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DISSERTACAO_SILVA_Andre Freitas da_Trabalho voluntario_consideracoes sobre dar e receber

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
ANDRÉA FREITAS DA SILVA
TRABALHO VOLUNTÁRIO:
considerações sobre dar e receber
Rio de Janeiro
2006
ANDRÉA FREITAS DA SILVA
TRABALHO VOLUNTÁRIO:
Considerações sobre dar e receber
Dissertação apresentada ao Curso de 
Mestrado em Ciências Sociais da 
Universidade do Estado do Rio de janeiro – 
UERJ, como requisito para a obtenção do 
grau de Mestre em Ciências Sociais.
 Orientadora: Profª Drª Márcia de Vasconcelos Contins Gonçalves
Rio de Janeiro
2006
 CATALOGAÇÃO NA FONTE 
 UERJ/REDE SIRIUS/NPROTEC 
 
 
 
S586 Silva, Andréa Freitas da. 
 Trabalho voluntário: considerações sobre dar e receber/ Andréa 
Freitas da Silva. – 2006. 
 137 f. 
 
 Orientador : Márcia de Vasconcelos Contins Gonçalves. 
 Tese (Mestrado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais. 
 
 1. Voluntários – Teses. 2.Voluntários no Serviço Social – Teses. 3. 
Associações, instituições, etc. 4. Participação Social – Teses. 5. 
Movimentos sociais – Teses. 6. Doações – Teses. I. Gonçalves, 
Márcia de Vasconcelos Contins II. Universidade do Estado do Rio de 
Janeiro. Instituto de Filosofia e Ciências Sociais. III. Título. 
 
 
 
 CDU 316.354.4 
 
 
 
 
 
 
 
 
2
ANDRÉA FREITAS DA SILVA
TRABALHO VOLUNTÁRIO:
Considerações sobre dar e receber
Dissertação apresentada como requisito para a 
obtenção do grau de Mestre no Programa de Pós 
Graduação em Ciências Sociais da Universidade 
do Estado do Rio de Janeiro. Avaliada pela banca 
composta pelos professores:
Aprovada em:
Banca Examinadora:
_____________________________________________________________________
Profª. Drª Márcia de Vasconcelos Contins Gonçalves (Orientadora) (PPCIS/UERJ).
______________________________________________________________________
Prof. Dr. José Reginaldo Santos Gonçalves (IFCS – UFRJ).
_____________________________________________________________
Profª Drª Marcia Pereira Leite (PPCIS – UERJ).
________________________________________________________________________
Profª Drª Sandra Maria de Sá Carneiro ( PPCIS – UERJ)
Rio de Janeiro, 19 de janeiro de 2006.
3
Com toda a gratidão do mundo: 
Cláudio,
Meus pais,
Adriana,
João Pedro e Lucas.
“Eles se divertiram muito, juntos”
4
AGRADECIMENTOS
Muitas pessoas foram importantes ao longo do processo de elaboração deste trabalho e 
cita-las sem tropeços é uma tarefa muito difícil.
Esta jornada não teria terminado sem o apoio e a confiança de minha orientadora 
Márcia Contins, cujas lições são inesquecíveis. Tenho por ela grande admiração; a 
responsabilidade com que conduziu os momentos de discussão e questionamentos e o zelo 
demonstrado com seus orientandos só faz com que meu respeito aumente.
Às professoras MÁRCIA Leite e Sandra Carneiro, com as quais tive a oportunidade de 
contar para o exame de qualificação e que trouxeram novas orientações e perspectivas de 
utilização do material etnográfico.
À professora Rosane Prado, pela curiosidade sobre o objeto da pesquisa e pelas 
contribuições ap longo do curso Seminário de Teses e Dissertações.
Ao corpo docente do PPCIS/UERJ, agradeço pela oportunidade de ampliação dos 
estudos e pela abertura de horizontes teóricos.
À Heloisa Coelho que insiste em permitir que eu questione tudo o que acontece no 
RIOVOLUNTÁRIO, por quem tenho grande admiração pela luta que trava para a construção 
de uma convivência harmoniosa em nossa cidade.
Aos voluntários que dividiram comigo as suas experiências.
Chris, Simone, Andréia e Vanessa que estão sempre dispostas a ajudar e dar apoio.
Margareth e Mauro, cuja grande compreensão não tem preço.
Aos colegas de curso, tantos e tão presentes. Sempre demonstrando confiança e 
apoiando nos momentos em que pareceu mais difícil “dar com ta” de todas as tarefas: Abílio, 
Alberto, Álvaro, Amílcar, Anderson, Amaury, Bárbara, Denise, Elionaldo, Gleice, João M, 
João S, Núbia, Patrícia C e Sônia W.
À Patrícia Simões pela fé inamovível.
Finalmente agradeço à Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo À Pesquisa do 
Estado do Rio de Janeiro – FAPERJ, com cujo apoio pude contar através da concessão de 
bolsa. Acalento o sonho de que, um dia, todos os pós-graduandos disponham de tal auxílio.
Enfim, peço desculpas pelas inevitáveis omissões.
5
RESUMO
Esta pesquisa tem o objetivo de discutir a temática das associações voluntárias a partir de duas 
premissas básicas: Qual é a motivação das pessoas para se voluntariar e o quê esperam receber 
em troca? A categoria dádiva é o eixo central da análise cujo componente empírico apoiou-se 
em trabalho de campo realizado na ONG RIOVOLUNTÁRIO, onde foram observados os 
primeiros momentos de contato entre os voluntários e a instituição, quando aqueles têm 
contato com a “cultura do voluntariado”. Os voluntários foram questionados acerca de suas 
expectativas e experiências anteriores nas ações assistenciais. No âmbito desta dissertação, o 
trabalho voluntário é apresentado como uma possibilidade para a participação dos indivíduos 
nas ações de resposta ao crescimento da violência na cidade do Rio de Janeiro.
Palavras chave: Dádiva. Cidadania. Participação social. Trabalho voluntário. Movimentos 
sociais.
 
 
 
ABSTRACT 
 
 
This study was ellaborated in order to discuss the work of the associations of volunteers from 
two basic remises: a) which is the main motivation that guide people to become a volunteer 
and b) what do they await in return from this activity. I can say that the donation, as an 
anthropological category, is the basis of my theoretical analys. The empirical basis to 
investigate it I have obtained by the participant observation of the work of the non-
governmental organization - NGO Rio Voluntário, where I have took part from the whole 
process of volunteering. I mean, I have observed since the first moments, in which the 
volunteers got in touch with this institution, when they were questioned about their 
expectation towards the activity, untill the moment they began to work as volunteers. Finalyy 
I can say that presently the volunteer activity has become an important trial in order to 
reinforce the civil actions to reduce the violence in the city of Rio de Janeiro. 
 
