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C O L E C Ç A O C l E N C l A S DAEDUCAÇ Orientada por Mana Teresa Estrela e Albano Estrela S E C U L O RuiCanário O que é a Escola? Um "olha.r" sociológic;o e PONTO EDITORA Capítulo 5 A escola como construção histórica Crise ou mutação? Os debates sobre a escola nos últimos trinta anos têm tido um generalizado, e por vezes difuso, sentimento de insatisfação como pano de fundo, ao qual as múltiplas e repetidas tentativas de mudança voluntarista e em larga escala (reformas) não têm conseguido dar uma resposta pertinente. Este sentimento de mal-estar remonta ao diagnóstico, formulado no final dos anos 60, da existência de uma "crise mundial da educação", que deve ser entendida como uma "crise da escola". Não estamos em presença de um fenómeno inteiramente novo segundo António Névoa (2001, p. 237). o discurso sobre a "crise da escola" apresenta um carácter recorrente e "abra vessa o pensamento sobre a escola desde finais do século XIX" -, nem se trata de um fenómeno especificamente português, que decorreria do nosso suposto "atraso", na medida em que essa "crise" se manifesta com contornos idênticos na generalidade dos países, independentemente do seu grau de desenvolvimento. Esta "crise" não corresponde à crise de uma escola "intemporal", que permanece- ria idêntica à sua configuração fundadora, mas, sim, a uma escola que ganhou uma configuração específica a partir dos anos 60. Trata-se de um problema estrutural (Charlot. 1987, p. 170) que. por isso, é comum a todos os países industrializados e surge estreitamente associado ao facto de, face ao "esboroar gradual dos mitos fun- dadores", a escola aparecer "simbolicamente desarmada perante a massificação (...), sem outra ideologia legitimadora que não seja o prometido destino profissional dos alunos" (Villaverde Cabral, 2001, p. 62). Estamos, portanto, perante "uma profunda crise de legitimidade" (Sebastião, 1998), correlativa de uma mais larga crise de legiti- midade do Estado-providência Para um observador situado no tempo e contexto históricos do final dos anos 60, os factos apareceriam como inteiramente concordantes com o diagnóstico da "crise 59 De facto, a contestação e a crítica à educação escolar eram fortes e alimentavam-se de diferentes origens e fontes de legitimidade em primeiro lugar, esse diagnóstico é coincidente, no tempo, com um movi- mento social de contestação à escola, de âmbito mundial, com repercussões no mundo operário, emblematicamente representado pelos acontecimentos de Paria em Maio de 1 9681 em segundo lugar. esse diagnóstico é contemporâneo da emergência do movi- mento de educação permanente que suscitou, em articulação com a defesa de processos de promoção social dos trabalhadores, a procura e construção de solu- ções educativas em oposição ao modelo escolar (é o caso da experiência italiana das 1 50 horas)31 em terceiro lugar, este período histórico representa o auge da influência de um pensamento pedagógico, alternativo à escola, bem representado pela publica- ção, em 1970, de dois livros que. com perspectivas diferentes. fariam história: ,4 X)edagog/a (io opr/m/do de Paulo freire e Uma se(/edade sem asco/a de lvan por fim. este período corresponde. também, a uma crítica cerrada à escola (sob a forma de "denúncia"), por parte de uma importante corrente da sociologia, teo- ricamente sintetizada na obra de Pierre Bourdieu e Jean Claude Passeron. 4 reprodução. E/ementas para uma teor;a do s/sfema de ens/r?o, também publi- cada em 1 970 lllich ambiente, pobreza, desigualdade) que configuram autênticos impasses civilizacionais. As promessas iluministas do triunfo da, razão, de que a escola é historicamente herdeira e executou e cuja concretização a ciência e a técnica deveriam facilitar. encontram um obstáculo instransponível na imaturidade polí- tica dos nossos modos de governo social; - um quarto reside na centralidade da missão de promoção da cidadania atribuída à escola, que contrasta com um fenómeno de retrocesso na participação política. nas sociedades mais ricas e escolarizadas(Europa e América do Norte)l - finalmente. a "corrida à escola" iniciada no período áureo dos "Trinta Gloriosos ("explosão escolar" nos anos 60) não mostra indícios de abrandar. A crescente insatisfação com a escola traduz-se numa intensificação da procura e na opção por percursos escolares mais longos, como se a escola se tivesse transformado num "mal necessário Os debates sobre a escola têm mostrado alguma incapacidade de procurar com- preender, de forma articulada. este conjunto de paradoxos e a confusão que frequen- temente os marca, mais do que a complexidade da "crise da escola", expr/me uma crise do modo de pensar a asco/a. É muito provável que os instrumentos conceptuais que mobilizamos para este debate nem sempre se revelem como as ferramentas mais adequadas a uma elucidação crítica do problema. E a primeira questão reside precisamente em saber se estamos perante uma 'crise" e se este conceito entendido como correspondente a uma patologia que rompe temporariamente um equilíbrio é adequado para descrever a situação actual da escola. Bernard Charlot (2000) respondeu recentemente pela negativa, notando, com Ironia. que. "a existir uma crise da escola, é espantoso que, após mais de trinta anos, o doente ainda não esteja morto". Em vez do conceito de crise, que remete para problemas de natureza conjuntural, julgamos mais pertinente o. conceito de mutação, que remete para mudanças e problemas de carácter estrutural. Qualquer imobilismo é ilusório, apesar da aparente estabilidade da escola nos dois últimos séculos e do seu carácter refractário a mudanças deliberadas. A escola de hoje não é a do princípio do século nem sequer a escola da "reprodução" descrita por Bourdieu. A escola sofreu mutações que engendraram as contradições estruturais e os paradoxos em que hoje se move. Os paradoxos da escola Este sentimento de frustração em relação às promessas da escola tem permanecido e alimentado o debate sobre a "crise da escola", sem que este se tenha traduzido, de modo fecundo, na nossa compreensão de alguns dos paradoxos que, na segunda metade do século XX, marcaram a expansão da escolarização: - o primeiro reside no facto de, por um lado, o inequívoco triunfo da escolariza- ção, no final do milénio, ser contado como uma história de "progresso" e de vitórias", o que contrasta com a visão pessimista da "crise", instalada desde os anos /u; o segundo reside no facto de a "erosão" a que foi submetida a educação esco- lar, por via de uma crítica permanente e sistemática. ser contemporânea da hegemonia do modelo escolar que tendeu a contaminar todas as modalidades educativas, podendo afirmar-se que a educação permanece refém do escolar; um terceiro reside no facto de a crescente escolarização das nossas sociedades ser concomitante com o agravamento de problemas de natureza social (guerra. Escola: os níveis do debate O que é, então, a escola? Esta pergunta é susceptível de uma pluralidade de res postas Não há dúvida de que estamos em presença de uma invenção histórica, contem- porânea da dupla revolução industrial e liberal que baliza o início da modernidade e que introduziu, como novidades, o aparecimento de uma instância educativa espe- cializada que separa o aprender do fazer; a criação de uma relação social inédita. a relação pedagógica no quadro da classe, superando a relação dual entre o mestre e o aluno; uma nova forma de socialização (escolar) que progressivamente viria a tor- nar-se hegemónica 3 O movimento das "150 horas" nasceu no final dos anos 70 e consistiu em consagrar, ao nível da contra- tação colectiva, o direito dos trabalhadores a gerir uma carga horária trienal de 150 horas para melho- rar a sua cultura. Tratava-se de um processo de formação autogerido de modo colectivo e claramente distanciado das concepções redutoras e funcionais que viriam a dominar a formação profissional 60 61 A compreensão deste conjunto de novidades apela a uma distinção analítica entre três dimensõesda escola que pode corresponder a uma tentativa de definição: a escola é uma forma. é uma organ/cação e é uma /nsf/tu/ção. A forma escolar representa uma nova maneira de conceber a aprendizagem. em ruptura com os processos de continuidade com a experiência e de imersão social que prevaleciam anteriormente. Esta modalidade de aprendizagem, baseada na ret/e/ação. na curou/at/v/(Jade e na exter/or/date, possui autonomia própria e pode, portanto, existir independentemente da organização e da instituição escolar, como acontece nos nossos dias. É neste sentido que podemos falar de uma escolarização das actividades educativas não escolares. Correspondendo à dimensão da pedagogia. a forma escolar é aquela que mais tem polarizado uma tradição de crítica à escola. centrada nos métodos, de que encontramos traço persistente, por exemplo, na literatura. Constituiu-se, progressiva- mente. como a forma tendencialmente única de conceber a educação, o que teve como consequências fundamentais, por um lado, conferir à escola o quase monopólio da acção educativa, desvalorizando os saberes não adquiridos por via escolar e, por outro, contaminar as modalidades educativas não escolares, modificando-as à sua imagem e semelhança. Este empobrecimento do campo e do pensamento educativos privou a própria forma escolar de referenciais exteriores que Ihe permitiriam criticar-se e transformar-se. A escola corresponde. também. a uma nova organização que. tendo tornado pos- sível a transição de modos de ensino individualizados (um mestre, um aluno) para modos de ensino simultâneo (um mestre, uma classe), viabilizou a emergência dos sis- temas escolares modernos. A organização escolar que historicamente conhecemos corresponde a modos específicos de organizar os espaços, os tempos, os agrupamen- tos dos alunos e as modalidades de relação com o saber. Contudo, apesar de definir constrangimentos que. parcialmente, determinam os modos de trabalho escolar (de professores e alunos), a