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1. A narrativa do fracasso escolar influencia as relações educativas atualmente? Como ela pode influenciar os processos de aprendizagem nos diferentes níveis de ensino? O fracasso escolar foi objeto de estudo desde os princípios da psicologia educacional e escolar, influenciando os métodos e as teorias que fundamentavam as pesquisas nos campos da psicologia e da pedagogia. Atribuiu-se ao fracasso escolar o caráter de fenômeno causal, em um primeiro momento consequência do aluno como indivíduo, num segundo momento como causa do ambiente escolar, depois como resultado das relações familiares, e mais tarde como efeito do contexto sociocultural do aluno. Embora ocorressem mudanças teóricas acerca da compreensão do fracasso escolar como fenômeno, até a segunda metade do século XX este era sempre observado a partir do entendimento da criança/aluno como problema. Apenas após a institucionalização do trabalho do psicólogo e o fortalecimento de novas teorias acerca da educação, essa tendência aluno- problema sofre alterações, porém, em contrapartida, o Brasil sofria com a ditadura militar de 1964-85, que operava como força contraditória às novas teorias nascentes no campo da psicologia educacional. Atualmente, impulsionado também pelas pesquisas de caráter empírico e pelo aumento de publicações do período de redemocratização que revisavam os antigos métodos educacionais, é possível delinear um grau de complexidade maior quando se pensa em “fracasso escolar”, tendo em vista a sua inserção na reprodução da sociedade, suas condições materiais vigentes e suas produções culturais que surgem para justificar sua permanência. Quando inseridas no contexto de interpretação do modo de produção capitalista, a escola e a educação como instituições mantenedoras de tal sociedade mostram-se mais aptas ao desenvolvimento do que o indivíduo isolado como aluno, o que demonstra uma superação do antigo viés liberal nas interpretações da educação brasileira. Portanto e apesar disso foi observado, principalmente na passagem dos anos 1990-2000, um vigoroso investimento na educação técnica e sua integralização com o ensino médio, esforços tomados com o intuito de inserção dos jovens no mercado de trabalho que, embora ainda bebessem muito de perspectivas liberais sobre a formação dos alunos e das instituições sociais, mostram-se também como avanços sobre a estrutura da escola e sua inserção no modo de produção capitalista. Já o ensino superior viu-se em processo de democratização a partir de mudanças nos métodos de ingresso, e no desenvolvimento de políticas de assistência estudantil voltados aos alunos considerados em vulnerabilidade social. 2. Você observa o fenômeno do fracasso escolar em sua área de formação (atuação profissional ou nas relações escolares)? Como? Entendemos o fracasso escolar em sua complexa relação com o modo de produção capitalista e as formas culturais que o justificam. “Fracasso escolar” pode ser compreendido como “fracasso da escola”, “fracasso da educação” ou “fracasso do sistema”, mas sempre será um resultado entre outros da luta de classes e sua configuração social. O Brasil, em situação de dependência do sistema financeiro internacional, enquadra-se na periferia do capitalismo, exportador de produtos primários e com limites estreitos ao desenvolvimento de uma indústria nacional, sustentado por uma classe trabalhadora super explorada, que convive com níveis alarmantes de pobreza e falta de emprego e renda. O que daí decorre é um sistema de ensino incapaz de suprir as demandas das classes populares, com dificuldades de “pôr comida na mesa”, e um histórico de exclusão desta em relação ao ensino. O “fracasso escolar”, como fenômeno, não é apenas observado, mas esperado. O recrudescimento recente da austeridade em relação aos serviços públicos, manifestados em emendas constitucionais como a EC 95/2016, e até mesmo tentativas de reforma do ensino superior como o projeto “Future-se”, demonstram o retrocesso que vivemos em relação aos poucos anos de democratização do ensino e dos serviços públicos, o que torna, consequentemente, o fracasso escolar cada vez mais interligado a todo o complexo socioeconômico que, direta ou indiretamente, o condiciona. Os índices de evasão escolar, seja no ensino básico ou superior, sempre preocuparam aqueles que observam mais atentamente a situação que se encontra a educação brasileira. Em nossos cursos de graduação não é incomum alunos desistirem da faculdade por não terem tempo para se dedicarem aos estudos pois precisam trabalhar. Teorias que põem o aluno, o professor, ou a escola como problema, não atingem sequer a superfície do real problema, que entre as suas manifestações encontram-se a falta de emprego e renda, o precário histórico escolar daqueles que dependem do sucateado ensino público, e as condições concretas de vida da classe trabalhadora.
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