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1 LINGUÍSTICA II (CEL0582/5674810) 9001 Professor: 2 LINGUÍSTICA II A LINGUÍSTICA E SUAS CORRENTES TEÓRICAS Olá! Ao final desta aula, você será capaz de: 1. Rever o conceito de Linguística; 2. discutir a relação entre Linguística e doutrina gramatical; 3. conhecer, brevemente, algumas correntes teóricas da Linguística, a saber: Gerativismo, Sociolinguística eFuncionalismo; 4. compreender a importância da Linguística na formação do futuro professor de Língua Portuguesa. 1 Linguística – uma ciência moderna Embora a investigação sobre a linguagem humana seja antiga, a Linguística, ciência que a tem como objeto de estudos, é relativamente nova. Destaca-se sua projeção ao se firmar como a primeira ciência humana. Nas palavras de Aldo Bizzocchi, O fantástico mundo da linguagem. “Hoje, porém, a maioria das ciências humanas tem rigor metodológico comparável ao das ciências naturais e usa ferramentas como a lógica e a matemática para descrever seus objetos de estudo e construir teorias complexas. Para que as ciências humanas adquirissem esse rigor, foi decisiva a contribuição da linguística. Ela foi a primeira dessas disciplinas a se constituir como ciência, no final do século 18, com método e objeto próprios e bem definidos, emprestando depois às demais o seu método de pesquisa.” (BIZZOCCHI, 2000). Para entender o caráter científico da Linguística, faz-se necessário apresentar alguns de seus pressupostos (cf. CUNHA et al., 2009): 3 A partir de uma metodologia bem definida, busca-se sistematizar as observações sobre a linguagem, relacionandoas a uma teoria construída para esse propósito. Observa-se a capacidade da linguagem, a partir de enunciados falados e escritos, que são investigados e descritos à luz de princípios teóricos, que podem ser validados por meio de análise de enunciados produzidos em várias línguas. Embora a escrita também seja considerada pela Linguística. Cabe dizer que seu foco principal é a língua falada, uma vez que é a modalidade de uso da língua desenvolvida naturalmente pelo indivíduo a partir do contato com seus familiares. Como busca a comprovação empírica dos fatos, a maioria das correntes linguísticas contemporâneas trabalha com dados verificáveis por meio de observações e experiências. É uma ciência descritiva. Por isso, não há, em suas análises, qualquer tipo de julgamento ou preconceito em relação a determinados usos. Propõe-se a entender o funcionamento das línguas. Desse modo, podemos concluir que o trabalho dos linguistas, cientistas que se dedicam à Linguística, é estudar a linguagem humana através da observação de como as línguas naturais se estruturam e funcionam, a fim de se obter não só descrições adequadas dessas línguas naturais, mas também entender mais sobre a natureza da linguagem. Saiba mais Embora a escrita também seja considerada pela Linguística, cabe dizer que seu foco principal é a língua falada, uma vez que é a modalidade de uso da língua desenvolvida naturalmente pelo indivíduo a partir do contato com seus familiares. 2 Linguística e a doutrina gramatical Depois de rever os objetivos da investigação linguística, vamos continuar a nossa revisão e abordar a relação entre Linguística e doutrina gramatical. Começaremos com uma citação que ilustra, muitíssimo bem, essa relação: “A Linguística não se compara ao estudo tradicional da gramática; ao observar a língua em uso o linguista procura descrever e explicar os fatos: os padrões sonoros, gramaticais e lexicais que estão sendo usados, sem avaliar aquele uso em termos de um outro padrão: moral, estético ou crítico.” (PETTER, Margarida. Linguagem, língua e Linguística. In. FIORIN, José Luiz. Introdução à Linguística. São Paulo: Contexto, 2002, p. 17). 2.1 Analisemos as seguintes construções: 1 - “Os livros 4 chegaram. ” 2 - “Os livro chegou.” O que um linguista e um gramático diriam sobre os exemplos apresentados em (1) e (2)? Um gramático diria que apenas (1) está de acordo com a prescrição e que (2) apresenta um “erro” em relação às regras de concordância. E o linguista? Qual seria o seu comentário? Sabemos que a Linguística, por conta de seu caráter científico, não julga os enunciados de uma língua. Não há preconceitos ou rótulos de “certo” e “errado” no que se refere a construções comumente observadas no uso da língua. Por isso, um linguista, ao analisar os exemplos (1) e (2), diria que ambos são enunciados lógicos e coerentes, comuns nos contextos comunicativos da Língua Portuguesa. O exemplo (2), embora siga um modo de combinação que difere daquele apresentado nas gramáticas normativas, apresenta regras gramaticais próprias. Para o linguista, que não tem como objetivo fazer julgamentos de correto-incorreto, as falas do juiz e do mecânico estariam adequadas ao contexto comunicativo em que se encontram. As construções utilizadas refletem o nível de escolarização dos personagens. Por exemplo, o juiz, por ser altamente escolarizado e estar em uma situação comunicativa formal, faz uso do pronome oblíquo “o” para se referir ao senhor Marcos Mattos. Por sua vez, o mecânico Ademir, analfabeto, usará o pronome “ele” na função de objeto direto (“arrumá ele”). Para o gramático, que considera um determinado uso da língua como correto, apenas a fala do juiz estaria correta, pois há muitos usos, na fala do mecânico, que não condizem com a prescrição. O linguista e o gramático diriam que a fala do E.T. é agramatical, pois sua construção não obedece às regras de funcionamento da nossa língua, à gramática intuitiva que cada falante tem. O extraterrestre, como não é um falante nativo do português, apresenta uma construção com um modo de combinação possível no português. 3 As correntes da Linguística Já entendemos que Linguística corresponde ao estudo científico da linguagem humana. Assim como ocorre em outras ciências, podemos ter diferentes maneiras de compreender o mesmo objeto de estudo. Desse modo, a Linguística apresenta algumas correntes teóricas, que vão investigar a linguagem humana sob perspectivas diferentes. Vamos a uma breve apresentação de algumas delas. Teremos como foco as correntes linguísticas que serão abordadas em nossa disciplina, a saber: Gerativismo, Sociolinguística e Funcionalismo. Vale dizer que há outras não menos importantes. 5 Costuma-se atribuir o nascimento da Linguística moderna no ano de 1916 à publicação do Curso de Linguística Geral, obra do linguista suíço Ferdinand de Saussure. Sabemos que, na realidade, as bases da Linguística moderna já haviam sido lançadas ao longo do século XIX a partir do trabalho de muitos linguistas que tinham como foco os estudos de comparação entre línguas diferentes. As ideias de Saussure, apresentadas no CLG, ganharam tanto destaque que, no século XX, surge uma das mais importantes escolas científicas: o Estruturalismo, que firmou sua influência não só na Linguística, mas também em outras áreas como a Sociologia, a Antropologia, a Psicanálise, a Filosofia etc. O estruturalismo de Saussure, embora considere a “língua” como um fato social, se atém ao caráter formal e estrutural do fenômeno linguístico, uma vez que a concebe como uma estrutura. Em 1957, o linguista Noam Chomsky promove uma verdadeira revolução nos estudos da linguagem ao propor uma abordagem caracterizada pela ausência do componente social: a língua passa a ser vista como um fenômeno mental. Para Chomsky e sua teoria Gerativa (ou Gerativismo), a capacidade humana de falar e entender uma língua é o resultado de uma capacidade genética. Seu objetivo era propor uma teoria explicativa que pudesse contemplar não só as frases realizadas, mas também aquelas que seriam, potencialmente, produzidas pelo falante. Como uma reação aos modelos formais de análise linguística do Estruturalismo e do Gerativismo, na década de 1960, nos Estados Unidos, surge a Sociolinguística, que, na sua vertente variacionista,tem como nome principal o linguista William Labov. A Sociolinguística propõe novamente a focalização do aspecto social, mas sob o ponto de vista da variação e a possibilidade de sistematizá-la. Assim, tem-se como 6 pressuposto teórico a ideia de que toda língua muda com o tempo e varia em função de aspectos geográficos e sociais. Em 1975, as análises funcionalistas ganham destaque na linguística norte- americana a partir dos trabalhos de Dwight Bolinger. Ainda como uma oposição às ideias estruturalistas e gerativistas, surge uma teoria que tem como objetivo explicar a língua com base no contexto linguístico e na situação extralinguística: o Funcionalismo, corrente teórica que tem como foco de interesse a relação entre estrutura gramatical das línguas e os contextos de comunicação em que são utilizadas. Sobre o Funcionalismo europeu, Cunha (2009) afirma: “atribui-se aos membros da Escola de Praga, que se originou no Círculo Linguístico de Praga (...), as primeiras análises na linha funcionalista.” (p.159). Fique ligado Como dissemos anteriormente, em Linguística II, vamos nos ater a uma breve apresentação dessas três correntes linguísticas. É importante dizer que não existe pressuposto teórico melhor ou pior. Vamos entender que essas áreas terão como objeto de estudo a linguagem verbal humana, cada uma com um foco diferente de análise. 4 A Linguística é a salvação? Depois de conhecermos, brevemente, outras correntes linguísticas, vamos encerrar a nossa primeira aula, refletindo sobre o papel da Linguística na formação do futuro professor de Língua Portuguesa. À medida que conhecemos melhor as correntes gerativistas, sociolinguísticas e funcionalistas, vamos ampliando a nossa visão sobre a língua e passamos a refletir sobre a aplicação dos resultados das pesquisas linguísticas nessas áreas na questão do ensino. Como as inovações introduzidas pela Linguística podem nos ser úteis para tratar algumas ideias preconcebidas e amplamente difundidas pela doutrina gramatical? Sobre esse aspecto, é preciso ter cuidado. Retomamos um trecho do item “A salvação na Linguística?”, de Celso Pedro Luft (1997): “Nenhum ensino em crise pode ser salvo pela simples troca de uma teoria por outra, ainda que esta, como a Linguística, seja do mais alto nível científico. Porque não é esse o problema.