dimensão organizacional da escola constitui aquela que menos debate e polémica conota. Ao longo dos dois últimos séculos, este tipo de organização, que é histórico e contingente, sofreu um processo de naturalização, que Ihe confere um carácter inelutável e o faz aparecer como "natural". Constituindo-se na matriz que condiciona a acção dos actores educativos e. em simultâneo, o pensa- mento crítico e transformador sobre a escola. este processo de naturalização não só torna a dimensão organizacional relativamente "invisível", como também contribui para a estabilidade da escola. De facto, se. por um lado, o processo de naturalização desarma os educadores para uma perspectiva de compreensão crítica do modo como exercem a sua profissão, por outro, os debates e os projectos de mudança sobre a dimensão organizacional, ao respeitarem. em regra, os limites impostos pelo modelo existente, conduzem a uma invariância organizacional que condena à ineficácia as querelas" sobre os métodos pedagógicos. Finalmente. a escola é uma instituição que, a partir de um conjunto de valores está- veis e intrínsecos, funciona como uma fábrica de cidadãos, desempenhando um papel central na integração social, na perspectiva durkheimiana de prevenir a anemia e prepa rar a inserção na divisão social do trabalho. Como instituição, a escola desempenha, do ponto de vista histórico, um papel fundamental de unificação cultural, linguística e política, afirmando-se como um instrumento fundamental da construção dos modernos estados-nação A ausência de distinção analítica entre estas três dimensões tende a confundir o debate, pela contraposição de críticas ou argumentos que não situam a discussão ao mesmo nível para todos os interlocutores, nem permitem uma abordagem compreen- siva da globalidade. As dimensões pedagógica, orgar712ac/ona/ e /nst/tuc/or?a/, faces diversas de uma mesma realidade. remetem para campos de análise e de debate que podem e devem ser distinguidos. Uma outra maneira de analisar a escola e tentar compreender as suas mutações corresponde a adoptar uma perspectiva diacrónica que permite identificar três perío- dos distintos: o período da "asco/a das certezas" que marca o período forte da institui- ção, tendo como referência o designado "Estado educador"; o período da "esmo/a das promessas" que, a partir de meados do século XX, é concomitante com a construção de um Estado-providência que se assume como "Estado desenvolvimentista"; e. final- mente, a entrada na era de uma "asco/a das /ncertezas", durante o último quarto de século, correspondendo à erosão do Estado-providência. à sua perda de legitimidade e consequente emergência de um Estado "mínimo" ou "modesto", também designado por "Estado regulador" (Queiroz, 1 995). A escola num "tempo de certezas" Em oposição a visões naturalizadas que encaram a escola actual como uma espécie de realidade intemporal, a construção da escola como "objecto sociológico" supõe que a sua emergência seja historicamente situada. O nascimento histórico dos moder- nos sistemas escolares ocorre no processo de transição das sociedades de Antigo Regime para as modernas sociedades industriais, fundadas no capitalismo liberal e num sistema de estados-nação, representando a escola, não apenas uma "invenção histórica", mas uma invenção recente que corresponde a "uma revolução nos modos de socialização", ou seja, a uma forma diferente de "fabricar o ser social" (Queiroz, 1995, p. 6). A construção histórica da escola moderna supõe. por um lado, a invenção da infância e. por outro, a emergência de uma relação social inédita, a relação pede lógica, exercida num lugar e num tempo distintos das outras actividades sociais, sub- metidos a regras de natureza impessoal e que definem a especificidade do modo de socialização escolar O nascimento histórico, a consolidação e desenvolvimento dos modernos sistemas escolares situam-se num contexto que é indissociável da dupla revolução (liberal e industrial) que marcou o final do século XVIII. Durante um largo período que, cronolo- gicamente, podemos situar entre a Revolução Francesa e o fim da Primeira Grande Guerra. a escola viveu o que. hoje. podemos retrospectivamente considerar uma 'idade de ouro", que coincide com o apogeu do capitalismo liberal e que permanece no imaginário colectivo como um referente a confrontar com os "males" da escola actual. É essa "idade de ouro" que designamos por "tempo de certezas", na medida em que correspondeu, por um lado, a um período de harmonia entre a escola e o seu 62 organizacional), nem com forma escolar (que existe, independentemente da institui- ção e da organização escolares), vamos retomar a obra recente de françois Dubet (2002), consagrada à análise do "declínio da instituição". A escola. como instituição, 'fabrica cidadãos" a partir de valores que Ihe são imanentes e transcendem os actores em presença. Deste modo, a escola funciona no quadro do que pode designar-se por 'programa institucional", entendido como um processo social que "transforma valo- res e princípios em acção e em subjectividade através de um trabalho profissional específico e organizado" (p. 24) A extraterritorialidade aparece como uma característica do programa institucional, o que apela a uma acção soclalizadora que ocorre em espaços separados e "protegi- dos das desordens do mundo", encarados como "santuários", a que corresponde uma específica grandeza arquitectural. A escola (à semelhança da igreja, do hospital ou do tribunal) marca a sua distância do mundo ordinário através de uma arquitectura que visa impressionar as multidões e os indivíduos" (p. 29). O funcionamento do pro- grama institucional faz apelo a um tipo específico de profissionalismo que supõe uma vocação, na medida em que a competência e a legitimidade profissionais não se res- tringem a dimensões exclusivamente técnicas e instrumentais, mas também se defi- nem pela adesão a um sistema de valores, incorporados na própria Identidade profis- sional. No quadro do programa institucional, o profissional beneficiade uma 'autoridade carismática", na medida em que repousa numa legitimidade transcen- dente (o padre representa Deus, o médico a Ciência. o professor a Razão). Presta-se- -lhes obediência, na medida em que "(...) eles se entregam a uma causa superior. são, com frequência, celibatários, não ganham tanto dinheiro como o poderiam fazer defendem um bem comum, mais do que defendem os seus interesses próprios (p. 32). Radica aqui a imagem do professor "missionário", imbuído de forte autori- dade e prestígio que marcou a escola no "tempo das certezas" e que, ainda hoje. per- manece, como referência nostálgica, no imaginário colectivo dos professores A escola, enquanto instituição, comunga do paradoxo fundamental que atravessa as várias modalidades do programa institucional. Este paradoxo consiste em promover uma acção socializadora que encara os destinatários, ao mesmo tempo, como objec- tos e como sujeitos de socialização. Como refere François Dubet, é nesta duplicidade que reside "a verdadeira magia do programa institucional" que produz, simultanea- mente. "um actor conforme às normas e às regras sociais e um sujeito senhor de si próprio" (p. 35) Como esclarece Jorge Ramos do Ó (2001), a marca mais distintiva da escola. neste período, é a da incorporação de princípios morais, através de uma prática da liberdade e da autonomia. A disciplina escolar deve. então, ser encarada menos como um con junto de regras impostas pela força e mais como um processo de adesão e interioriza- ção pessoal, em que cada um, na sua acção relacional, as descobre e assimila de forma indutiva. A socialização escolar confunde-se, então, com uma adaptação Indivi- dual, livre e espontânea à vida escolar "como se cada um devesse aprender a instituir um lugar social no lugar que ele próprio ocupa" (pp. 8-9). É neste sentido que o pro- grama institucional, mais do que um processo de imposição coerciva de regras, deve ser encarado como um tipo particular de relação social r contexto externo e, por outro, a um período de harmonia e coerência internas entre as suas diferentes dimensões. No plano externo, a escola "das certezas" aparece historicamente associada à pro- nova ordem soc/a/ e uma nova ordem econó- fundamental para compreender as especifici- dades da escola neste período e, portanto, compreender o que distingue este período histórico dos seguintes. .lítica, umaile.11 processo é Uma nova ordem política Do ponto de vista político, a escola moderna significou subtrair à Igreja a tutela sobre o ensino, a partir da criação de um sistema nacional de escolas. apoiado num corpo de funcionários libertos das tutelas locais. A escola tornou-se o instrumento de uma nova "religião laica" ou "cívica". para relembrar a expressão de Rousseau de indubitável importância na construção de sociedades baseadas no liberalismo político. O projecto de escolarização representou um instrumento decisivo de integração social, no quadro da simultânea construção dos estados e das nações, fornecendo- Ihes novas fontes de legitimidade, por referência à soberania popular, num contexto de subordinação do local ao nacional e do particular ao geral (Green, 1997; Hobs- bawn, 1 990). No processo histórico de emergência do Estado-nação, a escola desempenha um papel de fundamental importância na construção.dg.uma coesão..g.