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O Querigma: A Base da Vida Cristã

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Apresentação
Estas páginas concentram quarenta anos de experiência evangelizadora de meu bom
amigo José H. Prado Flores, com quem compartilhamos a missão evangelizadora em
vários âmbitos e sob diversas formas.
O autor destas páginas nos apresenta o Querigma, ou Primeiro Anúncio, como sendo a
grande riqueza da Igreja e base da vida cristã; porém, ele o faz a partir do ponto de vista
pastoral, a fim de nos mostrar como usá-lo da melhor maneira para evangelizar como a
Igreja Primitiva.
“Com grande poder, os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus”
(At 4,33).
O Evangelho é a “força salvadora de Deus para todo aquele que crê” (Rm 1,16).
Todavia, a Pregação do Querigma é também “insensatez” ou loucura (cf. 1Cor 1,21). Na
união destes dois fatores, está radicada a evangelização com grande poder.
Depois, o autor nos apresenta, com fundamento bíblico, o conteúdo dos enunciados
querigmáticos, assim como seu objetivo e a respectiva estratégia: transpassar os
corações.
Vários fios estabelecem o encadeamento de todo o livro.
Para que haja Nova Evangelização, requerem-se, antes de tudo, novos
evangelizadores; e assim como a primeira evangelização é fruto do Pentecostes, a Nova
Evangelização há de ser fruto de um Novo Pentecostes. Sem a ação do Espírito Santo, é
uma missão impossível! O leitor irá encontrar páginas de conteúdo muito forte, que são
um chamado a uma conversão pastoral. Com efeito, urge reconhecer que, em nossa
Igreja, fala-se muito em evangelização e em Nova Evangelização e, no entanto, temos
sido lentos no passar da teoria aos fatos e empreender o caminho da grande missão, com
a audácia e o entusiasmo que o Senhor nos pede.
Com experiência pastoral, o autor nos mostra que, se quisermos ter uma pesca
abundante, já é tempo de lançar as redes do outro lado, com evangelizadores que sejam
mais testemunhas do que repórteres.
No documento final do CELAM, fruto do encontro em Aparecida em 2007, lemos esta
chamada: “A conversão pastoral requer que as comunidades eclesiais sejam comunidades
6
de discípulos missionários em torno de Jesus Cristo, Mestre e Pastor” (nº 368). Em sua
carta apostólica sobre o Ano da Fé, Bento XVI escreve:
O Ano da Fé é um convite a uma autêntica e renovada conversão ao Senhor, único Salvador do mundo.
Deus, no mistério de Sua morte e ressurreição, revelou em plenitude o Amor que salva e chama os
homens à conversão de vida, mediante a remissão dos pecados (cf. At 5,31).
Para que isso chegue a se tornar realidade, o evangelizador deve: descer ao rio Jordão,
para ter a experiência pessoal do amor incondicional de Deus; cair em Damasco,
mediante um encontro pessoal com Jesus ressuscitado; subir ao Aposento Alto, para
receber a dynamis do Espírito; e caminhar rumo a Emaús, para que seu coração arda
com o fogo da Palavra. Serão encontradas páginas repletas de propostas absolutamente
concretas para que essa conversão se torne realidade.
Se, de um lado, a catequese é exposta pelos mestres com sabedoria, de outro, o
Primeiro Anúncio é proclamado por testemunhas que experimentaram a Nova Vida em
abundância que Cristo veio trazer a este mundo.
Com lógica e experiência, o autor nos mostra ainda que o Primeiro Anúncio deve ser o
início do caminho da fé e um verdadeiro anúncio; só depois, e sempre depois, vem a
catequese.
Sua conclusão, que também parece ser seu sonho, é esta: uma Igreja evangelizada e
evangelizadora, na qual os catequistas permitem que os evangelizadores joguem o
primeiro tempo, para, depois, entrarem na segunda metade da partida.
Parodiando o apóstolo Paulo, que tinha um temor — “Ai de mim, se eu não anunciar o
evangelho” (1Cor 9,16) —, José Prado nos alerta: ai daquele que quiser evangelizar sem
antes ter sido evangelizado. O desafio da Igreja não está na evangelização, mas sim em
evangelizar aqueles que não estão evangelizados e que acabam apenas fazendo
propaganda do cristianismo, já que somente convencem quem estiver convencido.
O Querigma é eficaz em si mesmo, mas existe somente uma forma de não funcionar:
se não o usarmos.
Dou graças a Deus por estas páginas, escritas por um evangelizador apaixonado por
Jesus Cristo e por Sua Palavra, com um percurso de quarenta anos proclamando a Boa
Nova e formando evangelizadores para a missão da Igreja.
Peço ao Senhor que estas páginas, plenas de esperança e de dinamismo, nos ajudem a
cumprir a grande missão da Nova Evangelização.
Que a unção do Espírito seja conferida a estas páginas, para que toquem os corações e
vivamos uma renovação no âmbito da evangelização querigmática.
7
GÉRALD CYPRIEN LACROIX
Arcebispo de Quebec
Primado do Canadá
8
9
Já, já, por favor
Estava terminando de escrever estes capítulos, quando recebi um convite cordial de
Dom Pigi Perini, um bom amigo com quem, no decurso dos anos, a amizade foi se
tornando profunda. Pedia-me para dar um retiro a sacerdotes comprometidos com as
Células de Evangelização, que se propagam por todo o mundo. O tema: a Nova
Evangelização. O local: a Sacristia Monumental da paróquia de Santo Eustórgio, em
Milão, na Itália.
Considerando o fato de Dom Pigi haver comentado comigo que o retiro do ano anterior
fora exposto pelo padre Raniero Cantalamessa, pregador da Casa Pontifícia, preparei
cuidadosamente meu temário, com reforços teológicos e citações do Magistério da Igreja.
Meu propósito era o de resumir quarenta anos de experiência evangelizadora, muito
embora tal audácia me parecesse o mesmo que pretender encerrar o fogo da sarça de
Horeb em uma caixa de fósforos. Quando começamos o retiro, o clima era frio, pois
estávamos em pleno inverno, o que ocasionava a necessidade de aquecimento artificial.
E assim, com meus apontamentos em mãos, fui seguindo cuidadosamente, passo a
passo, com a lógica e a pedagogia que supunha serem exigidas pelos seletos participantes:
Comecei apresentando o relato dos discípulos de Emaús, os quais, de simples
repórteres que repetiam o que as mulheres diziam ter ouvido dos anjos, foram
convertidos em testemunhas da ressurreição de Jesus a partir do momento em
que seus corações arderam com o fogo da Palavra.
Expliquei-lhes a diferença entre Querigma e Catequese, entre proclamar e
ensinar e que o problema da Igreja não está em não evangelizar (Primeiro
Anúncio), mas sim no fato de que aqueles que evangelizam não estão
evangelizados, convertendo em fria Catequese a apresentação da Boa Notícia, a
qual não é algo, e sim Alguém: o próprio Senhor Jesus, único mediador entre
Deus e os homens.
Detalhadamente, e com precisão, explanei o conteúdo, o objetivo e a
metodologia do Anúncio Querigmático, esclarecendo que se trata da Grande
Missão de Jesus aos Seus (proclamar a Boa Notícia), o que, infelizmente, na
Igreja Católica converteu-se na Grande Omissão, porque desde a ocorrência da
10
Contrarreforma, damos preferência a nossos esquemas teológicos, raciocínios
doutrinais e silogismos filosóficos, ao invés de priorizar o Anúncio fascinante da
Boa Nova de Jesus, como o fazia o diácono Filipe (cf. At 8,35).
A seguir, afirmei categoricamente que, para que ocorra uma Nova
Evangelização, são necessários quatro elementos: primeiro, haver fracassado,
para sentir a necessidade de algo novo; segundo, ser premidos pelo amor de
Cristo; terceiro, novos evangelizadores que sejam testemunhas; finalmente, em
quarto lugar, um novo Pentecostes, em que a Ruaj1 divina seja um vento
impetuoso, e não um ar-condicionado que nós controlamos.
Expliquei-lhes, também, que primeiro é o primeiro. Primeiro o Querigma e, a
seguir, a Catequese, moral ou teologia. Primeiro se nasce e depois se cresce.
Provoquei-os depois a aceitar o desafio, em função do qual o vinho novo
precisa de odres novos e que urge renunciar a fórmulas engessadas e
devocionais, que não respondem nem ao Evangelho, nem ao mundo de hoje.
O momento-chave sucedeu quando lhes disse que não poderíamos evangelizar
se não fôssemos testemunhas, com uma experiência de salvação e um encontro
pessoal com Jesus.
Imediatamente, em meio à minha suposta eloquentemeditação, um sacerdote levantou
a mão e, sem esperar que eu lhe concedesse a palavra, me desafiou:
– Já!
Todos ficaram mudos; eu, o mais surpreso.
– Já, por favor! – gritou, com mais força.
Eu não entendia nada. Mantive silêncio e abri minhas mãos, pedindo-lhe explicação do
que parecia, ao mesmo tempo, uma queixa e uma súplica.
– Já! Já! Não nos fales do Querigma! Já, por favor, dá-nos a Boa Notícia!
Fechei meus olhos, assenti com minha cabeça e, em um milésimo de segundo, entendi
que o que eles necessitavam não era de uma radiografia do Querigma, mas sim do
Evangelho, que tem um perfil e um nome: Jesus, Salvador e Senhor. Deixei meus
esquemas de lado, apanhei minha Bíblia e lhes declarei:
Eu sou testemunha de que Jesus transforma vidas, porque Ele mudou a minha. Não de pecador para
justo, mas de justo para filho, com direito à herança. E mais ainda, muito mais. Minha verdadeira
conversão foi de justo, por minhas obras, para justificado, por Sua graça. E se um fariseu como eu
experimenta a vida nova, qualquer outro pode vivê-la. Se o fez em mim, é possível realizá-lo em cada um
dos senhores.
11
Durante três horas, anunciei Jesus e o Evangelho da graça; anunciei-lhes que fomos
salvos gratuitamente. Tivemos oportunidade tanto de confessar Jesus como único e
suficiente Salvador, como de proclamá-Lo Senhor de nossas vidas. Culminamos com
uma oração pessoal feita individualmente pelos sacerdotes, com a finalidade de pedir
uma nova efusão do Espírito, a que Jesus chama de “batismo no Espírito Santo” (cf. At
1,5).
Recordei-me daquela frase de São Lucas: “Também um grande grupo de sacerdotes
judeus aderiu à fé” (At 6,7c).
Regressei ao México, onde o sol resplandecia, anunciando que se aproximava a
primavera.
Decorridas algumas semanas, recebi uma mensagem eletrônica, a qual transcrevo com
a permissão do remetente, padre Mateus:
Querido Pepe Prado Flores.
Chamo-me padre Mateus, sou um sacerdote da diocese de Pádua, Itália, e nos
conhecemos recentemente no retiro para sacerdotes, em fevereiro, realizado em Santo
Eustórgio, em Milão. Muito me entusiasmaram tuas catequeses, porém, de maneira
especial, tua CONVICÇÃO e a RIQUEZA DA PALAVRA DE DEUS, que continuamente citavas.