(...) O lugar da Linguística, antes de mais nada, é nos cursos de graduação e pós-graduação, onde é ministrada a futuros técnicos, pesquisadores, especialistas do ramo, professores, autores de livros didáticos. Ensinar Linguística no 1º e 2º Grau é uma insensatez. As teorias gramaticais estão em evolução constante, sua abordagem exige maturidade mental, capacidade de reflexão e abstração. O que a Linguística traz de positivo ao ensino de línguas são as noções fundamentais de linguagem e língua, de variedades e registros; a noção de que não há língua que não evolua; a noção de que o uso e os fatos devem prevalecer sobre preconceitos normativistas – sobretudo, a noção de que a língua é um saber interior, pessoal, dos falantes, de onde o ensino deve partir e em que deve, sempre, se basear. (LUFT, 1997: 97) 7 Mas tudo isso é o embasamento teórico imprescindível que deve guiar o professor em suas aulas práticas, e não se transformar em matéria de ensino. O ensino tem de ocupar-se com o manejo efetivo da língua, falada e escrita.” (LUFT, Celso Pedro. Língua e liberdade: por uma nova concepção da língua materna e seu ensino. Porto Alegre: L&PM, 1985, p.96-97.) Hoje, não é mais possível conceber um ensino que não considere os avanços trazidos pelas pesquisas científicas em relação aos fenômenos linguísticos. Felizmente, o Ministério da Educação está atento a isso. Vale destacar, no entanto, que essas reflexões devem fazer parte apenas da formação do professor de Língua Portuguesa. Como salientou Luft, não podemos “trocar uma teoria por outra” (p.96). O que vem na próxima aula Na próxima aula, você vai estudar: • O Gerativismo; • a faculdade da linguagem; • a Gramática Universal (GU); • o conceito de princípios e de parâmetros. 8 LINGUÍSTICA II O GERATIVISMO: FACULDADE DA LINGUAGEM Olá! Ao final desta aula, você será capaz de: 1. Conhecer o contexto histórico em que se insere o Gerativismo; 2. conhecer o conceito de Faculdade da Linguagem; 3. definir Gramática Universal (GU); 4. distinguir princípios e parâmetros; 5. comparar Empirismo e Racionalismo. Imaginem a seguinte situação: vocês acharam um filhote de macaco na rua e resolveram criá-lo como se fosse um bebê. Ele, aos poucos, se adaptou ao novo lar: consegue, sem problemas, segurar a mamadeira para mamar, dorme no berço como qualquer outra criança, adora ficar no seu colo... O tempo foi passando, o macaco foi crescendo, mas a questão é: se o macaco fosse uma criança normal, ou seja, sem patologia, o que aconteceria neste momento? Pois é, ele começaria a falar! Você acha que isso iria acontecer com o seu macaco? Não! Vamos entender o porquê com o Gerativismo. 1 O Gerativismo O Gerativismo é uma corrente da Linguística, que teve início nos Estados Unidos, em 1957, e tem como nome principal o linguista Noam Chomsky. A corrente da linguística que teve início no final da década de 1950, a partir das pesquisas de Noam Chomsky, também é conhecida como Linguística Gerativa, ou Teoria Gerativa, ou, ainda, Gramática Gerativa. 9 A teoria gerativista recebe esse nome, pois, segundo ela, a partir de um conjunto de regras, é possível produzir um número ilimitado de sequências linguísticas. Assim, seria impossível apresentar uma lista com-pleta das frases previstas pelas regras da língua. Poderíamos pensar, por exemplo, no seguinte: quantas frases seriam produzidas a partir da estrutura “SUJEITO + PREDICADO”? Noam Chomsky é linguista e cientista político norte-americano. Para conhecer um pouco mais sobre a vida de Chomsky, leia o artigo “Dentro da cabeça de Chomsky” ( https://super.abril.com.br/cultura/dentro-da-cabeca-de-noam-chomsky/). Em 1957, Chomsky publica seu livro “Estruturas sintáticas” (do inglês, Syntactic Structures), que marca o início do Gerativismo e promove uma revolução nos estudos linguísticos. Vale ressaltar que a Teoria Gerativa passou, ao longo dos anos, por uma série de reformulações, chegando, na década de 1990, ao Programa Minimalista (PM). Muitos autores, por isso, preferem se referir à teoria como um “Programa de investigação gerativista”. Os gerativistas buscam descrever e explicar, abstratamente, o que é e como funciona a linguagem humana. Por isso, propõem-se a elaborar um modelo teórico formal, inspirado na matemática. Devido à sua formação (matemática, psicologia, filosofia e linguística), Chomsky, no Gerativismo, parte do pressuposto de que é possível descrever algebricamente a língua humana, a partir de esquemas abstratos. Por isso, pode-se dizer que a base filosófica da teoria é o RACIONALISMO, que vê no pensamento, na razão, a fonte principal do conhecimento humano. Os racionalistas defendem a ideia de que a fonte principal do conhecimento humano é a mente, uma vez que os seres humanos recebem um número de faculdades específicas, cujo papel fundamental é permitir a aquisição do conhecimento. Vale ressaltar que no Empirismo, tal método matemático não é aceito e a experiência é o ponto de partida do conhecimento. 2 Gerativismo: A Faculdade da Linguagem A partir da década de 1950, os estudos da linguagem, que eram guiados por uma postura behaviorista, passaram por expressivas transformações a partir das ideias de Chomsky. https://super.abril.com.br/cultura/dentro-da-cabeca-de-noam-chomsky/ 10 Segundo a visão behaviorista, o ser humano adquire a linguagem por imitação, ou seja, tudo é aprendido por condicionamento. Um dos principais defensores do BEHAVIORISMO foi o psicólogo americano Skinner (19041990), responsável pela descriçãode mecanismos de controle das ações humanas por estímulo e resposta. O linguista norte-americano Leonard Bloomfield é outro nome importante do behaviorismo. Segundo ele, a partir de estímulos, a criança, nos primeiros anos de vida, repete sons vocais. O processo envolve a visão, o tato (manuseio de objetos), a audição e a imitação do som até que ela, como um hábito, fixe determinada palavra e passe a usá-la. Segundo Chomsky, a linguagem é uma capacidade inata, está inscrita no DNA do ser humano. Por isso, na situação apresentada no início da aula, o macaco, ainda que seja criado apenas entre humanos, jamais desenvolverá a linguagem, que nele não é inata. Pelo fato de ser uma capacidade humana inata, ou seja, de fazer parte da constituição cerebral de todos os seres humanos sem patologias, as línguas devem apresentar características universais. Além do caráter universal da linguagem humana, Chomsky destaca um aspecto muito importante na linguagem humana: a criatividade. Todos os indivíduos, independentemente do seu nível de escolaridade, apresentam uma capacidade de criar infinitamente frases novas, das mais simples às mais complexas. A criatividade da linguagem humana é um fator que nos distingue dos animais e não poderia ser explicada tendo como base as ideias behavioristas. 3 Como o cérebro é visto no Gerativismo? Para entender a proposta gerativista, é preciso conhecer o modo como Chomsky e seus seguidores compreendem a mente/cérebro do homem. Segundo Martins (2006), os gerativistas adotam uma visão modularista, mente/cérebro são entendidos como um sistema complexo, com uma estrutura altamente diferenciada e com ‘faculdades’ separadas, como, por exemplo, a faculdade da linguagem e a faculdade dos conceitos. Segundo Chomsky, da mesma maneira como sistemas complexos ou ‘órgãos do corpo’ – como o córtex visual e o sistema circulatório – têm suas propriedades 11 exclusivas e são estudados separadamente, com suas teorias próprias, também os diferentes sistemas cognitivos ou ‘faculdades’ da mente – como a faculdade da visão e a faculdade da linguagem – devem ser estudados separadamente. (cf. Chomsky, N. (1986) Knowledge of language : its nature, origin and use. New York: Praeger.) 4 Gramática Universal (GU): princípios e parâmetros. O modelo gerativista, proposto por Noam Chomsky, considera que os seres humanos nascem dotados de uma faculdade da linguagem que é um componente da mente/cérebro especificamente dedicado à língua e marca a diferença fundamental entre os homens e os outros seres do planeta. O que fornece ao homem essa capacidade inata para falar é a faculdade da linguagem, geneticamente transmitida, biologicamente determinada e, portanto, inerente a toda espécie humana. Desse modo, não importa que uma criança seja falante de inglês, espanhol, russo ou português: todas possuem a mesma faculdade da linguagem, já que todo ser humano está predisposto a adquirir sua língua natural, a menos que possua algum problema patológico. Língua natural, língua materna ou língua nativa são expressões utilizadas para se referir à língua que o ser humano adquire a partir do ambiente linguístico que o cerca. Chomsky considera que a mente humana é composta por sistemas cognitivos, organizados em módulos. Assim, a faculdade da linguagem estaria em um desses módulos. Seguindo a tese da modularidade da mente, tem-se a hipótese do inatismo, segundo a qual há uma estrutura mental inata ou estado inicial que possibilita aos seres humanos adquirirem sua língua natural. Essa estrutura mental inata é chamada na teoria gerativista de Gramática Universal (GU). A GU é o estado inicial da faculdade da linguagem. Há, na GU, princípios e parâmetros. Os princípios são comuns a todas as línguas, apresentam caráter universal e são responsáveis por explicar a organização das línguas naturais. Já os parâmetros são específicos de uma língua e reconhecidos a partir dos dados linguísticos do ambiente do indivíduo em fase de aquisição de linguagem. Apresentam-se de modo binário, ou seja, com o valor positivo (+) ou negativo (-). O valor (+) indica que aquele parâmetro está presente na língua; já o valor negativo (- ) sinaliza a ausência daquela característica. 