nos sacramentos. Basta observar que os termos “Querigma” ou 51 “Primeiro Anúncio” ainda não existem no Vaticano II (1962-1965), muito embora, certamente, a Constituição Dei Verbum, 24, faça distinção entre Pregação e Catequese. Nestes últimos anos, a Igreja está redescobrindo, acredito que por meio de estudo, a importância do Querigma ou Primeiro Anúncio. Não obstante, o que ainda não consegue recuperar é a prática de mostrar com fatos que o Anúncio Querigmático é o primeiro passo, e que a Catequese vem somente depois. A inércia de cinco séculos faz com que ela caminhe com o freio de mão sob controle. Ainda não ousa dar o passo profético, uma vez que tomar consciência do coração do Evangelho implicaria em uma Reforma radical, onde apareceriam os grupos dos contrarreformistas. Nosso desafio é levantar esta luz do Anúncio Querigmático, para que ilumine os de casa e o mundo inteiro. Não podemos viver como pobres, possuindo tal riqueza dentro de nós mesmos. 52 53 Desenvolvimento do tema A. PONTO DE PARTIDA: DIFERENÇA ENTRE QUERIGMA E CATEQUESE Duas etapas diferentes e complementares entre si Nossa plataforma de decolagem é o seguinte pressuposto: “A Catequese é diferente do Primeiro Anúncio” (Catechesi Tradendae, 19). Evangelizar e ensinar são dois passos sucessivos; incompletos no sentido de que se supõem mutuamente, porém complementares entre si, uma vez que formam um binômio indissolúvel, em que cada qual tem seu lugar, ainda que a fronteira entre um e outro tenha muitos pontos comuns. O Papa João Paulo II assinala que “entre evangelização e catequese não existe separação nem oposição, nem identificação pura e simples, mas sim relações profundas de integração e complemento recíproco” (Catechesi Tradendae, 18). A Evangelii Nuntiandi nos mostrava desde 1975 que são duas colunas que sustêm a construção da fé. Cada uma delas possui seu espaço, objetivo e conteúdo, que é preciso distinguir, respeitar e valorizar. B. O QUE É O QUERIGMA APOSTÓLICO Grito de Boa Notícia de Jesus Kérygma significa brado e se aplica à Proclamação Apostólica, também chamada Primeiro Anúncio ou Evangelização Fundamental; ABC do cristianismo; sua carteira de identidade e DNA. Trata-se do alicerce, para que nossa vida cristã nãoseja edificada sobre areia. Trata-se, outrossim, da Boa Nova de Jesus; ou melhor, de Jesus como a Boa Nova de Deus (cf. Mc 1,1). São Lucas registrou a Pregação original dos apóstolos em seis enunciados querigmáticos4: - Cinco de Pedro: At 2,14-29; 3,12-26; 4,8-12; 5,29-32 e 10,34-43. - Um de Paulo: At 13,16-41. 54 C. CONTEÚDO DO QUERIGMA DOS APÓSTOLOS: Jesus, Morto, Ressuscitado e Glorificado, como Salvador, Senhor e Messias O grito inicial não é teoria nem doutrina, mas “a Boa Nova de Jesus, o Messias” (cf. At 5,42), o que talvez, melhor traduzindo, convenha assim expressar: “Jesus, como a Boa Nova de Deus”. Por isso, todos os enunciados querigmáticos são centrados em uma Pessoa com Seus três acontecimentos, assim como os três títulos mais importantes, com uma intencionalidade: por nós e para nós. A seguinte estrela resume-o de forma sintética: Conteúdo do Querigma Apostólico Se elaborarmos um quadro sinótico do conteúdo dos discursos querigmáticos, encontraremos os seguintes elementos (em caracteres itálicos, as palavras exatas que aparecem no texto bíblico): Jesus É identificado por seu nome próprio: Yeshuá, que em hebraico significa YHWH salva. Jesus é a Boa Nova que torna presente o reinado de Deus. Nele se identificam a salvação e o Salvador (cf. Jo 4,22; At 4,2; 1Tm 2,5; Lc 2,11). Homem: pertence cem por cento à raça humana. Nesta primeira etapa, não se proclama Jesus como Deus nem Filho de Deus, mas como um homem igual aos outros (cf. Hb 4,15). Afirma-se, pura e simplesmente, que Deus estava com ele (cf. At 10,38). Até após o recebimento do Espírito Santo pode-se aceitar que o Nazareno é Filho de Deus e é Deus, bendito para sempre! (cf. Rm 9,5). De Nazaré ou Nazareno: enquadrado na geografia. Da Galileia dos gentios (cf. Mt 4,12-16). Pertence ao povo eleito. Da descendência de Davi: integrado na história de Israel e na família de Davi (pastor e rei). É “o Descendente” (cf. 2Sm 7,11-12; Is 7,14; 9,5; 11,1; Mq 5,1-3), que instaura o Reino de Israel (cf. At 1,6). 55 Ungido com o Espírito Santo: a característica mais importante de Jesus é a de que Deus O ungiu com o Espírito Santo (cf. Lc 4,18; Mc 1,9-11; Mt 3,13-17; Jo 1,32-34). É o Ungido, o Messias, o Cristo. Profeta: não era um teólogo nem um mestre profissional, mas sim um carismático inspirado por Deus (cf. Mc 6,15; Mt 21,11; Lc 7,16; Jo 4,19). Poderoso em obras e palavras: unem-se, em Seu ministério, a ação poderosa e a mensagem eficaz. O Evangelho de Mateus resume a pregação de Jesus, assim como o de Marcos, Seus milagres. Fez o bem, curou e libertou. Os milagres, prodígios e sinais não eram adornos acidentais, nem apenas provas da veracidade de Sua doutrina, mas a salvação integral que estava se realizando. a. Morreu na cruz Pedro responsabiliza os judeus, especialmente os sumos sacerdotes e magistrados do povo, pela morte de Jesus; esta, no entanto, é levada a termo por mãos dos romanos: Pilatos. Assim, tanto judeus quanto gentios, todos nós constituímos causa de Sua morte. Todavia, em última instância, Jesus não é morto, pois Ele se entrega voluntariamente (cf. Jo 10,18; Jo 13,1). Por isso mesmo, São Paulo usa a forma verbal apéthanen, que em grego é um aoristo (passado) da voz ativa (1Cor 15,3): Cristo morreu; não foi morto. Os discursos querigmáticos salientam que havia um determinado, e não determinista, desígnio divino, já anunciado pelos profetas nas Escrituras. Na cruz: cinco dos seis discursos querigmáticos fazem alusão à ignomínia do madeiro, o qual, se é um escândalo para os judeus e uma loucura para os gentios, para aqueles que creem transforma-se em força e sabedoria de Deus (cf. 1Cor 1,22-25). Padeceu: a morte de Jesus está contida em Sua dolorosa paixão, que O identifica com o Servo de YHWH, anunciado pelo profeta Isaías, quando se afirma que por Suas chagas fomos curados e que Ele suportou o castigo que nos traz a paz (cf. Is 53,5). Sepultado: Jesus esteve verdadeiramente morto e foi tratado como um defunto. b. Ressuscitado por Deus, aparece às testemunhas Nos discursos querigmáticos, Jesus não ressuscitou, mas foi ressuscitado pelo Deus de nossos pais. Paulo usa a forma verbal eguéguertai, que em grego é um tempo perfeito da voz passiva (1Cor 15,4) e que poderíamos assim traduzir: “foi ressuscitado e está ressuscitado (por Deus)”. Ao terceiro dia: não significa setenta e duas horas, e sim um breve espaço de tempo. Manifestou-se às testemunhas: as aparições são manifestações àqueles que são ou haverão de ser testemunhas (cf. At 10,41). Destaca-se, entre tais pessoas, Simão ou 56 Cefas. De acordo com 1Cor 15,45, Jesus ressuscitado é: O vivente (um ser natural, dotado de vida): zoonta, particípio presente do verbo “viver”. Jesus está vivo hoje. Vivificante (o ser que dá vida): zoopoiún, particípio presente do verbo “vivificar”. Jesus ressuscitado é fonte de vida. c. Glorificado: exaltado à direita de Deus Jesus, morto e ressuscitado, foi exaltado e glorificado pelo Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó. Ou seja, tem continuidade a linha salvífica do Antigo Testamento. À Sua direita ou pela direita de Deus: recebe um posto de honra e os títulos mais gloriosos: Salvador: Soter, que nos livra de toda opressão, especialmente do pecado, assim como de sua causa e consequências (cf. Mt 1,21; Lc 2,11; Jo 4,42). Senhor: Kúpios – Kyrios. O Nome que está acima de todo nome. Ele é o dono e administrador régio de tudo quanto existe no Céu e na terra (cf. Fl 2,11; Mt 28,18). Messias: Jristós. O ungido com Espírito Santo (cf. Is 11,1-2; 42,1; 61,1), que dá o Espírito Santo (cf. Jo 1,33; 7,39; 16,7). D. INTENCIONALIDADE DO QUERIGMA DOS APÓSTOLOS: Por nós e para nós Nesta etapa inicial, não se apresenta doutrina, nem moral, nem dogma. Proclama-se tão somente uma Pessoa viva, com três acontecimentos (morto, ressuscitado e glorificado) e três títulos (Salvador, Senhor e Messias), com uma conclusão teológica: Tudo isso aconteceu por nós e para nós. São Paulo assim o resume: “Jesus, nosso Senhor, entregue por causa de nossos pecados e ressuscitado para nossa justificação” (Rm 4,24-25). - Morreu, ressuscitou e foi glorificado, por nós. - É Salvador, Senhor e Messias, para nós. Não é simples história nem mesmo resumo da vida e missão de Jesus. Tudo isto era feito com uma intenção: nós somos os destinatários e beneficiários destes 57 acontecimentos. E. ENFOQUE DO QUERIGMA APOSTÓLICO: Transpassar os corações O Anúncio Querigmático, mais do que uma doutrina ou ensinamento que ilumina nossa mente, é um grito que desafia a vontade. Os que ouviram a pregação de Pedro no dia de Pentecostes, perguntaram katenyguesan te tardia: com o coração transpassado, o que deviam fazer para apropriar- se do dom gratuito da salvação (cf. At 2,37). O Querigma, mais que luz para o entendimento, é uma espada que penetra o coração daqueles que escutam. Portanto, uma Pregação Querigmática desafia o centro da vontade e as decisões para aceitar ou rejeitar a salvação gratuita. Aqui está a chave do Anúncio. F. OBJETIVO DA PREGAÇÃO APOSTÓLICA: Receber o Espírito Santo A epístola aos Efésios mostra claramente o processo e o resultado do Anúncio do Evangelho: Nele, também vós ouvistes a palavra da verdade, a Boa-Nova da vossa salvação. Nele acreditastes e recebestes a marca do Espírito Santo prometido (Ef 1,13). O Espírito Santo coroa a obra evangelizadora. Por isso, quando Paulo chegou a Éfeso, perguntou se haviam cumprido o objetivo da Proclamação do Evangelho: receber o Espírito Santo (cf. At 19,2). O Querigma culmina com a efusão do Espírito Santo, a que Jesus chama ousadamente de batismo no Espírito Santo (cf. At 1,5), por se tratar de uma imersão, para ficarmos plenamente cheios do Espírito da Promessa, que nos faz nascer de novo e atualiza os méritos da Páscoa Redentora5. Algumas pessoas poderiam objetar que já receberam o Espírito Santo, tanto no batismo quanto na confirmação. Isto é tão certo quanto o fato que aconteceu sem uma evangelização prévia, que implique em uma adesão livre e consciente a Jesus Cristocomo Salvador e Senhor. Além disso, valeria a pena perguntar se o Espírito se recebe unicamente uma ou duas vezes na vida ou toda vez que for necessário. G. NOSSA RESPOSTA À PROPOSTA DIVINA: Fé, arrependimento e conversão 58 Confessar Jesus Salvador e proclamá-Lo Senhor Se Jesus já nos salvou e nos presenteou com o dom da salvação, de que modo nos apropriamos dos frutos da redenção? Encontramos um mosaico que aborda a questão a partir de diferentes perspectivas. Todos os elementos são importantes e implicam-se reciprocamente. Os que ouvem Pedro perguntam-lhe o que devem fazer para obter essa nova vida. Pedro responde: Convertei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo, para o perdão dos vossos pecados. E recebereis o dom do Espírito Santo (At 2,38). São Paulo, por sua vez, resume-o magistralmente: Se, pois, com tua boca confessares que Jesus é Senhor e, no teu coração, creres que Deus o ressuscitou dos mortos, serás salvo. É crendo no coração que se alcança a justiça, e é confessando com a boca que se consegue a salvação (Rm 10,9-10). Em outra passagem, assinala: “Insisti com judeus e gregos para que se convertessem a Deus e acreditassem em Jesus, nosso Senhor” (At 20,21). A oferta da salvação requer uma resposta de fé: crer em Jesus. Isso abrange diferentes aspectos: arrepender-se e converter-se, culminando com o batismo; confessar Jesus como único, suficiente, exclusivo e excludente Salvador pessoal; e, igualmente, proclamar Seu Senhorio em todos os aspectos da vida. H. PERSEVERAR ATÉ O FIM: Formando o Corpo de Cristo na Igreja O Querigma atinge seu ponto culminante quando os evangelizados formam o Corpo de Cristo, vivendo a comunhão eclesial: Eles eram perseverantes em ouvir o ensinamento dos apóstolos, na comunhão fraterna, na fração do pão e nas orações. Perseverantes e bem unidos, frequentavam diariamente o templo, partiam o pão pelas casas e tomavam a refeição com alegria e simplicidade de coração. E, cada dia, o Senhor acrescentava a seu número mais pessoas que eram salvas (At 2,42.46-47). Somos um povo, o povo de Deus, que caminha em caravana rumo à terra prometida, para a qual não basta iniciar a caminhada, mas é preciso chegar à meta, pois quem perseverar até o fim, esse será salvo (cf. Mt 10,22). É necessário, portanto, um sistema que garanta o crescimento até a estatura de Cristo Jesus, tanto por meio da formação catequética quanto da vivência sacramental. 59 Assim, os convertidos ou salvos integram a comunidade cristã (cf. At 2,47b), pois a salvação não pode ser vivida de forma isolada ou individual. Somos Corpo de Cristo. Trata-se da Igreja evangelizada e evangelizadora. Esta atualização da Proclamação, assim como os frutos dos méritos de Cristo Jesus, faz-se presente e efetiva na liturgia, memorial da morte e ressurreição de Jesus. Sendo assim, adquire sentido a afirmação do Papa Paulo VI na Evangelii Nuntiandi, 60: a evangelização é um ato profundamente eclesial. 60 61 Conclusão Querigma e Catequese são como os dois tempos de uma partida de futebol. Cada um tem seu espaço, porém ambos são interdependentes e complementares. O Querigma é a base e o ponto de partida da vida cristã. A Catequese vem depois, e sempre depois. Pregar é diferente de ensinar, assim como Querigma é diferente de Catequese, mas estão intimamente unidos de forma consecutiva, ainda que a fronteira seja permeável. A Boa Nova da salvação, formulada no Querigma ou Primeiro Anúncio, está centrada em uma Pessoa com Seus três acontecimentos (morte, ressurreição e glorificação), assim como Seus três títulos mais importantes (Salvador, Senhor e Messias), para receber o dom do Espírito Santo e formar a comunidade de salvos que instauram o Reino de Deus neste mundo. Tudo isto com uma intenção: Jesus morre, ressuscita e é glorificado por nós. É Salvador, Senhor e Messias para nós. Se a Catequese se dirige mais ao entendimento, o Querigma desafia a vontade e transpassa os corações, nos quais será derramado o Espírito Santo. Ao tratar do Querigma, nós o denominamos intencionalmente “o Querigma apostólico”, porque tem seu ponto de partida na Pregação dos apóstolos. Não obstante, isto traz consigo uma consequência: se a Igreja é apostólica, haverá de transmitir o que, por sua vez, recebeu dos apóstolos. Em poucas palavras, na fidelidade a esta Mensagem está em jogo a apostolicidade da Igreja. Esta é nossa riqueza; todavia, é necessário descobrir este tesouro, extraí-lo e usá-lo para não viver como pobres, e que nosso povo emigre para outras denominações cristãs em busca da Proclamação ou Anúncio da Boa Nova. 62 63 GRANDE MISSÃO, GRANDE OMISSÃO ESQUEMA A. Ponto de partida para evangelizar Evangelizar é proclamar a Boa Nova de Jesus B. O primeiro, o novo e o grande mandamento C. Evangelizar não é optativo, é imperativo D. A Grande missão – A Grande Omissão E. Por que não evangelizamos: porque não estamos evangelizados 1º Porque não nos sentimos chamados nem enviados por Deus 2º Porque nos falta a fé, o que se manifesta em medos que nos paralisam 3º Porque não vemos fruto imediato 4º Porque não estamos apaixonados por Jesus 5º Porque nos falta coerência de vida com o Evangelho que pregamos F. Quando não evangelizamos 1º Quando duvidamos do amor gratuito de Deus 2º Quando nos falta Espírito Santo 3º Quando carecemos de comunidade 4º Quando nosso coração ainda não arde com o fogo da Palavra de Deus 5º Quando transmitimos doutrina e catequese, supondo que seja a Boa Nova 64 65 Introdução Uma das parábolas mais breves do Evangelho é a que tem por título “Os dois filhos” e se encontra em Mt 21,28-30. É tão curta, que vamos reproduzi-la por inteiro: “Que vos parece? Um homem tinha dois filhos. Dirigindo-se ao primeiro, disse: ‘Filho, vai trabalhar hoje na vinha!’ O filho respondeu: ‘Não quero’. Mas depois mudou de atitude e foi. O pai dirigiu-se ao outro filho e disse a mesma coisa. Este respondeu: ‘Sim, senhor, eu vou’. Mas não foi” (Mt 21,28-30). Quando Jesus apresenta esta parábola, pergunta-nos: Que vos parece? Não se trata de saber o que pensamos nem de elaborar um esquema doutrinal; tampouco de uma crítica histórica literal; trata-se, isto sim, de tomar postura diante desta, assim como de outras situações análogas, pelas quais poderíamos até fazer parte do cenário. Neste tema, iremos considerar os três mandamentos de Jesus, especialmente “o Grande Mandamento”, que é mais conhecido como “a Grande Missão”; missão de proclamar a Boa Nova, sem acréscimos nem supressões, mas que infelizmente veio a se tornar “a Grande Omissão”. Não obstante, iremos descobrir que a razão pela qual nós não evangelizamos é não estarmos evangelizados. O objetivo deste tema é transformar o problema em desafio, para recuperar o valor e a riqueza do Querigma, superando as causas ou pretextos pelos quais não evangelizamos. 