Key-words: Gift; citizenship; Social movements; volunteering;
SUMÁRIO
 
SUMÁRIO
Introdução............................................................................................................................................ 3
Capítulo 1 – Duas trajetórias. Um só caminho de voluntariado. .......................................................10
1.1 – Do Centro ao Centro, uma trajetória pessoal de voluntariado. .................................................10
O Centro Espírita............................................................................................................................... 10
O Centro de Voluntários.................................................................................................................... 13
Centros Convergentes........................................................................................................................ 18
Uma outra abordagem....................................................................................................................... 19
O grupo.............................................................................................................................................. 21
1.2– Comunidade Solidária: um “novo”conceito de participação social cidadão............................ 23
Origem e preceitos do Conselho da Comunidade Solidária.............................................................. 23
De Comunidade Solidária a Comunitas............................................................................................ 25
Centros de Voluntários...................................................................................................................... 26
Voluntariado no Rio de Janeiro......................................................................................................... 27
Capítulo 2 - O RIOVOLUNTÁRIO.................................................................................................. 29
Dinâmica institucional .......................................................................................................................30
2.1 – Programa Brasileirinho............................................................................................................. 32
Reformas............................................................................................................................................ 33
Programa de formação de educadores............................................................................................... 36
Núcleo Família.................................................................................................................................. 37
Rodas de oportunidades..................................................................................................................... 38
2.2 – Voluntariado Empresarial .........................................................................................................39
2.3 – Programa de Voluntariado........................................................................................................ 41
Núcleo de Doações. ...........................................................................................................................41
Núcleo de Instituições....................................................................................................................... 42
Núcleo de Voluntariado..................................................................................................................... 45
Capítulo 3 – Sou voluntário e Trabalhando com o voluntariado: a construção de um conceito de
trabalho voluntário ............................................................................................................................48
3.1 – Ser voluntário é........................................................................................................................ 50
3.2 – Oficinas de Capacitação........................................................................................................... 58
Sou Voluntário: passo-a-passo.......................................................................................................... 58
Capítulo 4 – “Uma história” do voluntariado no Brasil ....................................................................67
4.1 – Voluntariado: a transformação do conceito.............................................................................. 69
Século XVI ........................................................................................................................................71
Séculos XVII e XVIII........................................................................................................................ 72
Século XIX........................................................................................................................................ 74
Século XX......................................................................................................................................... 75
Anos 60. .............................................................................................................................................76
Anos 70 e 80...................................................................................................................................... 77
Anos 90. ............................................................................................................................................78
4.2 – Voluntariado hoje. ....................................................................................................................80
Cidadania e participação social .........................................................................................................81
ONGs: Um novo modelo de assistência social?. ...............................................................................83
Capítulo 5 – Dádiva e voluntariado................................................................................................... 85
5.1 - Voluntariado e dádiva: uma comparação pertinente?............................................................... 85
Equacionando a sociedade através do trabalho voluntário. ...............................................................87
Manifestações da dádiva. ...................................................................................................................88
As campanhas. .................................................................................................................................. 89
O lugar do interesse no voluntariado................................................................................................. 91
Dádiva e voluntariado no Rio de Janeiro.......................................................................................... 94
Um evento de voluntariado. ..............................................................................................................95
Chegando ao campo.......................................................................................................................... 95
Início das atividades. .........................................................................................................................96
Faça sua parte.................................................................................................................................... 98
Almoço e ritual de voluntariado. ....................................................................................................102
Comentários Finais.......................................................................................................................... 107
FONTES. .........................................................................................................................................114
BIBLIOGRAFIA............................................................................................................................. 114
Anexo 1 – TERMO DE ADESÃO AO SERVIÇO VOLUNTÁRIO.. ............................................118
Anexo 2 - A LEI DO SERVIÇO VOLUNTÁRIO.......................................................................... 119
Anexo 4 – Quadro resumo da tabulação dos questionários. ............................................................124
Anexo 5 – Trabalhando com o Voluntariado. .................................................................................125
3
Introdução
No Ensaio Sobre a Dádiva, lançado em 1924, Marcel Mauss elabora a noção de dádiva 
como fato social total, que perpassa todas as esferas da vida dos indivíduos. Da política e da 
economia às relações familiares, segundo Mauss (2003, p.187) “nesses fenômenos sociais 
‘totais’, como nos propomos chamá-los, exprimem-se, de uma só vez, as mais diversas 
instituições: religiosas, jurídicas e morais [...]”. Todos os componentes da vida social se 
misturam nestes fenômenos.
Tomo emprestada a noção de dádiva para pensar a proposta contemporânea de trabalho 
voluntário, visto considerá-la presente no envolvimento dos sujeitos. E, como nas implicações 
sugeridas por Mauss, a observação vem demonstrandoas influências resultantes nas mais 
variadas esferas da vida dos indivíduos que se voluntariam. O voluntariado, como a dádiva, 
tem sua manifestação empírica composta por três momentos traduzidos no ato de dar, o de 
receber e de retribuir.
Em termos mais práticos pergunto como e por que uma cidade moderna, situada em uma 
região metropolitana com áreas densamente povoadas e sofrendo com diversos problemas 
sociais é palco de um movimento onde os indivíduos buscam instituições de assistência à 
população desfavorecida para ajudar na solução dos problemas?
Embora os trabalhos de Mauss (2003) e Malinowski (1976) tenham como cenário 
sociedades tribais, as análises sociais baseadas na categoria de dádiva não são datadas, 
permitindo abordagens teóricas ricas em possibilidades, permitindo sua utilização para estudos 
sobre sociedades complexas. Aqui, a mesma pergunta feita por Mauss (2003, p. 188) é boa 
para pensar no caso do voluntariado “qual a regra de direito e de interesse que, nas sociedades 