-solidariedade nacionais, funcionando como o principal sustentáculo de um sistema político baseado na representação (Petitat, 1982). A necessidade de assegurar a unidade do Estado nacional, a partir de uma cultura concebida como objectiva e universal, faz da sociali- zação escolar uma educação moral (Barrêre e Sembel, 1998), apresentada por Jules ferry como uma "religião da pátria". Assim deverá ser entendido o modo como Ferry, num discurso em Junho de 1 879 (citado por Leliêvre, 1999, p. 56), apresenta a missão do "Estado educador": o Estado não é doutor em matemática, em fisiologia ou em química, nem se ocupa da educação com a finalidade de criar verdades científicas, mas, sim, para "manter uma certa moral de Estado, certas doutrinas de Estado que importam à sua conservação". É deste ponto de vista, da escola como "fábrica de cidadãos", que podemos definir a escola como uma /nst/fu;ção que, assumindo as funções anteriormente desempenhadas pelas instâncias religiosas nas sociedades tra- dicionais, "socializa os actores nos valores laicos e universais das sociedades moder- nas". Trata-se de tentar interligar, num mesmo modelo, a integração social do indiví- duo e a sua autonomia, ou seja, "a subjectividade dos indivíduos e a objectividade das funções sociais são percebidas como duas faces de uma mesma realidade" (Dubet e Martucelli. 1996, p. 528). Está em causa. como escreve Jorge Ramos do (1) (2001), em termos sociais, formatar uma espécie de "homem novo", a partir da transferência que o poder liberal faz do "essencial das tarefas destinadas à efectivação das categorias modernas de pessoa e de cidadão"(p. 5) para o âmbito da socialização escolar. Para clarificar melhor o que caracteriza a escola como instituição, a não confun- dir com orçam/zação escolar (a instituição comporta várias formas possíveis, ao nave 64 CCE2-QE-S 65 U ma nova ordem soda l Uma nova ordem económica Do ponto de vista social, a escola participa na construção de um novo tipo de laço social, construído em torno da relação salarial, contribuindo para acelerar o declínio do rural tradicional, a transferência da população para as zonas urbanas industriais, Do ponto de vista económico, a escola participa historicamente na construção de uma sociedade industrial, tendo como referência o capitalismo livre concorrencial, tal como o teorizaram os economistas clássicos. A cobertura do território nacional por uma rede de escolas baseava-se numa con- cepção de homogeneidade e uniformidade deste mesmo território e era tributária da mesma concepção "desterritorializada" que prevalecia na esfera económica. Esta 'desterritorialização", que. no caso da escola. representa um nascimento em ruptura com o local, favorece o processo de "destruição criadora" das solidariedades comuni- tárias características do Antigo Regime e que se constituíam como um entrave à emer- gência de uma lógica de mercado. Registe-se o aparente paradoxo, assinalado por vários autores (Petitat, 1982; Delamotte. 1998), de. numa sociedade que se pretende Inteiramente regulada pelo livre mercado, a escolarização ser claramente assumida como um empreendimento de iniciativa e de controlo estatal Para os economistas clássicos, a educação representa, desde os alvores da revolu- ção industrial, uma necessidade cuja justificação não é tanto a qualificação profíssio nal, mas, sim, a disciplina dos exércitos de assalariados. Neste período histórico, a escola é, fundamentalmente. uma instância de educação moral. É chamada a desem- penhar um papel importante na produção de uma força de trabalho disciplinada IDelamotte, 1998) e capaz de se integrar em modalidades de crescente racionalidade da organização de trabalho, ljlseada na hierarquia, na s(Bmentação das tarefas e na jissociação entre o »aHaÜ)r e o produto do seu trabalho. Como refere Jogo Bar- roco, a escola afirma-se cõúo "um instrumento de inculcação de valores e normas sociais" que enquadram o processo de escolarização das classes populares "e a sua preparação para o trabalho fabril" (1996. p. 500) A construção histórica da escola e a sua exterioridade relativamente ao mundo social conduziram ao aparecimento de uma nova categoria social, o aluno, por efeito da transformação da criança e sua adaptação às regras escolares. Um mesmo para- doxo atravessa o universo de trabalho do aluno e do proletário moderno. Se este. como ironizou Marx, está condenado, para sobreviver, a vender livremente a sua força de trabalho, cada escolar, como assinala Jorge Ramos do Ó, "está livremente obrigado a definir e trabalhar a sua identidade numa dinâmica que sobrepõe, em imagem única. as formas da totalização e da individualização"(2001 , p. 6). proletarizando-as.Este processo de ylbgn 4qçilç! ç dg prQ çlg; se prolongou até aos nossos dias, r# H.ê dades rurais tradicionais em modernas sociedades baseadas na produção Industrial. Esta transformação implicou a construção social de uma outra visão do mundo, em que o lazer e o trabalho se dissociarem e a precisão e quantificação do tempo, com base no relógio, passaram a regular a vida quotidiana, na fábrica e na escola. A escola foi chamada a desempenhar um papel importante nesta autêntica mutação cultural. Está em causa a transformação e/ou a criação de grupos sociais, nomeadamente a transformação progressiva de um campesinato preso a particularismos e solidarieda- des locais (pessoais e territoriais) num proletariado urbano que tem como única pro- sendo obrigado a vendê-la por razões de subsistên rculação. A escola, pela transmissão de uma cultura única que é o suporte último de uma integração nacional, em torno de uma língua única e de um conjunto selectivo de valores patrióticos, contribui para a criação de uma noviordem social:'em oposição às sociedades de Antigo Regime. A passagem de uma sociedade em que o estatuto social é transmitido por via familiar para uma socie- dade em que o estatuto social é adquirido pela acção individual, no quadro de estru- esce apa nte mobilidade. representa uma das mais decis rece associada(Martucelli, 2000) No quadro de transformações sociais tão profundas, a escola é também chamada a desempenhar um papel na regulação da conflitualidade social, prevenindo, no con texto da explosiva "questão social" que marcou o século XIX, os eventuais excessos das "classes perigosas". Em discurso proferido em 20 de Setembro de 1892, no anfi- teatro da Nova Sorbonne. Jules ferry, dirigindo-se aos professores, chamava-os ao exercício de um apostolado contra "essa utopia criminosa e retrógrada que alguns chamam a guerra de classes" (Leliêvre, 1999, p. 58). Ainda no plano social, a invenção histórica da escola corresponde a instituir uma relação social inédita que se autonomiza das restantes relações sociais e induz uma nova forma de socialização que rapidamente se afirma como hegemónica. A hegemo nia do escolar tende a traduzir-se por uma desvalorização das anteriores formas de socialização e de aprendizagem, induzindo uma pedagogização das relações sociais e desapossando alguns grupos sociais das suas competências e prerrogativas (Vincent. 1994). Assim se explicam alguns fenómenos de resistência à escola. Assim se com preende. também, o processo de acentuada desvalorização social de grupos específi- cos, alvos de estigmas que só fazem sentido numa sociedade escolarizada. É o caso das populações rurais cuja ausência de alfabetização é percepcionada como um entrave ao progresso. Uma coerência dupla O longo período histórico da escola num "tempo de certezas" é marcado por uma dupla coerência da escola, quer em termos externos(a escola é consonante e está fun cionalmente adaptada a uma nova ordem política. social e económica), quer em ter- mos internos (a conflitualidade interna é reduzida ao mínimo e há harmonia entre a escola e os seus públicos). Durante este período, a escola goza de uma forte legitimidade social, na medida em que é socialmente percebida como justa, apesar de funcionar num registo clara- mente elitista (Dubet e Martucel11, 1996). Trata-se de uma escola que, sendo elitista. 66 67 favorece a mobilidade social ascendente de alguns que mais se destacam pelo seu mérito. Como as desigualdades sociais se situam a montante e não a jusante da escola, esta pode ser ilibada de responsabilidades directas na produção de injustiças sociais. Num período em que o funcionamento do mercado de trabalho está relativa- mente dissociado dos diplomas escolares, a escola não pode ser apontada como estando na origem de problemas cíclicos de falta de trabalho. Por outro lado, o pró- prio malthusianismo inerente a um sistema elitista favorece a rentabilidade de percur- sos escolares longos. A desvalorização dos diplomas ainda não começara (Dubet. Neste contexto, no período de transição do século XIX para o século XX (auge do funcionamento da escola segundo o "programa institucional") viveu-se, na expressão de Névoa (1989), "um tempo forte na profissão docente" Como agentes culturais e como agentes políticos: os professores são investidos de um imettso poder: doraoattte, detêm as chaves da clscensão social de largas camadas da população. Futtciottários do Estado e agen- tes de reprodução da ordem social dominattte, os professores da ordem sacia! dominante, os professores personificam também as esperanças de mobilidade social de pátios extractos da sociedade' 2000)n por cada unt dos selas deveres, nuns tertlpo tão cuidadosamente regulado que não pode dar lugar a nenhum mouitttento imprevisto, cada um submete a s a activi- dade nos princípios ou regras que a regetn A forma escolar introduz e generaliza, em termos históricos, uma forma de apren- der em ruptura com os processos que. até então, haviam sido dominantes e que privi- legiavam a continuidade da experiência individual e social. Baseando-se num princípio de revelação (o mestre que sabe ensina ao aluno ignorante) e num princípio de cumu- latividade (aprende-se acumulando informações), o modo escolar propõe processos de aprendizagem baseados na exterioridade relativamente aos sujeitos. A memorização, a abordagem analítica, a penalização do erro e a aprendizagem de respostas configu- ram um processo em que a aprendizagem é pensada com base na desvalorização da experiência dos aprendentes e, portanto, na desvalorização de atitudes de pesquisa e descoberta. Na escola, as crianças deixam de fazer perguntas e passam a dar as res postas que lhes são ensinadas. Nas últimas décadas, a prática e a investigação educativas vieram proceder à reabi- litação de modalidades educativas não escolares (no campo da animação e da forma- ção de adultos), tornando possível um olhar crítico mais fundamentado e mais relativi- zado sobre a forma escolar. Um