66 67 Desenvolvimento do tema A. PONTO DE PARTIDA PARA EVANGELIZAR: Evangelizar é proclamar a Boa Nova de Jesus O Papa João Paulo II afirma que a Catequese é diferente do Primeiro Anúncio (Catechesi Tradendae, 19). Assim, nós iremos utilizar o termo evangelizar, à diferença de catequizar, para nos referirmos ao Primeiro Anúncio ou Proclamação do Querigma, coração do Evangelho. Esta diferença conceitual poderia correr o risco de ser reducionista; de fato, porém, não há nenhum termo que a expresse com perfeição. Neste capítulo, nós sacrificamos este aspecto, para poder identificar a evangelização com o Primeiro Anúncio e distingui-la da Catequese. B. O PRIMEIRO, O NOVO E O GRANDE MANDAMENTO Todo mundo conhece o primeiro mandamento: “Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu entendimento! Amarás teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22,37.39b). Da mesma forma, ninguém ignora o mandamento novo: Eu vos dou um novo mandamento: amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros (Jo 13,34). Entretanto, por infelicidade, poucos sabem qual é “o Grande Mandamento” ou Grande Missão,que é o testamento de Jesus ressuscitado. Antes de subir aos Céus, dirigiu-se solenemente aos Seus. Envolto no esplendor de Sua vitória sobre a morte, assegurou com plena soberania: “Foi-me dada toda a autoridade no céu e na terra” (Mt 28,18). Jamais uma ordem havia sido introduzida com tamanha autoridade. E então, acrescentou sem concessões: “Ide pelo mundo inteiro e anunciai a Boa-Nova a toda criatura! Ide, pois, fazer discípulos entre todas as nações” (Mc 16,15; Mt 28,19a). Como conclusão, afirmamos que a Grande Missão consiste em anunciar a Boa Nova da salvação em Cristo Jesus. 68 Eu ousaria afirmar ainda, sem medo de me equivocar, que a melhor maneira de amar a Deus e amar o próximo é anunciando Seu grande amor divino por este mundo, que O motivou a enviar Seu Filho único para salvar os homens. C. EVANGELIZAR NÃO É OPTATIVO, É IMPERATIVO Anunciar a Boa Nova do Evangelho não é optativo. É um ato imperativo. É o mandato de Jesus ressuscitado. Que outro mandamento é mais transcendente do que este? Jesus culminou a obra de Deus a Ele encomendada, porém, “a missão de Cristo Redentor confiada à Igreja está ainda longe de ser cumprida” (João Paulo II, Redemptoris Missio, 1). a. Se não evangelizarmos, não somos cristãos Ser cristão significa ser messiânico, estar ungido pelo Espírito do Senhor para anunciar a Boa Nova aos pobres. Não somos dignos de ser chamados assim, se não estivermos levando Cristo nem instaurando o Reino de Deus. b. Se não evangelizarmos, não somos católicos Católico que não evangeliza incorre em uma contradição de termos, dado que católico significa aquele que compartilha com seu Mestre uma missão sem fronteiras, que transcende o tempo e o espaço. Não há lógica em denominar-nos católicos, se não formos, como nosso Mestre, Evangelho e evangelizadores. c. Se não evangelizarmos, não somos discípulos O Mestre condicionou nossa pertença ao seleto grupo de Seus discípulos, ao assegurar: “Se permanecerdes em minha palavra, sereis verdadeiramente meus discípulos” (Jo 8,31b). Não se pode ser verdadeiro discípulo do Mestre de Nazaré sem anunciar o Nome de Jesus, dando razão de nossa esperança, sendo testemunhas de Sua ressurreição, falando do que vimos e ouvimos. Não evangelizar não constitui apenas um pecado de omissão; nem mesmo uma grande omissão, mas a traição cometida contra Aquele que confiou em nós. Cristãos, católicos e discípulos foram convidados a trabalhar na vinha do Senhor. Nossa verdadeira resposta não está somente no que dissermos, e sim no que fizermos. Portanto, se não obedecermos à ordem de evangelizar, não somos reconhecidos como discípulos de Jesus. Muitos nem sequer sabem que se trata de um mandato que obriga tanto quanto ou mais que o de não matar ou não roubar. Não evangelizar é uma desobediência à maior das ordens de Jesus, o que talvez nem cheguemos a reconhecer. Quem ousou confessar: 69 “Padre, peço perdão por não ter evangelizado”? Se não evangelizar, não amo o Senhor sobre todas as coisas. Se não evangelizar, não estou amando meu irmão como a mim mesmo. Se não evangelizar, não estou dando honra e glória ao Deus e Pai dos Céus e terra. Se não evangelizar, estou mentindo ao proclamar que sou cristão. Se não evangelizar, estou roubando a Pérola Preciosa que devo compartilhar com os outros. Se não evangelizar, estou matando, porque não dou a meu irmão a oportunidade de ter vida em abundância. D. A GRANDE MISSÃO – A GRANDE OMISSÃO Este mandamento é de tal importância que se há de chamá-lo “a Grande Missão”; todavia, infelizmente, converteu-se, antes, em “a Grande Omissão”, razão pela qual sofremos uma crise de fé no mundo. Enquanto os muçulmanos e as testemunhas de Jeová crescem mais e mais, o cristianismo diminui proporcionalmente ao número de habitantes do planeta. O Papa Paulo VI começa a carta magna da evangelização fazendo-nos uma pergunta corajosa: “O que é que é feito, em nossos dias, daquela energia escondida da Boa Nova, suscetível de impressionar profundamente a consciência dos homens?” (Evangelii Nuntiandi, 4). Em Boston (EUA) e na Holanda, fecham-se templos por falta de fiéis, ao passo que em Bruxelas já existe uma mesquita para cada três igrejas cristãs. Transformamos, porventura, em respeito e prudência o zelo de Francisco Xavier em realizar incursões pelas Índias e pelo Japão? Onde naufragou a coragem daqueles agostinianos, franciscanos e jesuítas, que os fez atravessar o Atlântico em frágeis embarcações? Podemos encontrar explicações históricas e sociais que explicam por que abandonamos o Anúncio explícito da Boa Nova da salvação; entretanto, jamais se poderia justificar o fato de colocar a luz do Evangelho debaixo da mesa. Hoje, a Europa evangelizadora de outros continentes precisa ser evangelizada, e meu pressentimento é de que não o será pelos próprios europeus. O certo é que esta omissão cobra atualmente altos juros, sendo uma das principais causas que explicam por que as Igrejas pentecostais e cristãs crescem, graças aos católicos que emigram de sua própria Igreja para horizontes nos quais brilha a Proclamação do Evangelho. “A Grande Missão” de anunciar o Evangelho da salvação confiado por Jesus a Seus amigos converteu-se em “a Grande Omissão” de muitos católicos, particularmente se, por evangelizar, entendemos a Pregação do Querigma. A missão e o mandato transformaram-se em omissão de nossa parte. 70 Madre Teresa de Calcutá contou-nos a seguinte história: Nepal, pequeno país muçulmano situado na Ásia, opõe-se fortemente ao cristianismo. A lei não permite falar em Jesus Cristo, nem distribuir Bíblias, nem reunir-se para orar. Todo aquele que manifesta sua fé cristã se depara com sérios problemas. Uns perdem o emprego, outros são discriminados pelo grande delito de crer em Jesus de Nazaré. Naquele país, quem falar em Jesus Cristo, carregar a Bíblia ou trouxer consigo um símbolo cristão vai para prisão; e quem se fizer batizar tem que abandonar o país e sua família. Embora a lei estabeleça reclusão para aqueles que pregarem Jesus Cristo, os cárceres estão cheios de cristãos que evangelizam. Quando saem da prisão, continuam evangelizando; obviamente, voltam a capturá-los, e retornam para trás das grades, porque estão decididos a anunciar Cristo Jesus, mesmo que lhes custe a vida. O governo já não sabe o que fazer com aqueles que perderam o medo da prisão. Agora vem a parte triste da história. Nestes presídios não há católico algum! São todos protestantes e evangélicos. Os católicos transitam livres, pelo fato de não cumprirem “a Grande Missão”, muito embora sejam talvez mais livres os que se sentem orgulhosos de suas algemas. O Papa Paulo VI, na Evangelii Nuntiandi, 80, pergunta a si próprio e nos desafia: “Poder-nos-emos salvar se, por negligência, por medo ou por vergonha, ou por se seguirem ideias falsas, nos omitirmos de anunciar o Evangelho?”. Portanto, quem não evangeliza arrisca sua eternidade, posto que está falhando nada menos do que com “a Grande Missão”, da qual depende a salvação universal. A tal ponto chega sua transcendência. Por isso, todo aquele que não houver evangelizado terá sérios problemas para passar pela porta estreita. Ao terminar nossa vida, seremos apresentados para o exame final, no qual a eternidade será decidida por meio de termos ou não trabalhado na vinha. Naquele momento, de nada valerá se nos comprometemos a ir, mas sim se o fizemos. De nada adiantará dizer: “Senhor! Senhor!” (cf. Mt 7,21). A matéria do juízo final consistirá em averiguar se cumprimos ou não com as assim chamadas “obras de misericórdia” de Mateus 25,35-36. Não obstante, parece-me que os aspectos que serão enumerados pelo Juiz soberano podem ser aplicados, com maior razão, ao campo da evangelização: se, por negar um copo de água, será ditada para nós 71 uma sentença eterna, o que nos irá suceder se não oferecermos a fonte de Água Viva, a que jorra até a vida eterna? Se, por não alimentar o faminto, seremos lançados ao fogo que não se extingue, o que sucederá a quem não compartilhar o Pão de Vida da Palavra,que é viva e eficaz? Se, por não vestir quem está nu, seremos afastados para longe da presença do Rei, o que acontecerá a quem não houver revestido de Cristo os que estão nus pelo pecado? Se, por não visitar os prisioneiros, seremos acorrentados por toda a eternidade, que destino terão os que não liberaram de suas ataduras de maldade os encarcerados? Quem não houver acolhido um forasteiro, não será recebido nas moradas celestiais, porém, o que sucederá a quem não houver mostrado o caminho para a pátria definitiva? Naquele momento, nos será perguntado: trabalhaste na vinha? Foste fermento na massa? Deste testemunho todo o tempo em tua família, no trabalho e na sociedade de que, se Jesus ressuscitou, qualquer coisa é possível? Os que houverem frustrado o sonho divino de instaurar o Reino neste mundo ouvirão a terrível sentença eterna: “Jamais vos conheci. Afastai-vos de mim, vós que praticais a iniquidade” (Mt 7,23). Diante deste panorama, cada um deveria contagiar-se com o medo de Paulo: “Ai de mim, se eu não anunciar o evangelho!” (1Cor 9,16b). Nossa eternidade pode depender de ter ido ou não trabalhar na vinha. Uns vão e outros não. Mas o importante é descobrir por que não o fazemos. E. POR QUE NÃO EVANGELIZAMOS? Porque não estamos evangelizados Muitas vezes somos motivados e animados a evangelizar, todavia, em poucas ocasiões se considera a causa pela qual não o fizemos. No fundo, a única razão pela qual não evangelizamos é o fato de não estarmos evangelizados. O problema está em que não se encontrou a pérola preciosa nem se experimentou a salvação de Deus que nos converte em testemunhas de forma imediata. Como a água sempre corre pelo caminho mais fácil, para uma pessoa evangelizada é mais difícil não evangelizar do que evangelizar; do mesmo modo que, para um não evangelizado, é mais cômodo não evangelizar do que evangelizar. Por que Pilatos, o jovem rico, Barrabás ou os soldados do túmulo não evangelizaram? Todos eles tiveram uma relação com Jesus, mas não estavam evangelizados. Infelizmente, isto se repete com frequência na Igreja. Temos profissionais da religião que trabalham na vinha do Senhor, porém não conhecem o Vinhateiro, porque não se 72 deixaram penetrar pela Palavra que chega até o centro das decisões e valores, para viver da maneira estabelecida pelo Evangelho. O evangelizado, necessariamente, evangeliza. Quando não estamos evangelizados, encontramos mil razões para não proclamar Jesus. Vamos agora considerar os motivos ou desculpas para não evangelizar. Entretanto, não basta descobrir os sintomas. Faz-se necessário um diagnóstico que vá até o fundo, à raiz, para, a seguir, encontrar o medicamento que denominamos como “logoterapia”6; graças ao Logos, a Palavra de Deus: “De fato, não foi erva nem pomada que os curou, mas a tua Palavra, Senhor, que tudo cura!” (Sb 16,12). Eis aqui cinco escusas ou causas que se escondem atrás de nossa grande omissão em evangelizar: 1º. Porque não nos sentimos chamados nem enviados por Deus - Diagnóstico Há pessoas que parecem simples operários, que trabalham na vinha de forma mecânica e rotineira, sem entusiasmo. Dependem de horários de trabalho e durante suas férias apagam a chama do zelo pelo Evangelho. Por isso, sucumbem diante das dificuldades e qualquer desculpa é suficiente para fazer que se voltem para trás e abandonem o arado. No fundo, a pessoa que assim procede não se sente chamada nem enviada. Não ouviu a voz irresistível do Divino Semeador, que lhe disse: “Vem e segue-Me”. Não conta sequer com o respaldo de que lhe tenha sido confiada uma missão iniludível. Quando o sacerdote Amasias questiona o ministério do profeta Amós, este responde com lógica evidente: “Não sou profeta nem discípulo de profeta! Sou vaqueiro e cultivo sicômoros. Foi o Senhor Deus que me tirou de detrás do rebanho e me ordenou: ‘Vai profetizar contra Israel, o meu povo!’” (Am 7,14-15). Jeremias enfrenta as duras consequências de sua missão profética, porque sabe que foi chamado desde o seio materno (cf. Jr 1,5). Paulo se considera embaixador, mesmo preso por algemas (cf. Ef 6,20). Por isso, nem no cárcere deixa de evangelizar. O apóstolo colocou o pingo sobre o “i”, quando afirmou: “E como o proclamarão, se não houver enviados?” (Rm 10,15). Aquele que não ouviu o chamado de quem o nomeou embaixador e que o respalda, não pode pretender a audácia de ser uma ovelha em meio aos lobos. Quando não nos sentimos nem chamados, nem enviados, é sinal de que ainda não estamos evangelizados e, muito menos, preparados para evangelizar. - Logoterapia com a Palavra de Deus 73 A vitamina para esta anemia crônica, nós a encontramos na Palavra de Deus: Não fostes vós que me escolhestes; fui eu que vos escolhi e vos designei, para dardes fruto e para que o vosso fruto permaneça. Ele [Jesus] constituiu então doze, para que ficassem com ele e para que os enviasse a anunciar a Boa Nova (Jo 15,16a; Mc 3,14). - Oração Necessito ouvir a voz de Tua Palavra irresistível. Chama-me por meu nome, para que eu seja capaz de abandonar redes e barca. 2º. Porque nos falta fé, o que se manifesta em medos que nos paralisam - Diagnóstico Quando sentimos inseguranças para falar e medo do fracasso, trata-se, no fundo, de desconfiança de que Deus não cumpra Suas promessas e de tomar uma atitude ridícula, como charlatães, vendedores de ilusões ou como políticos em campanha. Não cremos que o Senhor seja tão grande que possa agir por meio de nós, como o fez por meio dos apóstolos. Esquecemo-nos de que quando estamos mais fracos é que somos mais fortes, e de que Deus é mais glorificado com nossas fragilidades do que com nossas qualidades. A nós compete apenas encher as talhas de água, e enchê-las até transbordarem, pois em talhas vazias não há milagres. O relato que se lê em Números, 22 mostra-nos que, se Deus se serviu da mula de Balaão para profetizar, pode igualmente servir-se de cada um de nós para fazê-lo. Sansão matou mil inimigos do povo de Israel com uma queixada de burro (cf. Jz 15,15). Se Deus é capaz de fazer maravilhas com uma queixada de burro, o que não poderá fazer com o burro inteiro? Este medo provém da suposição de que contamos somente com nossas limitadas forças, ao invés de depender Daquele que ressuscitou Jesus dentre os mortos. O medo paralisante é sintoma de que ainda não cremos na ressurreição de Jesus, do mesmo modo que ainda não experimentamos Sua vitória. Portanto, ainda não estamos evangelizados. Em compensação, se cremos que Jesus está vivo hoje, sempre existe uma esperança. - Logoterapia com a Palavra de Deus Vejamos frases da Palavra, que permanece operante entre nós para nos libertar de nossos temores, descobrindo-nos o plano de Deus: “O perfeito amor lança fora o medo” (1Jo 4,18). “Para Deus nada é impossível” (Lc 1,37). 74 “Tudo é possível para quem crê” (Mc 9,23). “Sei em quem acreditei” (2Tm 1,12b). “Quando sou fraco, então sou forte” (2Cor 12,10b). “O Senhor é o meu pastor, nada me falta” (Sl 23,1). O Senhor é minha luz e minha salvação; de quem terei medo? O Senhor é quem defende a minha vida; a quem temerei? Quando me assaltam os malvados para devorar-me a carne, são eles, os adversários e inimigos, que tropeçam e caem. Se contra mim acampa um exército, meu coração não teme; se contra mim ferve o combate, mesmo então tenho confiança. Ele me dá abrigo na sua tenda no dia da desgraça. Esconde- me em sua morada, sobre o rochedo me eleva. Ainda que pai e mãe me abandonem, o Senhor me acolhe. Espera no Senhor, sê forte, firme-se teu coração e espera no Senhor (Sl 27,1-3.5.10.14). - Oração Senhor, eu não Te escolhi. Foste Tu que me escolheste; e me chamaste tal qual era, como sou. Sem impor condições. Por isso, somente Te pergunto: como será isto? Mas, ao mesmo tempo, Te respondo: faça-se em mim segundo Tua Palavra. 