4.1 Entendendo os princípios e parâmetros Tendo como foco a descrição da GU, os gerativistas propõem uma teoria chamada de Princípios e Parâmetros. Kenedy (2009, p. 135) nos lembra que "essa teoria possui pelo menos duas fases: a fase da teoria da regência e da ligação (TRL), que perdurou por toda a década de 1980, e o programa minimalista (PM), em desenvolvimento desde o inicio da década de 1990 até o presente". Apresentamos, abaixo, um exemplo de um princípio e de um parâmetro: 12 Tendo como base o português e o inglês, vamos perceber que, em inglês, esse sujeito tem que ser produzido, o mesmo não acontecendo em português. Observe os exemplos: 1) Português: Ø Chove. 2) Inglês: It rains. 3) Português: Eu vi o menino ontem. 4) Português: Ø Vi o menino ontem. 5) Inglês: I saw the boy yesterday. 6) Inglês: * Ø Saw the boy yesterday. Nós, como falantes nativos do português, sabemos, perfeitamente, que podemos produzir enunciados como os apresentados em (1), (3) e (4). Isso acontece porque, na nossa língua, o sujeito pode ou não ser nulo nas sentenças finitas. O falante tem a opção de escolher. O símbolo (Ø) significa a existência de uma categoria vazia, ou seja, a posição não está ocupada por um elemento morfologicamente realizado, mas existe e não pode ser preenchida por nenhum outro elemento. 5 Relembrando Vimos que nascemos com um sistema único de princípios inatos, enraizado na nossa mente/cérebro, dedicado exclusivamente à linguagem: a GU. A GU é o estado inicial da faculdade da linguagem e é constituída de princípios universais e parâmetros específicos de cada língua. Sendo assim, podemos dizer que todas as línguas humanas possuem propriedades comuns já que todos nós nascemos com o mesmo aparato genético. Então, por que falamos línguas diferentes? 6 Gramática Universal e Gramática Particular No processo de aquisição de uma língua, o indivíduo vai, gradativamente, fixando os valores dos parâmetros a partir do contato com os dados linguísticos da sua língua nativa. À medida que os valores desses parâmetros são fixados pelo indivíduo Princípio “Todas as sentenças, independentemente da língua, têm a função sintática sujeito.” Parâmetro do sujeito nulo Uma língua admite ou não sujeito nulo nas sentenças finitas.” 13 durante a aquisição, uma gramática é construída, ou seja, a gramática particular de sua língua. O termo “gramática” é polissêmico, ou seja, apresenta várias acepções. Quando usamos o termo “gramática”, aqui, estamos nos referindo aos conhecimentos que um falante tem de sua língua materna, aos mecanismos de funcionamento de uma língua. Não estamos nos referindo à gramática normativa ou à gramática tradicional. O que vem na próxima aula Na próxima aula, você vai estudar: • A aquisição da linguagem. 14 LINGUÍSTICA II AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM Olá! Ao final desta aula, você será capaz de: 1. Conhecer o processo de aquisição da linguagem segundo o Gerativismo; 2. identificar as etapas no processo de aquisição da linguagem; 3. comparar algumas teorias de aquisição da linguagem, a saber: inatismo, behaviorismo e cognitivismo. 1 Aquisição da Linguagem Quem tem filhos ou convive com crianças sabe que, “num piscar de olhos”, as crianças já começam a falar. Sabemos que há etapas a serem seguidas, mas temos a certeza de que esse processo acontece de forma bem rápida. “Na realidade, a faculdade da linguagem nada tem de trivial. O vocabulário médio de um adulto em sua língua nativa, por exemplo, alcança em torno de 50 mil palavras, codificadas por cerca de 40 unidades distintivas de som de fala (fonemas). Veja que tanto o vocabulárionumeroso quanto o pequeno inventário de fonemas deveriam ser desfavoráveis à existência da linguagem no homem: temos poucos códigos para distinguir muitos itens. Apesar disso, após o curto período de aquisição de linguagem, entre dois e três anos de idade, nos integramos a uma comunidade linguística e, sem nenhum esforço, usamos essa língua com mais naturalidade do que um estrangeiro que passou anos tentando aprendê-la depois de adulto.” Pelo que vimos, segundo o Gerativismo, já nascemos com uma capacidade inata para desenvolver uma língua. No entanto, por que não saímos da barriga da nossa mãe 15 falando? Poderíamos fazer também outras perguntas: “Se já nascemos com as nossas pernas completamente formadas, por que não saímos da barriga da nossa mãe andando?” ou “Se temos um sistema visual, por que não distinguimos todas as cores logo após o parto?” Assim como o sistema motor e o sistema visual, o nosso sistema linguístico também passa por um processo de maturação. Podemos perceber que as crianças também vivenciam etapas até conseguirem andar sozinhas, sem a ajuda de adultos ou sem o apoio em objetos. Com a linguagem, não é diferente. Vamos entender como se dá a aquisição da linguagem? “A acuidade visual se refere à capacidade do sujeito em detectar, separar ou discriminar um objeto no espaço. (...) Ao nascimento, a acuidade visual humana é muito reduzida, quando comparada a de um adulto. Um bebê, ao nascimento, enxerga dez a vinte vezes menos que um adulto. Isso significa que somente estímulos muito grandes poderão ser vistos pelo bebê. No entanto, há um rápido desenvolvimento desta função nos primeiros 6-12 meses de vida. (...) Assim como a acuidade visual, a habilidade de discriminar contrastes de luminâcia está presente ao nascimento, mas é extremamente pobre em desempenho se comparada com a de um adulto. Fique ligado (...) Estudos recentes mostram que até a 4ª semana de vida, o bebê discrimina pobremente um estímulo colorido de um estímulo branco de mesma intensidade de brilho, ou seja, até o final do primeiro mês de vida, a visão de cores praticamente inexiste, limitando-se à região laranjaavermelhada do espectro cromático. Nos três meses seguintes há o aparecimento gradual da visão de cores.” 2 O Processo de Aquisição da Linguagem O processo de aquisição da linguagem é algo muito interessante. O fato de as crianças, já por volta dos três anos, serem capazes de fazer uso da sua língua de modo tão eficiente leva-nos a pensar como essas línguas são adquiridas. Muito cedo, qualquer criança surpreende os adultos com a sua capacidade de produzir e compreender os enunciados da sua língua. Podemos dizer que ela: “Não repete simplesmente o que lhe dizem: com as regras que depreendeu das frases ouvidas, forma inúmeras outras, inclusive nunca ouvidas. Quer dizer, desde as primeiras etapas a criança ‘cria’ suas frases. Essa criatividade é justamente o traço característico da gramática que a criança internaliza. 16 Fique ligado A ‘graça’ da linguagem infantil não está nos erros que comete, mas nas suas engenhosas tentativas (com muitas criações individuais) de utilizar o código fornecido pelos adultos.” Mamãe, eu fazi isso sim! Eu pesadelei a noite toda! Eu vou vassourar a casa! Certamente, vocês já devem ter ouvido algumas crianças produzirem estruturas assim ou bem parecidas. O que podemos, então, pensar? As crianças percebem como a língua a qual foram expostas funciona, elas captam aquilo que é regular em seu sistema linguístico. A partir daí, criam seus enunciados. Nesse processo de criação, aparecem elementos que, embora sejam construídos obedecendo às regras de funcionamento da língua, não foram as formas consagradas pelos seus usuários. Assim, o adulto entende o que a criança quis dizer e acha graça da forma produzida. Tomemos como exemplo o verbo “vassourar”. Se temos, em português, o substantivo “pincel” e o verbo “pincelar”, poderíamos, perfeitamente, ter o verbo “vassourar”, já que temos o substantivo “vassoura”. No entanto, o uso consagrou a forma “varrer”, embora “vassourar” apresente um processo de formação produtivo na língua. De fato, enunciados assim levam-nos a crer que há um componente genético inato, específico para desenvolver uma língua, como vimos na nossa aula passada. Esses e outros exemplos corroboram a ideia de que o cérebro humano não nasce como um “quadro em branco”, uma “tábula rasa”, como afirmam os behavioristas – se você quiser rever esse assunto, volte à aula 2. Por conta da questão do inatismo, Chomsky (1981) considera mais apropriado falar em “crescimento da linguagem” e não em “aprendizado” ou “aquisição”. Afinal de contas, apenas adquirimos algo que não temos. 17 Como vimos na aula passada, a criança não nasce com uma capacidade para desenvolver a língua X ou a língua Y. A predisposição biológica do ser humano vai permitir que ele desenvolva uma língua a partir dos dados linguísticos do ambiente que o cerca. A exposição a esses dados faz com que o indivíduo acione um certo valor de parâmetro para que a criança componha a gramática de sua língua particular. Fique ligado Vale destacar que a exposição a esses dados linguísticos acontece de modo natural: na fala espontânea de adultos, há enunciados truncados, hesitações, falhas em geral. No entanto, apesar disso, a criança consegue perceber o que é ou não regular na sua língua. 