conhecimento mais aprofundado dos processos de aprendizagem não escolares permite-nos interrogar a forma escolar e pensar a sua superação Os recentes trabalhos de Carmen Cavaco (2002) sobre os processos de aprendiza- gem de adultos não escolarizados e de Mima Montenegro (2002) são dois exemplos de investigação sociológica que. ao contribuir para compreender o modo como os adultos "se formam". a partir de uma via experiencial, ajudam a conhecer, relativizar e analisar criticamente as especificidades e os limites do modo escolar Ao construir um objecto de estudo com base na abordagem biográfica de um grupo de idosos não escolarizados e situados num contexto rural, tendo em vista a reconstrução e a compreensão dos seus percursos formativos por via experiencial, Car- men Cavaco realizou uma opção que Ihe permitiu situar-se num caso-limite que ajuda a põr em evidência duas vertentes: por um lado, o património experiencial de cada um no seu processo de autoconstrução como pessoa e, portanto, nos processos de apren- dizageml por outro, a importância decisiva dos processos não formais de aprendiza- gem. o que permite situar de uma outra forma. relativizando-o, o modelo escolar actualmente hegemónico. A originalidade e o interesse da contribuição do trabalho realizado por Mima Mon- tenegro resultam da capacidade de cruzar um olhar diferente e implicado sobre as comunidades ciganas, com um questionamento dos processos de aprendizagem dos adultos (em particular dos educadores e professores), a partir do pressuposto de que eles "se formam" num processo dinâmico que articula uma via experiencial e uma via simbólica, ou seja. a acção e a reflexão. No caso das profissões de relação, como é o caso de professores e educadores, esse processo é indisssociável da natureza das Interacções estabelecidas com os destinatários e com a capacidade de os "escutar" e, por con- sequência. "aprender com eles, transformando-se" . Nesta perspectiva, a investigação (PP. 17-18) As palavras do primeiro presidenteda República Portuguesa, dirigindo-se aos pro- fessores num congresso pedagógico, são bem significativas do prestígio social e polí- tico destes. Confiante no início de "uma pátria nova, redimida pela instrução' Manuel de Arriaga considera os professores como "os grandes mentores, pais espiri- tuais da geração nova", e afirma. comovido, "A pátria confia em vós, a minha sobera- nia é vossa" (Névoa. 1986, p. 38). Acolhendo públicos relativamente pouco numerosos, homogéneos e regulados de forma diferenciada, a escola deste período pede articular harmoniosamente princípios que se viriam a manifestar como contraditórios (por exemplo, o mérito e a justiça), funcionando como "uma terra de justiça, face a uma sociedade de classes" (Dubet e Martucelli. 1 996, p. 38) (P. 28) A hegemonia da forma escolar A invenção histórica dos sistemas escolares modernos corresponde a instituir e tor- nar hegemónica uma outra forma de aprender, a partir da criação de uma relação social. até então inédita, a relação "pedagógica" entre um professor e um aluno, rela- ção essa que tende. por um lado, a autonomizar-se das restantes relações sociais e. por outro, a tornar-se hegemónica, relativamente a outras modalidades de pensar e organizar as aprendizagens. Este novo tipo de relação social, designada por "forma escolar", pode, segundo Vincent, Lahire e Thin (1994), ser. no esssencial, caracteri- zada como: (...) não uma relação de pessoa ci pessoa, mas lama submissão do mestre e dos alu- nos a regras impessoais. Num espaço fechado e inteiramente ordenado à realização 68 l=elel empírica conduzida por Mima Montenegro esclarece-nos sobre o carácter necessaria- mente reversível da interacção estabelecida entre os ciganos e os professores e educa- dores e o modo como os últimos, a partir da experiência desse contacto, aprendem com os primeiros (condição necessária para que a sua acção profissional se revele proveitosa e gratificante). Em termos metodológicos, o questionamento que serve de referência à investigação empírica faz apelo a que se considere a singularidade do caso de cada pro- fessor e educador e que essa singularidade seja analisada a partir de uma perspectiva diacrónica sobre a trajectória pessoal e profissional que Ihe corresponde. Aqui reside a pertinência metodológica do recurso à entrevista de cariz biográfico. A investigação e a reflexão sobre os processos não escolares de aprendizagem per- mitem-nos, hoje, construir uma visão teórica de como aprendem os seres humanos, que pode sintetizar-se em três grandes princípios: - Em pr\me\ro \usar. a aprendizagem corresponde a um trabalho que cada sujeito rea//za sobre s/ própr/o. Ao interagir com o mundo que o rodeia. cada sujeito constrói teorias que permanentemente testa através da acção. A articulação entre a informação e a experiência assume um papel central, o que se traduz em considerar cada sujeito como o principal recurso para a sua aprendizagem. A aprendizagem na acção supõe uma actividade de experimentação, marcada pelo processo de tentativa-erro, comum às crianças e aos investigadores em física nuclear. De igual modo. em ambos os casos, a aprendizagem constrói-se no qua- dro de uma interacção com pares e o ponto de partida é uma pergunta (não há produção de conhecimento sem interrogação ou dúvida). O conhecimento do mundo é também construído a partir de um processo de aproximações sucessi- vas, em que a capacidade de mobilizar e conectar informação diversa se revela mais importante do que acumular informação segmentada. a partir de uma abor- dagem analítica. - Em segundo lugar, a aprer7d/vagem co/nc/de com o c/c/o vila/. O Homem é, quando nasce, um ser dependente cuja sobrevivência e construção como pessoa humana supõe uma aprendizagem. Neste sentido, o Homem, enquanto ser ina- cabado, está condenado a aprender e a aprendizagem. que corresponde a um processo de hominização, representa algo de tão vital e natural como respirar. As concepções teóricas e epistemológicas referenciadas à educação permanente e à corrente das histórias de vida podem sintetizar-se neste princípio. Em teíce\ro \usar. a aprendizagem é, no essencial, um processo difuso, não for- ma/ que é coincidente com um processo largo e multiforme de socialização. Decorre daqui que a aprendizagem ocorre em todos os contextos, o que significa que a maior parte dos contextos educativos não são contextos escolares. Apren- der significa, então, a capacidade de cada sujeito se apropriar de uma oportuni- dade de aprender. "saisir I'occasion", para utilizar os termos de Daniel Hameline (2002), sendo que a maior parte das aprendizagens não é o resultado de um pro- cesso intencional e, muito menos, planeado. Como escreveu lvan lllich (1971, p. 57), é fora da escola que toda a gente "aprende a viver, a falar. a pensar, a amar. a sentir, a brincar. a blasfemar, a desenvencilhar-se, a trabalhar" e as crianças não são uma excepção a esta regra: "elas aprendem a maior parte do que sabem fora do sistema educativo tão cuidadosamente construído para elas". Concebida como um processo largo de socialização, a aprendizagem configura-se. também. como uma relação recíproca e reversível entre pessoas que entram em relação Ineste sentido, os pais aprendem com os filhos, os professores com os alunos, os médicos com os doentes) O conhecimento que hoje temos acerca da educação não formal configura-a como uma antítese dos processos de educação escolar. Com efeito, a afirmação hegemónica do modo de socialização escolar produziu-se à custa de uma ruptura com modalida- des de aprendizagem experiencial, na medida em que a escola correspondeu a criar um lugar e um tempo específico para aprender. distintos do espaço e do tempo sociais. Em consonância com o processo de "desterritorialização da economia", a escola introduziu uma ruptura com a experiência dos indivíduos, fazendo emergir modos de aprendizagem "deslocalizados". Nesta perspectiva. a experiência de cada aprendente tende a ser encarada como um obstáculo à aprendizagem À exterioridade dos processos de aprendizagem (relativamente, quer aos contex- tos, quer às pessoas), associa-se uma concepção de carácter cumulativo (aprende-se por acumulação de informação), bem como uma concepção autoritária (o saber é revelado por um mestre). É este conjunto de características que dificulta uma constru- ção de sentido e favorece uma dissociação entre o sujeito e o seu trabalho (escolar), conferindo-lhe características de alienação. A convergência entre uma crescente perda de sentido da escola e. por outro lado, a sua hegemonia e omnipresença apela a uma superação crítica do modo escolar, mas, ao mesmo tempo, dificulta-a, na medida em que a solução escolar aparece como a única "natural" e inevitável O trabalho escolar: entre o prazer e o enfado Os alunos, por aquilo que fazem (comportamentos considerados inadequados e qualificados de "indisciplina") e por aquilo que não fazem (realização correcta e dili- gente das tarefas escolares que lhes são pedidas), tendem a ser, cada vez mais, enca- rados pelos professores como o problema principal da escola. A verificação recorrente de que os alunos "trabalham pouco" é, do ponto de vista dos professores, compreen- sivelmente preocupante: a aprendizagem corresponde, necessariamente, a um trabalho realizado por quem aprende e os professores, cuja missão é ensinar, confrontam-se com a impossibilidade de ensinar a quem não quer aprender (ou seja. realizar um determinado tipo de trabalho) Quem se deixar influenciar pela perspectiva apocalíptica sobre o estado actual da escola que quotidianamente nos é transmitida por alguns nostálgicos de uma hipoté tica "idade de ouro" da escola, a que o "facilitismo" e a "preguiça" teriam vindo põr cobro, poderá ser tentado a pensar que estamos perante um problema novo, o que está longe de ser exacto. Também não é, como já referimos, um problema "nacional" que seria decorrente do nosso suposto "atraso" em matéria de educação. Segundo nos informa o prestigiado diário francês Le /Monde(de 