3º. Porque não vemos fruto imediato - Diagnóstico Nós nos desesperamos e desanimamos porque trabalhamos e as pessoas não respondem. Outros não perseveram. Até nossa equipe de trabalho desiste. Em tais circunstâncias, falta-nosa esperança do agricultor, o qual sabe que, de dia ou de noite, quer durma ou se levante, a semente da Palavra de Deus cresce e produz fruto por si mesma (cf. Mc 4,26-29). Nem mesmo Jesus colheu o que semeava: fracassou na sinagoga de Nazaré, assim como com o jovem rico. Cafarnaum, Betsaida e Corazim foram testemunhas de muitos milagres, porém não creram nem se converteram (cf. Lc 10,13-15). Já no meio de Seu ministério, quando era repelido pelas autoridades de Jerusalém, e os sábios e inteligentes zombavam Dele, enquanto os escribas O perseguiam, levantou os olhos ao Céu e exclamou: “Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra” (Lc 10,21). Quando desanimamos porque não vemos o fruto, demonstramos que não fomos evangelizados, pois não consideramos quanta paciência Deus teve para conosco. - Logoterapia com a Palavra de Deus A Palavra reaviva a chama da esperança quando nos assegura que, se um morto ressuscitou, tudo é possível. Não existe nada impossível para Deus, que é capaz de dar vida a ossos secos (cf. Ez 37). 75 “O Reino de Deus é como quando alguém lança a semente na terra. Quer ele esteja dormindo ou acordado, de dia ou de noite, a semente germina e cresce, sem que ele saiba como. A terra produz o fruto por si mesma: primeiro aparecem as folhas, depois a espiga e, finalmente, os grãos que enchem a espiga. Ora, logo que o fruto está maduro, mete-se a foice, pois o tempo da colheita chegou”. E a esperança não decepciona, porque o amor de Deus foi derramado em nosso coração pelo Espírito Santo que nos foi dado. E, mesmo que a figueira não renove seus brotos, mesmo que a parreira deixe de produzir e venha a falhar a produção de azeitonas, se as pastagens nada mais tiverem para alimentar o gado, se as ovelhas desaparecerem dos pastos, mesmo que não haja mais gado no curral, estarei feliz no Senhor, cantando a Deus, meu salvador (Mc 4,26-29; Rm 5,5; Hab 3,17-18). Paulo semeou, Apolo regou, mas é Deus quem dá o crescimento (cf. 1Cor 3,6). É um processo lento, porém contínuo. A nós, cabe apenas anunciar, acreditando que a própria Palavra é eficaz para converter. Jesus nos ordenou: “Ide pelo mundo inteiro e anunciai a Boa-Nova a toda criatura!” (Mc 16,15). Não exigiu de nós: “Vão e convertam!”. A conversão depende Dele. A nós, compete entregar nosso cesto com cinco pães de cevada e dois peixes mortos. Deus faz o restante. O evangelizador trabalha com a esperança de que a Palavra tem poder (cf. Rm 1,16), que é viva e eficaz (cf. Hb 4,12a) e não volta vazia para Deus (cf. Is 55,10-11), uma vez que é preciso morrer para viver e todo começo é do tamanho de um grão de mostarda (cf. Mt 13,31-32). - Oração Senhor Jesus, Tu me enviaste para proclamar Tua Palavra e ser testemunha de Tua ressurreição. Escolheste-me como embaixador com o poder de Teu Espírito Santo; no entanto, Senhor, ofereço-Te o fruto de meu trabalho. Renuncio ao êxito imediato em Tua vinha e me abandono incondicionalmente. Entrego-Te o poder, a honra e a glória, Senhor; e renuncio a ser exaltado e glorificado pelos outros. Minha única recompensa é trabalhar por Ti, em Tua vinha; o restante é acréscimo. Eu Te louvo, Pai, Senhor do Céu e da terra, por Teu plano que supera o meu. Não entendo, porém assino-Te o cheque em branco. Podes fazer o que quiseres. Tua sabedoria supera a minha. 4º. Porque não estamos apaixonados por Jesus - Diagnóstico 76 “A boca fala daquilo de que o coração está cheio” (Mt 12,34b). “O amor de Cristo que enche nossos corações nos impele a evangelizar” (Porta Fidei, 7). Se não falamos de Jesus nem de Seu Evangelho a todo o tempo, é porque Eles não ocupam o núcleo de nosso sistema de vida, permanecendo, ao invés, como planetas ou satélites. Nosso coração sempre guarda algo dentro de si. Nunca está vazio. Estaremos sempre apaixonados por alguém ou por alguma coisa: por alguma pessoa, por nós mesmos, pelo poder, por um título hierárquico, por nossos carismas, pelo dinheiro ou pelos bens materiais, o que é muito frequente. Se não estivermos apaixonados por Jesus, caímos na idolatria e fabricamos bezerros de ouro, produto de nossas mãos. Entretanto, o pior não é a idolatria, mas sim a autolatria, em que nós nos consideramos deuses. Somente anunciaremos Jesus, se estivermos apaixonados por Ele. Quando Maria Madalena vai ao sepulcro, sua expressão mostra o grande amor que professa por seu Mestre: “Levaram o meu Senhor e não sei onde o colocaram” (Jo 20,13). Sente que Ele lhe pertence, é seu; pela simples razão segundo a qual ela pertence a Ele. A pertença completa nunca pode ser unilateral. É mútua. Uma vez que o Bom Pastor a chama por seu nome, ela corre rapidamente ao cenáculo para derramar seu coração: “Eu vi o Senhor” (Jo 20,18). Não negamos nem ignoramos que são necessários catequistas, pastores e mestres que nos ajudem a crescer até a estatura de Cristo Jesus, todavia, precisamos de evangelizadores tão obcecados por Jesus que falem somente Dele. Precisamos de profetas apaixonados por Jesus Cristo e por Seu Evangelho, que o chamem “Meu Senhor” por haver uma mútua pertença amorosa. O diácono Filipe tinha tanto fascínio por Jesus que o único que ele proclamava era Jesus. Nada mais. Anunciava a Boa-Nova em todas as cidades (cf. At 8,35-40). Quando Jesus não é nosso viver, nos referimos a Ele como a um desconhecido, ou simplesmente transmitimos fatos históricos, porém sem qualquer carga afetiva. A comunicação amorosa do Evangelho é um aspecto tão fundamental quanto pouco acolhido em nossa Igreja. 77 Paulo declarava que seu viver era Cristo e sintetiza sua experiência quando afirma: “[...] que me amou e se entregou por mim” (Gl 2,20b). Se as pessoas não percebem que estamos apaixonados por Jesus Cristo, como pretendemos que se entreguem a Ele? Ademais, se nosso coração não estiver cheio de amor a Jesus, é melhor que não evangelizemos, porque os demais irão perceber que ainda não estamos seduzidos pelo amor de Deus. Aos evangelizadores que perderam o fervor do início, Jesus os impele: volta à tua prática inicial (Ap 2,5), desde que não haja dúvidas, nem cálculos, nem desculpas, mas uma fé que move montanhas e um amor à prova do tempo e das circunstâncias. Não basta o zelo pela evangelização, faz-se necessária a paixão pelo Evangelho; e, mais ainda, a obsessão por Jesus, de tal maneira que não queiramos saber de nada além Dele. - Logoterapia com a Palavra de Deus Algumas palavras capazes de renovar nosso amor por Jesus: “Tu me seduziste, Senhor, e eu me deixei seduzir!” (Jr 20,7a). “Para mim, de fato, o viver é Cristo e o morrer, lucro” (Fl 1,21). “Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão dadas por acréscimo” (Mt 6,33). - Oração Senhor Jesus, Seduze-nos, e que nós nos deixemos seduzir, para amar-Te sobre todas as coisas. Que Tu, Senhor Jesus, sejas nosso viver e sacies totalmente nossa alma, vida e afetos. Pois que já não queremos saber nada, senão a Ti, amado Senhor Jesus. 5º. Porque nos falta coerência de vida com o Evangelho que pregamos - Diagnóstico Sempre que nossa vida não corresponder à mensagem que transmitimos, nós mesmos perdemos força para pregar, já que podemos fingir diante dos demais, porém não podemos enganar a nós mesmos. E assim, pouco a pouco, vamos nos desgastando e corroendo, até que um dia o sal perde o sabor. Jesus-Evangelho é modelo para todo evangelizador: 78 Quando ele [Jesus] terminou estas palavras, as multidões ficaram admiradas com seu ensinamento. De fato, ele as ensinava como quem tem autoridade, não como os escribas (Mt 7,28-29). O Mestre da Galileia pregava com autoridade porque vivia o que ensinava. Os fariseus, ao contrário, somente convertiam prosélitos, mas não conseguiam que as pessoas se apaixonassem por Deus. Por isso, o Papa Paulo VI afirmava que “o homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres” (Evangelii Nuntiandi, 41). Como convencer os outros de algo que nós não estamos convictos? Quando não cremos no que pregamos ou não vivemos aquilo em que cremos,é porque ainda não estamos evangelizados. Nossa fé é uma fé morta, que não se expressa por meio da caridade; e essa fé, como a fé dos fariseus ou dos demônios, não é meio de salvação. Portanto, não nos apropriamos da salvação ganha pelos méritos de Cristo Jesus. Se o Evangelho ainda não penetra cada um dos poros de nossa pele; se não rege nossos valores, nem princípios ou prioridades; se continuamos procurando agradar ao pecado ou aos amigos da carne; se a ambição de poder e o mundo das aparências ou excesso de bens supérfluos nos dominam, é porque ainda não proclamamos o Senhorio de Jesus em todas as áreas de nossa vida. Embora estejamos proclamando uma mensagem ortodoxa, se não formos coerentes com a mesma, se não crermos nela nem a vivermos, estaremos fazendo apenas propaganda. O antigo fariseu de Tarso atreve-se a falar em meu Evangelho (2Tm 2,8; Rm 2,16), porque existe uma identificação de sua vida com a mensagem que prega. O evangelizador e o Evangelho formam uma unidade indissolúvel de mútua pertença. Em uma etapa de minha vida, fui vendedor de livros e enciclopédias. Depois de vários meses, e após muitas tentativas, vendi três coleções em um mesmo dia. O diretor venezuelano da empresa chamou-me em seu escritório. Quando me pagou, perguntou-me o que faria com o dinheiro ganho. Eu enumerei uma longa lista do que havia projetado. Ele colocou sua mão sobre meu ombro e me aconselhou com sinceridade: “Amigo, você é uma boa pessoa, mas é melhor que abandone este trabalho. Você não foi feito para ele”. Com estranheza, porque ele dizia isso precisamente quando eu havia começado a vender, levantei minhas mãos, pedindo uma explicação. “Você não vende os livros, porque não está convencido em relação ao produto. Se você estivesse convencido, a primeira coisa que teria feito com seu dinheiro seria comprar a coleção de livros. Não, você não está convencido e, desse modo, nunca 79 irá convencer ninguém. Retire-se e procure outro trabalho com que se identifique. Você irá triunfar, mas irá triunfar no campo em que tiver fé que o produto que oferece vale a pena.” - Logoterapia com a Palavra de Deus A Palavra é lâmpada para nossos passos (cf. Sl 119,105); uma espada que penetra até as profundezas da alma (cf. Ef 6,17b); um martelo que destrói os ídolos (cf. Jr 23,29); água que dá vida (cf. Is 55,11); mel que adoça amarguras (cf. Sl 119,103); semente que cresce por si mesma (cf. Lc 8,11) e alimento que vivifica (cf. Mc 4,4). - Oração Por isso, haveremos de exclamar com o profeta Jeremias: Converte-me, Senhor, e me converterei (cf. Jr 31,18). Muda minha vida e meus valores, apetites e prioridades, para que já não seja eu que viva, mas sejas Tu, Senhor Jesus, que vivas em mim, para que eu ouse proclamar com singeleza: “Sede meus imitadores, como eu o sou de Cristo” (1 Cor 11,1). Amém. F. QUANDO NÃO EVANGELIZAMOS Vamos agora considerar cinco situações nas quais nos empenhamos em evangelizar, porém falta algo para consegui-lo. 1º. Quando duvidamos do amor gratuito de Deus - Diagnóstico Não nos sentimos amados apaixonadamente por Deus, que até enviou Seu Filho único, quando ainda éramos pecadores, não para nos condenar, mas para fazer de nós criaturas novas, que estabelecem a civilização do amor. Quando não sentimos o amor de Deus, apresentamos mil justificativas, como Moisés no deserto de Mádian. Entretanto, uma vez que fomos abrasados pela sarça ardente, tomamos o bastão para sermos agentes de libertação dos oprimidos. Coube ao profeta Jeremias apregoá-lo em um dos momentos mais críticos de Judá. Teve mil inimigos, inumeráveis traições, e tudo estava contra ele. Por várias vezes foi tentado, inclusive, a abandonar o ministério profético, mas confessa que não podia apagar aquele fogo retido na medula dos ossos: “Tu me seduziste, Senhor, e eu me deixei seduzir!” (Jr 20,7). 80 Quem teve uma experiência do amor de Deus não pode deixar de proclamar a Boa Nova em meio a qualquer dificuldade ou adversidade. Como ser testemunhas do apaixonado amor divino, se antes não estivermos convictos? O possesso de Gerasa morava nos sepulcros, nu, e continuamente feria a si mesmo com pedras, mas quando foi libertado daquela legião de demônios, dedicou-se a proclamar, na Decápole, que Deus havia tido misericórdia para com ele (cf. Mc 5,1-20). A primeira característica a brilhar em uma pessoa evangelizada é o fato de que ela está tão cheia do amor de Deus, que este transborda. Quem não se sente amado, ainda não está evangelizado; portanto, não deveria evangelizar. - Logoterapia com a Palavra de Deus Se nossa realidade consistir em não termos experimentado em nossa vida o ser amados de tal forma que Deus enviou Seu Filho único, o qual deu a prova máxima do amor, a vida por Seus amigos, então é preciso que leiamos continuamente os seguintes textos: Um dia chegará – oráculo do SENHOR –, quando hei de fazer uma nova aliança com a casa de Israel e a casa de Judá. Esta é a aliança que farei com a casa de Israel a partir daquele dia – oráculo do Senhor, colocarei a minha lei no seu coração, vou gravá-la em seu coração; serei o Deus deles, e eles, o meu povo (Jr 31,31.33). “A prova de que Deus nos ama é que Cristo morreu por nós, quando éramos ainda pecadores” (Rm 5,8). “De fato, Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16). - Oração Senhor, envia-me uma nova efusão de Teu Espírito que me revele que és Abbá, Papai. Necessito essa luz sobrenatural que me mostre a verdade completa sobre Jesus, Teu Filho amado; para que me apaixone por Ele; e que anunciar Seu Evangelho seja minha delícia e alegria. Quero experimentar Teu amor, pessoal, incondicional e gratuito, para ser testemunha neste mundo. 2º. Quando nos falta Espírito Santo - Diagnóstico Quando comparamos nossa evangelização com a da Igreja primitiva, encontramos uma grande diferença em relação àqueles homens ungidos pelo Espírito Santo: “Com grande 81 poder, os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus” (At 4,33). O padre Emiliano Tardif afirmava com certa ironia: “Bastava uma pregação de três minutos para converter três mil pessoas. Em compensação, nós, com três mil pregações, não convertemos sequer um”. Se a primeira evangelização é fruto de Pentecostes, a Nova Evangelização não poderá ser senão fruto de um novo Pentecostes, porque estamos necessitados de uma nova efusão do Espírito com Dynamis e Parresia, para evangelizar com grande poder. Nos momentos culminantes, como para eleger um Papa, abrir o Concílio ou no início do ano acadêmico, canta-se o “Veni Creator” sem que ninguém argumente que é supérfluo, uma vez que já possuímos o Espírito Santo desde o batismo. Se Deus nos confiou a missão impossível de instaurar o Reino de luz em meio às trevas, indo como ovelhas no meio de lobos, pode acaso impor-nos uma tarefa sem nos conceder os carismas para realizá-la? Quando temos carência de Espírito Santo, fica evidente que ainda não fomos verdadeiramente evangelizados. - Logoterapia com a Palavra de Deus Pedir uma efusão tão abundante de Espírito Santo que possa ser chamada Batismo no Espírito Santo, conforme mencionado na Escritura (cf. At 1,5). Não se trata de argumentar o fato de já o termos recebido desde o batismo, mas de necessitá-lo mais ainda. Se já o recebemos no batismo, por que, então, se recebe também na confirmação e se pede em cada festa de Pentecostes? Pedro e João já haviam recebido o Espírito Santo no Pentecostes. Todavia, quando aumentaram os ventos da perseguição, em vez de se queixarem ou de se lamentarem, pediram mais poder para continuar em frente, em meio às dificuldades: “Agora, Senhor, olha as ameaças que fazem, e concede que os teus servos anunciem corajosamente a tua palavra. Estende a mão para que se realizem curas, sinais e prodígios por meio do nome do teu santo servo Jesus”. Quando terminaram a oração, tremeu o lugar onde estavam reunidos. Todos ficaram cheios do Espírito Santo e anunciavam corajosamente a palavra deDeus (At 4,29-31). Uma boa terapia a ser feita seria a de recitar e orar todos os dias a sequência do Espírito Santo, que resume Seu ser e Sua atividade. - Oração Vinde, ó Santo Espírito, vinde, Amor ardente. Acendei na terra Vossa luz fulgente. 82 Vinde, Pai dos pobres, na dor e aflições. Vinde encher de gozo nosso coração. Benfeitor supremo em todo o momento, habitando em nós sois o nosso alento. Descanso na luta e na paz encanto, no calor sois brisa, conforto no pranto. Luz de santidade, que no Céu ardeis, abrasai as almas dos Vossos fiéis. Sem a Vossa força e favor clemente, nada há no homem que seja inocente. Lavai nossas manchas, a aridez regai, sarai os enfermos e a todos salvai. Abrandai durezas para os caminhantes, animai os tristes, guiai os errantes. Vossos sete dons concedei à alma do que em Vós confia. Virtude na vida, amparo na morte, no Céu alegria. Aleluia! Vinde, Espírito Santo, enchei o coração dos Vossos fiéis e acendei neles o fogo do Vosso amor. Amém. 3º. Quando carecemos de comunidade - Diagnóstico Às vezes pegamos o arado da pregação, porém, rapidamente, olhamos para trás, porque não contamos com quem nos dê respaldo, nos apoie, nos corrija ou nos acompanhe no campo do apostolado. Especialmente os dirigentes precisam de uma comunidade, porque são aqueles que mais sofrem com os dardos do inimigo e necessitam da proteção dos irmãos na fé. Uma das principais causas do estrondoso fracasso de Paulo no areópago de Atenas consistiu em ter abandonado seus companheiros em Bereia, pretendendo conquistar o ápice da sabedoria de forma pessoal e individual. No entanto, quando os atenienses o viram sozinho, não puderam comprovar que havia entre as pessoas uma nova forma de se relacionarem; e por isso o catalogaram como tagarela (cf. At 17,18b). Todavia, o apóstolo aprende muito bem a lição, deixando-nos uma rica herança para a história: O zeloso missionário sempre procurava oportunidades para evangelizar. Ele próprio conta que, ao chegar a Trôade, abriu-se-lhe uma grande porta. Porém... “Não tive sossego, porque aí não encontrei meu irmão Tito. Então, tendo feito minhas despedidas, parti para a Macedônia” (2Cor 2,13). 