3 As Etapas do Processo de Aquisição da Linguagem Em relação ao processo de aquisição da linguagem, as pesquisas mostram que a criança vai internalizando o sistema gramatical de maneira gradual, por etapas. Independentemente da língua a que a criança está exposta, todas elas, em fase de aquisição da linguagem, adquirem primeiro as palavras de conteúdo (“formais”: substantivos, adjetivos, verbos), só depois as palavras gramaticais (“estruturais”: pronomes, preposições etc.). Tudo acontece aos poucos. A criança desenvolve a capacidade de nomear e faz uso de substantivos. Em seguida, começa a fazer uso de elementos mais abstratos como verbos e adjetivos. Ela começa, então, a produzir estruturas sintáticas simples até chegar às estruturas mais complexas. Aproximadamente, aos 5 ou 6 anos, a criança já é, como diz Chomsky, um “adulto linguístico”. Essa uniformidade no processo de aquisição é, para os gerativistas, um indicativo de uma faculdade da linguagem, comum à espécie humana. NENÊ PAPÁ AUAU MORDE BONECA ÁGUA 18 Assim, podemos dizer que as crianças não nascem com a gramática da sua língua pronta para ser usada. Se um bebê, filho de pais americanos for criado por pais japoneses, desenvolverá o japonês. Se criado por pais brasileiros, desenvolverá o português. E se a criança não for exposta a uma língua durante a infância? E o caso das chamadas “crianças selvagens”? Vimos que a explicação behaviorista da aquisição da linguagem não consegue explicar o fato de os sistemas linguísticos terem como uma de suas características essenciais a produtividade e a criatividade. Assim, podemos dizer que o processo de aquisição não depende da imitação. Sabemos que todo indivíduo, exceto aquele com alguma complicação patológica, irá desenvolver uma língua. Isso independe de sua condição social. No entanto, é preciso estar exposto a um sistema linguístico. Há, na literatura, uma série de relatos de casos de crianças que, em virtude de motivos de natureza diversa, tiveram o acesso aos dados de um sistema linguístico negado. Por isso, não desenvolveram sua língua natural no período da infância, como, normalmente, acontece. A história de Mogli, personagem da Disney inspirado no livro de Rudyard Kipling, menino criado por lobos, ilustra casos reais como o da menina Genie, um dos casos mais conhecidos na literatura. Essa criança, que havia sido afastada de qualquer exposição à língua dos 20 (vinte) meses aos 13 (treze) anos e 7 (sete) meses de vida, quando inserida novamente no convíviosocial, teve o desenvolvimento da linguagem em dois aspectos bastante diferenciados do de crianças normais, ou seja, daquelas crianças que adquirem linguagem durante o período normal de aquisição de linguagem. Se por um lado Genie apresentou uma rápida aquisição do vocabulário, mostrando uma habilidade semântica superior àquela alcançada por crianças normais em igual período de tempo, por outro lado, ela apresentou uma pobre elaboração morfológica e um reduzido emprego de estruturas sintáticas complexas em sua fala, mostrando uma habilidade sintática bastante defasada em relação às crianças normais. A partir dessas observações e da análise de testes neuropsicológicos aplicados a Genie, que revelaram seu amadurecimento conceptual e sensorial-motor, pode-se concluir que o conhecimento cognitivo apresentado por Genie não foi suficiente para sua aquisição sintática e morfológica. 19 Saiba mais Cognitivo 1. Ref. à cognição, capacidade de aquisição de conhecimento, ou ao conhecimento: desenvolvimento cognitivo humano. 2. Ref. à função e ao processo mental do tratamento das informações (percepção, memória,raciocínio etc.) 3. Psi. Ref. aos processos da mente envolvidos na percepção, na representação, no pensamento,nas associações e lembranças, na solução de problemas etc. [F.: Do lat. cognitus + -ivo.] (Fonte: Dicionário on-line Caldas Aulete) Para conhecer mais sobre a história da Genie, assista ao vídeo Genie – A menina selvagem. https://www.youtube.com/watch?v=u97ii-aInF8 4 Algumas teorias de aquisição INATISMO – Chomsky, com sua hipótese inatista, assume que há um componente inato para a aquisição da linguagem e independente da cognição. Para ele, a experiência Noam Chomsky funciona apenas como um “gatilho” (do inglês, trigger) para acionar uma capacidade que é inata. https://www.youtube.com/watch?v=u97ii-aInF8 20 Para B. F. Skinner, behaviorista, todo comportamento/aprendizado linguístico ou não é resultado de um processo de reforço e privação. Segundo a proposta BEHAVIORISMO behaviorista, “a criança vê a mamadeira (estímulo) e diz ‘papá’. Se ela conseguir – B. F. Skinner que lhe deem a mamadeira, será reforçada positivamente, ‘aprenderá’ que quando quiser comida deve dizer ‘papá’”. (SANTOS, Raquel. A aquisição da linguagem. In: FIORIN, J. L. (org.) Introdução à linguística, vol. 1. São Paulo: Contexto, 2002.). O cognitivismo vincula a linguagem à cognição. Essa proposta foi desenvolvida por Jean Piaget. Segundo ele, desde o seu nascimento, a criança constrói o conhecimento a partir do contato com o meio. Pode-se perceber que a teoria COGNITIVISMO atribui um grande valor à experiência, mas não chega a ter base empirista, pois, – Jean Piaget de acordo com Piaget, a criança é responsável por construir o conhecimento com base na experiência com o mundo físico, ou seja, o conhecimento está na ação sobre o ambiente. Saiba mais “O conhecimento linguístico de uma criança em um determinado momento reflete as estruturas cognitivas que foram desenvolvidas antes e que determinam esse conhecimento. (...) A linguagem é vista como porta para cognição.” (SANTOS, Raquel. A aquisição da linguagem. In: FIORIN, J. L. (Org.) Introdução à linguística. vol. 1. São Paulo: Contexto, 2002.) 5 Debate Chomsky-Piaget Em 1975, houve um debate entre Chomsky e Piaget sobre aquisição do conhecimento. Para saber mais, leia o que disse Piaget sobre a psicogênese dos conhecimentos e qual foi a resposta de Chomsky: https://www.ufrgs.br /psicoeduc/piaget/chomsky-para-piaget/ https://www.ufrgs.br/psicoeduc/piaget/chomsky-para-piaget/ https://www.ufrgs.br/psicoeduc/piaget/chomsky-para-piaget/ 21 LINGUÍSTICA II O GERATIVISMO E A DICOTOMIA COMPETÊNCIA E DESEMPENHO Olá! Ao final desta aula, você será capaz de: 1. Distinguir competência e desempenho; 2. identificar o conceito de gramaticalidade; 3. reconhecer a competência como objeto de estudos da Linguística para Chomsky; 4. conhecer a representação arbórea do Gerativismo; 5. conhecer algumas críticas ao Gerativismo. 1 Competência versus Desempenho Vamos começar a nossa aula com um teste. Apresente as sentenças abaixo a um grupo de indivíduos falantes nativos da língua portuguesa. Selecione indivíduos de diferentes níveis de escolaridade e até mesmo analfabetos. Você pode ler ou escrever as sentenças para o seu informante. Peça a ele para, com base na própria intuição, dizer qual(is) sentença(s) pode(m) ser entendida(s). 1) Eu comi um bolo delicioso. 2) Quantas fatias de bolo você já comeu? 3) Que fatia você comeu quantas do já bolo? Certamente, independentemente do nível de escolaridade do seu informante, você terá como resposta que a sentença (3) não faz sentido, não é mesmo? Por que isso acontece? Uma das preocupações da teoria gerativa é compreender como é possível que os falantes nativos de uma língua tenham intuições sobre as construções sintáticas que ouvem e produzem. A partir dos resultados do teste, foi possível perceber que seus informantes, intuitivamente, disseram que (1) e (2) são sentenças possíveis na língua, ou seja, gramaticais. Por outro lado, todos avaliaram a sentença (3) como anormal, estranha, não é mesmo? Logo, podemos dizer que essa sentença é agramatical, ou seja, causa- 22 nos um estranhamento, não ouvimos ninguém falando assim. Por isso, vamos sinalizá-la com um asterisco (*), cuja função é marcar essa agramaticalidade: Como conseguimos reconhecer sentenças gramaticais e agramaticais? Só conseguimos isso porque temos um conhecimento implícito da nossa língua. Todos os falantes nativos de uma língua, independentemente de terem ou não frequentado a escola, apresentam esse conhecimento, que é inconsciente e natural e não está, de modo algum, relacionado ao conhecimento das regras normativas da língua. Ao fazer a atividade, você percebeu o quanto a intuição do falante sobre o que faz parte ou não da nossa língua é importante. Além disso, foi possível notar que os conceitos de gramaticalidade/agramaticalidade não recobrem, de modo algum, os conceitos de “certo” e “errado” estabelecidos pela gramática normativa. Fique ligado Para os gerativistas, esse conhecimento intuitivo e internalizado que temos é chamado de competência linguística. Quando essa competência é colocada em uso, temos o desempenho linguístico do indivíduo, ou seja, o uso concreto da língua. 2 Objeto de Estudo da Linguística para Chomsky: a Competência Linguística Chomsky estabelece uma distinção entre a competência linguística do falante e seu desempenho. A proposta teórica gerativa assume que à Linguística interessa o estudo da competência. Competência: é o conhecimento subjacente e internalizado que o falante tem de sua língua. Graças à competência, os falantes apresentam um conhecimento ilimitado do seu sistema linguístico. Assim, conseguem perceber se uma determinada sentença é gramatical ou agramatical, ou seja, se obedece ou não às regras de combinação do seu sistema linguístico. E o que é o desempenho? DESEMPENHO (ou performance): é uso que o falante faz da língua. O desempenho relaciona-se ao que Saussure denominou fala. Vale lembrar que o desempenho linguístico de um indivíduo está relacionado a diversos fatores como atenção, 23 memória, visão de mundo etc. Por exemplo, se um indivíduo for tímido e falar pouco, isso não significa que a sua competência linguística é inferior a de outros indivíduos. A questão envolve apenas a sua atuação, mas não o seu conhecimento internalizado. Fique ligado LEIA UM COMENTÁRIO IMPORTANTE SOBRE AS DICOTOMIAS “LÍNGUA X FALA” E “COMPETÊNCIA X DESEMPENHO” Embora o conceito de fala de Saussure e o conceito de desempenho de Chomsky sejam equivalentes, na visão do linguista estruturalista, a principal função da língua é a interação social. Para Chomsky, a língua apresenta uma função cognitiva. Vamos observar mais algunsexemplos: 1) Vou comprar dois pão. 2) Vou comprar dois pães. 3) *Comprar dois vou pães. Um falante nativo da Língua Portuguesa saberá que é possível produzir enunciados como (1) e (2), mas que (3) é um enunciado que não faz parte da língua e é, por isso, agramatical (*). Produzir “dois pão” ou “dois pães” é apenas uma diferença percebida no desempenho, que não se relaciona ao conhecimento linguístico que o falante tem internalizado. (1) e (2), portanto, apresentam a mesma estrutura. A análise linguística, segundo Chomsky, deve descrever as regras que governam a estrutura da competência. Para ele, os linguistas não devem investigar o desempenho, ou seja, o comportamento do indivíduo, mas sim a competência dos falantes, já que ela é puramente linguística. Assim, Chomsky considera que a Linguística pode contribuir para a compreensão da organização da mente humana. 