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DIREITO EMPRESARIAL II Cinthia Louzada Ferreira Giacomelli Sociedade limitada Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Explicar as principais características de uma sociedade limitada. Reconhecer a importância do contrato social na constituição de uma sociedade limitada. Analisar a responsabilidade dos sócios na sociedade limitada. Introdução Atualmente, a sociedade limitada conta com regramento específico no Código Civil de 2002. Contudo, nas omissões desse diploma legal, conforme previsão ali expressa, as sociedades limitadas são regidas pelas normas das sociedades simples, embora o contrato social possa prever a regência supletiva pelas normas da sociedade anônima. Neste capítulo, você vai ler sobre as principais características da so- ciedade limitada, a importância do contrato social na sua constituição e as regras de responsabilidade dos sócios. Características da sociedade limitada Até o século XIX, as sociedades se dividiam em dois grandes grupos: as sociedades de pessoas e as sociedades anônimas. No entanto, essa divisão não era satisfatória para os pequenos e médios empresários, de forma que eles buscavam uma sociedade de pessoas, mas sem a complexidade de uma sociedade anônima. Assim, para atender a esse anseio, surgiu a sociedade limitada, regulamentada pelo Decreto nº. 3.708, de 10 de janeiro de 1919. Contudo, o referido instrumento legislativo era muito conciso, de forma que deixava muitas lacunas. Apenas com o advento do Código Civil de 2002 as sociedades limitadas passaram a ser disciplinadas mais detalhadamente, embora ainda não seja suficiente para atender às demandas desse tipo societário. A sociedade limitada tem algumas características importantes, as quais passaremos a tratar daqui em diante. Comecemos com a sua definição. Nos termos do art. 1.052 do Código Civil: Art. 1.052 Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integra- lização do capital social. § 1º A sociedade limitada pode ser constituída por 1 (uma) ou mais pessoas. § 2º Se for unipessoal, aplicar-se-ão ao documento de constituição do sócio único, no que couber, as disposições sobre o contrato social (BRASIL, 2002, documento on-line). A sociedade limitada é formada por sócio, ou sócios, cuja responsabilidade é solidária, restrita ao valor das suas cotas (que são a quantidade de bens ou valores com os quais os sócios contribuem para a sociedade). Para Coelho (2005, p. 155), “[...] se o patrimônio social é insuficiente para responder pelo valor total das dívidas que a sociedade contraiu na explo- ração da empresa, os credores só poderão responsabilizar os sócios, executando bens de seus patrimônios individuais, até um certo montante. Alcançado este, a perda é do credor”. A premissa dessa condição é que o direito deve estabelecer mecanismos para estimular empreendedores, e a limitação de perdas é uma forma de estimular a atividade empresarial. Nesse sentido, outra característica importante das sociedades limitadas é o capital social. Este é formado pela soma das contribuições do(s) sócio(s), com a finalidade de atender ao objeto da sociedade e é indispensável para o início das atividades sociais. Como afirma Tomazette (2014, p. 356), “[...] nas sociedades limitadas, o capital só pode ser formado por dinheiro ou bens, não se admitindo a contribuição em serviços, uma vez que o capital social é a garantia dos credores e a contribuição em serviços não teria como suprir esse papel de garantia”. Essa é a normativa do art. 1.055 do Código Civil (BRASIL, 2002). Quanto à administração da sociedade, esta cabe a uma ou mais pessoas, sócias ou não, designadas no contrato social ou em ato separado, de acordo com o art. 1.060 do Código Civil. Contudo, para que a sociedade possa ser administrada por não sócio, é necessária expressa autorização no contrato social, de forma que, se inexistente tal autorização, somente sócios podem ser administradores. É importante destacar que o mandato do administrador pode ser por prazo indeterminado ou determinado, conforme disposições do contrato social. Sociedade limitada2 Ainda no que se refere à administração da sociedade, os sócios devem, obrigatoriamente, reunir-se em assembleia para tratar de qualquer das matérias elencadas no art. 1.071 do Código Civil. Contudo, se a sociedade tiver no máximo 10 sócios, o contrato social pode prever que as deliberações sobre tais matérias ocorram em reunião de sócios. Em relação à participação dos sócios em reuniões e assembleias, a Medida Provisória nº. 931, de 30 de março de 2020, trouxe importante avanço: Art. 1.080-A O sócio poderá participar e votar a distância em reunião ou assembleia, nos termos do disposto na regulamentação do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia (BRASIL, 2002, documento on-line). A sociedade regularmente constituída é identificada por um nome próprio, por meio do qual assume direitos e obrigações no mundo jurídico. O nome empresarial compreende a expressão de individualização do empresário, identificado no contrato social, devidamente arquivado perante a Junta Comercial do Estado onde são exercidas as atividades econômicas. Tem função semelhante ao nome civil das pessoas naturais, sendo um instrumento para a individualização do empresário, com elementos que servem para demonstrar a existência de sócios, a limitação de responsabilidades e a atividade econômica explorada, por exemplo. No que se refere ao nome empresarial, o art. 1.158 do Código Civil prevê: Art. 1.158 Pode a sociedade limitada adotar firma ou denominação, integradas pela palavra final “limitada” ou a sua abreviatura. § 1º A firma será composta com o nome de um ou mais sócios, desde que pessoas físicas, de modo indicativo da relação social. § 2º A denominação deve designar o objeto da sociedade, sendo permitido nela figurar o nome de um ou mais sócios. § 3º A omissão da palavra “limitada” determina a responsabilidade solidária e ilimitada dos administradores que assim empregarem a firma ou a denomi- nação da sociedade (BRASIL, 2002, documento on-line). 