de tipo atrasado ou arcaico, faz com que o presente recebido seja obrigatoriamente retribuído? 
Que força há na coisa dada que faz com que o donatário a retribua?”
4
Porém, para efeito da análise do voluntariado, proponho que se acrescente a pergunta de 
Godelier (2001), no sentido de investigar o porquê do gesto primeiro, pois se a dádiva é 
constituída por dar, receber e retribuir, qual a motivação da oferta? Por quê se voluntariar? 
Antes de prosseguir com a investigação dos motivos, convém explicitar em que terreno se está 
entrando.
Segundo Mauss (2003, p.190), não são os indivíduos e sim as coletividades, representadas 
pelos indivíduos, que “[...] mutuamente se obrigam, trocam e contratam.”, onde as trocas não 
são de bens materiais rigorosamente mensuráveis e que se estabelecem de forma voluntária e 
ao mesmo tempo obrigatória, “sob pena de guerra pública ou privada” (p.191). As trocas 
representam contratos reais que estão sendo celebrados entre as coletividades envolvidas, que 
passam a estar mutuamente comprometidas e, misturadas, “saem cada qual de sua esfera” 
(p.212), celebrando contratos, inaugurando e fortalecendo relações sociais. A metáfora 
utilizada por Mauss é a da agulha que liga as partes no telhado de palha “são as mesmas partes 
que retornam, o mesmo fio que passa” (p.213) e esta metáfora é adequada ao caso do 
voluntariado no sentido da existência de uma concepção de self que ultrapassa a definição dos 
próprios indivíduos.
Em suas narrativas, os voluntários muitas vezes recorrem a acontecimentos, relacionados à 
violência, para justificar sua motivação para as ações assistenciais, não esquecendo que as 
melhorias ocorridas na sociedade reverter-se-ão em melhorias das suas próprias qualidades de 
vida. Esta visão encontra eco nas palavras do rapper MV Bill durante o Encontro Temático 
Cultura, Poder e Movimento Social, organizado pela UNESCO no Rio de Janeiro em 30 e 31 
de julho de 2002:
... a sociedade não está sensibilizada para os problemas das favelas e os problemas 
dos negros e dos excluídos. A sociedade está amedrontada. Quando era só o sangue do 
favelado que escorria no asfalto, não tinha problema. É por isso que todo mundo tá tão 
interessado em ações e projetos sociais. Quando o favelado morria, era menos um. 
Agora o sangue do filho do rico é derramado também.
5
Creio que os contratos engendrados entre coletividades ou indivíduos são permeados por 
uma tensão entre as coletividades e entre os indivíduos, tendo a “cultura do medo” como uma 
de suas faces mais presentes no cenário da cidade do Rio de Janeiro, na qual “morro e asfalto” 
estão em confronto direto e, muitas vezes, declarado. Se em 1992, ano dos “arrastões” na zona 
sul, amplamente noticiados pela imprensa, a população foi surpreendida pelos acontecimentos, 
o que dizer dos ônibus incendiados que estampam as páginas dos jornais a partir do ano 2000?
Segundo a visão dos Centros de Voluntários, os problemas sociais são problemas de toda a 
sociedade e não apenas das camadas economicamente excluídas. Os profissionais que atuam 
na área do voluntariado afirmam que há igualdade entre os indivíduos, ou que “só se é 
solidário com iguais, pois se achamos alguém inferior, temos é pena”1.
Penso que esta opinião é informada por uma visão de natureza humana perpassada pela 
noção de igualdade, na qual todos os indivíduos possuem potencial idêntico de 
desenvolvimento social, desde que as condições sejam igualitárias. Dado que tais condições 
não são semelhantes, o que se reproduz é a desigualdade, que, neste caso tenderia a aumentar.
É a estas condições adversas que os voluntários pretendem fazer face, ressaltando a 
clareza e a lucidez da opinião de MV Bill ao apontar uma expectativa diferente da mera 
fraternidade entre iguais. É o compromisso de selar um trato de harmonia que impulsiona os 
indivíduos para o trabalho voluntário.
O primeiro gesto, o que inicia o círculo da dádiva, é o que provoca e, se aceito, coloca os 
indivíduos ou coletividades envolvidas em relação um com o outro, através de criação de 
vínculos que estabelecem a obrigação de retribuir. Este primeiro gesto pode ser considerado 
solidário, pois é tirando de si bens, tempo e conhecimento para ofertar ao outro, que o 
indivíduo coloca o que recebe em dívida. Através dessa dívida, o outro fica obrigado a 
retribuir e, portanto, encontra-se até certo ponto sob sua dependência, ao menos até o 
momento em que conseguir “restituir” o que lhe foi dado (Godelier, 2001).
1 Workshop para formação de capacitadores, RIOVOLUNTÁRIO, março de 2001.
6
Godelier enfatiza a notável ambivalência da dádiva, que contém dois movimentos opostos, 
aproximando através da partilha e afastando a partir da criação de uma relação oriunda da 
dívida. Esta opinião é partilhada por Godbout ao firmar que “somente a dádiva tem um 
circuito estranho e uma hierarquia emaranhada” (1999, p.232).
Portanto, é necessário que saibamos o contexto no qual estavam inseridos os atores 
envolvidos antes de se iniciar o circuito da dádiva, a fim de sabermos o peso da hierarquia e se 
o equilíbrio da balança sofreu alteração após a primeira dádiva. Se a dádiva se origina de um 
indivíduo ou grupo hierarquicamente superiores, tenderá a confirmar este status mais elevado 
e colocará o receptor numa dívida quase impossível de ser saldada, não devido ao valor 
monetário do bem, mas segundo a característica dos vínculos aos quais ele nos remete.
Empiricamente, este fato pode ser observado nas regras existentes de dar presentes. 
Segundo Miller (citado por Coelho 2003, p.323), “o notável nestas práticas é o grau de sua 
complexidade, de suas nuances, suas variações e texturas infinitas; e ainda mais notável é que 
todos nós sabemos (uns mais, outros menos) como negociar esta complexidade, uma 
complexidade tão complicada quanto a própria linguagem.” Ou seja, não se dá qualquer coisa 
a qualquer um em qualquer ocasião. É necessário que quem dá o presente tenha conhecimento 
dos significados e interdições existentes e que condicionam esta relação que, mesmo 
generalizada, não se dá ao outro sem que sejam seguidas regras não ditas.
Outro aspecto interessante no exercício contemporâneo da dádiva é o fato de não haver 
necessidade de um vínculo pré-existente entre quem dá e quem recebe, como são os casos das 
doações de sangue e de órgãos comentados por Godbout (1999) a propósito da imbricação do 
Estado nas questões concernentes à dádiva. Diferente da época em que Mauss escreveu seu 
trabalho, o Estado assume papel preponderante na divulgação de ações como o trabalho 
voluntário. Este foi o caso da campanha maciça do ano de 2001 em prol do voluntariado, que 
teve início desde o estímulo à criaçãodos Centros de Voluntariado a partir de metodologia e 
apoio do governo federal, através do programa Comunidade Solidária. Note-se que o apelo 
7
não está ligado apenas às ações emergenciais ou grandes catástrofes, mas às ações cotidianas 
de assistência social.
O objetivo principal a nortear este trabalho é a observação das dinâmicas e as construções 
simbólicas dos voluntários a respeito de sua participação no movimento de assistência social 
organizado pelos Centros de Voluntários. O trabalho está dividido em 6 capítulos (incluindo a 
conclusão), da forma como se segue:
No capítulo 1, pretendo tratar da minha experiência pessoal no campo do voluntariado, 
que posso separar em dois momentos, onde meu primeiro contato foi baseado em crença 
religiosa e o segundo contato teve sua motivação informada basicamente pela atividade 
profissional. Uma diferença entre as duas experiências é que como voluntária da casa espírita, 
não era remunerada pelo trabalho, ao passo que no Centro de Voluntários eu era uma 
profissional contratada para coordenar atividades de voluntários.
O capítulo seguinte trata da ONG RIOVOLUNTÁRIO, onde foi realizado o trabalho 
de campo e de onde vêm os voluntários com os quais tive contato para elaborar este trabalho. 
Abordo a relação entre o Conselho da Comunidade Solidária e o RVR, pois este Conselho 
forneceu o aporte conceitual para sua fundação e a forma como a instituição está organizada 
atualmente.
No capítulo 3 o ponto central é a identidade de voluntário e os instrumentos utilizados 
pelo RIOVOLUNTÁRIO para orientar esta construção identitária, as oficinas de capacitação. 
Neste ponto, são observadas as motivações e expectativas dos candidatos ao trabalho 
voluntário em relação às atividades que executarão.
As narrativas dos futuros voluntários indicam que estão em busca do fortalecimento ou 
da criação de laços mais fortes entre os indivíduos, pois com raras exceções, não vivemos em 
pequenas comunidades e, segundo Bauman (2001), os laços estão mais frouxos, pois a fluidez 
anunciada na modernidade, embora tenha suscitado novos tipos de sociabilidade também 
provocou a fluidez na relação entre os indivíduos. Este autor considera a sua metáfora da 
8
liquidez/fluidez adequada para captar a natureza da presente fase da história da modernidade, 
porque o que é líquido ou gasoso é fácil de ser moldado ao passo que o sólido tende ao 
esfacelamento.
Mantendo-se na comparação entre sólidos e líquidos, outra diferença entre estes estados 
reside na importância da categoria tempo. Este é o tema do capítulo 4, onde se discute a 
apropriação de práticas de assistência social implementadas ao longo do tempo na historia do 
Brasil. Ressalte-se o risco de se agrupar sob a mesma categoria práticas diversas em sua 
orientação e que, nem sempre, contavam com voluntários da forma como o termo é entendido 
hoje. Não obstante, tal tratamento do tema voluntariado proporciona aos voluntários a 
percepção de fazerem parte de um movimento contínuo no Brasil.
No caso do voluntariado, tempo é uma categoria polissêmica cuja importância é inegável, 
tendo em vista ser primordial no exercício das atividades e também no período entre a 
prestação e a retribuição. Algumas expressões utilizadas nas entrevistas, tais como “quando 
eles crescerem, no futuro, que futuramente possam ajudar outras pessoas”, demonstram que 
os voluntários entendem fazer uma espécie de investimento social, que não será usufruído em 