3 A Noção de Constituinte e a Representação Arbórea Com o objetivo de descobrir o que há de universal na linguagem humana, o primeiro modelo teórico gerativista, chamado de gramática transformacional, passou por várias mudanças ao longo das décadas de 1960 e 1970. Como afirma Kenedy (2009, p.131), “os objetivos dessa fase do gerativismo consistiam em descrever como os constituintes das sentenças eram formados e como tais constituintes transformavam-se em outros por meio da aplicação de regras”. Segundo Mioto et at (2005), um constituinte é “uma unidade sintática construída hierarquicamente, embora se apresente aos olhos como uma sequência de letras ou aos ouvidos como uma sequência de sons” (MIOTO et al., 2005, p. 45) 24 Desse modo, a partir de um conjunto limitado de regras sintáticas, os indivíduos são capazes de produzir infinitas sentenças gramaticais. Assim, essas sentenças são formadas a partir da combinação dos constituintes e da aplicação de determinadas regras capazes de formar outras sentenças. Como o foco da investigação gerativista é a sintaxe, busca-se descrever essas regras sintáticas que possibilitam a “geração” de infinitos enunciados. Por essa razão, pode-se pensar em uma “metáfora computacional” por converter a língua em um algoritmo matemático. Vejamos, abaixo, a representação arbórea - pode-se dizer diagrama arbóreo, representação arbórea, árvore sintática, ou, simplesmente, árvore - apresentada em Kenedy (2009): Temos uma sentença (S) “O estudante leu o livro.”, formada por um sintagma nominal (SN) “o estudante” e o sintagma verbal (SV) “leu o livro”. Por sua vez, percebemos que o SN é formado pelo determinante (DET) “o” e pelo nome “estudante”. Já no SV “leu o livro”, temos o verbo (V) e o SN “o livro”, que funciona como seu complemento. Fique ligado Tendo como base essa regra sintática (S → SN SV), você já pensou em quantos enunciados podemos produzir? Veja mais árvores apresentadas em Kenedy (2009). Dessa vez, temos duas estruturas diferentes. Além da voz ativa, temos também a representação da sentença na voz passiva, formada a partir da primeira, que é considerada a sua estrutura de base. Como mostra o autor, para “dar conta da relação entre estruturas diferentes, mas relacionadas, os gerativistas formularam as regras transformacionais. Essencialmente, uma transformação forma uma estrutura a partir de uma outra previamente existente. 25 3.1 Transformação Passiva Regras de Transformação seleção do Verbo “ser” + “particípio”; movimento de objeto para a posição de sujeito; manifestação do agente com Sintagma Preposicionado (SP). Saiba mais A estrutura previamente formada é chamada de estrutura profunda, e a estrutura dela derivada chama-se estrutura superficial” (KENNEDY, 2009, p. 132). 26 Fique ligado Como entender mais sobre o nosso sistema linguístico? Tendo como objetivo ressaltar o lado biológico do Gerativismo, proposto por Chomsky, estudos sob essa perspectiva procuram verificar o modo como a linguagem está representada no cérebro. O foco desses estudos pode ser o processo de aquisição ou de perda da linguagem. Assim, com o estudo sobre a aquisição da linguagem, busca-se explicar a relação que se estabelece entre a capacidade inata da criança para o desenvolvimento linguístico da Gramática Universal (GU) e a experiência linguística a qual ela é exposta na formação da gramática particular de sua língua. A partir do estudo sobre as patologias da linguagem, busca-se avaliar teorias linguísticas sobre indivíduos normais e chegar à organização da linguagem, objetivando entender mais a respeito da representação da linguagem na mente/cérebro. Fique ligado A fim de entendermos como funciona a linguagem, tendo o cérebro humano como base, surgiram os estudos de patologia da linguagem, como os de afasia – a qual se caracteriza por ser um déficit especificamente linguístico decorrente de lesão em uma ou mais áreas relacionadas à linguagem no cérebro – que se mostraram muito importantes nos estudos neurolinguísticos (cf. TAVARES, 2008). Uma das críticas mais frequentes aos estudos gerativistas diz respeito ao fato de o foco central da teoria ter sido o desenvolvimento da competência linguística no nível da sintaxe. Alguns críticos, embora aceitem a distinção competência versus desempenho proposta por Chomsky, desenvolvem um modelo que contempla, além do componente sintático, os componentes fonológico e semântico. No entanto, há outros críticos que, severamente, rejeitam a ênfase dedicada pelo modelo gerativista à investigação sobre a natureza da representação da competência dos falantes. Para eles, o desempenho dos falantes deve ser considerado e investigado . 27 LINGUÍSTICA II A SOCIOLINGUÍSTICA: VARIAÇÃO E MUDANÇA NAS LÍNGUAS Olá! Ao final desta aula, você será capaz de: 1. Conhecer o início da corrente sociolinguística; 2. compreender qual é o objeto de estudos da Sociolinguística e sua visão de língua; 3. comparar, brevemente, Estruturalismo, Gerativismo e Sociolinguística; 4. distinguir variação linguística de mudança linguística; 5. identificar os tipos de variação linguística, a saber: geográfica (ou diatópica), social (ou diastrática), e deregistro (ou diafásica). No Gerativismo, vimos que, apesar de todos os seres humanos nascerem dotados de uma capacidade genética, desenvolvemos a língua a que fomos expostos quando criança. Nós, nascidos no Brasil e criados por pais brasileiros, desenvolvemos a Língua Portuguesa. A questão é: a Língua Portuguesa é utilizada da mesma maneira por todos os seus falantes nativos? Quais diferenças podem ser observadas? Veja alguns exemplos que ilustram a nossa realidade linguística: 28 Os exemplos apresentados ilustram a nossa realidade linguística. Ao observarmos as pessoas, em situações reais de comunicação, perceberemos que a língua falada é heterogênea e diversificada. No entanto, por que será que, apesar de tanta heterogeneidade, conseguimos nos entender? Será que podemos usar a língua de uma maneira aleatória e arbitrária? Vamos refletir sobre isso com a Sociolinguística. A Sociolinguística é uma corrente da Linguística que tem como objeto de estudo a língua. “Para essa corrente, a língua é uma instituição social e, portanto, não pode ser estudada como uma estrutura autônoma, independente do contexto situacional, da cultura e da história das pessoas que a utilizam como meio de comunicação.” (CEZARIO, Maria Maura & VOTRE, Sebastião. Sociolinguística. In: MARTELOTTA, Mário (Org.) Manual de Linguística. São Paulo: Contexto, 2009) em uso real, relacionando a estrutura linguística e aspectos extralinguísticos do indivíduo que a utiliza, tais como sexo, idade, escolaridade, região em que vive, nível de escolarização etc. Por isso, tem como foco principal a questão da variação linguística. 1 Como a Sociolinguística Começou? As correntes teóricas vigentes no início do século XX, Estruturalismo e Gerativismo, não demonstraram preocupação com a variaçãolinguística, pois não tinham como objeto de estudos a fala. Saussure a desprezava devido ao seu caráter individual e heterogêneo. Chomsky, por sua vez, utilizava os dados fornecidos pelo desempenho apenas como um caminho para entender mais a competência linguística. Saiba mais Embora a preocupação com a variação linguística tenha surgido por volta de 1930, o termo “sociolinguística” surge pela primeira vez em 1950 e passa a designar uma importante corrente linguística em 1960, com a influência de alguns autores, dentre eles, William Labov. Em nossa disciplina, teremos como foco a chamada “Sociolinguística Variacionista” ou “Teoria da Variação”, proposta por William Labov, nos Estados Unidos, na década de 1960. Labov foi o responsável por destacar a importância dos fatores sociais na explicação da variação linguística. Seus estudos reforçavam a ideia de que havia uma regularidade por trás do aparente “caos” da realidade do uso linguístico. Para ele, a Linguística possui um caráter social. Por isso, em suas análises, o linguista não deve abstrair a língua de seu uso real, uma vez que o indivíduo a desenvolve e dela se utiliza para poder viver em sociedade. 