Lembras-te de que, inclusive, falamos por breve espaço de tempo, porque te dizia que
havia me impressionado muito a oração vespertina da quinta-feira, quando
explicaste o evangelho do CEGO BARTIMEU... Durante a oração de cura, eu pedia a
Jesus que me curasse a vista, dizendo-te, porém, que não havia sentido nada de
especial. Não obstante, agora VEJO minha vida com uma nova luz e vi que o
Evangelho é minha vida e a vida do mundo. Isto constitui uma motivação que me
acompanha: NO EVANGELHO ESTÁ A VIDA, NA VIDA ESTÁ O EVANGELHO. Isto produz em mim
ALEGRIA PARA LER, REZAR, MEDITAR A PALAVRA DE DEUS, tanto que ENCONTRO ALEGRIA EM
PREPARAR MINHA HOMILIA, UMA ALEGRIA NUNCA ANTES EXPERIMENTADA!
Ficaria muito contente se tu pudesses compartilhar comigo teu ponto de vista acerca
do que está sucedendo comigo. Eu o peço, para que me ajudes a entender. Agora te
digo: OBRIGADO PELA VISÃO EVANGELIZADORA QUE NOS APRESENTASTE EM FEVEREIRO. Rezo
por ti, pela Escola Santo André e para que o Espírito Santo anime a Igreja para uma
nova PRIMAVERA e uma NOVA EVANGELIZAÇÃO. Obrigado e até breve.
Padre Mateus
Não respondi ao padre Mateus, porém a resposta é muito simples: “A pregação, a que
Paulo chama ‘Querigma’ [loucura] (cf. 1Cor 1,21) ou ‘Evangelho’ (cf. Rm 1,16), é a
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força salvadora de Deus para todo aquele que crê”. Por meio da Palavra, o Espírito
Santo dá testemunho de Jesus na vida de padre Mateus.
Quando aquele sacerdote reclamava e suplicava pelo Anúncio, não estava
representando apenas padre Mateus, mas todo “Mateus” que está sentado, esperando
que Jesus passe diante dele e lhe diga “segue-Me”, para ser capaz de abandonar
qualquer coisa e um dia chegar a ser um evangelizador, o qual, por sua vez, dá
testemunho: “Todo escriba que se torna discípulo do Reino dos Céus é como um pai de
família, que tira do seu tesouro coisas novas e velhas” (Mt 13,52).
Existem muitos evangelizadores em potencial que aguardam com ansiedade que lhes
“anunciemos a Palavra” (cf. 2Tm 4,2a), para colocar-se em pé, seguir em frente, viver
e pregar o Evangelho da salvação, não, porém, como simples repetidores de uma lição
aprendida, mas como testemunhas que tiveram um encontro pessoal com Jesus
ressuscitado.
Na Monumental Sacristia de Santo Eustórgio, tão cheia de relíquias, eu estava
repetindo o mesmo erro que estava criticando: transformar o Querigma em uma cátedra
de catequese com fundamentos teológicos, em vez de aproveitar a oportunidade para
proclamar Jesus. Falava da Palavra, em vez de deixar que a Palavra falasse. Todavia,
quando anunciei a Boa Nova, aqueles sacerdotes constataram que não eram sacristia
nem relíquias do passado, mas sim templos vivos do Espírito, com nova vida e vida em
abundância, para deixarem de ser repórteres e se converterem em testemunhas da
ressurreição de Jesus. Por três dias iluminei suas mentes, mas quando em três horas
anunciei a Boa Nova, seus corações foram transpassados, e manifestou-se neles a força
intrínseca da Palavra.
Espero que estas páginas suscitem a mesma sede, e que cada leitor reclame e peça: “Já,
já, por favor”. Somente assim este livro tem valor. De outro modo, seria uma prova
evidente de que a Catequese, mesmo que seja a Catequese do Querigma, não converte
as pessoas.
Com esta dúvida e esperança, ouso apresentar nossa experiência da Escola de
Evangelização Santo André2, escola eminentemente querigmática que, há mais de 32
anos, está buscando “Pedros” que sirvam, amem e preguem Jesus mais e melhor que nós
mesmos, formando novos evangelizadores para a Nova Evangelização em 67 países e,
mais ainda, formando formadores de evangelizadores, com mais de duas mil escolas
espalhadas pelo mundo.
A Nova Evangelização não pode ser outra senão a evangelização primitiva, na qual
“com grande poder, os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus”
13
(At 4,33).
A Nova Evangelização não é principalmente um conceito para ser discutido, mas sim
uma evangelii-action, “ação do Evangelho” ou “Evangelho em ação”, que urge
empreender já, porque “o amor de Cristo nos impele” (2Cor 5,14).
Outra novidade pedagógica destas páginas é o fato de que, no início de cada capítulo,
encontra-se o índice dos pontos que serão abordados, proporcionando ao leitor, desde o
início, uma visão panorâmica do tema, bem como a sequência lógica do mesmo.
México, 15 de maio de 2012
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PERFIL DA NOVA
EVANGELIZAÇÃO
ESQUEMA
A. Necessitamos de uma Nova Evangelização?
B. A Nova Evangelização deve ser nova
a. Se fizermos o mesmo que antes, chegaremos ao mesmo ponto de sempre
b. O difícil não é a incursão por caminhos novos, mas a renúncia a paradigmas
tradicionais
c. Arremessar vacas ao despenhadeiro
1. Jesus arremessou vacas ao despenhadeiro
- O sábado é para o homem, e não o homem para o sábado
- O templo: adoradores em espírito e em verdade
- Vender todas as vacas, para comprar o campo do tesouro
2. São Paulo arremessou o estábulo inteiro
- Todas as vacas são perda e esterco
- A Lei do Sinai não salva nem justifica
- A circuncisão já não é vigente
3. A Igreja também arremessou vacas
C. A Nova Evangelização deve ser evangelização
a. Evangelização Cristocêntrica com um único Evangelho:
Jesus Salvador, Senhor e Único Mediador
b. Evangelização querigmática:
Começa-se com o Primeiro Anúncio
c. Evangelização jarismática:
A salvação é gratuita
d. Evangelização profética:
Com o poder da Palavra de Deus
e. Evangelização litúrgica:
Celebrando a Palavra proclamada
f. Dimensão social da Nova Evangelização
16
D. Estratégia: pagar o preço da mudança
a. Lançar a rede do outro lado
b. Eliminar peixes ruins
c. Vinho novo em odres novos
17
18
Introdução
A Nova Evangelização há de ser “Nova”, devendo ser, ao mesmo tempo,
“Evangelização”. De outro modo, seria apenas um verniz superficial, para justificar o que
vínhamosfazendo por tradição. Há de trazer a novidade permanente de Jesus-
Evangelho, que “é o mesmo, ontem, hoje e sempre” (Hb 13,8), assim como adaptar-se à
mentalidade e cultura de mulheres e homens do século XXI. Por essa razão, acredito
que, mais do que “Nova”, deveríamos catalogá-la como evangelização primitiva: “Com
grande poder, os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus” (At
4,33). A Nova Evangelização não é um conceito para ser discutido ou refletido, mas uma
ação a empreender. Não é um substantivo, e sim um verbo na voz ativa. Todas as
discussões e explanações históricas ou teológicas sobre o tema deveriam ser fruto de
experiências evangelizadoras ou, pelo menos, aterrissar sobre atos evangelizadores
concretos. Dado que não é assim, não poderia ser catalogada como Evangelização, mas
sim como reflexão e estudo.
Não obstante, isto implica em pagar um preço: desfazer-nos de esquemas e ações que
não produziram fruto abundante, assim como adotar odres novos para a Nova
Evangelização.
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Desenvolvimento do tema
É absolutamente necessário que nos perguntemos se, na verdade, é preciso uma Nova
Evangelização. Para tanto, Jesus nos desafia do mesmo modo que o fez com os
pescadores do lago de Tiberíades: “Filhinhos, tendes alguma coisa para comer?” (Jo
21,5).
A. NECESSITAMOS DE UMA NOVA EVANGELIZAÇÃO?
Quem obteve êxito na pesca da evangelização, continue lançando a rede como fez
antes. A estratégia que usou é perfeita para conseguir os resultados que alcançou. Não
necessita de nada que seja novo. Se suas redes estão tão cheias que por pouco não se
rompem, e suas barcas carregam tantos peixes que quase afundam, então você não
necessita de uma Nova Evangelização, pois já encontrou a fórmula do êxito no mar da
missão.
Se sua maneira de evangelizar atrai multidões e o mundo está sedento de ouvir o
Evangelho que a Igreja prega, deve continuar com o mesmo método que produz
resultados tão maravilhosos. “Em time que está ganhando, não se mexe.” Todavia, se
algo está faltando, é o momento de reconhecer que a rede deve ser lançada do outro
lado.
Se nós não nos questionarmos por que “a missão de Cristo Redentor confiada à Igreja
está ainda tão longe de ser cumprida” (João Paulo II, Redemptoris Missio 1), e onde se
deteve, paralisada ou diluída, a força do Evangelho hoje na Igreja (cf. Evangelii
Nuntiandi, 4), jamais vamos estar conscientes de que precisamos de uma Nova
Evangelização.
Iremos apenas repetir o que até agora não produziu fruto abundante, transformando o
verbo da voz ativa “evangelizar” no substantivo “evangelização” e discutindo seu
significado, ao invés de navegar para mares desconhecidos, desafiando o futuro.
B. A NOVA EVANGELIZAÇÃO DEVE SER NOVA
Não é suficiente o que herdamos do passado, nem o que hoje possuímos. Tampouco
se reduz a uma maquilagem superficial. Trata-se de uma novidade que corresponde à
21
natureza da Boa Nova do Evangelho. E se não fosse “nova” neste sentido, então deveria
ser chamada de outra maneira.
a. Se fizermos o mesmo que antes, chegaremos ao mesmo ponto de sempre
É preciso partir de um princípio elementar de administração empresarial: “Se
fizermos o mesmo que antes, iremos obter os mesmos resultados de sempre”. Para
que haja Nova Evangelização, é preciso estar atento à mudança; e para abrir-se à
mudança, deve-se, antes, aceitar necessitá-la e, até certo ponto, experimentar
insatisfação e frustração pelos lucros obtidos até o dia de hoje
Assim sendo, não é inútil perguntar se estamos dispostos a pagar o preço do que
significa empreender o voo por rotas inéditas, novos métodos e novas expressões,
como as dos pregadores dos Atos dos Apóstolos. Estamos, nós, abertos para
sermos agentes de uma reforma radical e efetiva? Se não ousarmos dar este passo
dentro de nós, irão aparecer, e já estão despontando por todas as partes,
reformadores à margem da barca de Pedro.
b. O difícil não é a incursão por caminhos novos, mas a renúncia a
paradigmas tradicionais
Os pescadores do mar da Galileia já estavam programados para lançar a rede do
lado esquerdo. Esta atitude de inércia já havia se transformado em norma que
ninguém era capaz de questionar. Alguns o faziam porque eram profissionais
experimentados; outros continuavam a realizar esta operação sem saber, nem
perguntar, por que era sempre repetida da mesma forma. Quando o costume se
transforma em rito, construímos um paradigma monolítico que é muito difícil
romper, uma vez que já aderiu à nossa mente e à nossa pele. “Romper um
paradigma é mais difícil do que desintegrar um átomo”, afirmava Albert Einstein.