83 Não pode evangelizar, porque seu espírito está inquieto por não encontrar seu irmão Tito (2Cor 2,12-13). E parte aflito para a Macedônia, em busca de uma comunidade de amigos e missionários. Geralmente fazemos referência às “cartas de São Paulo”, porém nem todas foram escritas por ele. Em algumas ocasiões, redigiu-as servindo-se de um secretário (Tércio), porém Silas e Timóteo também foram coautores em várias delas. São cartas comunitárias. Quão diferente é a experiência do solitário Paulo em Atenas da que aconteceu em Filipos, onde chegou com Silas: Juntos pregaram às mulheres e ambos libertaram a jovem possuída por um espírito de adivinhação. Tanto um quanto o outro são perseguidos, rasgam-lhes as vestes e são açoitados. Os dois são feitos prisioneiros e cantam, em uníssono, hinos e salmos. Os dois pregam ao carcereiro e nessa mesma noite têm suas feridas lavadas e curadas. Quão diferente é a prisão em companhia de um amigo do que a vivida na solidão. Por isso, quando estava encarcerado, até seus discípulos o acompanhavam. Em seu último cativeiro romano, é escoltado por Lucas e manda chamar Timóteo, para que também lhe traga Marcos ao cárcere Mamertino. Não quer permanecer sozinho na prisão. Deseja morrer abrigado por sua comunidade. Narra o Evangelho de Lucas que, certa manhã, Jesus viu dois barcos atracados, enquanto os pescadores lavavam as redes. O Mestre aborda o barco de Simão Pedro (cf. Lc 5,1-7). Quando se encontra em meio ao mar de Tiberíades, ordena-lhes que lancem as redes onde, na noite anterior, nada haviam pescado. Ao tentar retirá-las, há tão grande quantidade de peixes que as redes ameaçam romper-se. E então, fazem sinais aos companheiros do outro barco para que venham em sua ajuda. No final, enchem-se ambos os barcos com tantos peixes que é até perigoso navegarem. Queremos salientar dois detalhes que interferem diretamente na evangelização. Os pescadores que permaneceram na margem não eram competidores, mas companheiros. Da mesma forma, a obra da evangelização não pode ser realizada por uma pessoa isolada, tampouco por uma comunidade ou um movimento apostólico. Nem sequer por uma igreja. Existe outro barco, que não é o de Pedro, esperando nossos sinais para 84 colaborar na pesca mais maravilhosa da história. Trata-se da dimensão ecumênica: somente juntos e unidos somos capazes de conquistar este mundo para Cristo Jesus. Para tanto, é preciso que haja um amor maior por Jesus Cristo do que por nossas redes. Para algumas pessoas, importa mais sua embarcação ou sua comunidade do que os peixes. Havemos de reconhecer que, para uma pesca milagrosa, necessitamos outros companheiros. A pesca milagrosa não depende de nossas redes, nem de nosso barco, mas do pedido de ajuda a outros companheiros. Para começar a Escola de Evangelização Santo André em 1980, eu possuía os conhecimentos teóricos do conteúdo da evangelização, porém não tinha a experiência pragmática de como evangelizar. Recorri, então, a um “companheiro”, um pastor pentecostal chamado Bill Finke, para solicitar sua ajuda prática. Eu solicitei somente que o perfil da Escola fosse católico e em consonância com o Magistério da Igreja. Ele me disse: “Sim, eu me comprometo, mas, em troca, peço-te somente que os peixes não sejam teus nem meus, e sim de Jesus”. Sim, serão somente de Jesus, respondi a ele. E assim começou esta Escola, que forma novos evangelizadores em 67 países dos cinco continentes. Por isso, atualmente adquire maior valor a oração de Jesus: “Que todos sejam um, como tu, Pai, estás em mim, e eu em ti. Que eles estejam em nós, a fim de que o mundo creia” (Jo 17,21). O êxito pastoral depende da unidade, não só dos evangelizadores, como também dos cristãos. O escândalo da divisão repercute negativamente na evangelização. A abundância de peixes é fruto da união entre os pescadores. Somente juntos é possível conseguir uma grande pesca. Não haverá pesca milagrosa, se antes não houver o milagre da união entre os pescadores7. Se nos falta comunidade, é porque não estamos ainda convertidos, já que o evangelizado se integra na comunidade de salvos (cf. At 2,47b), a Igreja, por meio do batismo, e vive como Corpo de Cristo. Se estamos sozinhos ou isolados, isso significa que ainda não culminou nosso processo de transformação, e precisamos fechar o círculo para poder compartilhar a missão que Cristo Jesus confiou a Seus apóstolos e discípulos. Sem comunidade, não é possível anunciar com eficácia a Boa Nova, já que “a evangelização é um ato profundamente eclesial” (Paulo VI, Evangelii Nuntiandi, 60). - Logoterapia com a Palavra de Deus A Palavra de Deus é luz que ilumina e alimento que fortalece, porque é viva e eficaz, espírito e vida (cf. Hb 4,12; Jo 6,63b). Assim sendo, é preciso ler a seguinte passagem 85 até permear todos os poros da pele e tornar-se nossa bandeira pastoral: Se eu falasse as línguas dos homens e as dos anjos, mas não tivesse amor, eu seria como um bronze que soa ou um címbalo que retine. Se eu tivesse o dom da profecia, se conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, se tivesse toda a fé, a ponto de remover montanhas, mas não tivesse amor, eu nada seria. Se eu gastasse todos os meus bens no sustento dos pobres e até me entregasse como escravo, para me gloriar, mas não tivesse amor, de nada me aproveitaria. O amor é paciente, é benfazejo; não é invejoso, não é presunçoso nem se incha de orgulho; não faz nada de vergonhoso, não é interesseiro, não se encoleriza, não leva em conta o mal sofrido; não se alegra com a injustiça, mas fica alegre com a verdade. Ele desculpa tudo, crê tudo, espera tudo, suporta tudo. O amor jamais acabará. As profecias desaparecerão, as línguas cessarão, a ciência desaparecerá. Atualmente permanecem estas três: a fé, a esperança, o amor. Mas a maior delas é o amor (1Cor 13,1-8.13). - Oração Deus Trino e Uno, que ése vives em comunidade de amor, peço-Te a graça de uma comunidade onde vivamos Teu amor, unidos por um só Espírito, um só Deus e um só Senhor; com uma missão que nos apaixone e nos motive. Que Teu Reino venha a este mundo! Que a Igreja seja a grande comunidade de comunidades, onde viva o amor e que tenha a humildade para reconhecer que a grande pesca não depende de nosso barco, mas da união com outros pescadores. Senhor, dá-me a sabedoria para aceitar que a pesca milagrosa depende do outro barco. E no final, que me alegre, porque as redes do outro barco estão cobertas de peixes. Sem inveja nem competição, Senhor, porque os peixes são Teus, amado Senhor Jesus. 4º. Quando nosso coração ainda não arde com o fogo da Palavra de Deus - Diagnóstico Pretendendo evangelizar, citamos teólogos e fizemos referência a nossos escritos pessoais. Se repetimos frases, parágrafos e até páginas inteiras do que outros escreveram ou ensinaram, esquecendo de fazer referência às Sagradas Escrituras, é porque ainda não estamos abrasados com o fogo da Palavra; e, assim, não é possível evangelizar. Quando imitamos a conduta de Paulo no areópago ateniense, que cita os poetas, mas não os profetas, nem faz alusão às Escrituras, estamos revelando que não estamos convencidos do poder intrínseco do Evangelho e que ainda não fomos seduzidos pelo poder salvífico da pregação (cf. 1Cor 1,21). 86 Os discípulos de Emaús: Eles somente repetiam o que outros afirmavam que outros haviam dito. Porém, durante o percurso, Jesus explica as Escrituras, e as Escrituras, por sua vez, explicam Jesus. Seu coração arde e este fogo será seu colírio para reconhecer Jesus na Fração do Pão. A Palavra os preparou. Embora a noite estivesse chegando, voltaram a Jerusalém com o coração inflamado para dar testemunho de que, verdadeiramente, Jesus havia ressuscitado. Como iremos transmitir a Boa Nova da salvação, se não usarmos a espada do Espírito, que é a Palavra de Deus? Sem a Escritura não conseguiremos transpassar os corações. No entanto, o mais grave está em que isso evidencia que nós, como pregadores, não fomos seduzidos pela Palavra. Talvez estudamos a Bíblia; todavia, ainda não estamos fascinados pela voz do amado quando, à noite, bate à porta (cf. Ct 5,2-4). Eu conhecia as Sagradas Escrituras e até dava cursos de Bíblia aos 22 anos. Porém, a Palavra era apenas uma matéria de estudo; não estava apaixonado por ela. A espada ainda não havia transpassado meu coração. Meu ensinamento era frio, repetindo somente o que outros haviam escrito. Até o dia em que o Espírito Santo me abrasou com o fogo da Palavra. Tendo tido um encontro pessoal com Jesus- Palavra, tudo mudou em minha vida em relação à Bíblia. A recomendação final do apóstolo Paulo a Timóteo resume sua experiência e transforma-se em um desafio para os que confiam mais em seus raciocínios, silogismos e teses de teologia do que na Palavra de Deus: “Proclama a Palavra. A fé vem pela pregação e a pregação, pela palavra de Cristo” (2Tm 4,2; Rm 10,17). - Logoterapia com a Palavra de Deus A terapia consiste em um contato diário com a Palavra; não, porém, para estudá-la – para isso deve haver outros momentos –, mas para saboreá-la em uma Lectio Divina. -Oração Senhor Jesus, Palavra de Deus, Jesus-Palavra, Incendeia meu coração com o fogo de Tua Palavra, para reconhecer Tua voz de Bom Pastor quando me chamares por meu nome. Purifica meus lábios com um carvão aceso para que possa proclamar Tua Palavra com a intrepidez dos profetas. 87 Apaixona-me por Tua Palavra, Senhor, por Ti, que és a Palavra de Deus, a Palavra do Pai. E Tu, que não proclamaste Tuas Palavras, mas as Palavras do Pai, concede-me que não fale minhas palavras, mas que proclame a Ti, única Palavra viva e eficaz, que Te fizeste carne no ventre virginal de Maria. 5º. Quando transmitimos doutrina e catequese, supondo que seja a Boa Nova - Diagnóstico Este último ponto reveste-se de um engano sutil, sustentado por uma tradição secular, pois pensamos que estamos transmitindo a Boa Nova quando, na realidade, estamos catequizando. Estamos centrados na sã doutrina e somos fiéis ao depósito da fé, segundo o Magistério da Igreja, o que não é mau, nem será jamais negativo, desde que se coloque em seu lugar adequado, que é depois do Primeiro Anúncio. No areópago ateniense, Paulo nem sequer se referiu a Jesus; e quando falou de Sua ressurreição, apresentou-O como um tema doutrinal ou filosófico. Tampouco ofereceu seu testemunho de mudança de vida, graças à Páscoa de Jesus. Tendo a oportunidade de evangelizar, não o fez. Será que por isso o tacharam de tagarela? (cf. At 17,18). O que sucede conosco é que não fazemos distinção entre Querigma e Catequese, e cremos que estamos evangelizando quando, de fato, estamos dando alimento sólido àqueles que não nasceram de novo. Fomos catequizados, mas não evangelizados. Como ninguém dá o que não tem, oferecemos o que recebemos, supondo que isso seja evangelizar. Todavia, esquecemos os alicerces do edifício da fé, que se encontram resumidos nos discursos querigmáticos, os quais não devemos confundir com um ensino sistemático, o qual há de vir sempre e somente depois. E você, quando assimilou e avaliou a rica doutrina da fé, assim como os sacramentos e a dimensão eclesial, foi antes ou depois de ter sido evangelizado? Então, por que inverter esta ordem pedagógica? É óbvio que quem não fala de Jesus, é porque não O possui em seu coração. Se não O apresenta como seu Salvador pessoal, nem como Senhor de toda a sua vida, é porque ainda não está evangelizado. O cardeal Joseph Ratzinger fez uma observação muito ousada: por que falamos mais da Igreja de Jesus do que do Jesus da Igreja? 88 - Logoterapia com a Palavra de Deus Ler os seis discursos querigmáticos do livro dos Atos dos Apóstolos: At 2,14-29; 3,12- 26; 4,8-12; 5,29-32; 10,34-43; 13,16-41. No verão de 2011, foi feita uma entrevista com meu querido amigo, o arcebispo de Quebec, Canadá, monsenhor Gérald C. Lacroix. Jornalista: – Não o surpreendeu o fato de que o Papa o houvesse nomeado bispo, sendo o senhor tão jovem? – Sim, sim, porém não me oponho. Mas o tempo vai solucionando esta situação. Jornalista: – E agora, que foi nomeado arcebispo de Quebec, como irá enfrentar o desafio de levar à Igreja jovens indiferentes, em um mundo que não quer saber nada da Igreja? – Não, meu plano não é levar as pessoas à Igreja. Eu os levo a Jesus, e Jesus sempre os leva à Sua Igreja. Os que se converteram com a pregação de Pedro no Pentecostes integram-se automaticamente à Igreja. - Oração Senhor Jesus, Tu és a Palavra de Deus, a Palavra do Pai, e recebeste o Espírito de Deus para anunciar a Boa Nova aos pobres, a libertação aos oprimidos, dar vista aos cegos e liberdade aos encarcerados. Peço-Te que derrames uma nova efusão de Teu Espírito para proclamar a Boa Nova que és Tu mesmo, Senhor Jesus. 89 90 Conclusão Já vimos que Deus nos confiou uma Grande Missão que, infelizmente, para muitos se converteu na Grande Omissão. Também diagnosticamos o porquê do não cumprimento do mandato do Mestre, resumindo-o em uma frase: se não evangelizamos, é porque ainda não fomos evangelizados com o poder da Proclamação. A expressão do Papa Paulo VI: “Uma Igreja evangelizada e evangelizadora”, supõe, logicamente, que, para evangelizar, é preciso que antes se esteja evangelizado. Por isso, o Papa conclui: “A Igreja começa por se evangelizar a si mesma” (Evangelii Nuntiandi, 15). Também por isso, o Papa Bento XVI disse, em 28 de novembro de 2011, aos bispos dos Estados Unidos: “Nós somos os primeiros que necessitamos ser reevangelizados”. Apresentamos, no princípio, a parábola de Jesus, em que o filho que disse que não iria à vinha acabou indo; assim como aquele que garantiu que iria não se apresentou. Jesus perguntava aos que o acompanhavam: “Que vos parece?” (Mt 21,28). Hoje, Jesus se dirige a nós mesmos: “Que vos parece, se Eu vos confiei a Grande Missão e vós o convertestes na Grande Omissão? Que vos parece?” Existe uma logoterapia para esta enfermidade:“A tua Palavra, Senhor, que tudo cura!” (Sb 16,12). 91 92 SETE PROBLEMAS DO QUERIGMA ESQUEMA 1º. A pessoa piedosa e apostólica pensa que já superou o Querigma 2º. Não valorizar a força intrínseca da Proclamação e saturá-la com Catequese doutrinal 3º. Supor que o Querigma seja protestante e catolizá-lo com sacramentos e devoções 4º. Fazer Catequese do Querigma 5º. Receber o Querigma dado por catequistas ou mestres que não são testemunhas 6º. Carecer de comunidade que dê respaldo e acolhida ao evangelizado 7º. Único problema sem solução: não anunciá-lo 93 94 Introdução Certo dia, o velho burro de um homem do campo caiu em um poço seco. O animal chorou amargamente, enquanto o camponês procurava mil formas para resgatá-lo, até que se deu por vencido. Esgotado e cansado, consolou-se, pensando: o burro já está velho, o poço secou e eu preciso fechá-lo de qualquer forma, de tal modo que não vale a pena tirar este asno daí. Pediu a seus vizinhos que viessem ajudá-lo. Cada um tomou uma pá e começaram a atirar terra no poço. O animal se deu conta de que estava a ponto de ser enterrado vivo e zurrou, despedindo-se deste mundo cruel. Em seguida, para surpresa de todos, aquietou-se. O camponês olhou para o fundo do poço e ficou surpreso com o que via: o sábio jumento sacudia a terra que caía em seu lombo e dava um passo por cima dela. Rapidamente, o animal chegou até a borda, passou por cima do parapeito do poço e saiu trotando. “Com grande poder, os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus. A palavra do Senhor crescia e se espalhava cada vez mais” (At 4,33; 12,24). Nos primeiros séculos, considerava-se o Querigma como “força salvadora de Deus para todo aquele que crê” (Rm 1,16). Porém, a partir da Contrarreforma, guardou-se como peça de museu, pensando que era assunto do passado, e compensou-se sua ausência com outros aspectos religiosos e devocionais. Como reação à importância que Lutero e seus seguidores davam ao Primeiro Anúncio, a Igreja Católica se desdobrou na Catequese, relegando a Proclamação da Boa Notícia resumida no Querigma. Deixamos- lhes a bola de futebol em seu campo e nos recolhemos no dogma, no culto e nos sacramentos. Assim sendo, tanto nossos irmãos evangélicos quanto os pentecostais, no século passado, tomaram o Querigma como o centro de sua pregação8, proliferando assim as igrejas evangélicas, especialmente em terras de missão. Do mesmo modo que a terra que era lançada sobre o burro serviu para que ele pudesse sair do poço, assim também, graças ao alto preço que tivemos de pagar, estamos reagindo para colocar a lâmpada sobre o candelabro. Pó e terra que cobrem o Querigma 95 irão nos servir, como ao burro da história, para estabelecer a plataforma que nos faça sair do poço, porque a luz não pode ser escondida; deve brilhar no alto, a fim de que ilumine os que estiverem dentro e fora da casa. Por isso, aproveitaremos a terra com que foi coberto o Primeiro Anúncio para recuperar com entusiasmo o grito evangelizador da Igreja primitiva. A Igreja do século XXI chegou à corajosa decisão de que necessita com urgência de uma Nova Evangelização, porque o amor de Cristo nos impele e devemos recuperar o tempo perdido. Nesta corrida contra o relógio, houve audaciosos passos para a frente, assim como hesitações e tentativas, sem omitir erros. Iremos nos centrar agora nessas quedas, não para acusar ninguém, mas para elaborar um diagnóstico que nos ajude a encontrar a medicina que nos faça recuperar o vigor da Igreja primitiva. 