sua plenitude agora, mas num futuro próximo. E esta percepção dos voluntários é informada 
pela vida na modernidade, em que, segundo Marshall Berman (1986, p.15):
(...)existe um tipo de experiência vital – experiência de tempo e espaço, de si mesmo e dos 
outros, das possibilidades e perigos da vida – que é compartilhada por homens e mulheres 
em todo o mundo, hoje... Ser moderno é encontrar-se em um ambiente que promete 
aventura, poder, alegria, crescimento, autotransformação e transformação das coisas em 
redor – mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo 
o que somos...Ser moderno é fazer parte de um universo no qual, como disse Marx ‘ tudo o 
que é sólido desmancha no ar’.
A discussão do capítulo 5 está voltada especificamente para as relações entre dádiva e 
voluntariado, enfatizando-se o interesse dos voluntários e os benefícios ou ganhos que eles 
próprios afirmam auferir por se voluntariar. Desta forma, o círculo se fecharia: o voluntário 
doa, sua doação é aceita e a retribuição em direção ao todo social promoveria o entendimento 
entre as partes da cidade. Para dar sentido a esta relação, o capítulo traz uma discussão sobre os 
9
aspectos relativos à comparação entre dádiva e voluntariado, onde a perspectiva é de que esta é 
uma prática que modifica a vida de todos os que participam.
Para que se evite a romantização do indivíduo que faz trabalho voluntário, imputando-
lhe adjetivos como bonzinho, fraterno e legal, é fundamental a discussão de que a prática do 
voluntariado também é perpassada pelo interesse de todos os envolvidos. E seja qual for a 
natureza deste interesse, o voluntário estará comprometido com a sua consecução.
10
Capítulo 1 – Duas trajetórias. Um só caminho de voluntariado.
1.1 – Do Centro ao Centro, uma trajetória pessoal de voluntariado.
O Centro Espírita
São diversas as orientações que levam os indivíduos ao trabalho voluntário: militância 
política, associações de classe e credo religioso entre outras. No meu caso, os primeiros 
trabalhos voluntários aos quais me dediquei estavam inscritos no registro religioso e não era 
por este nome que eu os conhecia, pois, ao menos na casa espírita que eu freqüentava, na 
década de 80, chamávamos de “assistência”.
Aos quinze anos, comecei a fazer trabalho voluntário, pois como espírita, membro do 
Centro Espírita Pedro de Alcântara, havia sido socializada no preceito de que “fora da 
caridade não há salvação”. As ações que praticávamos, como grupo espírita, visavam a 
diminuição do sofrimento de outras pessoas, que por motivos “espirituais”, os quais não 
necessariamente viríamos a desvendar, precisavam estar naquela situação a fim de alcançar 
“progresso espiritual”. Neste contexto, a caridade é um valor positivo e desejável como única 
fonte de motivação para o voluntariado, diferentemente de contextos em que o voluntariado é 
informado com maior predominância por categorias como cidadania e promoção social, nos 
quais se considera importante que estas noções somem-se à de caridade.
Esta era a mesma lógica que justificava o fato de estarmos em posição de ajudar, pois 
para nós, também era necessário passar por diversas etapas para podermos alcançar “níveis 
espirituais” mais altos. Segundo a doutrina espírita, sempre que um indivíduo comete uma 
falta, fica devedor de reparação daquele ato em relação aos indivíduos que foram prejudicados 
por ele, dividindo-se a reparação dos danos em etapas relacionadas às sucessivas 
11
reencarnações pelas quais os espíritos deverão passar, conforme indicado no Livro dos 
Espíritos (Kardec, 1986, p.89):
Deus lhes impõe a encarnação com o objetivo de faze-los chegar à perfeição. Para alguns 
é uma expiação, para outros é uma missão. Todavia, para alcançarem essa perfeição, 
devem suportar todas as vicissitudes da existência corporal; nisso é que está a expiação. A 
encarnação tem também outro objetivo que é o de colocar o espírito em condições de 
cumprir sua parte na obra da criação (...)
Neste caso, nossas ações poderiam ser inscritas nos registros de provas ou expiações, 
ou seja, provas quando, no “plano espiritual”, houvéssemos decidido nos impor testes que 
verificassem nossa determinação em nos mantermos no caminho justo e expiações quando 
precisássemos expurgar erros de “vidaspassadas”2.
O voluntariado era para mim, naquela época, uma questão de fé, ligada à minha 
religião, onde o trabalho que eu fazia, não era chamado de voluntariado; não tinha a 
preocupação de mudar a ordem social, do ponto de vista da cidadania ou da política, visto que 
dentro da doutrina espírita, as provas e dificuldades dadas às pessoas estavam de acordo com 
o seu merecimento ou suas necessidades. Ainda de acordo com esta doutrina, somente méritos 
pessoais poderiam fazer com que os indivíduos mudassem de posição social, sem necessidade 
da ajuda de outros. Portanto, neste contexto, uma “reforma social” seria resultado de uma 
sociedade cujos valores “são baseados sobre os princípios da solidariedade e da 
reciprocidade” (Giumbelli, 1998, p.134).
Embora as questões relativas à cidadania não estivessem colocadas em minha prática, 
naquele momento, instâncias da direção do movimento espírita dialogavam com outros setores 
da sociedade, não necessariamente relacionados a uma prática religiosa. Isto se dava, segundo 
Giumbelli, através da aproximação de “certos intelectuais espíritas com reflexões e práticas do 
serviço social desenvolvido na academia, incorporando certos temas de preocupação e 
compromissos políticos” (et alii, 1998, p.138), numa explicitação das muitas vozes que 
dialogam dentro das práticas de assistência social.
2 Segundo a doutrina espírita, a alma reencarna sucessivas vezes até que alcance a perfeição (Livro dos Espíritos 
122 – 130).
12
A assistência social é tradicional nas casas espíritas nas quais, segundo este mesmo 
autor, “o modelo de estatuto sugerido pelo manual prevê, entre as finalidades de um centro 
espírita, a de ‘realizar a assistência e a promoção social de modo geral’” (1998, p.130). 
Permeada pela caridade, a assistência social permite o entendimento da amplitude da noção de 
caridade estabelecida nas casas espíritas, sua “centralidade como princípio e valor” (et alii, 
1998, p.131) e o entrelaçamento com todo o sistema de valores da doutrina espírita, como 
legitimador social.
Vista deste prisma, a caridade situa-se no estabelecimento de relações entre os 
indivíduos, possibilitando a aproximação com a noção de cidadania, que “acaba herdando 
algumas das marcas características da caridade, como é o caso da generosidade e da 
solidariedade”. (Giumbelli, 1998, p.140). A solidariedade é o valor que influencia o esforço 
dos indivíduos em tentar compreender as escolhas dos outros, permitindo que as diferentes 
opções de vida não se tornem obstáculos para uma convivência pacífica e produtiva entre 
indivíduos com escolhas e inserções sociais diferentes. Associando-a à generosidade, sugere-
se que instantaneamente, o indivíduo que faz trabalho voluntário sinta-se recompensado por 
seu ato, imprimindo às ações voluntárias o valor de prêmio em si próprias.
Ao longo de 12 anos, fiz parte do movimento espírita ativamente, exercendo as 
atividades de palestrante, diretora social regional, evangelizadora e o que mais fosse 
necessário para o bom funcionamento da casa espírita e a divulgação da doutrina. Embora 
hoje ainda acredite que minhas ações melhoravam a qualidade de vida das pessoas atendidas, 
mesmo que fosse temporariamente, esta melhoria só era considerada por mim do ponto de 
vista de minha religião, que tem seu sistema de crenças e práticas como pano de fundo e 
motivação para a participação dos espíritas nas ações de assistência social; isto é, as mudanças 
sociais originadas a partir das ações nas quais me engajasse não seriam consideradas de um 
ponto de vista da ação política do indivíduo, mas do aprimoramento espiritual dos sujeitos 
envolvidos nestas ações.
13
Para mim era importante poder ajudar às pessoas, melhorar suas vidas, diminuir o 
sofrimento ou alegrá-las com apresentações de nosso grupo de teatro, mas tinha em vista que 
também me sentia bem por estar envolvida nas atividades sociais da casa espírita, agregando 
valor à minha própria existência. Nenhuma das atividades que desenvolvi provocou tristeza, 
aborrecimento ou fez com que me sentisse em situação de risco. Além dos benefícios alegados 
pela doutrina espírita, no campo da “promoção espiritual”, eu gostava das atividades nas quais 
me engajava e pensava desempenhar bem as minhas atribuições. Este era o prêmio imediato 
que eu recebia por atuar em todas estas frentes de ação.
Meu afastamento da religião não ocorreu de forma abrupta, não sendo possível situar 
um momento em que eu possa afirmar: a partir daqui, não sou mais espírita. Mas a partir de 
meados da década de 1990, não participava mais das atividades ligadas ao espiritismo. Até 
minha entrada no RIOVOLUNTÁRIO, em 2001, não estive envolvida em nenhuma ação 
voluntária sistemática.
O Centro de Voluntários
Em março de 2001, fui convidada para uma entrevista no RIOVOLUNTÁRIO, Centro 
de Voluntários situado no município do Rio de Janeiro. A origem do convite foi o trabalho 
como contadora de histórias no LerUERJ – Programa de Leitura da UERJ. A contação de 
histórias era valorizada no trabalho de capacitação3 feito pela instituição, portanto, uma 
contadora de histórias com experiência, traria novo fôlego à equipe.
Quando cheguei para a entrevista tive uma surpresa, pois esperava uma sala apertada, 
atulhada de quinquilharias e com uma equipe diminuta dando conta de milhares de tarefas, 
3 As reuniões de capacitação fazem parte da estratégia do RIOVOLUNTÁRIO no que tange à educação e 
normatização da ação voluntária. São reuniões nas quais discutem-se vários aspectos relacionados ao trabalho 
voluntário. Os planos de aula estão em anexo.
14
que era a minha visão, até então, do ambiente de uma ONG. Outra coisa que devo admitir é 
que o mínimo que eu esperava das pessoas é que fossem “estranhas”. Assumo: o quê esperar 
de “ongueiros”? Gente chata, com ares de salvador do mundo, que só fala de desigualdade 