A dificuldade não se apoia ao fato de lançar a rede do outro lado, mas em vencer
a nossa inércia, que se transformou em lei, e nossas estruturas mentais, que se
transformaram em ordens que ninguém pode explicar, porque continuam sendo
executadas sempre da mesma maneira. Esta rotina apaga a chama da criatividade,
mantendo-nos em uma monotonia asfixiante. Por isso, o Papa João XXIII abriu
profeticamente as janelas da Igreja para deixar entrar o vento criador da Ruaj de
Deus, que faz novas todas as coisas. Sim, novas, porque “se alguém está em
Cristo, é criatura nova. O que era antigo passou, agora tudo é novo” (2Cor 5,17).
Sem este sopro renovador, não pode haver Nova Evangelização.
c. Arremessar vacas ao despenhadeiro
22
Jesus compara o Reino de Deus, ou seja, o plano de Deus, a uma rede ao redor da
qual, após recolher todo tipo de peixes, os pescadores sentam-se à beira do mar para
escolher os bons e colocá-los em cestos e eliminar os de má qualidade (cf. Mt 13,47-48).
Ambas as categorias são peixes, porém há os bons e os que não prestam. Também no
mar da evangelização há peixes que devemos capitalizar, mas também outros que é
preciso eliminar.
Um empresário muito rico saiu a passear com seu filho e se perderam no bosque.
Depois de muito andar, encontraram um rio, o qual foram seguindo, com a certeza
de que logo descobririam algum povoado.
Cansados e famintos, quando o crepúsculo havia já apagado suas variadas cores,
chegaram a uma cabana de madeira, onde foram acolhidos; e à tênue luz de uma
lâmpada de azeite, serviram-lhes requeijão, que comeram avidamente.
No dia seguinte, ofereceram-lhes um copo de leite recém-ordenhado e um prato
com nata fresca.
O hóspede perguntou aos amáveis anfitriões:
– Por que não semeiam frutas, grãos e legumes nestes campos tão generosos?
– Para quê? – respondeu o pai. – Temos uma vaca que nos dá o necessário para
viver cada dia.
– Com seu leite, fazemos queijo e doce – acrescentou a senhora. – Não queremos
mais do que isso.
– Mas, pensando assim, viverão sempre afundados na pobreza – replicou com
energia o visitante.
– Com a vaca, temos o suficiente! – comentou o filho, recostado em uma rede.
– Vocês vivem em um lugar privilegiado, têm água, terra fértil e estão perdendo
uma grande oportunidade – acrescentou o empresário, um tanto incomodado.
Eles simplesmente levantaram os ombros, com indolência, apontando para a vaca.
Ao sair da casa, a vaca estava ruminando junto à planície. O pai surpreendeu o
filho ao ordenar-lhe com autoridade:
– Arremessa a vaca para o despenhadeiro.
O filho negou-se:
– Não, papai, eles nos ofereceram não somente o melhor, mas a única coisa que
possuem. Esta vaca é sua fonte de sustento. Não podemos retribuir a eles desta
forma tão vil.
23
– O quê? Arremessa a vaca! Eu sei o que digo! Este bovino é o culpado pelo fato
de que eles não progridem.
O filho não foi capaz de desobedecer à ordem paterna e, com dor em seu coração,
arremessou a vaca ao precipício.
Passaram-se os anos. O pai morreu e o filho sofria remorsos por ter pagado assim
aquela generosa família que havia compartilhado com eles a única coisa que
possuía.
E assim, numa tarde de verão, decidiu levar-lhes um presente, para compensar seu
malefício.
Procurava e procurava, de um a outro lado, por um amplo caminho.
Passou por alguns semeadouros e não conseguia dar de encontro com aquela
cabana. Viu um estábulo mecanizado, um trator e uma tulha repleta de cereais. Oscampos estavam recobertos de trigo e de árvores frutíferas. A estrada estava
iluminada e havia maquinaria moderna.
Supôs que aquela pobre família houvesse emigrado da região e bateu à porta de
uma bela mansão para perguntar. Ao abrir, foi conduzido a um amplo salão com
finos móveis, tapetes importados e um lustre de cristal. Veio a senhora da casa e,
levantando as mãos, identificou-o:
– Há anos, o senhor veio aqui com seu pai?
– Sim, sim, vim. Mas, o que aconteceu? – perguntou com curiosidade, ao notar a
mudança tão significante.
– Acontece que, um dia, caiu no despenhadeiro a única vaquinha que tínhamos e,
ao ficar sem nada, tivemos que começar a buscar outras alternativas de vida.
Graças à perda da vaca, surgiram muitas possibilidades que estavam escondidas
dentro de nós mesmos. Hoje, temos 153 vacas, centenas de ovelhas e bois,
semeadouros e uma debulhadeira.
É lógico que o vinho novo seja colocado em odres novos. Todavia, o que custa
muito esforço é a renúncia aos odres velhos; em nosso caso, os hábitos imobilizados,
atos de piedade e artigos religiosos que não condizem com o Evangelho.
Enquanto não arremessarmos a vaquinha ao despenhadeiro, iremos continuar com
biscoito, queijo e doce de leite. O mal da vaca está em acomodar-se a ela, sem
vislumbrar novas perspectivas. O triste é contentar-se com manteiga e nata, perdendo a
ilusão e a criatividade para romper barreiras e arriscar-se por novos caminhos.
24
Se fizermos o mesmo que antes, e de igual maneira, chegaremos exatamente ao mesmo
nível que já alcançamos. Se quisermos abrir novos horizontes, é preciso perder algo para
ganhar mais. Sim, é preciso empurrar algumas vacas para o desfiladeiro. Isso parece
escandaloso, e creio que o seja. Todavia, o primeiro a arremessar vacas para o
desfiladeiro foi o próprio Jesus:
1. Jesus arremessou vacas ao despenhadeiro
Jesus aplicou e viveu a lei do grão de trigo, que deve morrer para dar fruto.
- O sábado é para o homem e não o homem para o sábado
Com relação ao sábado, mandamento supremo que sintetizava toda a Lei, o Mestre foi
profético: curava e trabalhava no dia de rigoroso descanso. Ousou proclamar que o
sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado (cf. Mc 2,27). Ou seja,
estava produzindo uma erosão no eixo religioso do povo judeu.
- O templo: adoradores em espírito e em verdade
Jesus despenhou o sacrossanto templo de Jerusalém quando declarou que havia
chegado a hora em que nem no Monte Garizim, nem no Monte Sião de Jerusalém se
adoraria a Deus, mas em espírito e em verdade (cf. Jo 4,23). Predisse igualmente a
destruição do santuário. Não era fácil desprender-se deste núcleo que constituía, há mais
de mil anos, o centro de gravitação do sistema da fé de Israel. Entretanto, o Mestre
afirmou que o templo estava vivendo seus últimos dias, pois, de outra forma, não ficaria
demonstrado que Ele era o novo e único templo de comunhão de Deus com os homens.
Quando Jesus se referiu ao templo, não afirmou que necessitava ser renovado ou
melhorar sua distribuição arquitetônica. Não. Declarou sem concessões que deveria ser
destruído. Não ficaria pedra sobre pedra. Era necessário desfazer-se desse odre velho
para dar lugar à novidade radical do Novo Testamento.
- Vender todas as vacas, para comprar o campo do tesouro
Em uma de Suas parábolas centrais, o Mestre da Galileia apresentou um homem que
vendeu tudo que possuía para comprar o terreno onde se encontrava escondido um
maravilhoso tesouro. Renunciou “às vacas” de seu capital material, social e religioso,
para adquirir o campo onde estava aquela surpresa que superava qualquer expectativa
(cf. Mt 13,44).
Se não nos despojarmos de certas vacas, jamais iremos nos apropriar do campo que
contém o tesouro.
2. São Paulo arremessou o estábulo inteiro
O antigo fariseu de Tarso foi determinante.
25
- Todas as vacas são perda e estrume
Quando afirma que tudo quanto supunha como verdadeiro, agora o considera “perda”,
está arremessando “esta vaca” ao despenhadeiro, para que surja o Israel de Deus. Paulo,
inclusive, é radical quando qualifica tudo como skybalon: esterco, em comparação com o
conhecimento de Nosso Senhor Jesus Cristo (cf. Fl 3,7-8).
Aqui não saberíamos se, por ter tido um encontro pessoal com Jesus ressuscitado,
torna-se opaco o brilho de suas “vacas”, ou até mesmo se, por ter renunciado a suas
vantagens e tradições, converteu-se no apóstolo dos gentios. Não obstante, o resultado é
o mesmo: cedo ou tarde, urge desprender-se de “velhas vacas”.
- A Lei do Sinai não salva nem justifica
Quando afirma: “Para mim, de fato, o viver é Cristo”, que “me amou e se entregou por
mim” (Fl 1,21; Gl 2,20), relativiza todos os dogmas do judaísmo, até a sacrossanta Lei
do Sinai. Desvaloriza por completo o meio de salvação do sistema religioso promulgado
pelo próprio Moisés no cume do Monte Sinai.
O Monte Calvário se sobrepõe ao Monte Horeb. Quando declara: “[...] De tudo em
que vós não pudestes ser justificados pela Lei de Moisés” e “[...] que a Lei não justifica
ninguém diante de Deus é de todo evidente” (At 13,38; Gl 3,11), está abatendo uma “das
vacas” mais sagradas da religião judaica: o valor das obras da Lei, que contrapôs ao dom
gratuito da salvação em Cristo Jesus.
- A circuncisão já não está em vigor, mas sim a fé, que atua pela caridade
Desfez-se também da circuncisão, que era como o sacramento de iniciação para
integrar-se ao povo de Abraão. Declarou sem concessões que já havia perdido todo o seu
valor, e que agora contava somente “a fé agindo pelo amor” (Gl 5,6).
Esta prática existia antes da Lei do Sinai e era tão fundamental que a cirurgia podia ser
efetuada até no próprio sábado. Não obstante, Paulo a arremessa ao precipício quando
afirma: “Cristo não será de nenhum proveito para vós, se vos deixardes circuncidar” (Gl
5,2).
3. A Igreja também arremessou vacas
A Igreja teve, recentemente, a bravura de também arremessar “vacas” ao precipício: o
limbo, que por vários séculos justificava o batismo no período da infância, era uma
crença sem fundamento na revelação.
Em outras ocasiões, a Igreja admitiu que não havia base histórica que justificasse certas
devoções ou santos que nunca existiram. O Magistério descartou também supostas
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aparições que eram muito favorecidas pela piedade popular e até fonte de entradas
financeiras para seus protagonistas.