14 de Janeiro de 2003), 85% dos professores dizem confrontar-se com a falta de interesse dos alunos e o próprio 70 71 ministro da Educação, Luc ferry, admitiu que, na escola. "se aborrecia como uma rata- zana morta Se recuarmos, em Portugal, ao período de autoritarismo salazarista e do elitismo malthusiano que marcava o liceu dessa época, muito distante, portanto, dos "desva- rios" democratizantes que se iniciaram na fase final do regime e se aprofundaram depois do 25 de Abril, verificamos que o facto de os alunos se manifestarem refractá- rios ao cumprimento dos seus deveres escolares já estava no centro das preocupações políticas do regime. Senão vejamos, no mesmo ano em que Mário Dionísio (1956) publicava, na revista Z-al)or, o texto da conferência que proferiu na abertura do ano lectivo do Colégio Moderno com o título "Enfado ou prazer: problema central do ensino", realizava-se o IV Congresso da União Nacional, ao qual D. Virgínia Gersão apresentava uma comunicação com o seguinte título muito sugestivo e actual: "A desoladora falta de interesse dos alunos liceais e a repercussão desse facto na vida social"(Dionísio e Canário, 1995). O diagnóstico enunciado na comunicação de D. Virgínia Gersão não é propria- mente original: a "distracção quase sempre provocada pelo próprio desinteresse do aluno", a "excessiva liberdade de que gozam em casa" e a "ausência de idealismo' dos alunos são algumas das causas apontadas pela autora. As soluções propostas tam- bém não primam pelo seu carácter imaginativo: fazer ver aos pais "os perigos a que a demasiada liberdade conduz os filhos", obrigar a criança, na escola primária. "em cur- tos espaços de tempo, a uma disciplina rigorosa", ou a adoptar, para o ensino liceal, livros relativamente pequenos e bem feitost não esquecendo que pouco e bem vale muito mais que muito e mal", são alguns exemplos. Não é esta, obviamente. a perspectiva segundo a qual, na sua conferência, no mesmo ano, Mário Dionísio equaciona o problema do desinteresse dos alunos. Nas suas palavras, o que é necessário fazer é tomar todas as medidas necessárias para que tantos milhões de crianças e adolescentes que, em todo o mundo, consideram o estudo a mais detestável das tarefas e a cultura a mais enfadonha das inutilidades possam aprender a encontrar neles "o seu bem mais pessoal e inviolável". Em síntese, o que está em causa, na organização do trabalho escolar. é "substituir o critério de obrigação pelo de necessidade, o constrangimento pela espontaneidade, a incompati- bilidade pelo entendimento, o enfado pelo prazer' A hipótese de que o problema da desafeição dos alunos pelo trabalho escolar tenha as suas raízes nas próprias características da escola pode ser fundamentada no facto, aparentemente paradoxal, de a escola ter vindo a ser submetida a uma crítica constante e demolidora, precisamente por parte dos mais instruídos e, portanto, teori- camente mais próximos da cultura escolar e mais esclarecidos sobre os seus benefícios Numa entrevista publicada num livro muito recente, Noam Chomsky (2002) "vê" a escola desta maneira Qualquer llm qtle tenha lidado com crianças sabe que são ctlriosas e criativas. Queretrl explorar as coisas e descobrir o cine acontece. Grande parte da escolariza- ção consiste etn tetttar faze-las perder isso e adapta-las a um molde, fala-las com- portar-se bem, deixar de pensar, Tlão causar probletnas. Mas, se fizermos uma breve incursão pelo campo da literatura portuguesa', os exemplos de referências críticas à escola são tão frequentes e incisivos que a dificul- dade reside unicamente na escolha. A definição de Guerra Junqueiro, num poema intitulado "Escola Portuguesa", é lapidar: "Escolas, esta farsadal São açougues da inocência, São talhos de anjos, mais nada A título de exemplo, lembremos as páginas de crítica mordaz à instituição escolar escritas por Eça de Queirós e expressas na proposta de "reforma do ensino" apresen tada na Câmara de Deputados pelo inefável Conde de Abranhos, em que este faz o elogio da sebenta: Etl cottsidero, porém, a Sebettta como a mais admirável disciplina para os espíritos moços. O estudante, hnbituatldo-se, durante cinco anos, a decorar todas as noites, palavra por palavra, parágrafos que há quarenta anos pertltanecem imutáveis, sem os criticar, sem os comentar, ganha o hábito saltitar de aceitar sem discussão e com obediência as ideias preconcebidas, os princípios adoptados, os dogmas provados, as instituições reconhecidas. Perde a @.nesta tettdência que tanto mal produz de querer indagar a lazão das coisas, examinar a uercictde dos .factos; perde, enlitTI, o hábito deplorável de ncercer o livre-exattte. (P. 34) Numa autobiografia escrita em Genebra. aquando da sua passagem pelo Insti- tuto mean Jacques Rousseau, recentemente publicada por Daniel Hameline e António Nóvoa (1990), António Sérgio, figura de proa do Movimento da Escola Nova em Portugal, descreve assim as suas memórias do trabalho escolar (apenas iniciado aos 10 anos) (P.43) Talvez o problema resida na escola A escola define-se. historicamente. como um lugar destinado a dar e receber ins- trução, em que a acção exercida sobre os alunos é realizada à força e não por livre consentimento. Como se reconhece num manual de Sociologia do ensino (Waller, 1 932), a vida seria doce na sala de aula se os professores não tivessem que obrigar os alunos a trabalhar. Infelizmente seria essa a realidade inelutável Os atutlos devem aprender as coisas qtle eles não desejam aprender e deuent aprettder até à nát sea mesttio as coisas que lhes interessam. Os professores têm que obrigar os alunos a trabalhclr. Os professores devem manter a ordem na sala cie nata de modo gELe os ciluttos possant apreitder. (P. 355) Trabalhei ben!, mas achada o meu trabalho }Ttuito abo ácido, sobrettLdo a gramática (um mctrtírio de deJ:inições muito abstractas e de longas stlbtilezas), a história (rosário de '.feitos tlotáueis' de cada reinado, sem nenhtlma relação entre eles, nem com nada) e a corografia de Portugal (70l i7tJ:irLdáuel de cidades e Ditas Consulte-se. a este propósito, a interessante antologia de textos, organizada por António Névoa e Jorge Ramos do Ó, "A escola na literatura", publicada, em 1997, pela Fundação Calouste Gulbenkian 72 73 banhadas pelo respectivo rio, de montante n l sante}. Espatttaua-me de ter de aprender dc cor coisas que adultos muito instnLídos (Olt seja, qtLe eu uia serem assim considerados) ttão sabiaTn: data por isso tias conversas do meu pai com os a mimos dele problema. em Portugal, está documentada num recém-publicado estudo de uma equipa de investigação da Universidade do Porto que procede à análise da incidência do stress nos professores portugueses (Mota Cardoso e outros, 2002) Para construir uma ideia aproximada da natureza e da amplitude do problema que hoje constituem as diferentes modalidades de "sofrimento no trabalho" que afectam os docentes de forma massiva (Correia, Matos e Canário, 2002), uma leitura atenta e regular da imprensa é suficiente, tal é a frequência com que são publicados, sobre o assunto, testemunhos, notícias e reportagens. A situação vivida é relatada com grande 'realismo" numa "carta aberta" de um professor do ensino básico, publicada no jor- nal Púó/lco de 1 7 de Março de 2002. A citação é longa, mas justifica-se pelo seu inte- resse documenta (...) lama ntlla começa quattdo os alunos o permitem, isto é, basicamente qtlatldo estão todos sentados, de caderttos a postos, atentos e em silêncio. Alguém Jorct do ensino imagina qtlanto tempo isto pode demorar a ser conseguido, ainda qtle o docente recorra ctlgumas vezes à chamada de atenção, à exasperação, ao teuntltar da uoz? Na realidade, atgttém .faz ideia dct cotnédia em que pode torttar-se alma aula? Desde 'senta-te', 'ccltem-se', 'está quietos', 'Tejam se estão caladosl'. ouçam lá agora', 'tu, aí, Ol{ te calas OLI Tais !á para foral', nté 'desctLtpem, mas não posso continuar assiml', 'se é o que querem, calo-me e .Fcamos assim até ao fina! da aula',etc.etc.Atgtiént em seu pe#eito juízo imagina a agonia de um professor na balbúrdia de tina sala de aula; os nervos contidos; a vontade de sair dali e injuriar quem !he fez acreditar que era ctqueta a profissão; a tensão .face à {rottia das criattças; o vexame /ace à troça. Assim se explica que, do ponto de vista de um observador exterior à profissão, o trabalho do professor possa ser descrito como uma espécie de "missão impossível" Tal é o caso de uma reportagem realizada numa escola "difícil" e publicada na revista Grar7de /?eporfagem (Jardim, 2001), a qual, para além do necessário domínio dos 'conteúdos" a ensinar, refere o conjunto de aptidões exigidas ao professor de hoje nos seguintes termos: Ê necessária a capacidade de concetlbração de uln neurocirurgião, a paciência de tLm chinês e o sentido de espectáculo de um artista de etttretenimettto. É pre cimo explicar a matéria, entrecortatldo o discurso cota reprimendas, apelos no silêncio e lama visão de radar capaz de alcançar vinte pares de olhos. É funda mental não perder n cctlma alem a compostura perante cometttários infantis ou apertas pouco .felizes. E há qüe saber mouimetttar-se, fazer ftlltuar a uoz e criar alguma diversão visual tlütn cenário cada uez mais desajustado à realidade desta juventude. Diagnosticando a situação desta forma, não custa a admitir nem a compreender que, para um número crescente de professores, os alunos apareçam como o problema número um da escola e os responsáveis directos pela sua infelicidade profissional. E nesta perspectiva que o professor. autor da "carta aberta" que atrás citámos, for- mula a seguinte questão: "Serão os alunos merecedores da ira dos professores?" (PP.153-154) Também um dos testemunhos autobiográficos deixados por Mário Dionísio (2001) é bem esclarecedor da leitura crítica que este faz do seu percurso como aluno. Quer na faculdade, onde o panorama. segundo as suas palavras, era tão ou mais desolador do que aquele que conhecera no liceu, onde muitos professores, "lendo a