social, e é sempre irritantemente politicamente correta. Era um imaginário permeado por 
representações que remetiam principalmente a situações de clandestinidade, cuja herança 
parece óbvia, ao evocar a militância política dos anos de regime militar.
Voltando às surpresas, a primeira foi o espaço, salas amplas, arejadas, móveis rústicos 
e modernos organizados de forma harmoniosa e gente...(aparentemente) bastante gente 
trabalhando (mas, ainda assim, as salas não estavam entulhadas). Como eu perceberia tempos 
depois, aquela “gente toda”, nem sempre dá conta do trabalho e aí, “solidariedade pouca meu 
pirão primeiro”, o que no nosso caso implicava em que o ambiente de trabalho poderia tornar-
se extremamente competitivo, bem como na percepção da ausência de cooperação entre os 
setores da instituição. Ainda durante a entrevista, foi sugerido pela gerente da instituição que 
eu coordenasse o grupo de jovens voluntários. É importante frisar que o grupo ainda não 
existia, era uma idéia que os dirigentes tinham, mas até aquele momento, não dispunham de 
um profissional para implementá-la. Aceitei o encargo e, de posse de minha experiência 
anterior no Centro Espírita, fui fazer “voluntariado profissional”. Aqui, o termo profissional 
pode ser aplicado às duas situações, ou seja, à minha função de coordenadora de voluntários 
remunerada e à responsabilidade dos voluntários que, pela primeira vez, eu percebia como 
profissionais em suas atribuições, embora não recebessem remuneração.
Ao longo do tempo em que faço parte da equipe do RIOVOLUNTÁRIO, muitas vezes 
foi difícil manter o distanciamento necessário a fim de analisar os acontecimentos. Muitas 
vezes também, os acontecimentos atropelaram o trabalho de pesquisa e, posteriormente, a 
elaboração de meus questionamentos. Aprendi que, no chamado terceiro setor4, as leis do 
mercado continuam a imperar,exatamente como em uma empresa tradicional, portanto as 
instituições cada vez mais são geridas como tal. Mesmo não tendo a preocupação de 
4 Aqui tomado livremente no sentido de setor sem fins lucrativos.
15
apresentar um superávit financeiro ao fim do ano, estas instituições precisam apresentar 
resultados socialmente relevantes ao fim de cada projeto e acompanhamento financeiro 
também é fundamental para que todos os comprovantes estejam em dia quando chegar a hora 
das prestações de contas referentes aos diversos projetos geridos pela organização.
Desde então, venho passando por um outro processo de socialização dentro deste 
“novo” voluntariado, pautado pela noção de cidadania participativa, pela noção da 
importância da organização da sociedade civil, pela promoção social dos indivíduos que são 
ajudados pelos projetos de intervenção social.
Cabe definir a importância e o peso assumidos pelo adjetivo “novo” quando referido 
ao trabalho voluntário, pois se pretende com isso demonstrar rejeição às práticas não 
organizadas, cujos resultados das ações não são passíveis de mensuração. Isto não significa 
que instituições que tradicionalmente ocuparam-se do voluntariado e ações reativas à exclusão 
social foram excluídas do processo, mas que as ações praticadas foram re-significadas, 
aproximando-se da noção de cidadania participativa.
De forma mais específica, uma noção de cidadania também adjetivada, posto que 
chamada de participativa. A cidadania nos Centros de Voluntários assume o status de valor 
desejável para os voluntários e deverá permear sua atuação, o que implica na adesão de 
cidadãos preocupados em reduzir as desigualdades sociais, alimentando uma idéia de 
“comunidade cívica”, onde a ênfase é dada aos deveres dos cidadãos (voluntários) e não aos 
seus direitos.
Em seu site na internet o RIOVOLUNTÁRIO apresenta sua missão em termos que nos 
remetem aos valores que são considerados primordiais aos cidadãos que irão trabalhar 
voluntariamente: respeito, ética, qualidade do trabalho, solidariedade, integração e 
cooperação:
MISSÃO – Contribuir para a inclusão social por meio do voluntariado e de ações 
educativas.
16
PRINCÍPIOS – Promover a solidariedade; agir com ética e qualidade no cotidiano das 
nossas ações; estabelecer a integração, o respeito e a cooperação internamente e junto aos 
públicos com os quais atuamos.5
Dentro desta instituição aprendi a utilizar as categorias acusatórias básicas 
representadas principalmente pelo assistencialismo e pela caridade. Esta prática acusatória tem 
como objetivo demonstrar que o voluntariado praticado e divulgado pelos Centros de 
Voluntários e por instituições que partilhem dos mesmos ideais é mais valioso socialmente do 
que as práticas que não têm em vista a promoção social dos indivíduos e a harmonia social. A 
diferença que está implícita, nesta ótica, é que o “novo voluntariado” está comprometido com 
as mudanças sociais e a promoção social dos indivíduos que participam.
Esta narrativa dos Centros de Voluntários não surge de forma natural, sendo 
construído e, principalmente difundido, através de uma estratégia que dispõe de instrumentos 
como capacitações6, eventos e boletins informativos.
Na posição de responsável pelas capacitações institucionais, voltadas a dois tipos de 
públicos: o candidato a voluntário e o dirigente de instituição postulante a trabalhar com mão 
de obra voluntária, fui diretamente responsável pela difusão destas idéias sobre voluntariado e 
cidadania. A metodologia utilizada era pautada pela participação ativa de todos os presentes às 
capacitações. Para obter esta participação, utilizavam-se dinâmicas de grupos, solicitavam-se 
depoimentos dos participantes a respeito de suas experiências voluntárias anteriores e a 
“construção” coletiva dos conceitos de trabalho voluntário, da lista de direitos e deveres de 
voluntários e instituições e das características necessárias para ser voluntário. Mas, como 
capacitadora, minha função era harmonizar o encontro e orientar para que os participantes não 
se equivocassem ao “construir” os conceitos. Quer dizer: os conceitos poderiam ser 
construídos desde que se respeitasse o modelo adotado e desejado do ponto de vista 
institucional.
5 Home Page do RIOVOLUNTARIO: www.riovoluntario.org.br.
6 Reuniões onde candidatos a voluntários têm contato com as diretrizes do RIOVOLUNTÁRIO e orientações 
sobre o comportamento considerado adequado durante suas atividades.
17
Segundo diversos autores ligados aos Centros de Voluntários, tais como Cardoso 
(1997), Carvalho (1997), Oliveira (1997), Coelho (1999), Corullón (1996), Dauster (s/d), 
Silveira (2002), entre outros, o chamado novo voluntariado, pautado pela cidadania 
participativa funda-se em uma série de valores, entre os quais os mais relevantes na instituição 
são, principalmente, cidadania, tolerância, cooperação, integração e responsabilidade. De 
modo geral, na “cultura do voluntariado”, estes valores têm sido muito utilizados para 
legitimar e nortear a participação dos indivíduos. A categoria cidadania, eleita o pilar desta 
cultura, aqui ganha contornos de “obrigação” dos indivíduos em relação a toda a vida social, 
sendo perpassada pela consciência dos direitos, mas principalmente pelo ato de assunção dos 
deveres de voluntários em relação à sociedade; a tolerância era sempre acionada quando se 
fazia necessário confrontar visões de mundo e modos de vida diferentes e, para o voluntário, 
significa o esforço em direção à compreensão e o respeito às diferenças sociais.
Um cuidado a ser tomado nas capacitações era o de ressaltar que diferença e 
desigualdade não poderiam ser consideradas sinônimos e, neste contexto, a diferença ganhava 
valor positivo, valorizando-se as múltiplas experiências dos indivíduos na construção do 
pensamento do grupo, ao passo que à desigualdade, dava-se uma conotação negativa, 
principalmente do ponto de vista da falta de oportunidades e acesso aos bens sociais, tais 
como educação, trabalho, cultura, saúde e segurança. Por fim, a responsabilidade, referida às 
mais diversas situações, tais como o respeito aos horários de trabalho acordados com a 
instituição, o desempenho das atividades, o respeito às normas institucionais e a 
responsabilidade pela ordem social.
Neste contexto, profissional, minha preocupação com o outro é perpassada pelas 
responsabilidades profissionais referentes ao processo de criação e implementação de projetos, 
pelo treinamento e avaliação do trabalho dos voluntários e pela elaboração dos relatórios 
pertinentes a cada situação. Ou seja, o bom desempenho de minhas atividades além de 
18
possibilitar melhoria de vida do público atendido, também garante minha própria 
sustentabilidade.
Centros Convergentes
São estas as influências nas quais me apoiei para construir minha identidade 
voluntária. A influência religiosa é perpassada pela preocupação fraterna com o outro. A 
influência condicionada pela inserção profissional está perpassada pelo ponto de vista da 
coletividade. Neste sentido, a preocupação é de que minhas atividades como voluntária 
possam ser um diferencial para a inserção social dos indivíduos ou grupos com e para os quais 
atuo. Além, é claro, de estarem relacionadas ao meu desempenho profissional.
Não atribuo predomínio a nenhuma das duas áreas, nem considero que isto seja 
importante do ponto de vista pessoal, pois ambas as influências coabitam e permeiam meu dia 
a dia. Tampouco estes dois aspectos esgotam as possibilidades de atuação na áreada 
assistência social para os indivíduos. No campo da perspectiva religiosa as ações de 
fraternidade vêm sendo revestidas do caráter de promoção social, constato ainda que, a cada 
dia, mais dirigentes de instituições religiosas procuram o RIOVOLUNTÁRIO a fim de 
capacitar-se para lidar com seus voluntários, sejam eles praticantes de suas religiões ou não.
Portanto, foi a partir deste lugar comprometido e interessado, o de voluntária e 
profissional da área, que iniciei minha pesquisa sobre trabalho voluntário. Sendo membro do 
grupo e responsável pela implementação de projetos, agora acrescento o interesse de 
pesquisadora, considerando importante conhecer as representações dos indivíduos a respeito 