O Papa Paulo VI, na Marialis Cultus de 1974, reprovou, com toda a intrepidez,
práticas devocionais marianas que não condizem com o Evangelho.
A Nova Evangelização nos desafia: qual a outra “vaca” que deveria também ser
arremessada ao precipício? Ou nos arriscamos a morrer para nascer de novo, ou
continuamos não só comendo, mas oferecendo ao mundo unicamente leite e queijo?
A novidade do Evangelho se concretiza na medida em que forem arremessadas vacas
sagradas que foram tomadas como absolutas, suplantando o lugar de Deus ou a única
mediação de Cristo Jesus.
A Evangelização autêntica é profética, rompe paradigmas engessados e leva a efeito a
incursão por caminhos virgens, com a bravura e ousadia dos profetas que se opunham a
toda idolatria. A evangelização denuncia qualquer atitude que se oponha à única
mediação de Jesus, quando apresenta o Anúncio explícito da salvação gratuita em Cristo,
verdadeiro Deus e verdadeiro homem, que é Salvador e Senhor; o que São Paulo
denominava “a Boa-Nova da graça” (At 20,24).
C. A NOVA EVANGELIZAÇÃO DEVE SER EVANGELIZAÇÃO
Que a Nova Evangelização deva ser Evangelização parece óbvio. Mas, para nós, a
evangelização não é um substantivo, e sim um verbo na voz ativa. A evangelização é
“Evangelho-ação”, uma ação do Evangelho; ou melhor, o Evangelho em ação. Não é um
tema para ser discutido em congressos apenas, mas uma missão que temos de
empreender com a ousadia dos pescadores que a cada dia planejam uma nova rota nos
mares.
Quando se percebeu, na Igreja de Antioquia, que seria preciso dilatar as margens da
missão, o Senhor revelou Seu plano por meio de um profeta, que disse: “Separai para
mim Barnabé e Saulo, a fim de realizarem aobra para a qual eu os chamei” (At 13,2).
Sem mais preparação, impõem as mãos sobre eles e os despedem no primeiro navio. Isto
não sucedeu em uma reunião de pastoral nem em congresso ou conferência magistral
sobre a missão ad gentes, mas em uma assembleia litúrgica, em que se acreditava na voz
dos profetas mais do que na inércia do que já estava preestabelecido.
É significativo o fato que a palavra evangelização não tenha tido passaporte para
transitar no vocabulário e na pastoral da Igreja por muitos séculos. Por essa razão, nos
dias de hoje, urge recuperar o terreno perdido mediante uma autêntica evangelização
integral que instaure um novo céu e uma nova terra (cf. Ap 21,1).
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A evangelização há de ser Evangelho, Boa Notícia, sem emendas, sem maquiagens:
“Esta mensagem é necessária; ela é única e não poderia ser substituída. Assim, ela não
admite indiferença nem sincretismo, nem acomodação” (Evangelii Nuntiandi, 5). Até
depois, e sempre depois, quando vem a Catequese.
Para que a Nova Evangelização seja eficaz e constitua uma verdadeira Reforma, deve
incluir:
a. Evangelização Cristocêntrica com um único Evangelho:
Jesus Salvador, Senhor e Único Mediador
Em nenhum outro há salvação, pois não existe debaixo do céu outro nome
dado à humanidade pelo qual devamos ser salvos (At 4,12).
Isto inclui a audácia de declarar anátema a qualquer outro Evangelho ou meio de
salvação que não seja o Senhor Jesus, único e suficiente Salvador e Senhor.
b. Evangelização querigmática:
Começa-se com o Primeiro Anúncio
Paulo pregava e ensinava “publicamente e de casa em casa” (At 20,20b).
O caminho da fé tem início com a Proclamação do Primeiro Anúncio, o
Querigma. “Esta mensagem é necessária; ela é única e não poderia ser substituída”
(Evangelii Nuntiandi, 5). Somente depois, e sempre depois, vem a Catequese.
A pedagogia da fé segue um processo que não deve ser invertido, sob pena de
trair sua essência: primeiro é o primeiro. Primeiro se proclama o Primeiro Anúncio,
que precisamente por isso é denominado primeiro; e depois, somente depois e
sempre depois, ensina-se a Catequese e a doutrina (Catechesi Tradendae, 18). De
outra forma, seria como dar alimento aos mortos, e talvez a isto se referisse o
Mestre, quando nos advertia: “nem jogueis vossas pérolas diante dos porcos” (Mt
7,6).
Sem Querigma, constrói-se sobre areia; e diante do menor vento de novas
doutrinas, cai-se no relativismo ou idolatria.
c. Evangelização jarismática:
A salvação é gratuita
“Carismática” provém de jaris: a graça de Deus; ou seja, a gratuidade da
salvação, a que São Paulo denomina: “a Boa-Nova da graça de Deus” (At 20,24).
Deus nos salvou gratuitamente, o que constitui o coração e a alma de Sua pregação.
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A Boa Notícia não nos ordena o que nós devemos fazer por Deus, moral cristã,
mas nos apresenta, isto sim, o que Deus fez por nós. Ele nos amou e enviou Seu
Filho quando éramos ainda pecadores (cf. Rm 5,8), “não para condenar o mundo,
mas para que o mundo seja salvo por Ele” (Jo 3,17). A salvação é gratuita.
d. Evangelização profética:
Com o poder da Palavra de Deus
O Anúncio do Evangelho baseia-se na Palavra revelada. São Paulo assegura que,
“pela loucura da pregação, Deus quis salvar os que creem” (1Cor 1,21); a
Proclamação do Evangelho puro, ou seja, a salvação, não provém de transmissão
por meio de Catequese, nem de objetos ou práticas religiosas, nem por meio das
obras da Lei.
Há um princípio essencial no campo da evangelização que foi tomado muito
apressadamente: “Proclama a Palavra” (2Tm 4,2).
Timóteo, deixa-te de palavreado e discussões, prega a Palavra! Deixa de lado
genealogias e vãs elucubrações, prega a Palavra! Não faças longas dissertações,
prega a Palavra! Chega de citações de filósofos, poetas e até mesmo teólogos,
prega a Palavra!
O que nos salva não são nossos manuais de teologia, nem os quilos do peso de
volumosos catecismos, uma vez que somente “[o Evangelho] é a força salvadora
de Deus para todo aquele que crê” (Rm 1,16) e “não existe debaixo do céu outro
nome dado à humanidade pelo qual devamos ser salvos” (At 4,12).
e. Evangelização litúrgica:
Celebrando a Palavra proclamada
Jesus já realizou Sua obra salvífica há dois mil anos, porém, na liturgia,
atualizam-se Seus frutos. A liturgia, memorial da morte e ressurreição de Jesus, é
como o posto de gasolina no qual nos reabastecemos para tornar presentes e
efetivos os méritos de Sua obra salvífica.
f. Dimensão social da Nova Evangelização:
Instaurar o Reino de Deus
A partir do princípio segundo o qual “toda árvore boa produz frutos bons” (Mt 7,17),
se realmente semeamos o Evangelho, este se projeta em todos os setores da vida
humana: na economia e na política, na ciência e nas belas artes. Enfim, estabelece-se a
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civilização do amor (Paulo VI), para que vivamos neste mundo o Reino de Deus, que é
justiça e paz e alegria no Espírito Santo (cf. Rm 14,17).
Quando tornamos Jesus presente por meio de Sua Palavra, especialmente na liturgia,
estamos plantando a semente da verdade e da justiça, da solidariedade e da esperança; e
vislumbram-se no horizonte um novo Céu e uma nova terra (cf. Ap 21,1).
D. ESTRATÉGIA: PAGAR O PREÇO DA MUDANÇA
Muitas vezes admitimos que a mudança é necessária, mas nem sempre encontramos o
roteiro ou forma de fazê-lo. Falta-nos “o como”.
Jesus nos apresenta três critérios fundamentais para o trajeto por este caminho
pragmático:
a. Mudar a tática: lançar a rede do outro lado
A Nova Evangelização não consiste em mudar o Evangelho, mas sim a estratégia
e a tática para anunciar Jesus como Salvador e Senhor.
Um dos ensinamentos mais maravilhosos de Jesus foi o que Ele proporcionou
naquela madrugada, no mar da Galileia. Seus discípulos haviam passado toda a
noite lançando a rede repetidas vezes. Da margem, o Mestre os questiona sobre o
resultado de seu esforço. Diante da resposta lacônica e negativa que traduzia sua
frustração, ordena-lhes o modo mais elementar e, no entanto, nem por isso o mais
fácil: “Lançai a rede à direita do barco e achareis” (Jo 21,6a).
Se arremessando a rede do lado esquerdo não se conseguiu nada, é preciso lançá-
la de outra forma. Assim, de modo tão simples e tão lógico. Se uma forma de
proceder não frutifica, devemos mudar a estratégia que já se tornou rotina.
b. Eliminar peixes ruins
Da mesma maneira que os pescadores se sentam para selecionar alguns peixes e
excluir outros (cf. Mt 13,47-48), também nós haveremos de optar pelo melhor, o
que implica em renunciar a alguns peixes capturados pela tradição. Na rede da
evangelização, há peixes ruins os quais é preciso eliminar.
c. Vinho novo em odres novos
O Mestre nos revelou também o segredo para que o vinho novo não se perca: são
necessários odres novos. Novos contentores, esquemas e paradigmas, a começar por
uma nova mentalidade, uma mentalidade querigmática.
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Se uma equipe de futebol não der bons resultados no campo de jogo, é preciso rever
primeiro o trabalho do treinador, corrigir as táticas de jogo e até substituir alguns
jogadores. No campo da evangelização, acontece o mesmo: requer-se a mudança de
atitude e de mentalidade dos evangelizadores; e até mesmo, caso seja necessário, a
exoneração de alguns deles.
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Conclusão
Para que produza fruto abundante, a Nova Evangelização há de ser “Nova” e deve ser
“Evangelização”.
Nova: que suas formas e métodos sejam originais, criativos e pedagógicos; penetrando
por novos caminhos, porém renunciando a tudo quanto não seja evangélico.
Evangelização: “Evangelho-ação”, que apresente a Boa Notícia, ou melhor, Jesus-
Evangelho, sem acréscimos nem reduções.
É a Proclamação da Boa Nova, que não é algo, e sim Alguém, Jesus de Nazaré, que “é
o mesmo, ontem, hoje e sempre” (Hb 13,8).
Esta Nova Evangelização está destinada a ser uma reforma mais profunda, muito
embora, com certeza, irá encontrar uma grande resistência na Contrarreforma.
A Nova Evangelização não consiste nas reflexões feitas sobre ela, nem nos livros e
congressos com este tema, mas em averiguar se estamos conseguindo153 peixes grandes
em nossas redes. O essencial não são as discuções históricas e teológicas, nem mesmo
bíblicas, sobre a matéria, mas sim o fato de estarmos produzindo um fruto abundante e
um fruto que permaneça (cf. Jo 15,16b).
Na Igreja Católica, quase sempre temos formado primeiro a mente, antes do agente.