sebenta que ditavam há dezenas de anos" (a mesma que o Conde de Abranhos elogiava), exi- giam vê-la reproduzida nas provas lps/s vero/s, "senão lá vinha o reparo de mau agoiro: estou a desconhecer esta prosa..." (p. 26), quer no liceu, onde a sua experiên- cia de estudante (no elitista Liceu Camões) é sintetizada nestes termos: Um litro não chegaria para evocar, tltesrtío sem zelos de minúcia, esses sete anos de aprendizagetn deplorável, etll qtle, por infeliz acaso certamente e saldo dtlns excepções (digo e sublinho duas), uioi ria triste dependência de professores e professores qtle setttpre }lte llía ttiuerarrt no equilíbrio assaz instável entre o enfado ou a pontada de rir, às vezes irresistível, e o medo de ser 'chamado', entre o desejo de saber e o receio de perguntar fosse o que .fosse, entre a alegria de ir passando' e urna desconfiança silenciosa sobre a minha possível incapacidade de aprender. (P.4) Testemunhos como o de Mário Dionísio contribuem para tornar credível a hipótese de que a dificuldade em "põr os alunos a trabalhar" tenha. também, a sua origem em razões internas aos próprios professores. Talvez o problema resida nos professores Numa reflexão sobre os modos possíveis de promover a melhoria do funciona mento da escola. o famoso filósofo Karl Popper avança com a proposta aparente- mente simples, mas algo desconcertante. de nos desembaraçarmos dos "professores infelizes". Segundo Popper, muitos professores estão, de algum modo, prisioneiros da escola e profundamente infelizes por não poderem sair. Para eles, a sua proposta é clara: é preciso construir "pontes de ouro para que possam ir-se embora". E justifica: Enquanto um grande número de professores permanecerem amargos, tornarão as crianças amargas e infelizes Independentemente da sua eventual bondade, esta proposta de Popper aparece. infelizmente, como cada vez menos exequível. A tentativa de a pâr em prática quase de certeza nos conduziria à situação de ficarmos praticamente sem professores. Esta situação de "infelicidade docente" está longe de ser um problema nacional. Basta ler os jornais diários para sermos permanentemente confrontados com problemas idênti- cos e com maior amplitude. Assim, no Púl)//co, de 28 de Dezembro de 2003, noti- ciava-se. com largo destaque, que "cerca de 200 mil professores ingleses e do País de fales se dizem afectados pelo stress" e "precisam de ajuda". A existência do mesmo 74 75 L Mas pergunta-se: será possível equacionar este problema de uma outra forma? Não será razoável aceitar que os problemas que afectam os professores possam ser simétricos daqueles que afectam os alunos? Toda a informação empírica de que dispo- mos converge para confirmar a ideia de que os alunos "sofrem" na escola e que esse sofrimento está relacionado com a natureza do trabalho que realizam e com a dificul- dade ou a impossibilidade de construir um sentido positivo para esse trabalho. Se assim for, o problema dos professores e o problema dos alunos é o mesmo X)rob/ema. o que convida a uma relação de a//onça e não de confronto. Como, em geral, todo o sofrimento no trabalho, o que, na escola. afecta os professores e os alunos é a conse- quência de uma cisão entre a pessoa e o trabalho que realiza. A alienação do trabalho escolar só pode ser superada de forma simultânea para professores e alunos, o que implica que ambos se assumam como autores. Como escreveu lvan lllich (1971), uma aprendizagem baseada na criação e na des- coberta supõe participantes iguais, no sentido em que "possam experimentar. no momento da sua reunião, espantos e curiosidades comparáveis" (p. 41). Nesta pers- pectiva. os professores só podem resolver o seu problema se se modificar a forma e o conteúdo do trabalho escolar que a escola tradicionalmente atribui aos alunos: rece- ber e repetir informações. Do ponto de vista dos conhecimentos e da relação de poder entre o professor e o aluno, há necessariamente uma assimetria. Porém, há aspectos essenciais em que a regra é a da simetria. no sentido em que Popper afirmava que os professores amargos e infelizes tornam os alunos amargos e infelizes também. É difícil que um professor possa desenvolver o gosto pela leitura e pelo exercício da escrita nos seus alunos se. para ele próprio, a leitura e a escrita não forem actividades frequentes e feitas com prazer. Não é concebível que um professor que não gosta de Matemática possa con- tribuir para que os alunos vejam na Geometria "um prazer dos deuses' Temos, hoje, nas nossas escolas, manifestações de recusa do trabalho escolar que são comuns a professores e alunos e cuja resolução não pode ser dissociada. O pro blema não reside em saber como é que os professores põem os alunos a trabalhar (na óptica do capataz), mas, sim, como é que as escolas podem ser locais onde professo- res e alunos (nos seus respectivos papéis) formem comunidades de aprendizagem que tenham em comum o gosto pelo estudo. como faz Perrenoud (2002), pâr em evidência. por um lado, o modo uniforme e estável das modalidades organizacionais do trabalho escolar e, por outro, verificar como o núcleo central dessa organização (a tecnologia da classe) tende a instituir-se como algo que não é concebível mudar. As diferenças ou nuances organizacionais, entre diferen- tes níveis de ensino, diferentes períodos ou diferentes regiões, não permitem ocultar a universalidade de uma solução organizacional, claramente aparentada com o modo taylorista de organizar a produção industrial. A organização escolar fundada na classe permite que um professor ensine "muitos alunos como se fossem um só" (Barrosã, 1995), o que. historicamente, tornou possível a escolarização em grande escala. mas, ao mesmo tempo, está na origem da indiferença da escola às diferenças dos alunos. A uniformidade de tratamento é a regra e "a escola funciona como um hospital que desse o mesmo tratamento a todos os pacientes"(Perrenoud, 2002. p. 21 2) Como já tivemos oportunidade de argumentar (Canário, 1992, 1999), a organiza- ção escolarque conhecemos e que tem vindo a sofrer um processo de naturalização integra um conjunto de invariantes (a classe, a ordem espacial, a ordem temporal, a compartimentação disciplinar, a divisão de trabalho entre os professores) que servem funcionalmente um sistema baseado na repetição de informações. Alimentando-se, em permanência, de informação recebida do exterior, essa informação é sujeita a um processo de repetição por parte do professor (requisito didáctico) e por parte do aluno, não só para aprender, mas também para provar que aprendeu (avaliação). Esta lógica de repetição (de que a repetência represerlta um caso extremo, mas não raro) e o seu carácter pré-programado e previsível estão associados a uma relação de exterio ridade com o saber que dificulta uma construção positiva de sentido por parte dos alu- nos, bem como a possibilidade de estes acederem a um estatuto de sujeitos. Um estudo empírico recente que aborda, a partir de uma perspectiva etnográfica. a realidade vivida numa escola do ensino básico (Araújo, 2002) permite-nos ilustrar de que modo e com que consequências ela se traduz no quotidiano escolar. As citações são excertos de testemunhos de alunos (l .' ciclo do ensino básico) entrevistados pela investigadora rosé: " Ela, mllitas Deles, }lo estudo do meio, Jaz perguntas e dá as respostas no qLladro e, depois, ó outro dia a ficha é igtlalzinhal Assim, podemos ir ó cadertto e copiar de tá as respostas Migttel: "É sempre igual. Aprettdemos os litros e os decâmetros, mas ê sempre a mesma col,sal; Jogo: "É a }nesma coisa. É sempre a mesma coisa (...), eu nem sou repetente mas é sempre água! Mana: "Eta ensina-nos muitas coisas qüe lú aprendemos lhas não nos letnbra- Daniel: "Ett reprobei o nno passado na qtlarta e elas bem... toca a aprender outra bez e ando a aprettder quase tudo cio ano passado. E quase igual" Rosa: "É sempre as ttlesmas coisasl É chato tuas tem qtle ser assim... é n escolar (PP. 301-302) /nos Escola: uma organização "imutável" Como mostrou Jogo Barroso, a partir de uma abordagem empírica à evolução his- tórica e funcionamento dos liceus (1995, 1996) a organização escolar que conhece- mos constituiu-se a partir de uma estrutura nuclear, a classe. entendida como um grupo de alunos que recebe. de forma simultânea, o mesmo ensino. A homogenei- dade da turma, em termos etários e de conhecimentos, exprime um princípio mais geral de homogeneidade que marca a organização do espaço, do tempo, dos saberes e que representa uma marca distintiva da escola. Uma tipificação dos principais elementos que caracterizam a organização escolar e uma perspectiva diacrónica sobre a sua evolução nos dois últimos séculos permitem. 