de suas práticas cotidianas e os mecanismos utilizados pelas instituições para acomodar as 
diversas orientações individuais no interior do movimento.
19
Uma outra abordagem
No ano de 2002, outra porta foi aberta em minha relação com o trabalho voluntário 
através da possibilidade de tratá-lo como objeto de estudo. A primeira abordagem foi a 
monografia “E Dê a melhor Parte de Você”, na qual acompanhei a trajetória do grupo de 
voluntários jovens do RIOVOLUNTÁRIO, cuja coordenação era de minha responsabilidade.
No trabalho que ora desenvolvo, proponho direcionar a análise para as categorias de 
pensamento que são representadas e vividas pelos voluntários em suas práticas enquanto 
participantes de Centros de Voluntários. Como as categorias são percebidas e vivenciadas no 
dia a dia dos voluntários? Quais as mudanças de vida relatadas pelos voluntários em seus 
estilos de vida? Quais as categorias consideradas fundamentais pelos voluntários para que 
sejam um diferencial na sociedade? Através de que meios “fazer sua parte” leva cada um a 
“fazer parte”? Que categorias de obrigações os voluntários esperam gerar nos que são alvos de 
sua ajuda? Quais os significados de trabalho voluntário que estão em jogo? Que 
representações são feitas, pelos voluntários, a respeito das instituições em que atuam?
Permeando as questões acima, pretendo explorar os significados assumidos pelo 
trabalho voluntário a partir das características e condições para que alguém se torne um 
voluntário. Há condições específicas ou todos podem ser voluntários?
De acordo com a narrativa dos Centros de Voluntários, o voluntariado é uma 
ferramenta de promoção social não só do indivíduo ou grupo que está sendo ajudado, mas 
também para quem se propõe a se tornar um voluntário. Da mesma forma, a mudança de vida 
relatada pelos voluntários, seja em seus relacionamentos pessoais ou no treinamento de 
habilidades que venham a ajudá-los em suas atividades profissionais, nos aponta para a 
capilaridade do voluntariado nas vidas dos voluntários e nos remete à questão da 
reciprocidade.
A narrativa adotada pelos Centros de Voluntários, traduzida em categorias que são 
vividas pelos voluntários, tais como troca, pertencimento, participação, satisfação pessoal, 
20
media as relações estabelecidas durante a ação voluntária, levando os voluntários e público 
atendido a sentir-se parte de um todo.
Aqui, a própria categoria “todo”, pode assumir diversos significados relativos À esfera 
à qual esteja relacionado. Assim, pode-se fazer parte do todo religioso, o todo social, o todo 
político, entre outras possibilidades referidas às motivações do voluntário. Ou seja, a categoria 
todo não é unívoca.
Penso que a partir destas questões será possível elaborar um mapa das tensões e da 
densidade assumidas pelo voluntariado para os indivíduos que o praticam. Acredito ainda que 
este conjunto de questões possa contribuir para conhecer melhor o voluntário como ator social 
relevante na dinâmica da sociedade no Rio de Janeiro e no Brasil, dentro do novo contexto 
que evidencia a cidadania ao mesmo tempo como conceito e valor mais importante a nortear 
as ações dos indivíduos que fazem trabalho voluntário.
A forma assumida pelas narrativas dos voluntários sobre o seu dia a dia é fundamental, 
pois, de acordo com os dirigentes das instituições de voluntários, o voluntariado é considerado 
uma ferramenta de promoção social não só do indivíduo ou grupo que está sendo ajudado, 
mas também para quem se propõe a se tornar um voluntário.
Da mesma forma, a mudança de vida relatada pelos voluntários, seja em seus 
relacionamentos pessoais ou no treinamento de habilidades que venham a ajudá-los em suas 
atividades profissionais, nos aponta para a capilaridade do voluntariado em suas vidas e 
remete à questão da reciprocidade, mediada pelo intercâmbio das relações entre o voluntário e 
aqueles aos quais ajuda. Esta reciprocidade assume diversas formas, tais como a satisfação 
imediata das expectativas dos voluntários, a aprendizagem ou aperfeiçoamento de habilidades 
específicas, o aumento da rede de relações sociais, entre outros.
Após participar da oficina e ser encaminhado para trabalhar em instituições 
cadastradas no RVR, quando o voluntário retornava ao RIOVOLUNTÁRIO para visitar os 
profissionais ou informar-se sobre novas oportunidades de trabalho, eram questionados sobre 
21
o retorno que estavam tendo, para si, ao desempenhar suas atividades. Se, na oficina, eram 
tímidos em admitir alguma expectativa de retorno, neste encontro informal, sem a presença de 
outras pessoas, admitiam a satisfação por empenhar-se nas atividades.
Indagados sobre os benefícios do trabalho voluntário para si próprios, alguns 
voluntários responderam que “O ato voluntário nos dá uma sensação de realização e bem 
estar, além de nos proporcionar uma troca de carinho e gratidão por parte de quem recebe”; 
“(...)me sentir bem e feliz por estar cumprindo com minha parte cidadã”; “Acredito que o 
trabalho voluntário tem um retorno humano indescritível, depois que comecei sinto-me muito 
melhor em todos aspectos, desde a saúde até nas relações familiares e sociais, ou seja, eu 
ganhei muito mais que eu dei”; “Crescimento puro e satisfação de dever cumprido”; “Além 
de ampliar o meu conhecimento na área específica, é uma espécie de higiene mental”; 
“Amizades verdadeiras, bem-estar, reconhecimento, experiência profissional, etc”.7
O grupo
Reconheço a pluralidade implícita no campo do voluntariado, portanto é importante o 
esclarecimento de que esta dissertação não pretende que as observações e possíveis 
conclusões sejam exaustivas principalmente no que se referir a outros contextos.
Por conseguinte, no âmbito deste trabalho, quando houver citação da palavra 
voluntário, isto significa o indivíduo que busca Centros de Voluntários ou outras instituições 
legalmente constituídas, com as quais celebram contratos de trabalho voluntário, através de 
um termo de adesão8 onde suas atividades, bem como sua periodicidade, são descritas; este 
documento contém os dados do voluntário, da instituição e a assinatura de duas testemunhas. 
7 Depoimentos obtidos ao longo dos anos de 2002 e 2003, com voluntários que já estavam atuando em 
instituições e retornavam esporadicamente para visitar o RIOVOLUNTÁRIO.
8 Anexo 1.
22
Nesta mesma lógica, a compreensão de trabalho voluntário a ser adotada ao longo deste texto, 
irá ater-se ao que está expresso no primeiro artigo da Lei 9.608/989, a Lei do Serviço 
Voluntário, especificamente no que se refere à não remuneração do voluntário pelos serviços e 
à não geração de vínculo empregatício com a instituição na qual o voluntário pratica suas 
ações.
Enfatizo que esta delimitação do objeto de pesquisa não foi pautada por algum sentido 
depreciativo em relação a outras formas de associação voluntária entre os indivíduos, cujo 
objetivo seja o de interferir com as questões sociais, mas pelo reconhecimento da 
impossibilidademetodológica em abordar todas as faces do que se pode chamar voluntariado 
no Brasil.
Com o objetivo de apontar as especificidades do trabalho voluntário e das ações de 
assistência social no Brasil, na segunda parte deste capítulo farei uma breve exposição sobre a 
criação do Conselho da Comunidade Solidária e das disputas na constituição do chamado 
terceiro setor brasileiro.
9 Anexo 2.
23
1.2– Comunidade Solidária: um “novo” conceito de participação social cidadã?
Origem e preceitos do Conselho da Comunidade Solidária
O trabalho voluntário organizado institucionalmente vem ganhando maior visibilidade 
no Brasil desde o primeiro governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, iniciado no 
ano de 1995, quando foi criado o Conselho da Comunidade Solidária, cuja primeira presidente 
foi a antropóloga Ruth Cardoso. A missão assumida por este Conselho era o fortalecimento da 
sociedade civil, através da oferta de oportunidades de participação na resolução de questões 
sociais que há muito preocupavam a sociedade brasileira, tais como a fome e a precariedade 
dos sistemas de educação, saúde e segurança. Desta forma, propunha-se a trazer para o âmbito 
das ações de assistência social praticadas pelos sujeitos individuais, questões como a 
responsabilidade social e a cidadania, onde antes o registro mais comum era o da caridade 
cristã, visto a influência da Igreja na vida brasileira. Segundo Leilah Landim, (1993, p.16):
(...) o que se poderia chamar de associações voluntárias – as entidades privadas de 
serviços sociais, saúde, educação, criadas durante os três primeiros séculos, no Brasil – 
existiram basicamente no espaço da Igreja católica ou sob sua égide, permeadas portanto 
pelos valores da caridade cristã, dentro do quadro do catolicismo que se implantara no 
país e tendo como pano de fundo as complexas relações dessa instituição com o Estado. 
Misturando-se público e privado, confessional e civil.
Quer dizer, à caridade cristã agora se acrescenta a proposta de participação cidadã. 
Enfatizo que a caridade não foi excluída da prática do “novo voluntariado”, mas re-significada 
através do contato com uma noção também re-significada de cidadania. Um dos efeitos desta 
agregação foi a inclusão das práticas assistenciais confessionais implantadas no Brasil desde 
séculos passados ao rol das ações do “novo voluntariado”. Desta forma, a caridade, longe de 
ser considerada inadequada como balizador das ações e motivações, passa a ser legitimamente 
acionada pelos indivíduos que se engajam no voluntariado, demonstrando solidariedade com 
as condições sociais do público que será beneficiado pelas suas ações.
24
Após a criação do Conselho da Comunidade Soldaria, em 12 de janeiro de 1995, e a 
partir da necessidade de conhecimento das formas de organização do voluntariado no Brasil, 
em outubro 1995 foi lançado o “Programa de Estímulo ao Trabalho Voluntário no Brasil”, em 
parceria com a fundação ABRINQ10, com o objetivo de “promover o conceito e a prática da 
cidadania no país, oferecendo canais organizados para ação voluntária, através da criação 
de uma rede de Núcleo de Voluntários em grandes cidades de várias regiões do país” (portal 