Na Escola de Evangelização Santo André, não refletimos primeiro, para depois
evangelizar. Começamos evangelizando, e nossas conclusões brotam de uma experiência.
A Nova Evangelização não é um conceito que é preciso definir, mas uma ação que é
preciso empreender, porque “o amor de Cristo nos impele” (2Cor 5,14).
Para concluir, quero comentar um princípio pastoral da Escola de Evangelização Santo
André: “A evangelizar, aprende-se evangelizando”. Aplico o mesmo à “Nova
Evangelização”: a Nova Evangelização não se conhece em um escritório ou em
congressos com sábias dissertações. É um caminho, é um processo, e somente
percorrendo-o, chegaremos à meta.
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NOVOS EVANGELIZADORES
PARA A NOVA EVANGELIZAÇÃO
ESQUEMA
A. Descer ao rio Jordão:
Experimentar o amor de Deus
B. Ir a Damasco:
Encontro pessoal com Jesus ressuscitado para curar-se da religiosidade arcaica
C. Subir ao Aposento Alto:
Receber do Espírito a Dynamis e Parresia
a. Presença e ausência do Espírito são percebidas.
b. Vento impetuoso ou ar-condicionado?
D. Caminhar rumo a Emaús e correr pelas montanhas de Judá
a. Caminhar rumo a Emaús, para que o coração arda com o fogo da Palavra.
b. Correr pelas montanhas de Judá com alegria
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Introdução
Já delineamos o perfil da Nova Evangelização; vamos agora considerar seu princípio
fundamental: não pode haver Nova Evangelização sem que haja novos evangelizadores.
Assim sendo, delinearemos as quatro características essenciais do novo evangelizador, as
quais vêm em primeiro lugar, antes de tudo.
Um professor de filosofia entrou na sala de aula com um grande frasco transparente
vazio. Sem proferir palavra, começou a colocar as bolas de tênis no frasco.
Couberam apenas quatro. Em seguida, para induzir à resposta equivocada, com outra
bola na mão, perguntou a seus alunos se havia espaço.
Eles afirmaram que já não cabia uma sequer. O catedrático apanhou, então, uma
caixa contendo pequenas bolinhas de gude e a esvaziou dentro do frasco. As bolinhas
escorregaram por entre as bolas de tênis. O mestre tornou a perguntar-lhes se havia
ficado lugar. Eles responderam que não, porque o frasco já estava repleto.
O professor repetiu a frase de seus alunos, mas em tom de interrogação: o frasco já
está repleto? Em seguida, pegou um saquinho com areia e esvaziou-o dentro do
frasco. A areia, por certo, invadiu os espaços vazios. O professor, sorrindo com
ironia, perguntou se havia espaço no frasco. Os alunos responderam que não, porque
agora estava completamente cheio.
Passados alguns momentos de silêncio para refletir, o professor moveu
negativamente a cabeça e ajuntou sua xícara de café quente. Os estudantes riam do
engenho do professor universitário, enquanto o aroma do café inundava a sala.
O filósofo, então, esclareceu: as bolas de tênis simbolizam o essencial da vida, as
bolinhas de gude representam o acidental, que vem depois; a areia, o superficial, ao
passo que o café significa o supérfluo; supérfluo que, quando dele se abusa, causa
dano.
No final, simplesmente comentou: se não colocares o essencial primeiro, depois já
não haverá lugar para ele. Primeiro é o primeiro.
Em nosso caso, se o frasco transparente representa o novo evangelizador, as quatro
bolas de tênis identificam-se com as quatro características essenciais que definem seu
perfil interno e externo. Vem depois o que não qualificamos como acidental, mas
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simplesmente secundário, porque vem depois: a Catequese, a teologia e toda a
sistematização intelectual. As pequenas bolas de gude simbolizam os esquemas,
congressos e todo tipo de reflexão e aprofundamento teórico-doutrinal. A areia significa
as técnicas de comunicação e o material didático. O superficial poderia ser identificado
com certos tipos de devoções ou práticas religiosas que, embora tenham aparência de
sabedoria e piedade, são perecíveis (cf. Cl 2,23). O café poderia fazer alusão a objetos
religiosos que não são evangélicos, e que causam dano à fé autêntica.
As quatro bolas de tênis que devem ser colocadas primeiro no frasco do evangelizador
são as condições que o constituem como tal:
Descer ao rio Jordão, para experimentar o amor incondicional de Deus.
Ir até Damasco, para ter um encontro pessoal com Jesus vivo e ser curado da
religiosidade que não é evangélica.
Subir ao Aposento Alto, para ter um novo Pentecostes, com Dynamis e
Parresia.
Caminhar e correr:
> Caminhar rumo a Emaús, para que o coração arda com o fogo da
Palavra.
> Correr pelas montanhas de Judá com alegria, para alegrar os demais.
As quatro características essenciais do novo evangelizador são por nós identificadas
com as quatro bolas de tênis que devem entrar primeiro.
Se a salvação depende da Pregação ou Querigma, já que “pela loucura da pregação,
Deus quis salvar os que creem” (1Cor 1,21), a evangelização depende dos
evangelizadores; consequentemente, e pela lógica, a Nova Evangelização depende
também de novos evangelizadores.
Para que ocorra uma Nova Evangelização, são necessários novos evangelizadores, cuja
vida tenha sido renovada e tenham mentalidade querigmática.
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Desenvolvimento do tema
Para ser evangelizador, é preciso antes ter sido evangelizado. E se alguém quiser ser
evangelizador com grande poder, terá que ter sido evangelizado também com grande
poder. De uma forma muito sintética, apresentamos os verbos do itinerário que o novo
evangelizador haverá de vivenciar: descer, ir, subir, caminhar e correr.
A. DESCER AO RIO JORDÃO:
EXPERIMENTAR O AMOR DE DEUS
Antes de começar Seu ministério, Jesus desce ao rio Jordão para ouvir a declaração
pública do amor de Deus, que O capacita para a missão de instaurar o Reino de Deus
neste mundo:
Tu és o meu Filho amado; em ti está o meu agrado (Mc 1,11).
Não podemos começar nossa missão se antes não estivermos batizados no amor
pessoal e incondicional de Deus.
Quando Jesus decide subir a Jerusalém para enfrentar Seus invejosos inimigos, que
querem aniquilá-Lo, dirige-se antes ao Tabor, a fim de obter a energia que Lhe falta para
enfrentar a batalha final. No cimo desta alta montanha, volta a ouvir a voz de Seu Pai
que Lhe declara, diante de Moisés e Elias, Seu amor pessoal (cf. Mt 17,1-5). O Calvário
só pode ser enfrentado depois de ter subido ao Tabor.
B. IR A DAMASCO:
ENCONTRO PESSOAL COM JESUS RESSUSCITADO
A segunda bola da essência de um novo evangelizador está radicada no fato de ter tido
um encontro pessoal com Jesus ressuscitado. Se assim não for, seu ensinamento irá se
assemelhar mais a propaganda e charlatanismo do que a um testemunho de uma
experiência pessoal.
Não basta ser mestre em Israel, como Nicodemos. É necessário nascer de
novo. Sem esta condição, transformaríamos o Evangelho em uma doutrina
teórica, ou esquema teológico, sem vida.
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Não é suficiente ser irrepreensível quanto à lei; faz-se necessário ter uma
experiência de salvação com Jesus ressuscitado. Será por isso que o testemunho
de Paulo é relatado três vezes nos Atos dos Apóstolos e o próprio apóstolo faz
contínuas referências a ele como fundamento de seu ministério?
Damasco curou Saulo de seu farisaísmo e sistema religioso que já estava vencido.
Diante do sublime conhecimento e revelação de Cristo Jesus, o que é velho passa a ser
perda e prejuízo (cf. Fl 3,7-8).
Muitas pessoas, centradas em seus antigos esquemas, necessitam de cura da
religiosidade (não da religião), especialmente quando estas práticas estão competindo ou
substituindo a única mediação de Cristo Jesus. Algumas pessoas suprem a ausência de
uma relação pessoal com Jesus com práticas religiosas. Assim como Paulo precisou que
lhe caíssem as escamas de seu farisaísmo e de todo o sistema religioso em que
depositava sua confiança, também nós necessitamos de uma cura para vere conhecer o
plano de salvação no qual Jesus é o único Salvador e Senhor. Sem Damasco, não há
evangelização verdadeira.
Nasci em uma família muito cristã, com tradições religiosas muito fortes. Aos doze
anos, entrei em um seminário, supondo que minha vocação fosse o ministério
sacerdotal. Procurei viver profundamente minha fé, com fidelidade às regras e
constituições da Congregação. Estudei a Bíblia e, aos 22 anos, dava cursos de
Sagrada Escritura e linguagem bíblica. Entretanto, só conhecia o Senhor pelo que
ouvia e lia.
Isso persistiu até o dia 3 de dezembro de 1971, quando Deus teve piedade de mim e
me revelou Seu Filho como único e suficiente Salvador. Esse meio-dia foi meu
encontro pessoal com Jesus ressuscitado, que tatuou minha vida e definiu meu
ministério da Palavra na Igreja, não como sacerdote, mas como leigo que teve uma
obsessão por Jesus de Nazaré e está apaixonado por Sua Palavra.
Quem viveu seu encontro com Jesus não pode deixar de falar do que viu e ouviu, já
que a boca fala da abundância do coração, e seu lema é: “Ai de mim, se eu não anunciar
o Evangelho” (1Cor 9,16).
O que garante a pregação da Madalena aos apóstolos (cf. Jo 20,18), assim como o que
prova que Paulo é um verdadeiro apóstolo e não um impostor (cf. 1Cor 9,1-2), é que
ambos usam a forma verbal heóraka, que significa que viram o Senhor Jesus, porém sua
experiência deixa uma marca que perdura3.
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Por isso, Jesus não apareceu a qualquer pessoa, “mas às testemunhas designadas de
antemão por Deus” (At 10,40-41).
C. SUBIR AO APOSENTO ALTO:
RECEBER DO ESPÍRITO A DYNAMIS E A PARRESIA
A terceira bola de tênis, que deve entrar antes que qualquer outra coisa, representa a
experiência pentecostal dos que levam a mensagem do Evangelho da Graça.
Jesus deu indicações claras a Seus discípulos no sentido de não se afastarem de
Jerusalém até que fossem revestidos do poder do Alto (cf. Lc 24,49). Eles subiram a
uma sala do segundo andar e, no dia de Pentecostes, um vento impetuoso, qual furacão
incontrolável, invadiu os 120 reunidos em oração junto com Maria, a Mãe de Jesus, para
capacitá-los como testemunhas da morte e ressurreição de Cristo.
A missão que Deus nos confiou ultrapassa nossas forças, mas não supera a Dynamis
do Espírito. Por isso, faz-se necessário, antes de mais nada, subir ao aposento alto com o
intuito de receber Sua força, para empreender o voo pelos amplos horizontes da Nova
Evangelização, com a Dynamis e a Parresia divina.