29 2 Fenômenos Inerentes às Línguas do Mundo: Variação e Mudança Linguística Todos nós vivemos em uma sociedade e já sabemos que isso só é possível porque dominamos o mesmo sistema linguístico. Nós somos “linguistas natos” (embora muitas pessoas não tenham ainda parado para pensar nisso), pois somos capazes de tecer algumas considerações sobre o nosso sistema linguístico com muita propriedade. Por exemplo, conseguimos distinguir enunciados que não fazem parte da nossa língua (“The book is on the table .”), identificar sentenças que não foram bem estruturadas (“Menino o vi eu.”), reconhecer diferentes pronúncias (“m/é/nino”, “m/ê/nino”, “m/i/nino”) etc. O mais interessante é que tudo isso independe do nosso nível de escolarização. Indivíduos com pouquíssima ou nenhuma escolarização são capazes de perceber quando duas pessoas são “estrangeiras” ao ouvi-las conversar, o que mostra seu reconhecimento do que faz ou não parte da língua que fala. A nossa atuação como “linguistas” nos possibilita perceber que a Língua Portuguesa não é falada da mesma maneira por todos os indivíduos em todas as regiões do Brasil. Também sabemos que o modo como a nossa língua é utilizada hoje não é igual ao modo como era utilizada no século passado. Por quê? A língua é essencialmente dinâmica. Segundo a Sociolinguística, devemos entender que a variação e a mudança linguísticas são fenômenos inerentes às línguas. No entanto, essa percepção não é percebida pela maioria dos indivíduos. É comum ouvirmos algumas pessoas comentarem que “a nossa língua está piorando”, “a nossa língua está sendo deturpada” etc. Há pessoas que dizem que os brasileiros são muito criativos e gostam de “inventar” novas formas linguísticas. Ainda há aqueles que dizem que os brasileiros são preguiçosos e, por isso, mudam o modo como as palavras são pronunciadas. Todavia, é preciso ter em mente que a variação e a mudança não são fenômenos exclusivos da Língua Portuguesa. Todos os sistemas linguísticos apresentam esses dois fenômenos. Pode-se usar como exemplo desse fato a Língua de Sinais Brasileira (LIBRAS), que, apesar de ser uma língua visoespacial, é um sistema linguístico como qualquer outro e, por isso, apresenta a variação linguística. 2.1 Os Sotaques dos Sinais (Rachel Bonino) Paola Ingles Gomes cursa a 8ª série em São Paulo em uma tradicional escola municipal para deficientes auditivos no bairro da Aclimação, a Helen Keller. Como outros colegas adolescentes, costuma ir à festa junina promovida pelo Instituto Santa Teresinha, um evento que virou referência entre estudantes surdos de todo o país. Paola conversava com um amigo de outro estado numa dessas comemorações anuais quando, entre risos, sinalizou que ele era um "palhaço", um tolo. O sinal usado indicava uma bola no nariz, assim como usam os palhaços. O rapaz não 30 entendeu a "gíria" e coube a Paola indicar o contexto da palavra, por meio de outros sinais. Fique ligado Casos assim se repetem a cada interação entre deficientes auditivos de regiões diferentes, mas que adotam a mesma gramática gestual adotada pela LIBRAS, sigla para Língua de Sinais Brasileira. Nesse universo sem sons, há gírias, regionalismos e até mesmo o que podemos chamar de sotaques. (Adaptado do artigo Os sotaques dos Sinais. Revista Língua Portuguesa.) É importante destacar que toda mudança pressupõe variação, mas a existência de formas em variação não implica a ocorrência de mudança. Vamos ilustrar com o pronome “você”. Sabemos que o “você” vem do pronome de tratamento Vossa Mercê. A trajetória de mudança pode ser assim descrita: Vossa Mercê > vosmecê > vossuncê > suncê > você > cê. Você acha que a mudança de “vossa mercê” para “você” aconteceu do dia para a noite? Não! Ao longo do processo de mudança, provavelmente as formas coexistiram, ou seja, havia, na mesma época, indivíduos que produziam “vossa mercê”, enquanto outros, “vosmecê”. Podemos comparar o processo como uma luta de boxe. Há duas formas “lutando”, ou seja, coexistindo em um sistema linguístico, até que uma delas “vença” a luta e passe a existir sozinha. 2.2 “Você” e “Cê” Em uma língua, para que a mudança seja efetivada, há etapas em que a forma linguística passa por um processo de variação e, nesse caso, as formas coexistem até que uma delas caia em desuso e a outra continue sendo utilizada. Atualmente, no português brasileiro, percebemos a utilização, em alguns contextos, das formas “você” e “cê”. Por enquanto, as duas formas não são intercambiáveis em todos os contextos. Saiba mais Podemos produzir: “Você vai lá?” ou “Cê vai lá?”, mas não “Cê e o João vão lá?”, que seria um enunciado agramatical. Por isso, não podemos dizer se o “você” vai deixar de ser utilizado a favor do “cê”. 31 3 Tipos de variação linguística: geográfica (ou diatópica), social (ou diastrática), e de registro (ou diafásica) Com a Sociolinguística, foi possível estabelecer alguns tipos de variação linguística. Destacaremos, aqui, três tipos básicos: a) Variação geográfica (ou diatópica) – está relacionada a diferenças linguísticas que ocorrem em função do espaço físico. Veja abaixo exemplos de variação geográfica: Exemplo: Português Brasileiro (PB) e Português Europeu (PE) Vejam, em (1), um trecho da edição brasileira do livro O diário de um mago de Paulo Coelho e, em (2), da tradução portuguesa. 1: "Tirou de dentro uma garrafa de vinho, tomou um gole e me estendeu. Enquanto eu bebia, perguntei quem era o cigano. (....) - Você não está me respondendo. Vocês dois se olharam como velhos conhecidos. E eu tenho a impressão de queconheço ele também (....)" 2: "Tirou de dentro uma garrafa de vinho, tomou um gole e estendeu-ma. Enquanto bebia, perguntei quem era o cigano. (....) - Não estás a responder-me. Ambos se olharam como velhos conhecidos. E tenho a impressão de que também o conheço (....)" b) variação social (ou diastrática) – são as variações percebidas entre grupos socioeconômicos. Compreende os seguintes fatores: idade, sexo, profissão, nível de escolarização, classe social. Veremos agora um exemplo de variação social. O trecho de Paulo Mendes Campos ilustra a questão da variação em função da idade dos indivíduos: "Outro dia um senhor de cinquenta anos me falava da mãe dele mais ou menos assim: - Se há alguém que eu adoro neste mundo é minha mãezinha. Ela vai fazer 73 anos no dia 19 de maio. Está forte,graças a Deus, e muito lúcida. Há 41 anos que está viúva, papai, coitado, faleceu muito moço...(...) Deu-se que no mesmo dia encontrei um rapaz de 18 anos, que contou mais ou menos assim: 32 - Velha bacaninha é a minha. Quando ela está meio adernada, mais prá lá do que prá cá, ela ainda me dá umabroncazinha. Bronca de mãe não pega, meuchapa. Eu manjo ela todinha: lá em casa só tem bronca quando ela encheu a cara demais. A velha toma prá valer!..." c) variação de registro (ou diafásica) – observa-se, neste tipo de variação, o grau de formalidade do contexto comunicativo ou do canal utilizado para a comunicação (a fala, o e-mail, o jornal etc.) Exemplo: Leia a transcrição de um trecho da fala do ator Plínio Marcos ao dirigir-se aos detentos da Casa de Detenção de São Paulo para ensinar formas de prevenção contra a AIDS. (Disponível em http://www.filologia. org.br/viiicnlf/anais/caderno07-14.html) “Aqui é bandido: Plínio Marcos. Atenção, malandragem! Eu num vô pedir nada, vô te dá um alô! Te liga aí: AIDS é uma praga que rói até os mais forte, e rói devagarinho. Deixa o corpo sem defesa contra a doença. Quem pegá essa praga está ralado de verde e amarelo, de primeiro ao quinto, e sem vaselina. Num tem dotô que dê jeito, nem reza brava, nem choro, nem vela, nem ai, Jesus. Pegou AIDS, foi pro brejo! Agora sente o aroma da perpétua: AIDS pega pelo esperma e pelo sangue, entendeu? Pelo esperma e pelo sangue. Eu num tô te dando esse alô pra te assombrá, então se toca! Não é porque tu tá na tranca que virou anjo. Muito pelo contrário, cana dura deixa o cara ruim! Mas é preciso que cada um se cuide, ninguém pode valê prá ninguém nesse negócio de AIDS. Então, já viu: transá, só de acordo com o parceiro, e de camisinha!” http://www.filologia.org.br/viiicnlf/anais/caderno07-14.html http://www.filologia.org.br/viiicnlf/anais/caderno07-14.html http://www.filologia.org.br/viiicnlf/anais/caderno07-14.html 33 LINGUÍSTICA II A PESQUISA SOCIOLINGUÍSTICA Olá! Ao final desta aula, você será capaz de: 1. Compreender a relação entre língua e sociedade; 2. identificar os pressupostos metodológicos da pesquisa sociolinguística; 3. conhecer os conceitos de variável e de variante linguística; 4. identificar alguns fenômenos linguísticos em variação no Português Brasileiro. No processo de variação linguística, podemos perceber que algumas variantes são mais aceitas que outras. Além disso, é preciso considerar as variáveis linguísticas e extralinguísticas relevantes para descrever o fenômeno que se está estudando. Mas afinal, o que é variante linguística? E variável? As Noções de Variável e de Variante O objetivo da Sociolinguística é estudar a língua em seu contexto social, isto é, em situações reais de uso. Utilizase, portanto, como ponto de partida, os dados obtidos da fala de indivíduos que pertencem a uma comunidade linguística (ou comunidade de fala). “Um conjunto de pessoas que interagem verbalmente e que compartilham um conjunto de normas com respeito aos usos linguísticos. Em outras palavras, uma comunidade de fala se caracteriza não pelo fato de se constituir por pessoas que falam do mesmo modo, mas por indivíduos que se relacionam, por meio de redes comunicativas diversas, e que orientam seu comportamento verbal por um mesmo conjunto de regras. (...) A depender do alcance e dos objetos de um trabalho de natureza 34 sociolinguística, podemos selecionar e descrever comunidades de fala como a cidade de New York, ou a cidade do Rio de Janeiro, de São Paulo, de Belém. Ou o povo ianomâmi, que vive na Estado do Amapá. Ou, ainda, as comunidades dos pescadores do litoral do Estado do Rio de Janeiro, da ilha de Marajó, dos estudantes de Direito, dos rappers etc." (ALKMIN, Tânia Maria. Sociolinguística: parte I. In: MUSSALIM, F.; BENTES, A. C. (Orgs.). Introdução à Linguística: domínios e fronteiras. v.1. São Paulo: Cortez, 2001). Ocê... Você... Ei ... Ao analisarmos uma comunidade linguística, podemos perceber a existência de diferentes modos de falar, ou seja, há variedades linguísticas. Por trás do “caos linguístico”, é possível identificar regularidade e sistematicidade na variação. O que é um sociolinguista? Sociolinguista é o linguista que se especializou na área da Linguística chamada Sociolinguística. A tarefa desse profissional é entender os contextos que