96 97 Desenvolvimento do tema Dois pressupostos iniciais: O problema não está radicado no Querigma em si mesmo, mas sim na forma em que nós o transmitimos. Cada uma das dificuldades que iremos apresentar é como a terra da historieta do burro, que nos irá possibilitar a saída do poço. 1º. Problema: A PESSOA PIEDOSA E APOSTÓLICA PENSA QUE JÁ SUPERAROU O QUERIGMA a. Problema Há pessoas piedosas que trabalham na vinha do Senhor que creem ter adquirido o bilhete da salvação por elas próprias. Outras, empenham-se em comprá-lo com trabalho apostólico. Pretendem merecer com ativismo pastoral ou cumprimento formal das leis e mandamentos o que é um dom gratuito. Como exemplo desta atitude, a Escritura nos relata a história de Samuel: Desde pequeno, Samuel foi levado à casa de Deus. Crescia entre cânticos religiosos e com o aroma do incenso. A cada ano sua mãe, Ana, trazia-lhe seus aparatos de acordo com as funções que exercia na Tenda de Reunião, que era o centro religioso naqueles tempos. Samuel, menino ainda, estava a serviço do Senhor (1Sm 2,18). Ademais, era guiado por um dos grandes mestres: o sábio sacerdote Eli. Uma noite, porém, Deus quis comunicar-se diretamente com Samuel e o chamou por seu nome: Samuel, Samuel. O jovem pensou que fosse o sacerdote Eli quem o procurava e foi ter com ele para ver o que precisava. Entretanto, não era Eli, mas o próprio Deus. Isto se repetiu novamente e até pela terceira vez. Eli, compreendendo que era o Senhor quem o chamava, sabiamente o advertiu: Se alguém te chamar, responderás: “Fala, Senhor, que teu servo escuta! ”. A Bíblia explica por que, naquela noite, Samuel não reconheceu a voz do Senhor: “Samuel ainda não conhecia o Senhor, pois, até então, a palavra do Senhor não se tinha manifestado a ele” (1Sm 3,7). 98 Quando o texto hebraico faz referência ao fato que Samuel “ainda não conhecia” o Senhor, usa o verbo yadáh, que não se reduz a uma atividade intelectual, mas a uma experiência profunda de amor. Por isso, a vida eterna consiste em “conhecer” o Pai, o único Deus verdadeiro, e Seu enviado, Jesus Cristo (cf. Jo 17,3). Apesar de viver no ambiente da liturgia, com sacrifícios e cantos sagrados, Samuel servia a alguém que não conhecia. Era um mero funcionário, acostumado com o que é sacro, de tal maneira que não esperava nada de extraordinário, pois era um experto religioso. Seu serviço não o capacitava para reconhecer a voz do Pastor quando Ele o chamou por seu nome. Há pessoas que supõem que, graças a suas práticas de piedade ou aparatos religiosos, não necessitam do Querigma. A parábola da ovelha perdida nos relata a história de uma ovelha que foge do rebanho e vai para um deserto onde não há caminhos, perdendo, assim, a capacidade de regressar (cf. Lc 15,4-7). Não obstante, a parábola da moeda perdida é mais trágica, pois a moeda da mulher se extravia na casa; sim, em sua própria casa (cf. Lc 15,8-10). Na casa de Deus, as pessoas também se perdem. É possível estar consagrado ao serviço do Senhor como um funcionário, mas sem qualquer relação pessoal com Ele. Estes zelosos apóstolos encontram-se fotografados na parábola do filho pródigo: trabalham fielmente, cumprindo todas as ordens, e voltam com pontualidade para casa; sim, voltam para casa, mas não voltam para o pai. São fatos bem distintos. Além disso, negam-se a entrar na festa. Não gozam nem demonstram essa alegria contagiante por ter encontrado o tesouro escondido. Uma coisa é conhecer a Deus por ter ouvido dizer, como Jó (Jó 42,5); e outra é receber o Evangelho por revelação de Jesus Cristo, como Paulo de Tarso (Gl 1,12). É possível estar entre as coisas santas, nos atos litúrgicos e até tocar com as mãos os mistérios de nossa fé, porém não ser aprisionado nem seduzido pelo exagerado amor divino. O perigo de supor ter sido permeado pelo Querigma prolifera em pessoas religiosas e cultas, pois imaginam que a Boa Nova de Jesus esteja incluída em suas práticas religiosas, muito embora algumas vezes estas careçam de apoio bíblico. Outros pensam 99 que seus conhecimentos teológicos já cumpriram e superaram os objetivos do Primeiro Anúncio. Não obstante, o caso de Samuel nos demonstra que não é automático. Tanto o Querigma quanto a Catequese têm seu próprio tempo e espaço particular, e nada nem ninguém pode substituí-los e, muito menos, suplantá-los. Mais ainda, o Primeiro Anúncio vem antes de todo o restante. É o primeiro. b. Pista de solução e desafios pastorais Os pecadores e prostitutas aceitavam Jesus mais facilmentedo que as pessoas tidas como boas, que pensavam não necessitar da Boa Notícia. Os que se opunham terminantemente à mensagem evangélica eram a casta religiosa, como os fariseus, que eram os mais difíceis de convencer, porque se consideravam já salvos e justificados por seu rigoroso cumprimento da Lei, tradições e preceitos. Ser justo não é a mesma coisa que ser justificado por Jesus. Há quem se esforce mais para autojustificar-se, graças a seus próprios méritos, do que por ser justificado gratuitamente. O justo se gloria de suas virtudes e méritos. O justificado glorifica a Deus pelas maravilhas nele realizadas. A aceitação de Jesus como único Salvador e Sua proclamação como Senhor são obra do Espírito Santo (cf. 1Cor 12,3). Precisa-se de uma revelação do Espírito para confessar Jesus como único mediador e que não existe outro nome dado aos homens para serem salvos (cf. At 4,12). Assim, pois, a alvorada para esta situação é receber uma revelação do Espírito que nos dê testemunho da ressurreição de Jesus, para crer e entregar nossa vida sob Seu senhorio. O fariseu de Tarso da Cilícia imaginava contar com passaporte e visto para salvar-se. Era irrepreensível e supunha já haver ganho o Céu para si. Não obstante, certo dia foi surpreendido e teve necessidade de voltar e começar tudo outra vez. Com razão, reconhece: “Mas essas coisas, que eram ganhos para mim, considerei-as prejuízo por causa de Cristo. Mais que isso, julgo que tudo é prejuízo diante deste bem supremo que é o conhecimento do Cristo Jesus, meu Senhor. Por causa dele, perdi tudo e considero tudo como lixo. [...] Mas continuo correndo para alcançá-lo, visto que eu mesmo fui alcançado pelo Cristo Jesus” (Fl 3,7-8.12). Quando Paulo se refere a “ser alcançado”, usa o verbo katalambano, que significa “agarrado, segurado” com força. Ter sido aprisionado e capturado por Jesus foi a fonte de sua conversão9 e o detonador de sua missão apostólica: ele, o perseguidor, foi aprisionado nas proximidades de Damasco. 100 Na obra da conversão, é Deus quem toma a iniciativa. Por isso, o profeta pede: “Faze que eu me volte, para que eu possa voltar, porque tu és o Senhor, o meu Deus” (Jr 31,18b). Paulo de Tarso nos fala que era um perseguidor insolente que maldizia o nome de Jesus. Todavia, acrescenta: “Quando, porém, Àquele que me separou desde o ventre materno e me chamou por sua graça, agradou revelar-me o seu Filho, para que eu o anunciasse aos pagãos” (Gl 1,15-16). Aí está a chave: que Deus tenha misericórdia e nos revele Seu Filho. Desde os sete anos, eu procurava alcançar a Deus e me empenhava em servi-Lo. Em minha juventude, conduzi uma vida religiosa com muito esmero, com estudos de teologia e Bíblia. Participava até de cursos de Sagradas Escrituras e línguas bíblicas. No entanto, conhecia o Senhor Jesus somente pelo que meus mestres me haviam ensinado; pelo que eu lia ou estudava, mas nunca havia tido um encontro pessoal com o Ressuscitado. Sabia de memória citações e textos bíblicos, até em grego, mas a Água Viva da Palavra não havia penetrado meu coração. Eu não havia experimentado o Espírito Santo que revela a verdade completa e dá testemunho de Jesus. Vivi muitos anos supondo viver o que não vivia. Entretanto, como desconhecia o que me faltava, não tinha ideia do que se tratava. No final do ano 1971, enquanto vivia na rotina espiritual, algumas pessoas me anunciaram pela primeira vez a Boa Notícia da salvação. Notava-se que eram testemunhas. Elas me garantiram que se podia experimentar tudo o que está escrito na Bíblia quanto à vida em abundância. Isto suscitou dentro de mim uma sede misturada com curiosidade, a qual, porém, me parecia excessiva. Disseram-me que iriam orar para que recebesse uma nova efusão de Espírito Santo, para que o Paráclito me revelasse o que sábios e prudentes deste mundo ignoram, mas que Deus revela aos simples de coração. Eu resistia, argumentando que já havia recebido o Espírito Santo em meu batismo e em minha confirmação. Mas, então, surgia uma dúvida: se já o possuo, por que, então, começo o dia cantando Veni Creator Spiritus? O Senhor não pode me dar mais? Necessito e quero mais Espírito Santo? Opunha-me, mas, ao mesmo tempo, não queria perder a oportunidade. Coloquei Deus à prova: se isto é para mim, preciso que me mostres. Se for apenas vã ilusão, então não quero nada. Porém, se é certo que preparaste meu Pentecostes pessoal, eu 101 reconheço que necessito Dele. Abro a porta, Senhor. Aproveita a oportunidade de provar que tens poder para transformar a vida de um fariseu. Decidi, então, arriscar-me e disse a mim mesmo: “Eu vou pedir o Espírito Santo, e se depois não me agradar, volto e retomo meus esquemas tradicionais”. E assim, abri meus braços para que duas pessoas orassem sobre mim, para receber conscientemente a promessa do Pai. Eu não encontrei a Deus quando O buscava. Ele saiu a meu encontro de uma forma surpreendente e fora de todo programa. Eu não O alcancei. Eu fui alcançado. Ele tomou a iniciativa. Creio que eu posso também dizer que foi uma revelação. Minha conversão não foi de um grande pecador para justo. Não. Minha conversão foi mais radical e profunda: de justo para filho; de “justo” para justificado; de fariseu para pecador perdoado. E comecei a viver como filho; e, portanto, se filho, também herdeiro de Deus e co-herdeiro de Cristo Jesus (cf. Rm 8,17). O problema de dar o Querigma por suposto está muito generalizado entre pessoas boas, com funções eclesiais ou títulos acadêmicos. No primeiro dia da semana, Jesus ressuscitado apareceu a Seus discípulos, que estavam reunidos com as portas fechadas por medo dos judeus. Todavia, naquela tarde, Tomé não estava presente. Quando seus companheiros lhe comunicaram que o Senhor Jesus havia ressuscitado e havia aparecido a todos eles, este discípulo, conhecido como “Gêmeo”, não acreditou neles. E, mais ainda, desafiou o próprio Mestre: “Se eu não vir a marca dos pregos [...], se eu não puser a mão no seu lado, não acreditarei” (cf. Jo 20,19.24-25). Não lhe bastava o testemunho dos outros apóstolos. Necessitava sua própria experiência pessoal de Jesus ressuscitado. Tomé era um apóstolo, um dos doze privilegiados, porém lhe faltava um encontro pessoal com Jesus ressuscitado. A todos os que procuram alcançar Jesus, trabalham em sua vinha e se empenham em servir ao Mestre da Galileia, eu os convido a se arriscarem a pedir uma nova efusão do Espírito, que os leve a uma revelação de Jesus como Salvador e Senhor. As vestimentas religiosas ou cargos ministeriais não garantem o haver experimentado um encontro pessoal com Jesus ressuscitado. Nenhuma prática de piedade, artigo religioso, título acadêmico ou função hierárquica suprem o Primeiro Anúncio. 102 Não é somente o povo de Deus que precisa ser evangelizado com o Querigma. Também os ministros e pastores, sacerdotes e profissionais da fé, pregadores e catequistas. Muitos deles são apóstolos que ainda não viveram seu Pentecostes pessoal, que lhes revelará o que ninguém pode conhecer por si mesmo. c. Resumo Nada supre nem supera a Boa Nova do Querigma, porque o Evangelho é uma Pessoa, Jesus, único e suficiente Salvador. Não basta trabalhar na vinha; é preciso conhecer o Vinhateiro. 2º. Problema NÃO VALORIZAR A FORÇA INTRÍNSECA DA PREGAÇÃO E SATURÁ-LA COM CATEQUESE a. Problema O mundo não foi capaz de reconhecer a Deus pela sabedoria, mas, pela loucura da pregação [do Kerygma], Deus quis salvar os que creem (1Cor 1,21b). Não negamos que o Querigma tenha uma aparência tão simples que os sábios catalogariam como simplista, assim como certos teólogos podem considerá-lo incompleto. Como sua essência não está radicada em teses teológicas, nem em dissertações filosóficas, pois se reduz à apresentação de uma Pessoa que vem para salvar, muitos caem na tentação de “completar e melhorar doutrinalmente” o Querigma, com catecismo e teologia. Se esta sábia atitude tivesse razão de ser, dever-se-ia aplicar também à pregação de Jesus, feita com parábolas e curas. Há vinte séculos, São Paulo já relatavaque a Pregação Apostólica parecia demasiado pobre para os eruditos gregos, os quais exigiam “Sofía” – sabedoria – da parte dos pregadores: “Os gregos buscam sabedoria” (1Cor 1,22b). O erro essencial que explica o fracasso total de Paulo no areópago de Atenas está em que, talvez, devido à pressão por encontrar-se no cume da cultura helênica, tenha mudado o conteúdo que antes havia produzido bons resultados na praça da cidade. Ao longo da exposição, adornou tanto seu discurso que diluiu a essência do Evangelho. Perdeu também o objetivo: ao invés de pungir os corações para que se voltassem para Deus, procurou agradar os ouvintes com frases de poetas de seu tempo. Paulo rasurou e maquiou a Mensagem; e quis compensá-lo, fazendo uso de retórica e oratória. Mutilou tanto o Anúncio que nem sequer nomeia Jesus e, menos ainda, faz 103 alusão à Sua morte na cruz. Aborda o tema da ressurreição, porém não menciona o Ressuscitado. Omite também que ele é uma testemunha que experimentou a nova vida em Jesus. Por outro lado, apoia-se em filósofos estoicos e sábios do círculo dos homens ilustres de Atenas. Em vez de citar os profetas inspirados pelo Espírito, faz alusão a Epimênides, Cnossos e Arato. O curioso é que, embora este discurso seja uma joia literária, os atenienses o jogaram por terra para sepultá-lo e o catalogaram como katangueleus eínai: ser tagarela (cf. At 17,18)10. Por isso, Paulo sai rapidamente de Atenas, afetado talvez por uma profunda depressão que ele próprio descreve: fraqueza, receio e muito tremor (1Cor 2,3). Alguns, devido principalmente à preocupação com a sã doutrina, imaginam que o Querigma deva ser completado. Por isso, muitas pessoas eruditas e com títulos acadêmicos, que não experimentaram o poder intrínseco que possui o Evangelho, buscam melhorar a Boa Nova com elementos doutrinais, ou chegam até a eliminar aspectos essenciais. Do mesmo modo que Paulo suprimiu alguns pontos imprescindíveis do Querigma no areópago ateniense, muitas vezes nós não apresentamos a Boa-Nova da graça de Deus (At 20,24); ou seja, a Boa Notícia de que a salvação é gratuita. Omite-se a proclamação da Boa Notícia de que os méritos de Cristo Jesus cobriram suficientemente a dívida completa e que já estamos em paz com Deus (cf. Cl 2,14; Rm 5,1). Por outro lado, acrescentando tantos temas doutrinais ou aspectos do Dogma Católico, causamos uma indigestão mental. Tentar inserir toda a doutrina da fé no Anúncio Querigmático torna-se antipedagógico, pois é diluída a força intrínseca do Evangelho. E então, a estrela do Querigma fica reduzida ao seguinte desenho: Numa fria noite de inverno, celebrava-se o batismo de um bebê de um dos políticos mais proeminentes do país. Por razões de segurança, em face de tantos sequestros, a cerimônia foi celebrada em uma rica propriedade, nos arredores da cidade. 