Não pode haver novos evangelizadores sem que haja, antes, um novo Pentecostes. Se
a primeira evangelização, na praça de Jerusalém, foi fruto da chegada impetuosa do
Espírito Santo, a Nova Evangelização não pode ser senão consequência de um novo
Pentecostes, já que a Ruaj divina é a protagonista da missão evangelizadora
(Redemptoris Missio, 21). Sem a presença do Espírito Santo, nossos esquemas e
reflexões teológicas não dão frutos de conversão, uma vez que, “se o Senhor não
construir a casa, é inútil o cansaço dos pedreiros. Se não é o Senhor que guarda a cidade,
em vão vigia a sentinela” (Sl 127,1). O Papa Paulo VI afirma-o categoricamente na
Evangelii Nuntiandi, 75:
Nunca será possível haver evangelização sem a ação do Espírito Santo. [...] As técnicas da evangelização
são boas, obviamente; mas, ainda as mais aperfeiçoadas, não poderiam substituir a ação discreta do Espírito
Santo.
A presença do Paráclito inclui o Espírito de revelação que Paulo pedia para os efésios
(cf. Ef 1,17); porque reconhecer Jesus como Salvador e Senhor não é obra de um
raciocínio ou dedução mental, mas revelação do Espírito de Deus vivo, que nos leva à
verdade completa (cf. Jo 16,13). O Espírito nos dá testemunho de que somos filhos com
direito à herança. Por isso, o evangelizador deve ter tido seu Pentecostes pessoal.
a. Presença e ausência do Espírito Santo são percebidas
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Quando a Igreja primitiva teve necessidade de iniciar o diaconato, os apóstolos
solicitaram sete varões cheios de fé e de Espírito Santo. A comunidade apresentou sete
candidatos (cf. At 6,5), porque era evidente que eles estavam cheios do Espírito de
Deus, pois derramavam seus frutos e carismas por todas as partes.
Quando Paulo chega a Éfeso, encontra-se com doze discípulos, mas percebe
imediatamente que lhes falta algo essencial: o Espírito Santo. Notava-se que não o
possuíam.
“Vós recebestes o Espírito Santo quando abraçastes a fé?” Eles responderam: “Nem sequer ouvimos dizer
que existe Espírito Santo!” Então Paulo perguntou: “Que batismo então recebestes?” Eles responderam: “O
batismo de João.” Paulo disse-lhes: “João administrava um batismo de conversão, dizendo ao povo que
acreditasse naquele que viria depois dele, isto é, em Jesus”. Tendo ouvido isso, eles foram batizados no
nome do Senhor Jesus. Paulo impôs-lhes as mãos, e o Espírito Santo desceu sobre eles. Começaram então a
falar em línguas e a profetizar. Ao todo, eram uns doze homens (At 19,2-7).
A grande diferença entre o batismo de João e o batismo do Messias está em que o
primeiro carece de Espírito Santo, ao passo que o segundo é a fonte da nova vida, e vida
em abundância. Receio que muitos que se classificam como católicos nas pesquisas e
recenseamentos receberam somente o batismo de João.
Se São Paulo aparecesse hoje “nos Éfesos” de nossas comunidades, centros de
catequese e até universidades católicas, iria nos perguntar se nos falta Espírito Santo?
b. Vento impetuoso ou ar-condicionado?
Em não poucos espaços, o vento impetuoso de Pentecostes transformou-se em ar-
condicionado, o que acaba por domesticar a força do Espírito de Deus vivo.
É comum a figura do vento, a Ruaj ou o Pneuma para fazer referência ao Espírito
Santo. No Pentecostes, trata-se de pnoés biaias: vento impetuoso, que encheu até
mesmo os recantos mais obscuros da vida dos apóstolos, convertendo-os em
testemunhas com poder de Cristo ressuscitado. Não obstante, outros reduzem esta Ruaj
imponente a um simples ar-condicionado, que se ajusta de acordo com a conveniência ou
comodidade.
O vento impetuoso, tal como sucedeu a Paulo, nos surpreende e rompe esquemas de
seguranças humanas, para indagar: Senhor, que queres que eu faça? O ar-condicionado,
ao contrário, é favorável a que façamos nossos planos pastorais, que elaboremos os
esquemas e depois peçamos que o Senhor nos ajude.
O ar-condicionado está ajustado em uma temperatura constante para agradar os
homens. O vento impetuoso nos dá a coragem para sermos fiéis a Deus, sem dar
importância ao preço a ser pago.
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Nós possuímos o ar-condicionado. O vento impetuoso se apodera de nós.
O ar-condicionado exclui carismas que incomodam ou comprometem. O vento
impetuoso nos surpreende com variedade de carismas e ministérios.
O ar-condicionado é como essas fontes em que circula sempre a mesma água. Em
contrapartida, o furacão sopra como quer, e não sabemos de onde vem nem para onde
vai.
O vento impetuoso é motivo de liberdade. É livre e nos torna livres. O ar-condicionado
é uma pomba engaiolada, sem liberdade para voar pelo espaço infinito.
Há pessoas que tentam manipular o Espírito com o controle de Seus esquemas;
todavia, jamais poderão regular a força impetuosa de um furacão, porque o vento é
sempre imprevisível; sempre cheio de surpresas, criativo e novo.
O ar-condicionado é de tal modo cômodo que nos faz cair na letargia de análises
calculadoras. O furacão nos transforma em testemunhas com poder da ressurreição do
Senhor Jesus.
D. CAMINHAR E CORRER
a. Caminhar rumo a Emaús, para que o coração arda com o fogo da Palavra
Os discípulos de Emaús percorrem o caminho com Jesus, que explica as Escrituras, as
quais, por sua vez, explicam Jesus.
Cléofas e seu companheiro de viagem, rumo à pequena aldeia de Emaús, eram
testemunhas da morte de Jesus, porém simples repórteres de Sua ressurreição, pois se
limitavam a repetir o que as mulheres diziam ter ouvido dos anjos. Até que seus corações
arderam com a Palavra de Jesus e eles O reconheceram na Fração do Pão; e então,
embora a noite se aproximasse, voltaram pelo mesmo caminho para testemunharque,
verdadeiramente, o Senhor Jesus havia ressuscitado.
Já não são simples repórteres que repetiam o que as mulheres diziam. Não. Agora são
testemunhas, pois seus corações estavam inflamados com o fogo da Palavra.
Se nosso coração não arder com a Palavra, não conseguiremos abrasar o mundo com o
Evangelho da graça.
b. Correr pelas montanhas de Judá com alegria
Naqueles dias, Maria partiu apressadamente para a região montanhosa, dirigindo-se
a uma cidade de Judá (Lc 1,39).
Tão logo engravidou pelo poder do Espírito Santo e com a Palavra encarnada em seu
coração, a primeira coisa que Maria faz é spoudés: “apressar-se” para levar Jesus, tanto a
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Isabel como a João Batista.
Um evangelizado que abriu as portas do coração corre para dar testemunho do que lhe
aconteceu, e o faz com pressa, porque o amor de Cristo o impele (cf. 2Cor 5,14).
Maria estava tão repleta de júbilo do Espírito que, ao saudar sua prima Isabel, João
Batista saltou de alegria no ventre de sua mãe.
A carteira de identidade de um evangelizador não consiste em carregar a cruz da dor e
do sofrimento. O cristianismo não é a religião da cruz, mas sim a religião do poder da
cruz, que se manifesta na alegria contagiante de haver encontrado o tesouro escondido.
Quando André encontra Jesus no deserto, vai buscar imediatamente seu irmão Simão,
para levá-lo ao Mestre. Leva alguém que sirva, ame e pregue Jesus mais e melhor que
ele próprio.
Se você não correr para anunciar Jesus, ainda não é evangelizador. Nem Maria nem
André foram fazer um retiro de trinta dias para fins de discernimento, nem sequer
programaram uma reunião de pastoral: simplesmente evangelizaram, uma vez que, a
evangelizar, aprende-se evangelizando!
Assim, pois, a essência do perfil do novo evangelizador encontra-se delineada nessas
quatro bolas.
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Conclusão
A Nova Evangelização somente poderá ser realizada com novos evangelizadores. Se as
peras se produzem nos pomares e a uva nas videiras, a Nova Evangelização só floresce
em árvores de novos evangelizadores.
Delineamos o perfil do que constitui o essencial em um novo evangelizador nas quatro
bolas de tênis:
Desce ao rio Jordão para experimentar o amor incondicional de Deus.
Vai a Damasco para ter um encontro pessoal com Jesus ressuscitado, que o
cura da religiosidade vencida, já superada pelo Novo Testamento.
Sobe ao aposento alto para viver o Pentecostes pessoal.
Caminha e corre. Caminha até Emaús, para que seu coração se abrase com o
fogo da Palavra, e corre pelas montanhas de Judá com alegria.
Estas quatro características são as que fazem do evangelizador um testemunho
autorizado da morte redentora e da gloriosa ressurreição do Senhor Jesus.
Isto constitui o essencial, o que é colocado, em primeiro lugar, no frasco do novo
evangelizador. O que é secundário é colocado depois, não porque não é importante, mas
simplesmente porque é posterior ao fato de haver estabelecido esta coluna vertebral. O
que for superficial é situado de igual maneira; e até mesmo o supérfluo perde seu sentido.
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O QUE É O
QUERIGMA APOSTÓLICO
ESQUEMA
A. Ponto de partida:
São duas etapas diferentes e complementares entre si
B. O que é o Querigma Apostólico:
Grito de Boa Notícia de Jesus
C. Conteúdo do Querigma dos Apóstolos:
Jesus Morto, Ressuscitado e Glorificado como Salvador, Senhor e Messias
D. Intencionalidade do Querigma dos Apóstolos:
Por nós e para nós
E. Enfoque do Querigma Apostólico:
Transpassar os corações
F. Objetivo da Pregação apostólica:
Receber o Espírito Santo
G. Nossa resposta à proposta divina:
Fé, arrependimento e conversão.
Confessar Jesus como Salvador e proclamá-Lo Senhor
H. Perseverar até o fim:
Formando o Corpo de Cristo na Igreja
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Introdução
Quando São Paulo sintetiza seu ministério, distingue duas etapas: anunciava e ensinava
– euanguelai hymin kai didazjai hymás (cf. At 20,20).
Para referir-se ao Anúncio, usa o verbo anguelo, cujo conteúdo é “a Boa Nova de
Jesus, o Messias” (cf. At 5,42). Ao aludir à segunda etapa, emprega o verbo didasco, do
qual deriva a didajé, ou ensinamento.
É tão importante distinguir as duas etapas quanto a sequência entre elas. Não são a
mesma coisa, porém ambas estabelecem uma harmonia, com base em certa pedagogia:
primeiro se anuncia e, posteriormente, se ensina.
Mais tarde, o apóstolo afirma que “Deus quis salvar os que creem – díá tes morías tou
kerygmatos – pela loucura da pregação” (cf. 1Cor 1,21). Este kérygma – kerýgmatos,
que se traduz por Proclamação ou Anúncio, nós o identificamos com o Primeiro Anúncio
ou Querigma, para distingui-lo da Catequese. Trata-se do meio pelo qual somos salvos.