76 77 l Numa perspectiva diferente, mas complementar desta, a professora explica por que. do seu ponto de vista. se torna necessária uma constante repetição dos conteú- dos curriculares: Os 7tossos aluttos são alunos de se repetir a matéria milhares de vezes e eles chegarem, às vezes, a alturas em que dizetn qtle a gente não deu aqtlilo. Isto depois de n gente jú ter tudo feito... por exemplo, o caso dos verbos... as vezes que lú se falou no passado, no presente, no lfuturo e, depois, agora até se falou que o passado é o pretérito perfeito e ittíperfeito e eles (...) passado ltm dia ou dois se pergLlntar eles dizem: A{, nós hão demos {ssol São miúdos que tem que se insistir... insistir... insistir... insistir... sempre rla mesma... sempre na mesma... sempre na mesma... sempre... sempre... sempre... se com a repetição é que eles .fazem algumas aprettdizagens. (P. 305) individual. Em termos dos actores, a participação no "jogo escolar" era percepcionada como a participação num jogo de soma positiva. ou seja. um jogo do qual todos os participantes têm a possibilidade de retirar ganhos Escola e desenvolvimento A economia mundial, no período compreendido entre o final da Segunda Guerra Mundial e o primeiro choque petrolífero (início dos anos 70). cresceu de forma expo- nencial, traduzindo-se numa era de prosperidade, sem paralelo na história da Huma- nidade. Alguns indicadores, enunciados pelo historiador Eric Hobsbawm (1996), per- mitem ilustrar a dimensão do fenómeno: entre o início dos anos 50 e o início dos anos 70, o comércio mundial de produtos manufacturados multiplicou-se por dez; as indústrias de pesca triplicaram o volume das suas capturas e a produção de cereais mais que duplicou na América do Norte. Europa e Leste asiático. Este aumento espec- tacular da capacidade de produzir bens está associado, por um lado, a novidades científicas e tecnológicas, por outro, a modalidades de organização da produção que permitiram substanciais acréscimos de produtividade e. por outro ainda. a um pro- cesso de crescimento económico baseado no acesso, aparentemente sem limites, a fontes de energia barata A este período de crescimento económico esteve subjacente. no caso dos países mais ricos do Ocidente e do hemisfério Norte, um modelo de regulação económica e social que ficaria conhecido pela designação de regulação fordista e que pode ser sin- tetizado nos traços seguintes (Mercure, 2001): produção em massa. com base em eco- nomias de escala de bens estandardizados que alimentam um consumo de massa. sus tentados por um regime salarial em que o crescimento dos salários acompanha o crescimento dos ganhos de produtividade e num quadro de vínculos laborais estáveis e de, praticamente. pleno emprego. A conflitualidade social é amortecida pelo papel regulador do Estado-providência, que assegura mecanismos de redistribuição da riqueza produzida sob a forma de um acesso generalizado a bens e serviços sociais jsaúde. educação, lazeres, segurança social), sendo este compromisso social cons- truído em torno de uma articulação entre o capitalismo industrial e a democracia polí- tica, só abalado a partir dos anos 70. Este período de crescimento económico repre- senta o auge de uma visão optimista do futuro, fundada numa ideia de progresso que se traduz numa ideologia desenvolvimentista. Deixa de haver a perspectiva da alter- nância entre bons e maus momentos ou a necessidade de conquistar uma posição social e defendê-la. O horizonte normal de cada cidadão é o de esperar uma melhoria regular e constante das suas condições de vida. Como escreveu Raymond Aron (1 969. p. 226), aquilo que passa a ser considerado como o "curso normal das coisas" é que 'a produção e os rendimentos aumentem de ano para ano e que cada geração dispo- nha de um volume de bens mais considerável do que a geração precedente A "explosão escolar" que marcou este período, em especial nos anos 60, corres- ponde ao reconhecimento do crescimento dos sistemas educativos como factor eco nómico de primeira importância. Estabelecendo-se uma associação entre o progresso económico e a elevação geral dos níveis de qualificação escolar das populações, as A concepção de aprendizagem que está subjacente a esta forma de organização exprime. não apenas uma relação específica com o saber, mas também uma dada forma de organizar as relações de poder. A organização escolar não tem de ser apre dada, apenas ou sobretudo, de um ponto de vista pedagógico, mas na óptica da sua articulação com a vocação institucional da escola, enquanto instância de socialização normativa que, além de funcionar como uma "máquina de ensinar", funciona, ainda. na concepção de foucault. como uma máquina de "vigiar. de hierarquizar, de recom- pensar"(Ramos do Ó, 2001, p. 39). Mais do que o conteúdo daquilo que é ensinado, é a matriz organizacional que se constitui como um dispositivo que "socializa e educa" através de "sequências de trabalho extremamente formalizadas, de exercícios rituais infinitamente repetidos, de disciplina rigorosa e de punições, com frequência físicas" (Dubet. 2002, p. 91). O progressivo declínio do programa institucional e o facto de a escola já não funcionar eficazmente como uma fábrica de cidadãos acen- tuam o carácter crescentemente anacrónico da "gramática" actual da organização escolar.que persiste como uma sobrevivência do passado. A escola num "tempo de promessas" O período posterior à Segunda Guerra Mundial (Os "Trinta Gloriosos", 1 945-1975) é marcado pelo crescimento exponencial da oferta educativa escolar, como efeito combinado do aumento da oferta (políticas públicas) e do aumento da procura ("cor- rida à escola"). O fenómeno da "explosão escolar" assinala um processo de democra- tização de acesso à escola que marca a passagem de uma escola elitista para uma escola de massas e a sua entrada num "tempo de promessas". Com efeito, à expan- são quantitativa dos sistemas escolares estava associado um pano de fundo marcado pela euforia e o optimismo em relação à escola, com base na associação entre "mais esc':t ::: 11:==::T::::: T: promessa de desenl'o/I'/mento, uma promessa de mol)//;Jade.Ro(./ar'!'HTTIT'FTBtTT81sa de água/dado. Tendo como fundamento e referente a teoria do capital humano, as despesas com a educação escolar configuravam-se como um investimento de retorno decisivo, quer do ponto de vista colectivo, quer do 79 despesas com a educação passam a ser encaradas, na óptica da teoria do capital humano, como um investimento e esse investimento como uma condição do desen- volvimento, necessariamente impulsionada pelo Estado. É nesta perspectiva que o Estado educador. que dominou a escola do tempo das certezas, adquire as caracterís- ticas de um Estado desenvolvimentista que gere um sistema educativo percebido como uma grande empresa. A construção de uma escola de massas é realizada, neste período, à imagem dos mesmos princípios reguladores presentes na produção econó- mica: a produção em massa. com a tentativa de realizar economias de escala e ganhos de produtividade através do incentivo à inovação tecnológica. Em síntese, organizam- .se sistemas educativos "com as características típicas da produção em grande escala. ou seja. de um modelo industrial", o que está. aliás, na origem da expressão usada na época de "indústria do ensino"(Delamotte, 1998. p. 118). desenvolvimento" ou em situação de "subdesenvolvimento". Crescem as críticas ao modelo de desenvolvimento, à medida em que emergem as "desilusões do pro- gresso", em que se denuncia o desperdício e a alienação das sociedades de consumo IBaudrillard. 1 970) e em que se toma consciência da miragem representada pelo mito das "sociedades de abundância" (Galbraith, 1963). Da euforia começa a deslizar-se para uma decepção que culminaria no reconhecimento actual de que vivemos em sociedades "doentes do progresso" (Ferro, 1 999). Se a promessa e o modelo de desenvolvimento, associados à expansão da oferta escolar e educativa, cedo começaram a frustrar as expectativas que alimentaram uma euforia, porventura desajustada. também as promessas relacionadas com um acréscimo significativo das taxas de mobilidade social ascendente e com uma redução das desi- gualdades sociais foram postas em causa, na fase final deste período. Com efeito, desde cedo, nos anos 60, estudos extensivos permitiram colocar em evidência processos de produção de desigualdades escolares, articuladas com a produção de desigualdades sociais expressas sob a forma de "macrorregularidades persistentes" (Dum-Bellat, 2000), as quais decorrem da soma do diferencial de valor escolar acumulado (desi- gualdade de resultados) aos efeitos das escolhas feitas ao longo do percurso escolar (estratégias dos actores). A persistência desta desigualdade social perante a escola ganhou um lugar central no debate sociológico e político da época, na medida em que, como refere Boudon (2001), esta desigualdade era vista. não só como persistente e importante, mas, sobretudo, como ilegítima Paradoxalmente. ao mesmo tempo que abre as portas e democratiza o acesso, tor- nando-se. portanto. menos elitista. a escola. por efeito conjugado das expectativas criadas e da crítica demolidora a que é submetida. é encarada como um aparelho ideológico do Estado (Althusser, 1970) que, através de mecanismos de violência sim- bólica, assegura a reprodução social das desigualdades. Ao contrário do que acontecia no "tempo das certezas" e na medida em que comparticipa na produção de desigual- dades, a escola passa a ser percepcionada como produtora de injustiça, o que não sucedia quando estas se situavam a montante da escola. Como afirmam Dubet e Mar- tucelli(1998. p. 1 52), "a massificação escolar mudou a natureza da escola Da euforia à decepção No início dos anos 70, se. por um lado, o primeiro choque petrolífero marca o fim de um ciclo marcado pelas "ilusões do progresso" e pela tentativa de construção das sociedades de abundância", o diagnóstico da "crise mundial da educação", por outro, vem a coincidir com a verificação da falência das promessas da escola. A investigação sociológica encarregou-se de demonstrar a inexistência, quer de uma relação de linearidade entre as oportunidades educativas e as oportunidades sociais, quer de uma relação linear entre democratização do ensino e um acréscimo de mobili- dade social ascendente. A sociologia da "reprodução" pâs em evidência o efeito repro dutor e amplificador das desigualdades sociais, desempenhado pelo sistema escolar. Na medida em que se democratiza, a escola compromete-se com a produção de desigual- dades sociais e deixa de poder ser vista como uma instituição justa num mundo injusto. Como escreveu François Dubet (1998), "a escola perdeu a sua inocência' O fim da energia barata, primeiro choque petrolífero, marca o confronto com os limites do crescimento". Porém. a ideologia desenvolvimentista não está apenas con- frontada com o carácter finito dos recursos naturais (nomeadamente energéticos), o que cria um problema de /r7-puas, ela está também confrontada com os efeitos devas- tadores deste modelo de desenvolvimento sobre recursos naturais indispensáveis à vida, como o ar e a água, o que cria ou faz com que se consciencialize um problema de out-puas. No que se refere à atmosfera, vejam-se. a título ilustrativo, os números avançados por Hobsbawm (1996. pp. 260-261): as emissões de