3Sociedade limitada Podemos depreender do art. 1.158 do Código Civil que existem duas espécies distintas de nome empresarial (BRASIL, 2002), conforme descrito a seguir. Firma — é o nome empresarial formado pelo nome completo do titular da empresa individual ou pelos sobrenomes dos sócios de sociedade empresária, acompanhados de expressão indicativa “Ltda.”. Denominação — é a espécie de nome empresarial formada pela utili- zação de expressões de fantasia, acrescido também de “Ltda.”, que se refere ao tipo societário. Podemos citar como exemplo de firma a expressão “Ferreira e Cardoso Ltda.”, enquanto que exemplos de denominação são “Panificadora Sonho Azul Ltda.” ou “Panificadora Barcelos Ltda.” Contrato social As pessoas jurídicas assumem sua personalidade jurídica por meio do registro dos seus atos constitutivos no registro competente. Para a chamada teoria da re- alidade, de acordo com Venosa (2012, p. 236), “[...] as pessoas jurídicas, segundo essa corrente, são reais, porém dentro de uma realidade que não se equipara à das pessoas naturais”. Nesse sentido, assim prevê o art. 45 do Código Civil: Art. 45 Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo. Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular a constituição das pessoas jurídicas de direito privado, por defeito do ato respectivo, contado o prazo da publicação de sua inscrição no registro (BRASIL, 2002, documento on-line). Dessa forma,para existir, a pessoa jurídica depende de um ato de consti- tuição, que representa a autonomia da vontade dos indivíduos que a compõem, diferenciando-os. A teoria da realidade considera a pessoa jurídica não como uma ficção, mas como um ente real, tendo em vista que o ser humano é o Sociedade limitada4 centro de interesse do Direito, mas não pode cumprir todos os seus objetivos senão unindo-se a outros seres humanos, de maneira que cabe ao Direito também reconhecer e proteger os interesses e a atuação de um grupo social. As sociedades limitadas são constituídas por meio de um contrato social, que é o documento mais importante para a sociedade limitada, o qual deve ser registrado na Junta Comercial do Estado. De acordo com o art. 977 do Código Civil: Art. 997 A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará: I — nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas; II — denominação, objeto, sede e prazo da sociedade; III — capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária; IV — a quota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la; V — as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços; VI — as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus poderes e atribuições; VII — a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas; VIII — se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais (BRASIL, 2002, documento on-line). O contrato social poderá, no curso de existência da sociedade limitada, ser alterado a qualquer momento no sentido de modificar, suprimir ou adicionar disposições. É fundamental, porém, que essas alterações sejam averbadas no órgão de registro competente, nos termos do art. 999 do Código Civil: Art. 999 As modificações do contrato social, que tenham por objeto matéria indicada no art. 997, dependem do consentimento de todos os sócios; as demais podem ser decididas por maioria absoluta de votos, se o contrato não determinar a necessidade de deliberação unânime. Parágrafo único. Qualquer modificação do contrato social será averbada, cumprindo-se as formalidades previstas no artigo antecedente (BRASIL, 2002, documento on-line). 5Sociedade limitada Destacamos que as alterações no contrato social, independentemente da sua natureza (se supressões, adições ou modificações), devem ser averbadas para que gerem efeitos no mundo jurídico. O contrato social continua vigente, porém com as novas disposições. Não se trata de um novo contrato social, tendo em vista que o documento não pode ser substituído, mas apenas alterado (Quadro 1). Contrato social Supressões, adições e modificações não geram um novo contrato, apenas alteram o original. Não há limite de alterações, podem ser feitas sempre que necessário. Todas as alterações devem ser averbadas para surtirem efeito. Quadro 1. Alterações do contrato social devem ser averbadas para que surtam efeitos Por fim, destacamos que, de acordo com o art. 1.053 do Código Civil, nas omissões deste diploma legal, as sociedades limitadas regem-se pelas normas das sociedades simples, porém o contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima (BRASIL, 2002). Responsabilidade dos sócios Conforme comentado, a responsabilidade dos sócios pelas obrigações da sociedade limitada está sujeita a limites. Assim, caso o patrimônio social seja insufi ciente para atender ao valor total das dívidas contraídas, os credores somente