Ou seja, não é por meio da Catequese nem por meio da doutrina, mas sim do Anúncio
da Boa Notícia de Jesus.
No campo pastoral, durante vários séculos, enterramos o denário do Anúncio
Querigmático, não apenas não ganhando juros, mas desvalorizando o capital da Igreja.
Por muitos anos, a província de Alberta foi uma das mais pobres do Canadá, tendo
que receber subsídios do governo central para suprir suas necessidades. As
pessoas emigravam em busca de trabalho e os jovens dirigiam-se a outras latitudes
para estudar.
Um dia, porém, descobriu-se que existia uma imensa jazida petrolífera no subsolo
daquela região, que se transformou na província mais florescente do Canadá.
Nadavam em um mar de petróleo e, no entanto, não sabiam. Possuíam uma grande
riqueza, mas viviam como pobres.
A maior riqueza da Igreja é o Evangelho da Graça (cf. At 20,24), e sua grande missão
é proclamá-lo até os confins da terra, mas, infelizmente, a partir da Reforma de Martinho
Lutero (1483–1546), no século XVI, colocamos esta luz debaixo da mesa. Abandonamos
a dimensão querigmática e compensamos esta grande omissão focalizando os refletores
no dogma, no culto e nos sacramentos. Basta observar que os termos “Querigma” ou
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“Primeiro Anúncio” ainda não existem no Vaticano II (1962-1965), muito embora,
certamente, a Constituição Dei Verbum, 24, faça distinção entre Pregação e Catequese.
Nestes últimos anos, a Igreja está redescobrindo, acredito que por meio de estudo, a
importância do Querigma ou Primeiro Anúncio. Não obstante, o que ainda não consegue
recuperar é a prática de mostrar com fatos que o Anúncio Querigmático é o primeiro
passo, e que a Catequese vem somente depois. A inércia de cinco séculos faz com que
ela caminhe com o freio de mão sob controle. Ainda não ousa dar o passo profético, uma
vez que tomar consciência do coração do Evangelho implicaria em uma Reforma radical,
onde apareceriam os grupos dos contrarreformistas.
Nosso desafio é levantar esta luz do Anúncio Querigmático, para que ilumine os de
casa e o mundo inteiro. Não podemos viver como pobres, possuindo tal riqueza dentro
de nós mesmos.
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53
Desenvolvimento do tema
A. PONTO DE PARTIDA:
DIFERENÇA ENTRE QUERIGMA E CATEQUESE
Duas etapas diferentes e complementares entre si
Nossa plataforma de decolagem é o seguinte pressuposto: “A Catequese é diferente do
Primeiro Anúncio” (Catechesi Tradendae, 19). Evangelizar e ensinar são dois passos
sucessivos; incompletos no sentido de que se supõem mutuamente, porém
complementares entre si, uma vez que formam um binômio indissolúvel, em que cada
qual tem seu lugar, ainda que a fronteira entre um e outro tenha muitos pontos comuns.
O Papa João Paulo II assinala que “entre evangelização e catequese não existe
separação nem oposição, nem identificação pura e simples, mas sim relações profundas
de integração e complemento recíproco” (Catechesi Tradendae, 18). A Evangelii
Nuntiandi nos mostrava desde 1975 que são duas colunas que sustêm a construção da
fé. Cada uma delas possui seu espaço, objetivo e conteúdo, que é preciso distinguir,
respeitar e valorizar.
B. O QUE É O QUERIGMA APOSTÓLICO
Grito de Boa Notícia de Jesus
Kérygma significa brado e se aplica à Proclamação Apostólica, também chamada
Primeiro Anúncio ou Evangelização Fundamental; ABC do cristianismo; sua carteira de
identidade e DNA. Trata-se do alicerce, para que nossa vida cristã nãoseja edificada
sobre areia.
Trata-se, outrossim, da Boa Nova de Jesus; ou melhor, de Jesus como a Boa Nova de
Deus (cf. Mc 1,1).
São Lucas registrou a Pregação original dos apóstolos em seis enunciados
querigmáticos4:
- Cinco de Pedro:
At 2,14-29; 3,12-26; 4,8-12; 5,29-32 e 10,34-43.
- Um de Paulo:
At 13,16-41.
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C. CONTEÚDO DO QUERIGMA DOS APÓSTOLOS:
Jesus, Morto, Ressuscitado e Glorificado, como Salvador, Senhor e Messias
O grito inicial não é teoria nem doutrina, mas “a Boa Nova de Jesus, o Messias” (cf. At
5,42), o que talvez, melhor traduzindo, convenha assim expressar: “Jesus, como a Boa
Nova de Deus”.
Por isso, todos os enunciados querigmáticos são centrados em uma Pessoa com Seus
três acontecimentos, assim como os três títulos mais importantes, com uma
intencionalidade: por nós e para nós. A seguinte estrela resume-o de forma sintética:
Conteúdo do Querigma Apostólico
Se elaborarmos um quadro sinótico do conteúdo dos discursos querigmáticos,
encontraremos os seguintes elementos (em caracteres itálicos, as palavras exatas que
aparecem no texto bíblico):
Jesus
É identificado por seu nome próprio: Yeshuá, que em hebraico significa YHWH salva.
Jesus é a Boa Nova que torna presente o reinado de Deus. Nele se identificam a salvação
e o Salvador (cf. Jo 4,22; At 4,2; 1Tm 2,5; Lc 2,11).
Homem: pertence cem por cento à raça humana. Nesta primeira etapa, não se
proclama Jesus como Deus nem Filho de Deus, mas como um homem igual aos outros
(cf. Hb 4,15). Afirma-se, pura e simplesmente, que Deus estava com ele (cf. At 10,38).
Até após o recebimento do Espírito Santo pode-se aceitar que o Nazareno é Filho de
Deus e é Deus, bendito para sempre! (cf. Rm 9,5).
De Nazaré ou Nazareno: enquadrado na geografia. Da Galileia dos gentios (cf. Mt
4,12-16). Pertence ao povo eleito.
Da descendência de Davi: integrado na história de Israel e na família de Davi (pastor e
rei). É “o Descendente” (cf. 2Sm 7,11-12; Is 7,14; 9,5; 11,1; Mq 5,1-3), que instaura o
Reino de Israel (cf. At 1,6).
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Ungido com o Espírito Santo: a característica mais importante de Jesus é a de que
Deus O ungiu com o Espírito Santo (cf. Lc 4,18; Mc 1,9-11; Mt 3,13-17; Jo 1,32-34). É
o Ungido, o Messias, o Cristo.
Profeta: não era um teólogo nem um mestre profissional, mas sim um carismático
inspirado por Deus (cf. Mc 6,15; Mt 21,11; Lc 7,16; Jo 4,19).
Poderoso em obras e palavras: unem-se, em Seu ministério, a ação poderosa e a
mensagem eficaz. O Evangelho de Mateus resume a pregação de Jesus, assim como o de
Marcos, Seus milagres. Fez o bem, curou e libertou. Os milagres, prodígios e sinais
não eram adornos acidentais, nem apenas provas da veracidade de Sua doutrina, mas a
salvação integral que estava se realizando.
a. Morreu na cruz
Pedro responsabiliza os judeus, especialmente os sumos sacerdotes e magistrados do
povo, pela morte de Jesus; esta, no entanto, é levada a termo por mãos dos romanos:
Pilatos. Assim, tanto judeus quanto gentios, todos nós constituímos causa de Sua morte.
Todavia, em última instância, Jesus não é morto, pois Ele se entrega voluntariamente (cf.
Jo 10,18; Jo 13,1). Por isso mesmo, São Paulo usa a forma verbal apéthanen, que em
grego é um aoristo (passado) da voz ativa (1Cor 15,3): Cristo morreu; não foi morto.
Os discursos querigmáticos salientam que havia um determinado, e não determinista,
desígnio divino, já anunciado pelos profetas nas Escrituras.
Na cruz: cinco dos seis discursos querigmáticos fazem alusão à ignomínia do madeiro,
o qual, se é um escândalo para os judeus e uma loucura para os gentios, para aqueles que
creem transforma-se em força e sabedoria de Deus (cf. 1Cor 1,22-25).
Padeceu: a morte de Jesus está contida em Sua dolorosa paixão, que O identifica com
o Servo de YHWH, anunciado pelo profeta Isaías, quando se afirma que por Suas chagas
fomos curados e que Ele suportou o castigo que nos traz a paz (cf. Is 53,5).
Sepultado: Jesus esteve verdadeiramente morto e foi tratado como um defunto.
b. Ressuscitado por Deus, aparece às testemunhas
Nos discursos querigmáticos, Jesus não ressuscitou, mas foi ressuscitado pelo Deus de
nossos pais. Paulo usa a forma verbal eguéguertai, que em grego é um tempo perfeito
da voz passiva (1Cor 15,4) e que poderíamos assim traduzir: “foi ressuscitado e está
ressuscitado (por Deus)”.
Ao terceiro dia: não significa setenta e duas horas, e sim um breve espaço de tempo.
Manifestou-se às testemunhas: as aparições são manifestações àqueles que são ou
haverão de ser testemunhas (cf. At 10,41). Destaca-se, entre tais pessoas, Simão ou
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Cefas.
De acordo com 1Cor 15,45, Jesus ressuscitado é:
O vivente (um ser natural, dotado de vida): zoonta, particípio presente do
verbo “viver”. Jesus está vivo hoje.
Vivificante (o ser que dá vida): zoopoiún, particípio presente do verbo
“vivificar”. Jesus ressuscitado é fonte de vida.
c. Glorificado: exaltado à direita de Deus
Jesus, morto e ressuscitado, foi exaltado e glorificado pelo Deus de Abraão, de Isaac e
de Jacó. Ou seja, tem continuidade a linha salvífica do Antigo Testamento.
À Sua direita ou pela direita de Deus: recebe um posto de honra e os títulos mais
gloriosos:
Salvador: Soter, que nos livra de toda opressão, especialmente do pecado,
assim como de sua causa e consequências (cf. Mt 1,21; Lc 2,11; Jo 4,42).
Senhor: Kúpios – Kyrios. O Nome que está acima de todo nome. Ele é o dono
e administrador régio de tudo quanto existe no Céu e na terra (cf. Fl 2,11; Mt
28,18).
Messias: Jristós. O ungido com Espírito Santo (cf. Is 11,1-2; 42,1; 61,1), que
dá o Espírito Santo (cf. Jo 1,33; 7,39; 16,7).
D. INTENCIONALIDADE DO QUERIGMA DOS APÓSTOLOS:
Por nós e para nós
Nesta etapa inicial, não se apresenta doutrina, nem moral, nem dogma. Proclama-se
tão somente uma Pessoa viva, com três acontecimentos (morto, ressuscitado e
glorificado) e três títulos (Salvador, Senhor e Messias), com uma conclusão teológica:
Tudo isso aconteceu por nós e para nós.