104 Os convidados chegavam em carros de luxo. Ao entrar, deixavam seus abrigos e peles nas mãos da criadagem, passando logo para a casa, que estava ricamente adornada e iluminada. Às oito da noite em ponto, chegou o bispo e pediu que a cerimônia fosse celebrada imediatamente. Todos correram, trouxeram os paramentos e a água. Os padrinhos já estavam à frente. A mamãe foi em busca do bebê, mas não o encontrava. A criadagem procurava a criatura. Entre os convidados, corria um rumor: teria sido sequestrado? Decorrido um tempo razoável, o bispo desculpou-se e saiu. Diante da inquietação de familiares e amigos, os convidados começaram a solicitar seus pertences para despedir-se. Porém, quando tiraram o último abrigo de visom, ali, debaixo dele, estava o bebê, asfixiando-se. O mesmo sucede quando juntamos muita riqueza catequética no Anúncio Querigmático; já não sabemos onde ficou Jesus. Carregam-se tantos elementos de doutrina e dogma que, no final, é difícil encontrar Jesus debaixo de tantas peles de teologia. Integramos tanta doutrina no Querigma que se perde o essencial. De toda aquela Boa Notícia de Jesus morto, ressuscitado e glorificado por nós como Salvador, Senhor e Messias para nós, resta somente “MORTO”. Isto se deve ao fato de não termos valorizado o poder intrínseco do Evangelho, que é força de salvação para todo aquele que crê, e de não termos experimentado na própria carne os frutos de uma evangelização querigmática. Não podemos crer nem usar a força da Proclamação, se antes nós mesmos não houvermos experimentado que o Evangelho é Dynamis, força de Deus para a conversão. O coletor de impostos, Mateus, escutou a Palavra do Mestre que lhe ordena: akoluthei moí – “Segue-me” (Mt 9,9). Este chamado marca-o de tal modo que vai focalizar seu escrito nas palavras e discursos de Jesus. Valoriza a Palavra porque, antes, ele foi tocado e tatuado por ela. Se não tivermos escutado a Palavra, como será possível transmiti-la e, mais ainda, causar impacto nos demais por meio dela? b. Pista de solução e desafios pastorais 105 Quando o apóstolo deixa a capital da ciência e da cultura, Atenas, encaminha-se para a capital do pecado, Corinto. Ele próprio nos conta: Irmãos, quando fui [a Corinto] até vós anunciar-vos o mistério de Deus, não recorri à oratória ou ao prestígio da sabedoria. Pois, entre vós, não julguei saber coisa alguma, a não ser Jesus Cristo, e este, crucificado. Aliás, estive junto de vós com fraqueza e receio, e com muito tremor. Também a minha palavra e a minha pregação não se apoiavam na persuasão da sabedoria, mas eram uma demonstração do poder do Espírito, para que a vossa fé se baseasse no poder de Deus e não na sabedoria humana (1Cor 2,1-5). Assim como o burro aproveitou a terra que lhe caía em cima e, depois de sacudi-la de si, formou uma plataforma que o ajudou a sair do poço, também Paulo transformou o fracasso de Atenas em aprendizagem a propósito de como realizar as coisas. Graças ao fato de ter sabido redimensionar suas omissões, conseguiu estabelecer com clareza diferentes aspectos da evangelização. Como no caso do burro da historieta, a terra da ironia e o desprezo dos homens cultos de Atenas serviram-lhe para não cair mais no mesmo erro. Graças a seu fracasso, reage, e declara que, pela loucura da Proclamação Querigmática, Deus quis salvar os que creem (cf. 1Cor 1,21). Define também a essência da Proclamação: De fato, eu vos transmiti, antes de tudo, o que eu mesmo tinha recebido, a saber: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, foi sepultado e, ao terceiro dia, foi ressuscitado, segundo as Escrituras (1Cor 15,3-4). Em seu testemunho aos líderes de Éfeso, estabelece o conteúdo do Primeiro Anúncio: “A Boa-Nova da graça de Deus” (At 20,24b) – A salvação é gratuita. A seguir, define o objetivo da Pregação: “Para que se convertessem a Deus e acreditassem em Jesus, nosso Senhor” (At 20,21). Muitos membros e até hierarcas da Santa Igreja Católica não escutaram nem aceitaram o Evangelho da Graça; e, por isso, não experimentaram a conversão evangélica, que não se limita uma mudança de moral, mas também de esquema: o que importa e vale não é o que nós fazemos por Deus, mas o que Ele fez por nós. Os gálatas haviam sido evangelizados com grande poder, com sinais, prodígios e milagres. Entretanto, seduzidos muito rapidamente pelos cristãos judaizantes, voltam à Lei como meio de salvação. Então, Paulo reage com energia e os desafia com clareza: Ó gálatas insensatos, quem vos enfeitiçou? E Jesus Cristo crucificado não tinha sido descrito diante de vossos olhos? Só isto quero saber de vós: recebestes o Espírito pela prática da Lei, ou pela fé, mediante a pregação? Admiro-me de que tão depressa, abandonando aquele que vos chamou na graça de Cristo, tenhais passado a outro evangelho. Não que haja outro, mas acontece que algumas pessoas vos estão perturbando e 106 querem corromper o evangelho de Cristo. Pois bem, mesmo que nós ou um anjo vindo do céu vos pregasse um evangelho diferente daquele que vos pregamos, seja excluído! Como já dissemos e agora repito: se alguém vos pregar um evangelho diferente daquele que recebestes, seja excluído! (Gl 3,1-2; 1,6-9).O apóstolo aprendeu a dura lição do areópago ateniense e declara que a mensagem não pode se revestir de sabedoria. A liturgia eucarística proclama algo que deveria ser uma realidade em cada um de nós que participamos na Eucaristia: “Senhor, eu não sou digno de que venhas a mim, porém, uma Palavra Tua bastará para me curar”. E essa Palavra tem um nome e um perfil: Jesus de Nazaré, que foi concebido pelo Espírito Santo no ventre de Maria. No dia de Pentecostes, o discurso de Pedro se concentra em uma só pessoa: Jesus. Bastaram-lhe três minutos para converter 3.000 pessoas. O que é que faltou em sua pregação, naquela manhã gloriosa na praça? A seguir, com um discurso mais breve, converte 2.000 pessoas, pois vai ao essencial do Anúncio Querigmático: “Não existe debaixo do céu outro nome dado à humanidade pelo qual devamos ser salvos” (At 4,12). O primeiro evangelista a registrar por escrito a vida e Mensagem de Jesus foi Marcos11. Em seu firmamento só brilha um sol: Jesus, o Evangelho de Deus. Depois, baseado em Marcos, foi redigido o evangelho de Mateus, que é catequético, e o de Lucas, que é missionário. O escrito por João, muitos anos depois, é destinado a pastores. Porém, tudo começou com o de Marcos. Nesta cronologia, talvez encontremos uma mensagem. Na vida cristã, devemos iniciar com Marcos, cristocêntrico, para depois ser catequistas, missionários e pastores. Inverter a ordem significa trair a pedagogia da fé. Urge valorizar o Querigma como Dynamis: força de Deus para a salvação. Não o centramos nos planetas de nossa teologia nem nos satélites de nossa fé, mas no único sol de justiça, Cristo Jesus, porque quando elaboramos uma constelação com muitos elementos doutrinais e catequéticos, ficamos perdidos na imensidão dos espaços. Em sua maturidade como apóstolo, Paulo pede aos colossenses que apreciem a Palavra de Deus: “Que a palavra de Cristo habite em vós com abundância” (Cl 3,16a). E também ordena a Timóteo: “Proclama a Palavra” (2Tm 4,2). Na Igreja Católica, ainda temos muito caminho pela frente para valorizar a Palavra revelada. Apesar de não ser teólogo, fui convidado de maneira pessoal pelo cardeal Marc Ouellet para o Simpósio Teológico do Congresso Eucarístico Internacional em Quebec, em 2008, com a presença dos teólogos mais notáveis da atualidade. 107 Minha participação contestava uma apresentação magistral de uma grande autoridade eclesial. Depois dos aplausos a tão profunda dissertação, eu reagi, assinalando que naquela intervenção haviam sido feitas 37 citações do Magistério da Igreja e dos teólogos modernos, e somente três da Palavra de Deus. Questionei, então, se a teologia moderna era elaborada com reflexões sobre reflexões de teólogos (“refritos”, como se diz no México) ou se deveríamos recorrer ao velho método dos padres da Igreja, de partir da Palavra de Deus. Em seguida, perguntei quantos, entre os que estavam presentes em tão seleto evento, traziam a Bíblia. Entre os muitos cardeais, bispos e teólogos, havia somente cinco, sim, cinco Bíblias e uma memória USB (pen drive) que continha a Bíblia eletrônica. Felizmente, havia uma pintura do primeiro bispo de Quebec, Dom Francisco de Laval (1623-1708), que tinha uma Bíblia na mão. Aproveitei a oportunidade para afirmar: “Eu sabia que pelo menos um bispo devia trazer a Bíblia”. Ao terminar a sessão, algumas pessoas me agradeceram por minha coragem. Outros, olhavam para mim com suspeita e não poucos (dos que não estavam com a Bíblia) reclamaram da minha da falta de respeito. Durante os cursos da Escola de Evangelização Santo André, o centro geográfico não é uma imagem nem quadro religioso; nem sequer o púlpito do pregador, mas um altar com uma Bíblia aberta. A cada dia, uma comunidade se empenha em adornar com criatividade este espaço, usando motivos próprios da cultura local. Em um curso que ministrávamos em Györ, na Hungria, em uma rústica mesa, foi colocada a Bíblia sobre um tronco de árvore. Não havia toalha, incenso, flores, nem nada. Perguntei à comunidade responsável se não lhes faltou criatividade para encontrar adornos que fizessem ressaltar a importância da Palavra de Deus. Após alguns segundos de tenso silêncio, o responsável levantou-se, aproximou-se de onde estava a Palavra e disse: “A Bíblia não precisa de decoração, porque é a Palavra de Deus. Tampouco necessita de lâmpadas, porque a Palavra é luz. O senhor colocaria algumas velas ao sol?” A seguir, inclinou-se com reverência diante da Escritura, beijou-a e retirou-se, enquanto todos nós abraçávamos nossas Bíblias. A renovação litúrgica, em um começo, deu grandes passos. A renovação catequética culminou com a edição do Novo Catecismo da Igreja. Entretanto, a renovação bíblica 108 está ainda longe de firmar raízes na Igreja, tanto nos paroquianos quanto nos ministros. Um bispo, que participou em 2008 do Sínodo dos Bispos sobre a Palavra de Deus, confessou-me em voz baixa: “Para mim, era difícil encontrar um participante com sua própria Bíblia. Falava-se da Bíblia, em vez de deixar que a Palavra falasse. Havia muito mais livros em geral e catecismos do que Bíblias”. Nos dias de hoje, em que se reforça a adoração eucarística e se estabelecem capelas especiais com esta finalidade, não ficaria mais completo se, diante de Jesus-Eucaristia, houvesse também a presença de Jesus-Palavra? Em primeiro lugar está o Querigma, e depois, sempre depois e unicamente depois, vem a Catequese. Não por ser desprezada; ao contrário, porque esta última adquire maior valia para aqueles que nasceram de novo. A pérola da doutrina somente é valorizada por aqueles que acolheram em seu coração a Palavra de salvação. De outro modo, transforma-se em uma informação que não tem relação com a vida. Um morto necessita primeiro ressuscitar. Depois, somente depois e sempre depois, alimentar-se. Quando chegaram à casa, não deixou ninguém entrar com ele, a não ser Pedro, João, Tiago e o pai e a mãe da menina. Todos choravam e lamentavam. Mas Jesus disse: “Não choreis. Ela não está morta, mas dorme”. Zombaram dele, pois sabiam que ela tinha morrido. Então ele pegou a menina pela mão e exclamou: “Menina, levanta-te!” Ela voltou a respirar e imediatamente se levantou. Jesus mandou que lhe dessem de comer (Lc 8,51-55). Nosso erro pastoral consiste em inverter o processo, oferecendo o rico manjar do Depósito da fé aos que ainda estão mortos. Os egípcios colocavam os pratos mais extravagantes na câmara funerária do defunto. Todavia, o morto jamais os experimentava, porque um morto não necessita comer, e sim ressuscitar. Que o Querigma seja o primeiro passo não significa que lhe falte doutrina, mas simplesmente que depois deve ser construído um sistema de formação permanente, que propicie o crescimento até a estatura de Cristo, para os que, graças à Proclamação da Boa Nova, nasceram de novo. O Querigma constitui tanto a força de muitos irmãos evangélicos e cristãos como a fraqueza de muitos católicos. Por essa razão, urge valorizar o Primeiro Anúncio como a alma da alma de nossa Igreja. Sem deixar de reconhecer as pessoas ou instituições que evangelizam com o Querigma, tocando os corações e transformando as vidas, mediante um encontro pessoal com Jesus ressuscitado, devemos nos perguntar se, em nossa paróquia, movimento apostólico ou pregação, as pessoas se reúnem para escutar a Palavra de Deus ou caem na indiferença. 109 Pelos frutos se conhece a árvore. Se a Igreja Católica convoca multidões que se submetem ao Senhorio de Jesus e transforma sua vida para ser fator de instauração do Reino de Deus, devemos continuar com nossos esquemas pastorais que estão dando fruto abundante e permanente. Todavia, se nossa estratégia pastoral não frutifica na base de cem por um, então a solução é muito simples: lançar a rede do outro lado. Se nossos argumentos teológicos ou dissertações doutrinais não conseguiram superar o relativismo, é preciso pregar o Querigma puro, apostando em seu poder intrínseco, que é capaz de tocar os corações mais duros. O subjetivismo religioso é filho do dogmatismoe só floresce naqueles que não submeteram sua vida ao Senhorio de Jesus. A indiferença religiosa se propaga quando faltam Cenáculos ou Emaús. Mais ainda: conheço muitas pessoas que perderam a fé, não no mundo secularizado, mas em cursos de teologia ou escolas de catequese, onde os mestres com ideias pessoais, à margem da Bíblia e contrárias ao Magistério da Igreja, extinguem o fervor dos assistentes com teorias e conclusões até mesmo contrárias à revelação. c. Resumo O imperativo evangélico de anunciar a Boa Notícia a toda a criação transformou-se em “Ide e evangelizai os católicos” que não receberam o Querigma; aos que estudaram catequese e cumprem a moral cristã; aos que são expertos no dogma e na teologia. Ide e evangelizai os que ainda não acolheram em seu coração a Boa Nova do Evangelho; que têm uma biblioteca de conhecimentos em sua mente, mas que ainda não abriram o coração ao Senhor Jesus que está batendo (cf. Ap 3,20). A Proclamação foi e será sempre muito simples, porque sua essência não é um catálogo de teses teológicas nem um elenco de doutrina, mas simplesmente “a Boa Nova de Jesus, o Messias” (cf. At 8,35), ou talvez, melhor ainda: Jesus como a Boa Nova. O centurião pagão, assim como a Igreja, não diz: “Senhor, eu não sou digno de que venhas a mim, mas um longo discurso ou todo o catecismo bastarão para me salvar”. Não. “Uma Palavra”; sim, uma Palavra é capaz de nos salvar e nos curar, porque essa Palavra tem um perfil e um nome: Jesus, o “logos” feito carne. A eficácia da Catequese depende de quando é partilhada. Nunca antes do Querigma e, muito menos, em lugar dele. A frase de São Paulo expressa em forma negativa – “Não me envergonho do Evangelho” – poderia ser enunciada em forma positiva: “Orgulho-me do Evangelho. Glorio-me do Querigma”. 3º. Problema 110 SUPOR QUE O QUERIGMA SEJA PROTESTANTE E CATOLIZÁ-LO COM SACRAMENTOS E DEVOÇÕES a. Problema Considerando que nossos irmãos evangélicos, igrejas protestantes ou pentecostais pregam a todo o tempo a Boa Nova da salvação, alguns chegam a supor que o Querigma é protestante e, portanto, faltam-lhe elementos da fé ou tradição católica. Para compensá-lo, elabora-se um embutido de sacramentos, caindo no sacramentalismo, que até desvaloriza os próprios sacramentos. As pessoas que temem que se perca o valor dos sacramentos no Primeiro Anúncio, na verdade, são as que não os apreciam, uma vez que em seu esquema os sacramentos não são avaliados em sua exata dimensão: canais da graça de Jesus, morto por nós e ressuscitado para nós. Em outras palavras, o remédio veio a ser pior do que a enfermidade que elas procuravam curar. O diácono Filipe prega ao eunuco etíope a única Palavra que salva e cura: “Então Filipe começou a falar e, partindo dessa passagem da Escritura, anunciou-lhe Jesus” (At 8,35). Filipe centra-se em um único tema: Jesus, ou Jesus como a Boa Notícia de Deus para toda a humanidade. Faltou-lhe algo para converter o funcionário de Candace? É muito provável que Filipe tenha se referido ao batismo, porém não o propõe e, menos ainda, o impõe. É o eunuco quem o solicita. Uma boa apresentação do Querigma culmina com a experiência sacramental como coroação do processo evangelizador. Quantas pessoas pedem, hoje, o batismo de forma livre e consciente? Não será porque lhes falta o Anúncio? Em contrapeso com a suposta pertença protestante do Querigma, valorizam-se mais algumas revelações particulares ou devoções sem identidade evangélica. Em algumas ocasiões, compete-se até com o papel de Jesus Cristo como único mediador entre Deus e os homens (cf. 1Tm 2,5). Infelizmente, para não poucas pessoas, tais devoções se converteram na cor que as identifica como católicas. Não seria já oportuno efetuar uma denúncia profética do que, em alguns casos, beira os limites da idolatria? O Querigma não precisa ser batizado e, menos ainda, suprido com revelações particulares; especialmente quando estas contêm elementos contrários à revelação. Tampouco faltam-lhe sacramentos; ao contrário, é o melhor caminho para uma vivência profunda da vida sacramental. Quando, ao invés, se desloca o valor dos sacramentos no 111 Primeiro Anúncio, incorre-se no sacramentalismo, que desvaloriza os sacramentos e dilui a força da Pregação Apostólica. b. Pista de solução e desafios pastorais A Proclamação que encontramos nos discursos querigmáticos é a alma da Igreja. Se Pedro e Paulo, o diácono Filipe e o evangelista Marcos foram os primeiros que anunciaram esta Boa Notícia, então o Querigma é a raiz da Igreja apostólica. Por que supor que é protestante? Pretende-se catolicizar o que há de mais católico. O Querigma era e é católico. Não necessita ser batizado nem catolicizado. Uma vez que existem muitas pessoas que receberam sacramentos antes de serem evangelizadas, nosso desafio pastoral é evangelizar os batizados, já que não é pelo fato de haver recebido sacramentos que se está evangelizado. É preciso aproveitar a oportunidade e, como o burro da historieta, construir uma plataforma para sair do obscurantismo bíblico. c. Resumo O Querigma não é protestante, mas apostólico. Se nossa Igreja é apostólica, deve recuperar a Pregação original da Igreja primitiva. 