dióxido de carbono quase triplicaram. entre 1950 e 1973, enquanto que. no mesmo período, subiu em flecha a produção de clorofluorocarbonetos, produtos químicos que afectam a camada de ozono. Estes efeitos negativos sobre o ambiente são comuns aos processos de crescimento económico e da produção industrial, afectando com dimensão equiva- lente, quer o "campo ocidental", quer o "campo socialista No que concerne à escola. como o futuro imediato viria a confirmar. a expansão rápida da escolarização de massas, alargada aos públicos adultos, não se traduziu numa generalização do "bem-estar" à escala mundial, nem na ultrapassagem do fosso que separava os países "desenvolvidos" dos que se encontravam "em vias de A escola num "tempo de incertezas" C) desencanto com a escola amplificou-se durante o último quartel do século XX, em resultado das mudanças que afectaram os sectores económico, político e social. Este conjunto de mudanças profundas afectou a juventude de forma muito particular. nomeadamente no que diz respeito à natureza da sua relação, quer com a escola, quer com o mercado de trabalho: passou-se de uma relação marcada pela previsibili- dade para uma relação em que predomina a incerteza. Esta situação, se, por um lado, é objectiva, é, por outro, vivida subjectivamente com sofrimento, uma vez que a incer- teza é o mais difícil de todos os estados psicológicos porque corresponde àquele em que "não é possível fazer planos para o futuro e em que é necessário agir com base numa confiança cega na sorte ou na entrega ao curso dos acontecimentos" (Heilbro- ner, 1986, p. 162). 80 CCE2-QE-6 81 As mutações económicas Do ponto de vista económico, acelerou-se o processo de integração supranaciona como fenómeno de âmbito mundial no qual se integra a construção da União Euro- peia. O reforço e autonQnljg..ggçapital financeiro são concomitantes com a deslocação dos centros de poder para os grandes grupos económicos internacionais e para órgãosde regulação supranacionais (Banco Mundial, FMI, OCDE, etc.), o que implica um declí- nio, em princípio irreversível, dos "velhos" estados nacionais, que permanecem, con- tudo, como um dos referentes principais da identidade e da missão histórica da escola. enquanto instituição. Segundo números avançados por cousa Santos (2001, p. 36), a integração económica supranacional, marcada por um crescente predomínio da lógica financeira na esfera da economia, também se traduz num processo de concentração do poder económico num reduzido número de grandes empresas de âmbito multina cional: das 100 maiores economias do Mundo, cerca de metade são empresas multina- cionaisl 70% do comércio mundial está sob o controlo de 500 empresasl e metade do investimento estrangeiro é iniciativa de apenas 1% das empresas multinacionais. Este vasto processo de transformação, vulgarmente designado por "globalização' ou "mundialização", pode ser sintetizado (Mercure. 2001) com o enunciado de algu- mas mudanças-chave e respectivas consequências que. no essencial, dizem respeito a uma progressiva liberalização dos mercados, traduzida na liberalização das divisas e dos movimentos de capitais, independentemente das fronteiras nacionais. Esta muta- ção, que correspondeu a uma escolha política consentida e conduzida pelas autorida- des políticas nacionais, produziu, como consequência, uma submissão das políticas estatais à racionalidade de uma economia capitalista mundializada, com repercussões directas na compressão das despesas públicas, na privatização de serviços colectivos, na redução das protecções sociais e na desregulação do mercado de trabalho. O "declínio" ou o "fim" do Estado nacional consagra uma mutação com conse- quências importantes no plano da actividade política. Segundo Habermas (1998. P. 74), vivemos hoje um processo de "evicção da política pelo mercado" que se traduz num défice de legitimidade do Estado nacional. Do ponto de vista de Giddens (2000), o declínio do Estado nacional aparece associado àquilo que ele designa por "paradoxo da democracia": ao mesmo tempo que o regime democrático supostamente se expande no mundo ou é objecto de uma tentativa de sistemática "exportação", assim cresce a desilusão quanto ao regime de democracia "Na maioria dos países ocidentais os níveis de confiança nos políticos têm vindo a decrescer nos anos recentes" (p. 72). De facto, a distância crescente entre a soberania teórica e a soberania real, ao nível do pessoal político dirigente. bem como a sua relação Streeck (1996), o poder político nacional tem de responder perante duas instâncias distintas por um lado, o seu eleitorado nacional, por outro, o mercado internacional de capitais: Pouco inclinados a revelar aos seus eleitores o 'uergotthoso segredo' da sun impotência para decidir sobre as políticas económicas do seu país, os Batermos precisam de conseguir, de lltna forma ou de outra, extrair do processo democrá rico políticas conformes à uotltade geral dos mercados. (P. 20) Ainda segundo estes autores, a política de integração europeia constitui um exemplo bem ilustrativo do modo como o discurso sobre a soberania nacional pode coexistir com, e servir, um processo de liberalização e de integração económica supra- nacional As transformações que, de modo sumário, estamos a caracterizar têm implicações imtHantes no campo da educação. Está em causa a criação de uma nova ordem que altera'F'iÕiha obsoletos os sistemas educativos concebidos num quadro estritamenteO declínio do Estado naciona l O progressivo apagamento do papel do Estado nacional, face à emergência de modos de governo que transcendem as fronteiras nacionais, é hoje um fenómeno observável a olho nu, em cuja verificação as análises da economia. da sociologia e da ciência política convergem (Giddens, 2000; Habermas, 2000; Sousa Santos, 20011 Wallerstein, 1999). Enquanto a actividade humana permaneceu confinada e regulada no quadro de um território delimitado de forma precisa por fronteiras físicas bem identificáveis, a existência e a função do Estado nacional constituíram. nas palavras de Rifkin (2000, pp. 269-274), "uma espécie de evidência". A progressiva desterritoriali- zação da economia num contexto mundializado alterou profundamente esta situação: retirou aos estados nacionais a capacidade de controlarem os fluxos no interior das suas fronteiras e com os espaços exteriores e reduziu a sua acção a um estatuto cada vez mais marginal, o que não significa, necessariamente. pouco importante. A sua missão fundamental passou a consistir em assegurar a melhor integração possível da sua sociedade no quadro mundial, ou seja. em contribuir para a concretização de uma sociedade mundo", a que corresponde um "mercado mundial, único e auto-regu- lado" (Mercure, 2001 , p. 1 5). odução de uma cultura e de uma força de trabalho numa perspectiva globalizada. A finalidade de cons- truir uma coesão nacional cede, progressivamente. o lugar à subordinação das políti- cas educativas a critérios de natureza económica (aumento da produtividade e da competitividade) no quadro de um mercado único. De igual modo, a passagem de um paradigma da qualificação para um paradigma da competência a passagem de um regime de definição clara de qualificações sancionadasHphr um diploma escolar que corresponde a posições estatutárias precisas para um regime mais fluido de compe- tências definidas em contexto de trabalho representa, segundo Martucelli(2001, p. 309), uma "erosão da centralidade da escola no monopólio legítimo da certificação de conhecimentos A nova questão social O declínio do Estado nacional é coincidente com a ruptura do compromisso polí- tico que. no período fordista, sustentará o desenvolvimento do Estado-providência. o qual permitiria uma articulação harmoniosa entre o crescimento e a integração social. 82 Os novos tempos marcam uma tendência inversa. a do desmantelamento dos esta. dos de bem-estar (Habermas, 1998), com consequências ao nível dos processos de ruptura do laço social que estão no cerne da designada "exclusão social" As transfor- mações no mundo do trabalho (desemprego estrutural de massas e precarização dos vínculos laborais) fazem evoluir sociedades baseadas no pleno emprego para socieda- des "doentes" do trabalho (De Bandt, Dejours e Dubar, 1995). As contradições entre os que têm emprego e os que estão subempregados ou excluídos do mercado de tra- balho configuram modalidades de dualização social que estão associadas a uma cres- cente incapacidade reivindicativa por parte dos assalariados e a uma crescente fra- queza das instâncias sindicais. Como mostrou Jogo Bernardo (2000), num mundo marcado pela transnacionalização do capital e pela fragmentação dos trabalhadores, os sindicatos tradicionais dificilmente encontram um lugar. A dualização social que decorre das alterações no mundo do trabalho é complementada por processos de dualização social decorrentes da "espaclalização" dos problemas sociais. expressos nas sociedades ricas por verdadeiros fenómenos de segregação social e de criação de gue- tos (Dubet e Lapeyronnie, 19921 Massey e Denton. 1995; Mingione, 1996). A "meta- morfose" da questão social aparece. assim. ligada a um fenómeno não desconhecido que marcou a primeira fase da modernidade e que, para usar a terminologia de Caste j1 995), corresponde ao regresso da "vulnerabilidade de massa Esta crise do mundo do trabalho é concomitante, quer com a capacidade para aumentar globalmente o volume de riqueza produzida. quer com o crescimento, a todos os níveis, de desigualdades que alimentam novos tipos de conflitualidade social. Para o sociólogo Anthony Giddens(2000), "a desigualdade cada vez mais acentuada é o mais grave dos problemas que a comunidade internacional tem de enfrentar": no quadro de uma "aldeia global", vivemos um processo de "pilhagem global" (p. 26). Por sua vez, para Boaventura de Sousa Santos (2001, p. 39), é hoje evidente que "a iniquidade da distribuição da riqueza mundial se agravou nas duas últimas décadas'
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