favorecem essa área. Vamos ilustrar o conceito de variante e de variável linguística com a variação nos pronomes pessoais na primeira pessoa do plural, exemplo citado em Cezario e Votre (2009): “A gente fala muito.”; “Nós falamos muito.” O que você está fazendo? Estou escrevendo um texto, mas estou em dúvida de qual texto deixar. “Nós” e “a gente” são formas utilizadas pelos falantes da Língua Portuguesa e aceitas pelas pessoas em geral. É possível pensar que, em uma situação comunicativa, produzir “nós falamos” possa ser considerado mais formal do que “a gente fala”, mais informal. Temos, portanto, duas variantes para a utilização do pronome. "O termo 'variante' é utilizado para identificar uma forma que é usada ao lado de outra na língua sem que se verifique mudança no significado básico." (CEZARIO, Maria Maura, VOTRE, Sebastião. Sociolinguística. In: MARTELOTTA, Mário (Org.) Manual de linguística. São Paulo: Contexto, 2009). Uma pesquisa sociolinguística sobre o assunto teria como foco investigar em que contexto social um indivíduo escolheria produzir uma forma e não outra, se há diferenças nos usos de “nós” e de “a gente” na fala de adultos, jovens e crianças, se indivíduos analfabetos e escolarizados produzem mais uma forma do que outra, se a diferença relaciona-se ao nível socioeconômico do indivíduo etc. O conjunto de variantes linguísticas é denominado “grupo de fatores” ou “variável linguística”. Podemos ter variáveis linguísticas e extralinguísticas. As primeiras referem-se às motivações linguísticas para que certa variante seja utilizada (por exemplo, verbos que motivem o uso de “a gente” em lugar de “nós”). Pode-se dizer que são as motivações internas à língua (fatores fonológicos, morfológicos, sintáticos etc.). As segundas referem-se a aspectos relacionados ao indivíduo que produziu a variante, tais como: sexo, idade, escolaridade, classe social a que pertence, grau de formalidade da situação comunicativa, região em que vive etc. A gente fala? Nós falamos! A gente falamos? Ou nós fala? 35 Além de “a gente fala” e “nós falamos”, poderíamos pensar em outras possibilidades também muito frequentes: “a gente falamos” e “nós fala”. Essas duas variantes são consideradas mais estigmatizadas, ou seja, ao produzir uma dessas duas formas, o indivíduo pode sofrer algum tipo de preconceito. O importante, para o sociolinguista, é identificar o que motiva o fenômeno da variação. Importante! Veja como representar uma variável e uma variante, tendo como base a questão da concordância, fenômeno em variação no Português Brasileiro. Quando a variável indica o fenômeno em variação, ela aparece entre parênteses angulares (<>). Assim, no caso da marcação de plural do sintagma nominal, em Língua Portuguesa, a variável seria <s>. No entanto, as formas linguísticas em variação são representadas por colchetes ([ ]). No caso da marcação de plural do sintagma nominal, as variantes são [s] e [Ø] (as casas amarelas/as casaØ amarelaØ). Como a Sociolinguística preocupa-se em investigar a relação entre língua e sociedade, a análise da fala de um indivíduo permite-nos identificá-lo. Assim, diferenciamos cada comunidade e refletimos sobre a inserção do indivíduo em diferentes grupamentos, estratos sociais, faixas etárias e níveis de escolaridade: “O indivíduo, inserido numa comunidade de fala, partilha com os membros dessa comunidade uma série de experiências e atividades. Daí resultam várias semelhanças entre o modo como ele fala a língua e o modo dos outros indivíduos. Nas comunidades organizam-se grupamentos de indivíduos constituídos por traços comuns, a exemplo de religião, lazeres, trabalho, faixa etária, escolaridade, profissão e sexo. Dependendo do número de traços que as pessoas compartilham, e da intensidade da convivência, podem constituir-se subcomunidades linguísticas, a exemplo dos jornalistas, professores, profissionaisda informática, pregadores e estudantes.” (VOTRE, S.; CEZARIO, M. Sociolinguística. In: MARTELOTTA, E. (Org.) Manual de linguística. São Paulo: Contexto, 2009). Podemos, assim, ilustrar a relação entre língua e aspectos sociais com a diferença na fala de homens e mulheres. O modo como homens e mulheres usam a língua vai depender dos papéis desempenhados por esses elementos na sociedade. Em zulu, uma língua falada na África, a mulher é proibida de pronunciar algumas palavras (nome do genro, por exemplo, e palavras que apresentem semelhança fônica com o nome do genro). 36 Em português, embora o marido possa dizer “Esta é a minha mulher”, não é possível que a mulher produza “Este é o meu homem”, pois em determinados contextos, esse enunciado soa vulgar. (VOTRE; CEZARIO, 2009, p. 149). O objeto de estudo da pesquisa sociolinguística* é a língua falada em situações reais de comunicação. Busca-se, a partir da análise da fala espontânea, descrever e explicar o modo como o falante faz uso da língua. O sociolinguista busca demonstrar que a variação é sistemática e previsível. A pesquisa sociolinguística tem como objeto de estudo o uso da língua falada em situações naturais de comunicação. É realizada a partir de gravações de um número determinado de informantes com características específicas. Para se investigar a variação e a mudança, dados de língua escrita também podem ser utilizados. As análises têm como ponto de partida os dados estatísticos obtidos na língua falada. A pesquisa pode ser feita em tempo real (o linguista observa o fenômeno em duas ou mais épocas, a partir da comparação de entrevistas atuais com entrevistas antigas, por exemplo, para verificar se duas formas estão em variação ou se são um caso de mudança) ou em tempo aparente (o linguista grava amostras de 37 informantes de diferentes faixas etárias para observar se uma forma ocorre mais na fala de crianças e jovens do que na de adultos e idosos). Fenômenos Linguísticos em Variação no Português Brasileiro Agora que já sabemos que, no que se refere à língua, não há usos melhores ou piores, feios ou bonitos, vamos conhecer alguns fenômenos linguísticos em variação no Português do Brasil? Observe o diálogo abaixo: “Você viu a Cráudia?” “Eu vi ela na lojinha da esquina, consertano uma rôpa.” “Será que ela vai trazê os livro novo que pedi?” “Não sei. É melhor esperar ela.” A análise do diálogo apresentado nos permite verificar os seguintes fenômenos linguísticos em variação no português brasileiro: Eliminação das marcas de plural redundantes (os livros novos/os livro novo) Assimilação: transformação do –ndo em –no (consertando > consertano). Retomada do objeto direto anafórico (Você viu a Cláudia? Sim, eu a vi. Sim, eu vi ela. Sim, eu vi Ø.). Redução do ditongo OU (roupa > rôpa). Rotacismo: troca do “l” pelo “r” (Cráudia, Framengo, pranta). Saiba mais Para conhecer a explicação sobre esses fenômenos linguísticos em variação no português brasileiro, leia o livro “A língua de Eulália”, de Marcos Bagno. 38 LINGUÍSTICA II A NOÇÃO DE ERRO PARA A SOCIOLINGUÍSTICA Olá! Ao final desta aula, você será capaz de: 1. Conhecer a noção de erro para a Sociolinguística; 2. discutir a questão do preconceito linguístico. Vamos começar a nossa aula com um teste. Veja as frase a seguir: “Os m/ê/ninUs foram buscá a r/ô/pa correndo.” “Os m/i/ninU foi buscá a r/ô/pa correNO.” “Os m/é/ninUs foram buscá a r/ô/pa correndo.” “Os m/é/ninUs foram buscá a r/ô/pa correndo.” Há uma forma “correta” de se produzir a sentença oralmente? O que fez você julgar que uma forma era “melhor” que outra? Para responder a essas perguntas, vamos discutir alguns assuntos importantes nesta aula. 1 A Relação entre Língua e Sociedade Voltando à atividade proposta no início da aula, todos nós conseguimos entender o que as personagens queriam dizer. Reconhecemos que, apesar de a sentença ter sido escrita de uma forma – segundo os padrões normativos – tivemos diferentes modos de produção oral. Analisando as produções orais da sentença “Os meninos foram buscar a roupa correndo.”, somos capazes de perceber algumas semelhanças e diferenças. Vimos, por exemplo, que todas as personagens: produziram os elementos linguísticos na mesma ordem (sujeito + verbo); utilizaram os fonemas da Língua Portuguesa; usaram os mesmos itens lexicais (menino, roupa). 39 A análise do modo como a sentença foi produzida nos possibilita perceber que há aspectos em comum (a supressão do –r do infinitivo - “buscá”) e aspectos distintos (variação na pronúncia da palavra “menino”; concordância verbal – “os meninos foram”/ “os menino foi”) na produção oral das personagens. Sabemos que a comunicação é fundamental para a vida em uma sociedade. Por isso precisamos compartilhar o mesmo código, ou seja, a mesma língua. Vimos que a língua apresenta variações que podem ocorrer em função do grupo, da região geográfica, do contexto. Desse modo, reconhecemos que há variedades de uso da língua. No entanto, analisando essas variedades, percebemos que há muitos elementos gramaticais e lexicais que são comuns a elas. Por isso, todos os indivíduos que compartilham a mesma língua conseguem se entender muitíssimo bem. 2 A Noção de Erro para a Sociolinguística e a Questão do Preconceito Linguístico. Por que não há erro nos diferentes modos de produzir a sentença “Os meninos foram buscar a roupa correndo.”