4º. Problema FAZER CATEQUESE DO QUERIGMA a. Problema Já vimos que a Proclamação da Boa Nova de Jesus é tão simples que se cai na tentação de melhorá-la com elementos catequéticos e até com devoções pouco bíblicas. Não obstante, existe outro perigo mais sutil: transformar o grito da Boa Notícia em uma lição de catequese ou teologia. Não se evangeliza, mas faz-se reflexão teórica sobre a Pregação Querigmática. O Primeiro Anúncio transforma-se em uma eloquente aula de instrução doutrinal. Fazer do Querigma uma Catequese seria como se uma caravana perdida por vários dias no deserto encontrasse, finalmente, um oásis. Mas o guia, ao invés de deixar que os exaustos peregrinos desidratados tomem a água de que necessitam, começa, antes, a dar uma aula sobre a diferença entre os corpos sólidos, líquidos e gasosos, para terminar tecendo uma fina discussão sobre a constituição química da água e a interação do hidrogênio com o oxigênio. Há pouco tempo, conheci um manual do Primeiro Anúncio, elaborado por uma Conferência Episcopal. O livro intitulava-se: Queremos ver a Jesus, mas consistia mais 112 em uma dissertação fria sobre o Querigma do que em uma Proclamação da Boa Notícia de que já fomos salvos gratuitamente e podemos viver como salvos, graças à morte e ressurreição de Jesus, o Messias. Mais do que apresentar Cristo, atacava Lutero; a Boa Notícia não era apresentada; o Anúncio era simplesmente analisado nos diferentes pontos de sua doutrina. Quando transformamos o grito em ensinamento e o testemunho em dissertação teológica, não se transpassam os corações. Conhecem-se temas, mas não se tem um encontro pessoal com Jesus vivo. Transmite-se doutrina, mas não se motiva nem desafia os ouvintes para acolherem Jesus; menos ainda para confessá-Lo Salvador e proclamá- Lo Senhor. Elabora-se uma sábia tese de pneumatologia, porém não se recebe uma nova efusão do Espírito Santo. Apresentamos aqui um exemplo dos seis pontos do Kerygma12 que geralmente são transformados em Catequese, o que também poderíamos descrever como uma Catequese do Querigma. 1º ponto do Querigma: Amor de Deus A Proclamação se transforma em Catequese quando o tema é centrado nas etimologias da Palavra, que somente iluminam as mentes, sem transpassar os corações. Transmite-se instrução, reduzindo-se a uma ilustração mental que não motiva o desejo de deixar-se amar por Deus. 2º ponto do Querigma: pecado Este tema se transforma em Catequese quando não se permite que o Espírito Santo convença a pessoa que perdeu o controle de sua vida que ela não pode salvar-se sozinha. O mestre que não é testemunha toca aspectos morais e suscita o voluntarismo para sair de situações de pecado ou atitudes pecaminosas. Desta forma, não se chega ao coração da conversão, que é obra de Deus (cf. Jr 31,18). 3º ponto do Querigma: salvação gratuita em JesusA salvação gratuita, graças à morte e ressurreição de Jesus, transforma-se em Catequese quando simplesmente se participa de uma aula de soteriologia e se oferece a sã doutrina católica da justificação, de preferência opondo-a a visão luterana. Trata-se mais de um exercício mental que, porém, não move a vontade a abrir as portas para Jesus. Não se apresenta o testemunho de ter sido salvo. 4º ponto do Querigma: como fazer nosso o dom gratuito da salvação 113 Há mestres e pregadores que focalizam seu tema em um raciocínio catequético do ser e significado da fé e da conversão, mas não dão oportunidade ao evangelizado para que convide Jesus a entrar em seu coração. Vão diretamente à renúncia ao pecado, caindo quase sempre no moralismo. A renúncia ao pecado é consequência do fato de confessar Jesus como Salvador e proclamá-Lo Senhor de toda a vida. É Ele quem nos liberta do pecado. Nós não podemos nos salvar por nós mesmos. 5º ponto do Querigma: a Promessa do Espírito Santo O tema da Promessa do Espírito Santo transforma-se em Catequese quando se reduz a uma apresentação doutrinal da Pessoa e da obra da terceira Pessoa Divina da Trindade na história da Salvação. O catequista ilustra a mente fornecendo teoria de muito interesse sobre o papel do Espírito Santo na vida do crente, porém não oferece exemplos vitais do que aconteceu em sua história pessoal. A Pregação só não suscita nos crentes a sede da Água Viva que jorra até a vida eterna quando a mensagem se transforma em aula de pneumatologia. 6º ponto do Querigma: a comunidade Este tema se transforma em Catequese quando se participa de uma aula teórica sobre a Igreja, especialmente sobre sua estrutura hierárquica baseada no Concílio Vaticano II ou nas últimas descobertas dos teólogos, porém não nos motiva a viver como Corpo de Cristo com diversidade de carismas e ministérios. a. Pista de solução e desafios pastorais Primeiro é o primeiro. Respeitar o processo pedagógico da fé: primeiro o Querigma e depois a Catequese. Enquanto o crepúsculo tingia o céu de vermelho, à beira do lago de Ipacaraí, um jovem seduzia e acariciava sua companheira com frases românticas, que faziam vibrar de emoção. Dizia-lhe: – Quase tudo em ti é beleza e formosura. A jovem ficou perplexa por ele ter dito “quase tudo” e, com um olhar, pediu explicação. O jovem assentiu com a mão e continuou: – Teus lindos olhos, luzeiros que iluminam; a boca pequena com finos lábios, teu cabelo que cai como catarata, teu nariz afilado, que te faz parecer estátua grega... 114 Porém, o único mal é que, apesar de cada parte de teu rosto ser bela e formosa, não há harmonia no conjunto. O mesmo pode suceder conosco, se não situarmos adequadamente o Querigma e a Catequese. Ambos são belos, mas isso não basta. É preciso que estejam bem ajustados. Primeiro se nasce para a Nova Vida e depois se cresce até a estatura de Cristo Jesus. As pessoas compreendem melhor os mistérios da fé e valorizam a riqueza da Catequese depois do Anúncio Querigmático, mas é antipedagógico fazer Catequese do Querigma. Urge recuperar a qualquer preço o único centro de gravitação do Evangelho: o sol de Jesus de Nazaré. Os planetas e os satélites catequéticos vêm somente depois e em dependência dele. b. Resumo É tão perigoso inverter a ordem pedagógica do Querigma e da Catequese quanto participar de um Querigma catequético, porque é enganoso. Seria como uma figueira que tem apenas folhagem, mas carece de frutos. 5º. Problema RECEBER O QUERIGMA DADO POR CATEQUISTAS OU MESTRES QUE NÃO SÃO TESTEMUNHAS a. Problema Um problema igual ao anterior é o que consiste em receber o Querigma dado por catequistas que não são testemunhas da ressurreição de Jesus. Não basta ser um teólogo com título recebido de alguma universidade católica. Não. É necessário antes “nascer de novo”. Tampouco é suficiente ostentar um ministério na Igreja, mas ter vivido seu próprio Damasco. De outro modo, seria transmitido por simples repórteres. Os dois peregrinos de Emaús eram discípulos que pertenciam ao seleto grupo dos 72. Naquela tarde, em que regressavam tristes à sua aldeia, encontraram-se com um caminhante misterioso que perguntou por que estavam tristes. Foram testemunhas da pregação, assim como dos milagres de Jesus. Deram uma aula de Cristologia ao próprio Jesus ressuscitado. Contaram que aquele nazareno havia fomentado a esperança da restauração, porém esta chama já se havia extinguido no cume do Calvário, onde foi crucificado e, posteriormente, sepultado. Mas, quando entraram no tema da ressurreição, eles não tinham nada a dizer, e apenas repetiram o que as mulheres haviam dito ter ouvido dos anjos. 115 Eram testemunhas da morte, porém simples repórteres da ressurreição de Jesus. Isto se repete nos âmbitos eclesiásticos com maior frequência do que supomos. Após haver estudado filosofia e a Escritura Sagrada, eu já dava cursos de Bíblia, mas armazenava tudo unicamente em minha cabeça. Havia estudado Catequese no Instituto Lumen Vitae de Bruxelas, na Bélgica, porém ainda não percorrera o caminho de Emaús para que meu coração ardesse com o fogo da Palavra. Meus conhecimentos eram simples teoria e não experiência de vida. Um dia, no entanto, chegaram alguns leigos que não possuíam minha formação acadêmica. Havia especialmente uma mulher muito simples, que descreveu a conversão de Zaqueu como ninguém jamais a havia exposto para mim. Convidou-me a subir na árvore para ver Jesus passar e, a seguir, para que eu O convidasse a entrar em minha casa, de uma forma como eu nunca havia feito antes. O que tinha esta mulher que não havia estudado, nem sabia tudo o que eu conhecia? b. Pista de solução e desafios pastorais O Ressuscitado não aparece senão, e somente, às testemunhas que haverão de anunciar Sua gloriosa ressurreição. Mas Deus o ressuscitou no terceiro dia e concedeu-lhe que se manifestasse, não a todo o povo, mas às testemunhas designadas de antemão por Deus: a nós, que comemos e bebemos com Jesus, depois que ressuscitou dos mortos (At 10,40-41). Portanto, o Querigma só deve ser proclamado por aqueles que tiveram “algum tipo de aparição” de Jesus vivo. O Mestre ensina, a testemunha contagia com sua experiência, mostrando que aquilo que sucedeu com ela pode acontecer a todos que a escutam. Se Jesus apareceu àqueles que iriam pregar o Evangelho, isto significa que são testemunhas que tiveram um encontro pessoal com o Ressuscitado, mais do que com um volume de catecismo; e não porque a doutrina não seja boa, mas simplesmente porque não é seu momento. Não basta ser um repórter que transmite com exatidão o que os correspondentes lhe informaram. É preciso ser testemunha que confesse: “Seduziste-me, Senhor; e eu me deixei seduzir, porque me amaste tanto que enviaste Teu Filho, não para me condenar por meus pecados, mas para me salvar”. São Paulo distingue diversos ministérios na Igreja: 116 “A alguns ele (Deus) concedeu serem apóstolos; a outros, profetas; a outros, evangelistas; a outros, pastores e mestres” (Ef 4,11). O ministério do evangelizador é diferente do ministério do mestre. Ambos são necessários, porém cada um tem seu campo de competência e seu momento. Não compete ao mestre anunciar o Querigma (a não ser que também seja testemunha), mas transmitir o ensinamento sistemático da fé por meio da Catequese. Não concerne ao evangelizador entrar no campo da doutrina enquanto anuncia o Querigma. A principal característica de quem proclama o Querigma é ser uma testemunha ungida pelo Espírito Santo para transpassar os corações. O objetivo do Primeiro Anúncio não é iluminar o entendimento, mas desafiar a vontade, para que aceite ou recuse a salvação gratuita. Não se trata de um ensinamento sistemático, e sim de motivar, mediante um testemunho de como foi seu encontro com Jesus e o que sucedeu depois que confessou Jesus como seu Salvador pessoal e O proclamou Senhor de toda a sua vida. O fato de compartilhar o que Deus fez no pregador motiva os participantes, para que dentro deles seja suscitada uma sede que osfaça questionar: “E eu, por que não?” Por isso, primeiro o evangelizador anuncia o Querigma, com seu testemunho de vida; posteriormente, o mestre ensina a doutrina. A pedagogia da fé começa com o grito que desperta e continua com o ensinamento que ilumina a mente. Se o Querigma é o toque do sino, a Catequese é o ressoar desse som. Por último, quero salientar a característica que identifica um bom evangelizador. Se a cor de um catequista ou mestre é a sabedoria e solidez dos argumentos, o rosto de um evangelizador é a alegria; a alegria por ter encontrado o tesouro escondido. Assim o repetiu várias vezes o Papa Paulo VI na Evangelii Nuntiandi. c. Resumo O evangelizador tem seu campo e momento de trabalho. Nem o evangelizador deve invadir a obra do mestre que ensina nem o mestre ou catequista há de ensinar e transmitir doutrina durante o Querigma. 6º. Problema CARECER DE COMUNIDADE QUE DÊ RESPALDO E ACOLHIDA AO EVANGELIZADO a. Problema Quando se cumpre o objetivo de nascer de novo, graças a uma nova efusão do Espírito, a colheita é tão abundante que temos de prever como e onde armazená-la para 117 que não se perca, já que Jesus nos pede um fruto abundante que permaneça (Jo 15,8.16). Se pescarmos uma grande quantidade de peixes grandes, porém não contarmos com a infraestrutura para mantê-los na barca de nossa Igreja, estamos agindo com paternidade irresponsável. Quando não possuímos os meios para que aqueles que nasceram de novo cresçam até a estatura de Cristo, então, na melhor das hipóteses, eles emigram para outros grupos religiosos, tais como evangélicos, protestantes ou pentecostais, pois não encontram em nossas paróquias a ajuda e os meios para crescer e perseverar. É como se chegassem as aves do céu e levassem consigo o que nós havíamos semeado. No entanto, o pior ocorre quando os recém-evangelizados regressam à sua vida de homem velho, porque nós não temos nada mais a lhes oferecer. É como se os abrolhos e espinhos afogassem a semente que fecundou. Algumas vezes, pode-se até fazer a pergunta: vale a pena evangelizar aqueles que depois voltarão à vida de antes ou se integrarão a outras igrejas cristãs em busca de alimento? Estamos semeando novos cristãos que vão ser colhidos por outras igrejas evangélicas? Nós carregamos o peso e sofremos a fadiga de levar a semente, e eles voltam contentes trazendo os feixes? b. Pista de solução e desafios pastorais Para que a pesca não se perca, necessitamos as redes que acolham o recém- evangelizado, para que tenha um clima favorável a seu crescimento. Um convertido exige alimento sólido, baseado na Palavra de Deus. Precisa caminhar pelo mesmo caminho com outras pessoas que vivam as mesmas esperanças e tenham os mesmos obstáculos, para se ajudarem mutuamente a perseverar, porque, se é verdade que Jesus já pagou por nossos pecados, também é certo que somente quem perseverar até o fim, esse será salvo (Mt 10,22b). Trata-se, ao mesmo tempo, de comunidades evangelizadas e comunidades evangelizadoras. - Comunidades evangelizadas A essência destas comunidades está em que aqueles que as integram são discípulos que procuram viver o Evangelho juntos e unidos, em todas as dimensões da vida humana. Nestas comunidades cristãs, encontra-se o alimento da Catequese para crescer na fé, não, porém, como fria doutrina desencarnada, mas como uma Catequese querigmática; o ensinamento se aplica à vida, e não apenas com um conteúdo dogmático. Não basta iluminar a mente com a sã doutrina, mas é preciso formar a pessoa, para que continue seu crescimento. 118 São comunidades nas quais a Palavra de Deus é o centro da vida e do apostolado, mais do que qualquer devoção ou espiritualidade. Verdadeiras comunidades cristãs que acolhem o neoevangelizado. Comunidades que têm um só coração e uma só alma, onde se pode mostrar que o amor de Deus foi derramado em nosso coração pelo Espírito Santo que nos foi dado, para que o mundo possa exclamar: “Vejam como se amam!” - Comunidades evangelizadoras O recém-convertido necessita de uma comunidade evangelizadora que compartilhe a missão de anunciar a Boa Nova da salvação em Cristo Jesus. Na proclamação do Evangelho, tem-se a motivação para crescer até a estatura de Cristo Jesus. Estas comunidades evangelizadoras têm diversidade de ministérios, para que cada um encontre seu lugar no Corpo de Cristo, formando uma construção bem trabalhada e unida, a casa de Deus, que é a igreja de Deus vivo, coluna e fundamento da verdade (1Tm 3,15). c. Resumo Anunciar o Querigma sem contar com o respaldo de uma comunidade evangelizada e evangelizadora, que acolha o neoevangelizado e lhe proporcione meios de crescimento e perseverança, é muito arriscado. Faz-se necessário proceder com uma paternidade responsável, na qual não convém trazer filhos ao mundo da fé de forma leviana, mas somente aqueles que pudermos ajudar a amadurecer e chegar a viver como Corpo de Cristo. Jesus nos adverte de que, ao pretender construir uma torre, devemos calcular antes os custos necessários para terminá-la: Se algum de vós quer construir uma torre, não se senta primeiro para calcular os gastos, para ver se tem o suficiente para terminar? Caso contrário, ele vai pôr o alicerce e não será capaz de acabar. E todos os que virem isso começarão a zombar: “Este homem começou a construir e não foi capaz de acabar!” (Lc 14,28- 30). Por não fazê-lo assim, enfrentaremos a vergonha pública de deixar incompleto o sonho de Deus. O importante não é iniciar a carreira, mas terminá-la. Muitos começam a carreira, mas poucos terminam e um só ganha o prêmio (cf. 1Cor 9,24). Neste projeto evangelizador, é preciso prever se contamos com todos os recursos para ajudar os evangelizados, a fim de que cresçam até a estatura de Cristo Jesus. A meta de uma evangelização com visão adequada não se restringe a conversões, mas aspira a que o neoconvertido se transforme em um evangelizador. Precisa-se, portanto, 119 da estufa onde a semente da Palavra deverá crescer na fé e se reproduzir até chegar a ser uma árvore, na qual os pássaros do céu vêm fazer ninhos (cf. Mt 13,32). Pessoalmente, não creio que o mandato de Jesus de ir e evangelizar toda a criação possa ser tomado de forma material. A paternidade responsável exige que anunciemos o Evangelho somente àqueles a quem possamos propiciar o crescimento e a formação permanente, progressiva e integral, sem omitir a visão de que um dia devem chegar a ser evangelizadores e até formadores de evangelizadores. 