São Paulo assim o resume:
“Jesus, nosso Senhor, entregue por causa de nossos pecados e ressuscitado para nossa
justificação” (Rm 4,24-25).
- Morreu, ressuscitou e foi glorificado, por nós.
- É Salvador, Senhor e Messias, para nós.
Não é simples história nem mesmo resumo da vida e missão de Jesus. Tudo isto era
feito com uma intenção: nós somos os destinatários e beneficiários destes
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acontecimentos.
E. ENFOQUE DO QUERIGMA APOSTÓLICO:
Transpassar os corações
O Anúncio Querigmático, mais do que uma doutrina ou ensinamento que ilumina nossa
mente, é um grito que desafia a vontade.
Os que ouviram a pregação de Pedro no dia de Pentecostes, perguntaram
katenyguesan te tardia: com o coração transpassado, o que deviam fazer para apropriar-
se do dom gratuito da salvação (cf. At 2,37).
O Querigma, mais que luz para o entendimento, é uma espada que penetra o coração
daqueles que escutam. Portanto, uma Pregação Querigmática desafia o centro da
vontade e as decisões para aceitar ou rejeitar a salvação gratuita. Aqui está a chave do
Anúncio.
F. OBJETIVO DA PREGAÇÃO APOSTÓLICA:
Receber o Espírito Santo
A epístola aos Efésios mostra claramente o processo e o resultado do Anúncio do
Evangelho:
Nele, também vós ouvistes a palavra da verdade, a Boa-Nova da vossa salvação. Nele acreditastes e
recebestes a marca do Espírito Santo prometido (Ef 1,13).
O Espírito Santo coroa a obra evangelizadora. Por isso, quando Paulo chegou a Éfeso,
perguntou se haviam cumprido o objetivo da Proclamação do Evangelho: receber o
Espírito Santo (cf. At 19,2).
O Querigma culmina com a efusão do Espírito Santo, a que Jesus chama ousadamente
de batismo no Espírito Santo (cf. At 1,5), por se tratar de uma imersão, para ficarmos
plenamente cheios do Espírito da Promessa, que nos faz nascer de novo e atualiza os
méritos da Páscoa Redentora5.
Algumas pessoas poderiam objetar que já receberam o Espírito Santo, tanto no batismo
quanto na confirmação. Isto é tão certo quanto o fato que aconteceu sem uma
evangelização prévia, que implique em uma adesão livre e consciente a Jesus Cristocomo Salvador e Senhor. Além disso, valeria a pena perguntar se o Espírito se recebe
unicamente uma ou duas vezes na vida ou toda vez que for necessário.
G. NOSSA RESPOSTA À PROPOSTA DIVINA:
Fé, arrependimento e conversão
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Confessar Jesus Salvador e proclamá-Lo Senhor
Se Jesus já nos salvou e nos presenteou com o dom da salvação, de que modo nos
apropriamos dos frutos da redenção? Encontramos um mosaico que aborda a questão a
partir de diferentes perspectivas. Todos os elementos são importantes e implicam-se
reciprocamente.
Os que ouvem Pedro perguntam-lhe o que devem fazer para obter essa nova vida.
Pedro responde:
Convertei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo, para o perdão dos vossos pecados.
E recebereis o dom do Espírito Santo (At 2,38).
São Paulo, por sua vez, resume-o magistralmente:
Se, pois, com tua boca confessares que Jesus é Senhor e, no teu coração, creres que Deus o ressuscitou
dos mortos, serás salvo. É crendo no coração que se alcança a justiça, e é confessando com a boca que se
consegue a salvação (Rm 10,9-10).
Em outra passagem, assinala: “Insisti com judeus e gregos para que se convertessem a
Deus e acreditassem em Jesus, nosso Senhor” (At 20,21).
A oferta da salvação requer uma resposta de fé: crer em Jesus. Isso abrange diferentes
aspectos: arrepender-se e converter-se, culminando com o batismo; confessar Jesus
como único, suficiente, exclusivo e excludente Salvador pessoal; e, igualmente,
proclamar Seu Senhorio em todos os aspectos da vida.
H. PERSEVERAR ATÉ O FIM:
Formando o Corpo de Cristo na Igreja
O Querigma atinge seu ponto culminante quando os evangelizados formam o Corpo de
Cristo, vivendo a comunhão eclesial:
Eles eram perseverantes em ouvir o ensinamento dos apóstolos, na comunhão fraterna, na fração do pão e
nas orações. Perseverantes e bem unidos, frequentavam diariamente o templo, partiam o pão pelas casas e
tomavam a refeição com alegria e simplicidade de coração. E, cada dia, o Senhor acrescentava a seu número
mais pessoas que eram salvas (At 2,42.46-47).
Somos um povo, o povo de Deus, que caminha em caravana rumo à terra prometida,
para a qual não basta iniciar a caminhada, mas é preciso chegar à meta, pois quem
perseverar até o fim, esse será salvo (cf. Mt 10,22). É necessário, portanto, um sistema
que garanta o crescimento até a estatura de Cristo Jesus, tanto por meio da formação
catequética quanto da vivência sacramental.
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Assim, os convertidos ou salvos integram a comunidade cristã (cf. At 2,47b), pois a
salvação não pode ser vivida de forma isolada ou individual. Somos Corpo de Cristo.
Trata-se da Igreja evangelizada e evangelizadora.
Esta atualização da Proclamação, assim como os frutos dos méritos de Cristo Jesus,
faz-se presente e efetiva na liturgia, memorial da morte e ressurreição de Jesus.
Sendo assim, adquire sentido a afirmação do Papa Paulo VI na Evangelii Nuntiandi,
60: a evangelização é um ato profundamente eclesial.
60
61
Conclusão
Querigma e Catequese são como os dois tempos de uma partida de futebol. Cada um
tem seu espaço, porém ambos são interdependentes e complementares. O Querigma é a
base e o ponto de partida da vida cristã. A Catequese vem depois, e sempre depois.
Pregar é diferente de ensinar, assim como Querigma é diferente de Catequese, mas estão
intimamente unidos de forma consecutiva, ainda que a fronteira seja permeável.
A Boa Nova da salvação, formulada no Querigma ou Primeiro Anúncio, está centrada
em uma Pessoa com Seus três acontecimentos (morte, ressurreição e glorificação), assim
como Seus três títulos mais importantes (Salvador, Senhor e Messias), para receber o
dom do Espírito Santo e formar a comunidade de salvos que instauram o Reino de Deus
neste mundo. Tudo isto com uma intenção: Jesus morre, ressuscita e é glorificado por
nós. É Salvador, Senhor e Messias para nós.
Se a Catequese se dirige mais ao entendimento, o Querigma desafia a vontade e
transpassa os corações, nos quais será derramado o Espírito Santo.
Ao tratar do Querigma, nós o denominamos intencionalmente “o Querigma apostólico”,
porque tem seu ponto de partida na Pregação dos apóstolos. Não obstante, isto traz
consigo uma consequência: se a Igreja é apostólica, haverá de transmitir o que, por sua
vez, recebeu dos apóstolos. Em poucas palavras, na fidelidade a esta Mensagem está em
jogo a apostolicidade da Igreja.
Esta é nossa riqueza; todavia, é necessário descobrir este tesouro, extraí-lo e usá-lo
para não viver como pobres, e que nosso povo emigre para outras denominações cristãs
em busca da Proclamação ou Anúncio da Boa Nova.
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GRANDE MISSÃO, GRANDE OMISSÃO
ESQUEMA
A. Ponto de partida para evangelizar
Evangelizar é proclamar a Boa Nova de Jesus
B. O primeiro, o novo e o grande mandamento
C. Evangelizar não é optativo, é imperativo
D. A Grande missão – A Grande Omissão
E. Por que não evangelizamos:
porque não estamos evangelizados
1º Porque não nos sentimos chamados nem enviados por Deus
2º Porque nos falta a fé, o que se manifesta em medos que nos paralisam
3º Porque não vemos fruto imediato
4º Porque não estamos apaixonados por Jesus
5º Porque nos falta coerência de vida com o Evangelho que pregamos
F. Quando não evangelizamos
1º Quando duvidamos do amor gratuito de Deus
2º Quando nos falta Espírito Santo
3º Quando carecemos de comunidade
4º Quando nosso coração ainda não arde com o fogo da Palavra de Deus
5º Quando transmitimos doutrina e catequese, supondo que seja a Boa Nova
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Introdução
Uma das parábolas mais breves do Evangelho é a que tem por título “Os dois filhos” e
se encontra em Mt 21,28-30. É tão curta, que vamos reproduzi-la por inteiro:
“Que vos parece? Um homem tinha dois filhos. Dirigindo-se ao primeiro, disse: ‘Filho, vai trabalhar hoje na
vinha!’ O filho respondeu: ‘Não quero’. Mas depois mudou de atitude e foi. O pai dirigiu-se ao outro filho e
disse a mesma coisa. Este respondeu: ‘Sim, senhor, eu vou’. Mas não foi” (Mt 21,28-30).
Quando Jesus apresenta esta parábola, pergunta-nos: Que vos parece? Não se trata de
saber o que pensamos nem de elaborar um esquema doutrinal; tampouco de uma crítica
histórica literal; trata-se, isto sim, de tomar postura diante desta, assim como de outras
situações análogas, pelas quais poderíamos até fazer parte do cenário.
Neste tema, iremos considerar os três mandamentos de Jesus, especialmente “o
Grande Mandamento”, que é mais conhecido como “a Grande Missão”; missão de
proclamar a Boa Nova, sem acréscimos nem supressões, mas que infelizmente veio a se
tornar “a Grande Omissão”. Não obstante, iremos descobrir que a razão pela qual nós
não evangelizamos é não estarmos evangelizados.
O objetivo deste tema é transformar o problema em desafio, para recuperar o valor e a
riqueza do Querigma, superando as causas ou pretextos pelos quais não evangelizamos.
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Desenvolvimento do tema
A. PONTO DE PARTIDA PARA EVANGELIZAR:
Evangelizar é proclamar a Boa Nova de Jesus
O Papa João Paulo II afirma que a Catequese é diferente do Primeiro Anúncio
(Catechesi Tradendae, 19). Assim, nós iremos utilizar o termo evangelizar, à diferença
de catequizar, para nos referirmos ao Primeiro Anúncio ou Proclamação do Querigma,
coração do Evangelho.
Esta diferença conceitual poderia correr o risco de ser reducionista; de fato, porém, não
há nenhum termo que a expresse com perfeição. Neste capítulo, nós sacrificamos este
aspecto, para poder identificar a evangelização com o Primeiro Anúncio e distingui-la da
Catequese.
B. O PRIMEIRO, O NOVO E O GRANDE MANDAMENTO
Todo mundo conhece o primeiro mandamento:
“Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu entendimento!
Amarás teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22,37.39b).
Da mesma forma, ninguém ignora o mandamento novo:
Eu vos dou um novo mandamento: amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim também vós deveis
amar-vos uns aos outros (Jo 13,34).
Entretanto, por infelicidade, poucos sabem qual é “o Grande Mandamento” ou Grande
Missão,

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