poderão executar o patrimônio até um teto. Esse limite refere-se ao total do capital social subscrito e não integralizado. Como comenta Coelho (2005, p. 155), “[...] capital subscrito é o montante de recursos que os sócios se comprometem a entregar para a formação da sociedade; integralizado é a parte do capital social que eles efetivamente entregam”. Sociedade limitada6 Como exemplo de patrimônio social, imaginemos a seguinte situação: Pedro e João estipulam o capital social de R$ 100,00, de forma que cada cota é R$ 1. Se Pedro subscreve 50 cotas e João subscreve 50 cotas, ambos se comprometeram a entregar R$ 50,00 para a constituição da sociedade. Nesse sentido, dispõe o art. 1.055 do Código Civil: Art. 1.055 O capital social divide-se em quotas, iguais ou desiguais, cabendo uma ou diversas a cada sócio. § 1º Pela exata estimação de bens conferidos ao capital social respondem solidariamente todos os sócios, até o prazo de cinco anos da data do registro da sociedade (BRASIL, 2002, documento on-line). A integralização do capital poderá ser feita à vista, no ato da constituição da sociedade, ou poderá ser feita a prazo. Cumpre destacar também que os sócios são solidariamente responsáveis pela integralização do capital social. Contudo, a responsabilidade limitada dos sócios comporta algumas exce- ções. Entre outras, destacamos: os sócios que deliberarem contrariamente à lei ou ao contrato social deverão responder de maneira ilimitada pelas obrigações sociais rela- cionadas à deliberação ilícita, nos termos do art. 1.080 do Código Civil; se a sociedade for composta exclusivamente por sócios cônjuges ca- sados no regime da comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória, eles responderão ilimitadamente pelas obrigações sociais, em atenção ao art. 977 do Código Civil; se o sócio fraudar credores, deverá responder ilimitadamente pelas obrigações sociais, de acordo com o art. 50 do Código Civil, que trata da desconsideração da personalidade jurídica. 7Sociedade limitada Sobre a desconsideração da personalidade jurídica, Tartuce (2015, p. 255) comenta que “[...] a regra é de que a responsabilidade dos sócios em relação às dívidas sociais seja sempre subsidiária, ou seja, primeiro exaure-se o patrimônio da pessoa jurídica para depois, e desde que o tipo societário adotado permita, os bens particulares dos sócios serem executados”. Assim, considerando a possibilidade de exclusão de responsabilidade dos sócios, muitas vezes, a pessoa jurídica pode se desviar dos seus fins e princípios, fazendo surgir a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, prevista no art. 50 do Código Civil: Art. 50 Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019) § 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) § 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) I — cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do admi- nistrador ou vice-versa; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) II — transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) III — outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) § 3º O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) § 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitosde que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) § 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da fina- lidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica (BRASIL, 2002, documento on-line). Assim, quando a pessoa jurídica for utilizada para fugir das suas finalidades e lesar terceiros, sua personalidade jurídica deve ser desconsiderada, ou seja, sua existência não deve ser levada em conta, fazendo o julgador decidir como se o ato ou o negócio jurídico tivesse sido praticado pelos sócios, na qualidade de pessoas naturais. Sociedade limitada8 Ressaltamos que o art. 50 do Código Civil prevê o abuso da personalidade jurídica e impõe os requisitos de desvio de finalidade ou confusão patrimonial para que seja aplicada a teoria da desconsideração da personalidade jurídica da pessoa jurídica. Por desvio de finalidade, são entendidos os atos que não condizem com o objetivo do ato constitutivo e executados com a finalidade de prejudicar alguém, é o mau uso da finalidade social; já por confusão patrimo- nial, entendemos a mistura do patrimônio social com o patrimônio particular do sócio, causando danos a terceiros. Cabe ressaltar que não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica. BRASIL. Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ Leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 20 maio 2019. BRASIL. Lei nº. 13.874, de 20 de setembro de 2019. Institui a declaração de direitos de liberdade econômica. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 set. 2019. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13874.htm. Acesso em: 20 abril 2019. COELHO, F. U. Curso de Direito Comercial. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. v. 2. VENOSA, S. S. Direito Civil: parte geral. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 230, 231. v. 1. TARTUCE, F. Direito Civil 1: lei de introdução e parte geral. São Paulo: Método, 2015. TOMAZETTE, M. Curso de Direito Empresarial: teoria geral e direito societário. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2014. v. 1. Leitura recomendada REQUIÃO, R. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2014. 9Sociedade limitada
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