? Para a Sociolinguística, não há erro, mas sim diferenças que são passíveis de serem explicadas pela teoria linguística. O que acontece, geralmente, é um comportamento de intolerância linguística que leva à rejeição certas variedades de uso da língua. Deve-se observar que um item pode ser considerado ‘errado’ pelas regras de gramática normativa, mas não pelas regras do grupo a que o falante pertence. Vejamos um trecho da transcrição da entrevista oral do informante Francisco, que faz parte do corpus do Grupo de Estudos Discurso e Gramática. Nela, o entrevistador pergunta ao informante o modo de fazer a massa de pão, e ele responde: “Bota a massa na masseira... eh... tanto... não... tanto que bota... bota... duas lata na masseira... eh... quatr/ eh... duzentas gramas de ( ) que é uma química que tem... bota... eh... fermento... aí bota a masseira pra bater... no:: normal dela e depois bota ela/ aumenta ela... (sem ter) limite... pra ela bater... pra aprontar a massa... depois da massa ( ) passa na... na modeladora... depois da::/ depois passa na divisora... aí bota em cima da mesa e separa... os pedaços de cima da mesa... (Informante Francisco, CA supletivo. VOTRE, Sebastião Josué; OLIVEIRA, Mariângela Rios de (Orgs.) Corpus Discurso & Gramática. A língua falada e escrita na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: UFRJ, 1995. (mimeogr.). No trecho apresentado, percebemos algumas formas que vão de encontro aos usos prescritos pelo padrão. Deve-se levar em consideração que o papel dos gramáticos é descrever regras de funcionamento da língua, tendo como base a norma padrão, um modelo ideal de 40 língua que deve ser ensinado e aprendido na escola e utilizado pelos falantes cultos, ou seja, aqueles indivíduos com alto nível de escolarização. Usos como os apresentados na transcrição, embora não sejam estabelecidos pela norma padrão, são comuns em outras variedades de uso da língua, rotuladas como “impróprias”, “inadequadas”, “erradas ”. Fique ligado IMPORTANTE! Os resultados de pesquisas como as do Projeto Nurc (Norma Linguística Urbana Culta) ilustram diferenças entre o português padrão e o português culto, ou seja, aquilo que, de fato, é utilizado pelos indivíduos que dominam a variedade padrão. Para conhecer mais sobre o Projeto Nurc. Antes de avançar, leia o texto Sobre o conceito de falante culto “Quem é falante culto?”. 3 Por que Existe o Preconceito Linguístico? De um modo geral, há, na sociedade, váriasformas de preconceito: em relação ao sexo, à raça, à opção sexual etc. Pode-se dizer que o preconceito linguístico é apenas um desses tipos. O estigma que certas variedades de uso da língua adquirem não tem relação com fatores linguísticos, mas sim extralinguísticos, tais como desprestígio social, econômico, cultural, político, entre outros. Assim, julga-se o indivíduo pelo modo como utiliza a língua sem levar em conta outros fatores como seu nível de escolarização, a classe social à qual pertence etc. Para a Sociolinguística, o preconceito linguístico não possui embasamento científico já que, segundo pesquisas, cada época determina o que considera como forma padrão, ou seja, as línguas mudam e a definição de ‘certo’ também. Podemos destacar, como exemplos, as formas “dereito”, “despois”, “premeiramente”, encontradas no texto de Pero Vaz de Caminha (1500), que faziam parte do português padrão daquela época. 4 Por fim... Devemos entender que um indivíduo com pouca ou nenhuma escolarização não pode apresentar o mesmo desempenho linguístico de um indivíduo com o ensino superior. Um indivíduo altamente escolarizado passou por anos de escolarização e pôde ter acesso à norma padrão, diferentemente do primeiro indivíduo. Devemos entender que não podemos estabelecer julgamentos de valor, pois as diferenças linguísticas existem. Assim, não há variante boa ou má, dialeto superior ou inferior, língua rica ou pobre. 41 LINGUÍSTICA II O FUNCIONALISMO: PRESSUPOSTOS TEÓRICOS BÁSICOS Olá! Ao final desta aula, você será capaz de: 1. Conhecer a corrente funcionalista; 2. entender os conceitos de língua e linguagem segundo o funcionalismo; 3. discutir, segundo a visão funcionalista, o papel dos marcadores discursivos em contextos de fala espontânea. Vamos iniciar a nossa aula com um desafio. Analise os dois enunciados abaixo: • Você é bonita. • Bonita é você. Você acha que podemos usar o enunciado (1) e o enunciado (2) em qualquer contexto ou que há contextos que vão favorecer a utilização de (1) e não de (2)? O desafio é criar dois contextos distintos: um em que, certamente, usaríamos o enunciado (1) e outro em que usaríamos o (2). Vamos ao trabalho? 42 Você, provavelmente, criou contextos muito próximos dos apresentados aqui. Intuitivamente, perceberam uma diferença nas sentenças, já que não tiveram dificuldades de pressupor em qual situação comunicativa o enunciado (1) seria utilizado e não o (2), ou vice-versa. A tarefa nos leva a pensar se devemos tratar esses enunciados como sentenças diferentes ou como versões alternativas para dizer a mesma sentença. Vamos refletir sobre isso com base no Funcionalismo? Um breve histórico do Funcionalismo: o funcionalismo europeu e o surgimento do funcionalismo americano. O Funcionalismo surge como um movimento da corrente estruturalista. Muitos autores (CUNHA, 2009; CUNHA, OLIVEIRA & MARTELOTTA, 2003) atribuem aos linguistas do Círculo Linguístico de Praga, fundado em 1926, as primeiras análises de cunho funcionalista, pois, para eles, a língua é um “sistema funcional” e, por isso, deve ser usada para um determinado fim. As ideias dos funcionalistas de Praga foram fundamentais para os trabalhos de orientação funcionalista que surgiram posteriormente. Círculo Linguístico de Praga “O nome da Escola de Praga é associado frequentemente ao de F. de Saussure, embora ela não tenha sido reivindicada pelo linguista genebrês. O laço estabelecido entre ambos se explica mais pelos traços comuns desencadeados a posteriori do que por um parentesco genético. A atividade da escola de Praga se estende de outubro de 1926 a Segunda Guerra mundial; se os participantes dos Trabalhos foram numerosos (contam-se entre eles Français L. Brun, L. Tesnière, J. Vendryès, É. Benveniste, G. Gougenheim, A. Martinet), os protagonistas foram incontestavelmente S. Karchevski, R. Jakobson e N. S. Trubetskoi. As 43 teorias (chamadas “teses”) da escola de Praga, apresentadas em 1929, se encontram ilustradas principalmente nos oito volumes dos Trabalhos do Círculo de Linguística de Praga, publicados de 1929 a 1938. A metodologia do Círculo de linguística de Praga se fundamenta sobre uma concepção da língua analisada como um sistema que possui uma função, uma finalidade (a de se exprimir e de se comunicar) e, em consequência, com os meios próprios a este fim. Sem considerar intransponível a distinção entre método sincrônico e método diacrônico, os linguistas do Círculo de Praga se preocupam mais com os fatos da língua contemporânea, porque só estes últimos constituem um material completo nos quais se pode ter um ‘sentimento direto’. A comparação das línguas não deve ter por único fim considerações genealógicas; com efeito, ela pode permitir o estabelecimento de tipologias de sistemas linguísticos sem parentesco algum. Estabelecem-se, assim, as leis que dão conta do endeamento de fatos, já que, no domínio da língua, existia a tendência de explicar as mudanças isoladas e produzidas acidentalmente.” (Praga (Escola de). In: Dubois, J. et al. Dicionário de linguística. São Paulo: Cultrix, 2006.) Os linguistas de Praga focalizavam as funções associadas à organização interna do sistema linguístico como na fonologia. Os modelos funcionalistas mais recentes ocupam-se em investigar “as funções que a linguagem pode desempenhar nas situações comunicativas, dando maior ou menor peso aos aspectos cognitivos relacionados à comunicação.” (CUNHA, 2009, p.159) Na década de 70, na Costa Oeste dos Estados Unidos, como uma reação à linguística formalista, realizada pelos estruturalistas e pelos gerativistas, surge o Funcionalismo norte-americano: “É por volta de 1975 que as análises linguísticas explicitamente classificadas como funcionalistas começam a proliferar na literatura norte-americana. Essa corrente surge como reação às impropriedades constatadas nos estudos de cunho estritamente formal, ou seja, nas pesquisas estruturalistas e gerativistas. Os funcionalistas norte-americanos advogam que uma dada estrutura da língua não pode ser proveitosamente estudada, descrita ou explicada sem referência à sua função comunicativa (...)” (Cunha, 2009, p. 163) Tendo como foco uma linguística baseada no uso, os linguistas Sandra Thompson, Paul Hopper e Talmy Givón se destacaram como funcionalistas. Em seus trabalhos, é possível perceber a tendência em considerar o contexto linguístico e a situação extralinguística nas análises. Acesse o link e veja as informações SOBRE A OBRA “ FUNCIONALISM AND GRAMMAR”, DE TALMY GIVÓN (https://www.scielo.br/scielo.php? script=sci_arttext&pid=S0102-44501997000200008). https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-44501997000200008 https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-44501997000200008 https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-44501997000200008 44 No Brasil, estudos de base funcionalista começam a se destacar na década de 80, a partir dos trabalhos de pesquisadores preocupados em investigar os fatores comunicativos e cognitivos para entender o funcionamento da língua falada e escrita. Os Conceitos de Língua e de Linguagem Segundo a Proposta Funcionalista Tendo como base o Funcionalismo, vale refletir sobre o modo como a língua e a linguagem são concebidas. Deixase de lado a ideia de que a linguagem é a forma de expressão do pensamento, já que os funcionalistas a concebem como instrumento de interação social. Segundo eles, é preciso investigar a motivação para os fatos da língua, ou seja, explicar as regularidades observadas no uso interativo da língua, um vez que ela é concebida como uma estrutura maleável, adaptativa. Assim, estuda-se a língua em situação real de comunicação, verificando o modo como os usuários da língua se comunicam eficientemente. Esses usuários são vistos como os responsáveis pelo estado e forma da língua. Para os funcionalistas, em um contexto
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