do voluntário). Através de apoio financeiro e pedagógico, este programa incentivou a criação 
de Centros de Voluntários, iniciando por São Paulo, seguido por Rio de Janeiro, no ano de 
1997. Hoje, a rede de Centros de Voluntários reconhecidos pelo site Portal do Voluntariado 
conta com 46 instituições.11
É importante frisar que o Conselho foi criado dois anos após o que ficou conhecido 
como a Campanha do Betinho, cujo poder de convocatória pode ser considerado um marco na 
organização da sociedade civil brasileira, quando mais de 3.000 comitês de cidadania foram 
criados por iniciativas locais, ao longo de um ano. Por conseguinte, creio que o momento era 
propício à convocação da população para atuar diretamente na solução dos problemas sociais.
A estratégia de divulgação do programa era apontar o que denominavam as diversas e 
invisíveis faces do voluntariado existentes na sociedade brasileira. Esta alegada invisibilidade 
foi creditada ao fato de que as organizações de voluntários “tinham poucas oportunidades de 
trocar experiências e somar esforços em iniciativas de interesse comum” (Cardoso, 1997, p.3). 
Ainda citando Ruth Cardoso, “o voluntariado no Brasil é uma realidade dinâmica, mas ainda 
praticamente invisível” (1997, p.3), o que sugere que do ponto de vista dos mentores da 
criação dos Centros de Voluntários, não era necessário convencer os indivíduos a fazer 
trabalho voluntário, mas evidenciar a presença deste trabalho voluntário na sociedade 
brasileira desde a época da colônia, buscando, neste movimento, depurar os preconceitos 
10 Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos
11 ANEXO 3.
25
existentes a respeito da motivação do voluntário, do assistencialismo, da falta de continuidade 
das ações, entre outros.
No capítulo Uma História do Voluntariado no Brasil, será exposta a forma adotada, 
pelos Centros de Voluntários, para apresentar os fatos que, encadeados, proporcionam uma 
visão sobre as ações assistenciais que contaram com a participação da população, reunidos 
pela primeira vez sob a rubrica de trabalho voluntário, de forma a validar a existência desta 
prática no território brasileiro desde o século XVI.
De Comunidade Solidária a Comunitas
A Comunitas é a ONG que foi criada para substituir o Conselho da Comunidade 
Solidária, próximo ao término do segundo mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso 
e mantém as linhas de atuação originais daquele Conselho.
Mesmo tendo recebido aporte financeiro e pedagógico para sua implementação, os 
Centros de Voluntários mantinham independência em relação à forma de abordagem do 
trabalho. Organizou-se uma rede informal de apoio, cada qual levantando suas próprias fontes 
de financiamento e elaborando suas estratégias de trabalho e divulgação, ao mesmo tempo em 
que trocam idéias e “tecnologias” para abordagem das questões sociais.
Não houve uma passagem automática dos Centros de Voluntários da tutela do 
Conselho da Comunidade Solidária para a da Comunitas, tendo ocorrido várias reuniões e 
seminários onde as mudanças que estavam por ocorrer foram apresentadas e debatidas com os 
representantes e dirigentes dos Centros.
26
Centros de Voluntários
A proposta inicial do Conselho da Comunidade Solidária era de que fossem criados 
Centros em dez capitais brasileiras, respeitando-se as especificidades locais, mas que 
cumprissem a missão de organizar a oferta e a demanda de voluntários. Isto seria realizado 
aumentando a visibilidade e o reconhecimento dos voluntários e suas intervenções, criando 
estratégias locais para mobilização e estímulo à participação, fomentando a troca de 
experiências e promovendo a cultura do voluntariado. Portanto, os Centros de Voluntários são 
Organizações Não Governamentais (ONG)12 cuja missão é, em linhas gerais, funcionar como 
elo entre os indivíduos que desejam ser voluntários e as instituições que precisam de mão-de-
obra voluntária para o desenvolvimento de suas atividades.
Do ponto de vista do Conselho, fator fundamental para a criação dos Centros, era a 
organização das estratégias locais de mobilização e estímulo à participação dos grupos locais, 
de forma que estes tivessem a cara da comunidade na qual nasce e pretende servir (Carvalho 
e Oliveira, 1997:13). Assim, partiu-se para uma série de seminários regionais a fim de 
apresentar a proposta e enfatizar a importância da criação dos Centros, quando também foram 
debatidos os valores referentes à “cultura do voluntariado”.
Embora o cerne do trabalho seja o mesmo, a promoção do voluntariado, os Centros de 
Voluntários adotam uma grande diversidade de ações no desenvolvimento e divulgaçãode 
seus trabalhos. Deste modo, temos a Central de Rio Claro, cujo corpo de voluntários é 
composto por jovens até 30 anos; Parceiros Voluntários, no Paraná, cujas ações são 
majoritariamente voltadas para a educação; o Natal Voluntários, que se dedica a promover o 
voluntariado jovem no Brasil e o RIOVOLUNTÁRIO, localizado no Rio de Janeiro, que, 
além de projetos na área de responsabilidade social empresarial, atua na área de educação pré-
escolar.
12 Para uma discussão sobre o uso do termo ONG e a complexidade implícita na construção de uma identidade a 
partir da negação – Não governamental ver Landim 1998.
27
Voluntariado no Rio de Janeiro
Segundo o projeto de implementação do RIOVOLUNTÁRIO, antes de sua 
constituição pelo menos por duas vezes a Prefeitura do Rio de Janeiro experimentou a 
implantação de um programa de voluntários. A primeira em 1994, através da Secretaria 
Municipal de Desenvolvimento Social, cujo insucesso foi creditado à resistência dos 
indivíduos em exercer atividades voluntárias para órgãos do governo. A segunda tentativa foi 
o Projeto Rio Prisma, de 1996, que coincidiu com os seminários propostos pelo Conselho da 
Comunidade Solidária, o que resultou na fusão das duas propostas e, conseqüentemente, no 
ano de 1997, na criação do RIOVOLUNTÁRIO.
O voluntariado no Rio de Janeiro será objeto de atenção no capítulo Dádiva e 
Voluntariado, o que não invalida que alguns comentários sejam feitos, pois o fato de o Rio de 
Janeiro ser retratado como uma cidade violenta em crônicas, reportagens e livros, se não 
determina, ao menos influencia muitos indivíduos a procurar instituições assistenciais para 
fazerem trabalho voluntário. Suas respostas sobre o porquê de sua opção evidenciam esta 
situação. Segundo dois participantes da oficina Sou voluntário: “[...] um profundo 
desconforto com a desigualdade social que salta aos olhos. [...] sonho de juventude, mudar o 
mundo de alguma maneira e a mais correta que eu vi foi a ação social”; “[...] acreditando 
fielmente que só a fraternidade gratuita para resolver problemas sociais como a violência. 
Decidi escolher a área de educação por que é um elemento de transformação social.13”
É significativo também que a maioria destas respostas relacione violência, trabalho 
voluntário e educação. Na visão destes voluntários e candidatos a educação é o instrumento 
que poderá alterar a situação de crise social e de valores contemporânea, permitindo a 
13 Respostas colhidas em oficina de setembro de 2003.
28
emergência de uma nova ordem, conforme explicitado por este participante da oficina “por 
que acredito que a educação de qualidade é a única salvação para este país. [...] construir 
ninguém quer, só consumir. Tem que mudar a mentalidade das pessoas.14”
14 Idem.
29
Capítulo 2 - O RIOVOLUNTÁRIO
Criado com a missão de “promover ações de solidariedade em todas as suas formas, 
principalmente por meio do trabalho voluntário e de doações, em benefício da cidade do Rio 
de Janeiro” (Projeto de Implementação, pág 28), o RIOVOLUNTÁRIO,
é uma organização não governamental, sem fins lucrativos, apartidária, que tem como 
missão criar e desenvolver redes de participação social responsável e solidária, 
principalmente por meio de parcerias, do trabalho voluntário e de doações, visando a 
melhoria da qualidade de vida da sociedade.(definição do folder da organização).
Vê-se pela abrangência da tarefa a qual se propunha que a instituição estava alinhada 
com as diretrizes do Conselho da Comunidade Solidária, tendo o trabalho voluntário como 
apoio para a intervenção em diversas áreas de ação social. Desta forma, à instituição era 
possível auto atribuir-se o legitimador nome de ONG ao mesmo tempo em que contava com a 
estrutura, também legitimadora, montada pela Comunidade Solidária para apresentar-se 
perante o público do Rio de Janeiro e possíveis financiadores como o Centro de Voluntários 
(oficial, acrescento) do Rio de Janeiro.
Além da história oficial, que legitima a criação da instituição perante seus usuários 
(voluntários, instituições e público atendido), há histórias que se enquadram em um registro 
mais sentimental do que estritamente oficial. Entre estas, a história da série de reuniões que 
ocorreram na casa da atual Diretora Executiva do RIOVOLUNTÁRIO15, das quais 
participavam a Secretária Municipal de Desenvolvimento Social, entre outros personagens 
que, hoje, são dirigentes de diversas ONGs. Longe de questionar a ocorrência e a freqüência 
de tais reuniões, aponto a importância de serem relembradas atualmente, pois colocam os 
interlocutores no que podemos chamar de “clima da época” e remete a um “movimento dos 
cidadãos” para solucionar os problemas sociais. Este discurso é acionado em contextos onde é 
necessário ou vantajoso ligar a prática do voluntariado ao estabelecimento de laços pessoais 
15 Este discurso foi acionado mais uma vez no Seminário “Voluntariado e os Objetivos do Milênio”, em 5 de 
dezembro de 2005, do qual participaram dirigentes de diversas ONG, Projetos e Programas Sociais.
30
ou à formação de uma família unida por ideais igualitários e convive com a proposta de 
voluntariado profissional, comprometido e responsável que aponta para as diversas formas de 
controle e avaliação que são utilizadas pelos Centros de Voluntários para demonstrar a 
eficiência de suas intervenções perante o público beneficiado e os órgãos financiadores.
Dinâmica institucional
A tarefa principal à qual se dedica o RVR16 não mudou ao longo de seus oito anos de 