7º. Problema: ÚNICO PROBLEMA SEM SOLUÇÃO: NÃO ANUNCIÁ-LO Muito embora Paulo de Tarso tenha cometido vários erros no areópago ateniense, Dionísio, o areopagita, e Damaris, entre outros, creem na Mensagem e concretizam sua adesão à comunidade, porque a Palavra é eficaz por si mesma. A Palavra é como uma semente que, enquanto estivermos dormindo ou acordados, de dia ou de noite, germina e cresce sem que saibamos como (cf. Mc 4,26-29), porque é viva e eficaz (cf. Hb 4,12), espírito e vida (cf. Jo 6,63). A Palavra de Deus não está acorrentada (2Tm 2,9b) e é tão soberana que pode agir conosco e por meio de nós, mas também sem nós e até apesar de nós. A única maneira de a luz não iluminar é se a escondermos debaixo da cama, uma vez que a Palavra tem capacidade de superar todos os problemas anteriormente enunciados, menos este: se não for usada, não funciona. 120 121 Conclusão O Querigma em si não é um problema, mas sim a forma como o apresentamos, uma vez que podemos desvalorizá-lo ou desviá-lo. Estes sete problemas, como o burro da história, são uma oportunidade para sair do poço. 122 123 IGREJA EVANGELIZADA E EVANGELIZADORA ESQUEMA A. Para evangelizar com grande poder, é preciso ser evangelizado com grande poder B. O átrio dos gentios invadiu o átrio dos sacerdotes C. Se não estiveres evangelizado, não evangelizes D. Se és catequista, deixa que os evangelizadores realizem primeiro sua missão 124 125 Introdução A evangelização depende dos evangelizadores. O Papa Paulo VI sonhou com “uma Igreja evangelizadae evangelizadora”, o que pressupõe que, para evangelizar, deve-se estar previamente evangelizado. Não pode haver uma Nova Evangelização com novos evangelizadores que não tenham vivido seu Jordão, seu Pentecostes e seu Emaús. Evangelizar, sem antes ser evangelizado, seria construir sobre a areia. Se a salvação depende da Proclamação, a evangelização depende dos evangelizadores. 126 127 Desenvolvimento do tema A. PARA EVANGELIZAR COM GRANDE PODER, É PRECISO SER EVANGELIZADO COM GRANDE PODER Se a Igreja primitiva dava testemunho dynamei megale – com grande poder (At 4,33) – era porque havia sido evangelizada com a força do Espírito. Portanto, se hoje quisermos viver a experiência evangelizadora da Igreja primitiva, necessitamos ter sido antes evangelizados com a Dynamis do Espírito, pois o Evangelho é a força salvadora de Deus para todo aquele que crê (Rm 1,16). Para evangelizar com poder, é preciso ter sido evangelizado com poder. Porém, para evangelizar com grande poder, necessitamos ter sido evangelizados com grande poder. B. O ÁTRIO DOS GENTIOS INVADIU O ÁTRIO DOS SACERDOTES Os Lineamenta do Sínodo dos Bispos do ano 2012 sobre a Nova Evangelização convidam-nos à audácia de nos introduzirmos no “átrio dos gentios” para fazer chegar o Evangelho aos que não conhecem Jesus. Creio, todavia, com temor e tremor, que o átrio dos gentios, ou seja, o átrio dos pagãos, ampliou seus muros e já invadiu o “átrio dos sacerdotes”. Existem ministros e pregadores que trabalham na vinha, todavia não conhecem o Vinhateiro. Foram catequizados, e até catequizam, mas não viveram seu Damasco nem seu Pentecostes pessoal. Faz 35 anos que escrevi um livro intitulado Ide e Evangelizai os Batizados, que se tornou clássico, porque em nossa Igreja existem muitas pessoas que receberam o batismo, mas não foram previamente evangelizadas. O mandato de Jesus de proclamar a Boa Nova a toda a criação transformou-se hoje em ide e evangelizai os batizados. Em 1997, ministramos um retiro para 150 sacerdotes em Kielce, na Polônia. Na véspera, fui surpreendido por uma jovem e loura jornalista de olhos claros, que abruptamente me desafiou: – O que vai ensinar um leigo mexicano aos sacerdotes poloneses? Eu respirei profundamente e respondi-lhe com clareza: – Eu não venho ensinar nada; eu sou apenas testemunha do que vi e ouvi. O tema do retiro sacerdotal versou sobre “o poder da Palavra que converte, salva e cura”. 128 No final, aproximou-se de mim um sacerdote de quase dois metros de altura, que me sugeriu com autoridade: – José Prado, tu deves escrever outro livro. É urgente. – Qual livro? – perguntei-lhe. – Se tu já escreveste Ide e Evangelizai os Batizados, agora tens que escrever: Ide e Evangelizai os Ordenados, porque há muitos ministros consagrados que conhecem Jesus somente por referências, mas não de forma pessoal. – Ah, não – retruquei. – Isso deve ser feito por um sacerdote, porque eu não quero que cortem minha cabeça. A realidade é que “o átrio dos gentios”, para não chamá-lo átrio dos pagãos, invadiu “o átrio dos Sacerdotes”, mas também tem filiais em seminários e centros de catequese. Bento XVI surpreendeu os bispos dos Estados Unidos em 28 de novembro de 2011, quando lhes disse: “Evangelization thus appears not simply a task to be undertaken ad extra; we ourselves are the first to need reevangelization”13. O Papa expressa-se na primeira pessoa do plural, “nós”, incluindo-se, para que ninguém tente dizer: “Não, eu não. Eu não entro nesse grupo dos que devem ser evangelizados, porque eu ostento uma alta responsabilidade eclesial ou um título acadêmico”. Uma pessoa já evangelizada tem sempre mais e mais sede do Evangelho e não se ofende quando alguém lhe faz notar que precisa ser evangelizada, porque sabe que ainda lhe falta percorrer um caminho para ser identificada com Jesus, evangelizador e Evangelho. C. SE NÃO ESTIVERES EVANGELIZADO, NÃO EVANGELIZES Com este pressuposto, vou discordar com aqueles que asseguram que todos nós temos o direito e a obrigação de evangelizar, porque, em nosso batismo, nos identificamos com Cristo profeta e, em seguida, na confirmação, recebemos o Espírito Santo para ser testemunhas. O principal problema pastoral na Igreja não está no fato de que não se evangelize. Não. Está em que evangelizam pessoas que não estão evangelizadas. Por isso, atrevo-me a aplicar o grito paulino: “Ai de mim, se não evangelizar” em “ai daquele que evangelizar sem antes estar evangelizado”, porque não só está reduzindo a Boa Nova a propaganda, mas também põe em jogo a credibilidade da Igreja. Por isso, ao invés de motivá-los a evangelizar, peço-lhes: se o seu coração ainda não arde como o dos discípulos em seu caminho para Emaús, por favor, não evangelizem, 129 porque as pessoas irão ficar vacinadas para receber a Mensagem de uma verdadeira testemunha. Se não tiveram um encontro pessoal com Jesus ressuscitado, é melhor que deixem as barcas na margem e abandonem as redes, porque ainda não é seu tempo de proclamar a Boa Nova. Quem não tiver vivido seu Damasco e conhecer as verdades da fé somente por estudo acadêmico, é preferível que não evangelize, porque não transmitirá vida, mas sim doutrina; que é boa, sim, mas com a condição de que seja ministrada depois do Anúncio Querigmático. Para evangelizar, precisa-se antes tanto de um Damasco quanto de um Pentecostes pessoal, que nos façam experimentar o poder do Espírito que dá testemunho de Jesus ressuscitado. Quando apresentamos a moral cristã sem Cristo, caímos no moralismo. Quando celebramos a liturgia antes de ter experimentado o que comemoramos, transforma-se em ritualismo. Quando apresentamos a doutrina da fé aos que não nasceram de novo, é lavagem de cerebral ou dogmatismo. Quem não houver experimentado antes, na própria carne, que a Pregação ou Querigma é força salvadora de Deus para todo aquele que crê, é melhor que não evangelize, porque unicamente os convictos convencem, e somente os motivados motivam. Seremos testemunhas que convencem, somente se estivermos convictos por experiência. Somente os motivados motivam. André era discípulo de João Batista, porém nunca conseguiu nem tentou fazer seu irmão Simão seguir os passos do rude pregador do Jordão. André nunca o convidou? Não o convenceu? Entretanto, quando encontrou o alegre mensageiro de Boas Notícias, foi imediatamente buscar seu irmão e o trouxe a Jesus (cf. Jo 1,40-42). Estava convencido. Confirmo-o com minha experiência pessoal: Durante muito tempo, tentei evangelizar sem estar evangelizado. Presumia ser mestre de Bíblia, sem ser antes servo da Palavra (cf. Lc 1,2). Minha conversão não foi de pecador escandaloso para cumpridor de uma moral. Não. A minha foi a mais difícil transformação deste mundo: passar do ser servo que cumpre os mandatos divinos ao viver como filho, com direito a uma herança. Eu havia acumulado amplos conhecimentos de Bíblia. Era até professor de línguas bíblicas, mas não havia feito descer a meu coração o que eu tinha na cabeça. Se Deus pôde converter um fariseu como eu, é capaz de transformar qualquer outro. 130 D. SE ÉS CATEQUISTA, DEIXA QUE OS EVANGELIZADORES REALIZEM PRIMEIRO SUA MISSÃO Se compararmos a pedagogia da fé com a construção de uma casa, o evangelizador coloca os alicerces, e os catequistas e ministros, todo o restante. Segundo a graça que Deus me deu, eu, como bom arquiteto, coloquei o alicerce, sobre o qual outro se põe a construir. Mas cada qual veja bem como está construindo (1Cor 3,10). A recomendação do apóstolo para que cada qual veja como está construindo continua em vigência, pois devemos construir sobre a rocha que se chama Jesus. Primeiro é o primeiro: o trabalho do evangelizador, que deve ser continuado depois, porém somente depois, pelo catequista ou mestre. São dois momentos sucessivos e complementares entre si. Se compararmos o processo da pedagogia da fé com uma partida de futebol que tem dois tempos consecutivos, peço a todos os catequistas e mestres: por favor, não entrem no campo de jogo durante o primeiro tempo.Esperem o segundo, quando já tenham sido cumpridas as metas de uma verdadeira evangelização querigmática. 131 132 Conclusão Para evangelizar, é preciso que se esteja evangelizado; de outra maneira, faz-se apenas propaganda. O principal problema da Igreja Católica não está em que não se evangelize, mas que o façam aqueles que não estão evangelizados. 133 134 CONCLUSÃO FINAL Ao longo desta experiência de quarenta anos de evangelização querigmática, percorremos itinerários virgens; outras vezes, entramos na evangelização primitiva dos apóstolos; e em não poucas ocasiões, voamos por céus inéditos, sonhando com a instauração do Reino de Deus, graças à proclamação do Querigma evangélico, que é força do Alto para dar testemunho com grande poder. Começamos considerando o perfil da Nova Evangelização, que deve ser “Nova” e deve ser “Evangelização”, mas especialmente se estamos dispostos a pagar o preço, para que não seja um simples verniz superficial. A Nova Evangelização é obra tão somente de novos evangelizadores que viveram seu Jordão e seu Damasco, assim como seu Pentecostes e seu caminho de Emaús. Depois, passamos diretamente a estabelecer Conteúdo e Objetivo, Intencionalidade e Enfoque do Querigma Apostólico, mostrando que da fidelidade ao mesmo depende a identidade apostólica da Igreja. A seguir, vimos como a Grande Missão converteu-se em Grande Omissão e que, se não evangelizamos, é por uma simples razão: não estamos evangelizados. Posteriormente, estabelecemos os sete desafios do Anúncio Querigmático; não, porém, porque o Querigma seja um problema, mas pela forma como nós o apresentamos. Concluímos com um sonho: uma Igreja evangelizada e uma Igreja evangelizadora, afirmando que o problema da Igreja não está em não evangelizar, mas em que tentam fazê-lo aqueles que não estão evangelizados. Por isso, se São Paulo repetia com temor “ai de mim se não evangelizar”, nós, de nossa parte, poderíamos dizer: “Ai daquele que evangelizar sem ter sido antes evangelizado”. Vou terminar comparando a evangelização a um jogo de futebol: no futebol, como na missão evangelizadora, existem duas táticas; a primeira consiste em correr atrás da bola, e a segunda, em fazer a bola correr. Há pregadores que correm, viajam e percorrem o mundo inteiro levando a Palavra. Em contrapartida, os que formam evangelizadores fazem com que a Palavra de Deus corra, a fim de que cresça e se multiplique (cf. At 12,24). Existem também dois tempos de jogo. Os catequistas e mestres não devem jogar no primeiro. Deixem esse espaço para os evangelizadores e testemunhas que viveram seu 135 Damasco e seu Pentecostes pessoal. Os catequistas devem entrar no segundo tempo do jogo. Resumindo quarenta anos de trabalho evangelizador na dimensão querigmática, afirmo que a Nova Evangelização não é um substantivo, mas um verbo na voz ativa. É evangelii-actio, porque o Evangelho não é algo, mas Alguém: Jesus Messias. Por último, contradizendo as pregações motivadoras para que todos evangelizem, eu digo o contrário: por favor, se não estiveres evangelizado, não tentes evangelizar. O problema da Igreja Católica não é que não evangelizam, mas que tentam fazê-lo aqueles que não tiveram seu Damasco nem seu Pentecostes pessoal, e tampouco percorreram o caminho de Emaús, para que seu coração ardesse com o fogo da Palavra. 136 1 Palavra hebraica que significa “sopro de vida”, “sopro do Espírito” [n.t.]. 2Fundada por José H. Prado Flores, a Escola de Evangelização Santo André é um conjunto de escolas espalhadas pelo mundo que partilham visão, metodologia e programa de formação. O Projeto Santo André nasceu da missão de evangelizar com grande poder para dar um fruto abundante que permaneça (Nota do Editor). 137 3 Heóraka é um tempo perfeito do verbo “horao”, cuja ação no passado continua no presente e se projeta até o futuro. Os demais podem perceber o brilho no olhar e o sorriso indelével de quem encontrou o tesouro escondido. 138 4 Existem relatos que são narrados apenas uma vez, como o diálogo de Jesus com a samaritana. O pai-nosso conta com duas versões. A paixão no Getsêmani é apresentada de três formas distintas. A morte e ressurreição de Jesus é narrada nos quatro Evangelhos. Todavia, o único tema que é tratado seis vezes é a Pregação dos apóstolos, o que pode ser muito significativo. 5 Esta efusão do Espírito tem relação direta com o batismo, porém, em alguns casos também poderia renová-lo, em se tratando de nova efusão. 139 6 O termo “logoterapia”, cunhado pelo psiquiatra austríaco Viktor Frankl (1905-1997), está centrado no significado da existência humana. Quando nos referimos à logoterapia, nós o fazemos de acordo com sua etimologia: logos e terapia, a cura por meio do logos, a palavra, que identificamos com a Palavra de Deus, a qual tem um nome e um perfil: Jesus de Nazaré, evangelizador e Evangelho ao mesmo tempo. 7 Creio que o sonho de Jesus: “Pai, que todos sejam um, a fim de que o mundo creia”, não virá a ser produto de discussões teológicas, nem de acordos doutrinais, nem, sequer, de orar juntos, mas sim de pescar juntos, ainda que isso seja feito de barcas diferentes. 140 8 Entendemos por Pregação ou Proclamação o Anúncio explícito da Boa Nova, a que São Paulo se refere quando afirma: “A Deus, pareceu bom salvar os crentes por meio da loucura do Querigma”. 141 9 Mais do que uma conversão, foi uma iluminação ou revelação. 10 Paulo foi criticado em todos os aspectos. Os judeus o classificaram como traidor (cf. 1Ts 2,14); os cristãos, como impostor (cf. 2Cor 6,8); Tertuliano o considera como uma peste que deve morrer (cf. At 24,5); em Malta, consideram-no criminoso (cf. At 28,4) e Festo o declara louco (cf. At 26,24). Não obstante, o pior foi dito pelos atenienses do areópago: “Que estará querendo dizer esse tagarela?” (cf. At 17,18). 11 Não ignoramos que possa ter existido um relato de Mateus em aramaico ou hebraico; no entanto, fazemos referência aos textos que temos atualmente. 12 Estes seis passos são o modelo evangelizador proposto pela Escola de Evangelização Santo André, que é seguido, no mínimo, em sessenta países. Consultar nosso livro Ide e Evangelizai os Batizados e o esquema do curso Nova Vida. 142 13 A evangelização não é simplesmente uma tarefa externa. Somos nós mesmos os primeiros que necessitamos ser reevangelizados. 143 Index Folha de rosto 2 Créditos 4 Apresentação 6 Já, já, por favor 10 PERFIL DA NOVA EVANGELIZAÇÃO 16 Introdução 19 Desenvolvimento do tema 21 Conclusão 33 NOVOS EVANGELIZADORES PARA A NOVA EVANGELIZAÇÃO 35 Introdução 37 Desenvolvimento do tema 40 Conclusão 47 O QUE É O QUERIGMA APOSTÓLICO 49 Introdução 51 Desenvolvimento do tema 54 Conclusão 62 GRANDE MISSÃO, GRANDE OMISSÃO 64 Introdução 66 Desenvolvimento do tema 68 Conclusão 91 SETE PROBLEMAS DO QUERIGMA 93 Introdução 95 Desenvolvimento do tema 98 Conclusão 122 IGREJA EVANGELIZADA E EVANGELIZADORA 124 Introdução 126 Desenvolvimento do tema 128 144 Conclusão 133 Conclusão final 135 145 Folha de rosto Créditos Apresentação Já, já, por favor PERFIL DA NOVA EVANGELIZAÇÃO Introdução Desenvolvimento do tema Conclusão NOVOS EVANGELIZADORES PARA A NOVA EVANGELIZAÇÃO Introdução Desenvolvimento do tema Conclusão O QUE É O QUERIGMA APOSTÓLICO Introdução Desenvolvimento do tema Conclusão GRANDE MISSÃO, GRANDE OMISSÃO Introdução Desenvolvimento do tema Conclusão SETE PROBLEMAS DO QUERIGMA Introdução Desenvolvimento do tema Conclusão IGREJA EVANGELIZADA E EVANGELIZADORA Introdução Desenvolvimento do tema Conclusão Conclusão final