existência, embora a forma de administrar sua execução venha sofrendo alterações segundo o 
profissional que a esteja conduzindo. Portanto é possível afirmar que ligando o voluntário à 
instituição que precisa de seu trabalho, o RVR oferece ao primeiro a oportunidade de ajudar 
uma parte da população que este acredita necessitar de sua atuação e à instituição a 
possibilidade de agregar valor ao serviço que presta a esta mesma população. Tais afirmações 
constam no site da instituição sob o link Quem Somos,
Desde a sua fundação, em 1997, o RIOVOLUNTÁRIO busca mobilizar e engajar os cidadãos 
em ações voluntárias organizadas, sérias e comprometidas, aproximando voluntários e 
instituições em torno de interesses comuns e transformando necessidades sociais em 
oportunidades de participação solidária.
Note-se que aqui a necessidade de atuação é apresentada como oportunidade de 
participação, numa construção que nos remete à organização do voluntariado e a uma reação à 
invisibilidade das ações voluntárias de outras épocas, que pode ser creditada à falta de 
organização das ações. A oportunidade está aí, portanto o indivíduo pode tomar a iniciativa de 
ajudar a resolver os problemas sociais. Já foi citado que cada Centro de Voluntários adota 
estratégias locais específicas de forma a se adequar às necessidades regionais. Para oferecer as 
“oportunidades” de trabalho voluntário à população do município do Rio de Janeiro, o RVR 
16 Abreviação para RIOVOLUNTÁRIO.
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adotou um modelo institucional hierarquizado dividido em setores, todos operando a partir da 
premissa de que o voluntariado é uma “oportunidade de participação cidadã”.
Com o objetivo de atingir suas metas, a organização está dividida em três eixos, cujo 
fim é o de concentrar esforços em projetos específicos, que estejam alinhados com o objetivo 
principal da instituição no que concerne ao trabalho voluntário: o Programa de Voluntariado, 
Programa Brasileirinho e o Voluntariado Empresarial.
Serão apresentados primeiramente o Programa Brasileirinho e o Voluntariado 
Empresarial. O Programa de Voluntariado, cuja base é a Central de Voluntariado, será o 
encerramento do capítulo,pois juntamente com a Central de Doações, formou a primeira base 
da instituição. Hoje, a Central de Doações é parte do Núcleo de Voluntariado.
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2.1 – Programa Brasileirinho
O Brasileirinho é um programa do RIOVOLUNTÁRIO que tem como objetivo qualificar 
o atendimento de crianças de zero a quatro anos matriculadas em creches comunitárias 
localizadas em comunidades de baixa renda no município do Rio de Janeiro.17
Segundo Wanda Engel18, é “impossível que estas crianças tenham bom 
desenvolvimento em ambientes úmidos, escuros, cheirando a mofo e sem um lugar para que 
peguem sol diariamente” (Apresentação do Prêmio Beija Flor 2001). Na fala, Engel referia-se 
à primeira creche que visitara e que a deixara impressionada com a falta de condições 
adequadas para a permanência das crianças. A partir daí, reza o mito institucional, criou-se e 
implementou-se o projeto, hoje programa, Brasileirinho.
Este programa não conta com um número expressivo de voluntários atuando nas 
creches, diretamente com as crianças ou educadores, tendo em vista as especificidades das 
creches comunitárias, principalmente no que se refere à localização e situações de violência. 
Exceção feita à área responsável pela reforma das creches que dispõe de um cadastro com 
profissionais de arquitetura e engenharia que prestam assessoria ao longo do processo de 
reforma das creches.
O programa conta com financiadores específicos para cada creche a ser reformada e 
com parcerias que permitem o aparelhamento das brinquedotecas, proporcionando ações nas 
áreas de reforma do espaço físico, aquisição de equipamentos, capacitação de educadores e 
acompanhamento pedagógico, capacitação dos gestores e assessoria e atividades sócio-
educativas com as famílias das crianças matriculadas. A rede de financiadores e apoiadores 
garante que as creches sejam atendidas durante cinco anos nas áreas citadas.
A mão de obra utilizada nas reformas é, prioritariamente, local, buscando proporcionar 
geração de renda principalmente para os responsáveis pelas crianças, mas também para outros 
moradores da comunidade. Portanto, pedreiros, mestres de obra, ladrilheiros, entre outros 
17 Apresentação do programa no site www.riovoluntario.org.br.
18 À época Secretária de Assistência Social.
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profissionais de construção civil, são recrutados obedecendo prioritariamente ao critério de 
residência na comunidade que é atendida pela creche. Na falta de profissionais residentes no 
local, buscam-se profissionais de outras localidades.
Reformas 
A escolha e a reforma das creches merecem um exame mais detido, pois é a primeira 
ação que o RIOVOLUNTÁRIO executa, após avaliação da equipe técnica do Programa e 
elaboração de um projeto que obedece às regras do "Manual para Construção de Creches na 
Cidade do Rio de Janeiro" do Instituto Pereira Passos, adaptando o espaço físico existente às 
suas características e possibilidades. Este projeto de reforma é o instrumento utilizado no 
processo de captação de recursos financeiros para a execução das reformas. Mas nem sempre 
as reformas correm de acordo com as especificações dos cronogramas e planejamentos.
Além dos voluntários técnicos (engenheiros e arquitetos), a própria equipe profissional 
do programa desempenha tarefas com a “mão na massa”, que não são de sua responsabilidade 
no dia-a-dia institucional. Esta situação ficou particularmente evidente no fim do processo de 
reforma de uma creche situada numa comunidade da zona sul do Rio de Janeiro. Nesta 
ocasião, apesar do contrato que fora assinado estabelecer as responsabilidades das partes19, 
houve um atraso de mais de três meses devido às divergências alimentadas pelo representante 
da creche. Suas reclamações iam desde o modelo de torneira utilizado até as cores do 
mobiliário. Ressalto que as reformas são meticulosamente planejadas, contando com projetos 
elaborados por profissionais e, o mobiliário e brinquedos são os indicados para crianças na 
faixa etária atendida pela instituição.
19 RIOVOLUNTÁRIO e direção da creche.
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Ao longo do processo de reforma de qualquer creche, as crianças não podem utilizar os 
prédios, tendo em vista os riscos inerentes a uma obra e a inadequação de sua presença no 
local, portanto a coordenadora do programa Brasileirinho e o responsável pela creche buscam 
um local onde a creche possa funcionar provisoriamente. No caso citado, foi obtido abrigo em 
um CIEP próximo.
A reabertura da creche à comunidade foi remarcada pelo menos quatro vezes e o 
impasse não era solucionado, pois as obras não eram concluídas, o que provocava gastos além 
dos previstos no projeto de reforma e que estavam relacionados às horas dos trabalhadores, 
sumiço de materiais e equipamentos e também com a manutenção do espaço provisório, entre 
outros.
Como os embaraços iam-se acumulando e as empresas que financiavam as reformas 
cobravam o retorno de seu investimento, a solução encontrada foi informar ao dirigente que o 
projeto não seria mais instalado na creche, e que, de acordo com o contrato, o investimento 
feito deveria ser ressarcido. A estratégia de pressioná-lo mostrou-se, aparentemente, bem 
sucedida e, enfim, marcou-se a data da reabertura, tendo sido elaborado um cronograma com 
as responsabilidades de cada parte até o dia marcado para o evento.
Acho necessário dizer que estas responsabilidades já constavam em contrato, mas por 
razões às quais não é cabível a discussão neste espaço, uma das partes não cumpriu suas 
obrigações, o que forçou esta resolução “pressionada”. Mas o fim da história não se deu sem 
mais percalços.
Na semana da reabertura da creche, a equipe foi surpreendida com a informação de que 
a obra não terminaria a tempo, pois o responsável pela pintura exterior e acabamento – pintura 
de janelas, portas e mobiliário –, “desaparecera”. Como o profissional já havia recebido seu 
pagamento, pois iniciara o trabalho, o programa não dispunha de mais verba para pagar um 
substituto.
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Desta forma, todos os profissionais do programa Brasileirinho foram convocados a 
colocar a “mão na massa”. E na tinta, no tinner, nos rolos e estopas, entre outros materiais de 
construção civil. Nesta época, eu coordenava o trabalho feito com as famílias das crianças, e 
também fui chamada para este esforço final.
A conclusão à qual chego, após participar deste episódio, é que os conflitos de 
interesses existentes entre representantes de instituições locais e dirigentes de Centros de 
Voluntários não são solucionados apenas com um instrumento legal, como um contrato. A 
conversa e o acompanhamento do processo são fundamentais para que se evitem desperdícios 
de investimentos de tempo e dinheiro. Mas, ainda mais importante, é perceber que, mesmo os 
profissionais remunerados da instituição, precisam estar em sintonia com a filosofia e a 
proposta do trabalho, como se esta fosse sua “experiência militante”, para utilizar a expressão 
da antropóloga Leilah Landim, onde a atuação profissional está intrinsecamente ligada à sua 
visão social e uma proposta de intervenção na sociedade.
Creio que também é evidente que o meu comprometimento profissional com o trabalho 
voluntário alimenta esta conclusão em relação ao “perfil ideal” de profissional para atuar nesta 
área, afinal, neste episódio, não houve pagamento de hora extra, muitos precisaram 
desempenhar atividades para as quais não estavam tecnicamente preparados e, em 
conseqüência, o desgaste e o investimento emocional foram grandes.
A compensação pessoal pôde ser confirmada na reabertura da creche, quando os 
membros da equipe apresentaram aos convidados as áreas da creche cujo acabamento havia 
sido sua responsabilidade.
Pode-se dizer que esta é a “ponta do iceberg” do Programa Brasileirinho, pois a 
reforma é

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