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FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA Introdução ao Direito II Dr. Aroso Linhares Eduardo Figueiredo Ano Letivo 2013/2014 BIBLIOGRAFIA UTILIZADA: BRONZE, Fernando José, Lições de Introdução ao Direito, reimpressão da 2ª edição, Coimbra Editora, 2010 NEVES, A. Castanheira, Curso de Introdução ao Estudo do Direito, coletânea de múltiplos textos, Biblioteca da FDUC LINHARES, Aroso , Sumários desenvolvidos das aulas de Introdução ao Direito II, 2009 JUSTO, A. Santos, Introdução ao Estudo do Direito, 3ª edição, Coimbra editora, 2006 NEVES, A. Castanheira, «Jurisprudência dos interesses», Digesta, vol. 2º, Coimbra, 1995 2 Eduardo Figueiredo 2ª Turma Teórica 2013/2014 CAPÍTULO III A EXPERIÊNCIA DO SISTEMA JURÍDICO ENQUANTO CONVERSÃO DA VALIDADE TRANSSUBJETIVA NUMA DOGMÁTICA ESTABILIZADA A. Prolegómenos 1. Uma introdução O direito como ordem de validade só pode ser associada a uma experiência de validade comunitária. Surgem duas dimensões fundamentais reconhecidas ao direito: a validade comunitária (ligada e exigida por um autêntico ethos comunitário) e a controvérsia prática. Assim, por um lado, identifica-se esta validade comunitária inscrita numa validade cultural e institucional e marcada por uma nota de pessoalidade. Por outro lado, somos remetidos a considerar a importância do direito na resolução de controvérsias juridicamente relevantes, ao mesmo tempo que procura a garantia de uma bilateralidade e atributiva neste processo de afastamento daquilo que surge como um decisionismo arbitrário e que não pode ser associado ao direito. Surge assim, a necessidade de reconhecimento de um sistema jurídico que procure, através de uma mediação dogmática entre estas duas dimensões, a estabilização necessária ao surgimento de um horizonte de validade. O julgador deve conseguir, a qualquer momento, procurar resolver a controvérsia através do reconhecimento de um conjunto de fundamentos e critérios constitutivos deste sistema jurídico. 2. O Sistema Jurídico1 Este surge como uma autêntica condição de tercialidade. O sujeito imparcial vai comparar as posições juridicamente relevantes dos sujeitos da controvérsia, levando a cabo o autêntico exercício de reconhecimento de uma bilateralidade atributiva, ao "dar a cada um juridicamente o que é seu", partindo do reconhecimento de cada indivíduo como autónomo e responsável. A resolução da controvérsia, ou seja, a decisão, não é entendida como produto da sua vontade, devendo traduzir uma experimentação do sistema, surgindo como uma decisão articulada com um juízo- julgamento que se constrói com base em fundamentos e critérios do sistema jurídico e a sua experimentação na resolução do problema prático. Este tem, portanto, de ser um juízo decisório construído racionalmente através dos elementos estabilizados no sistema. A decisão deve, assim, manifestar uma voluntário sustentada numa autoridade potestas, realizando o sistema e a própria validade comunitária que o estabiliza e a ele está associada. 3. Os valores como projetos ou exigências de plenitude Os valores surgem como base de uma praxis comunitária, integrando os membros da comunidade ao mesmo tempo que os responsabiliza. Os valores podem afirmar-se como experiências que procuram plenitude (transfinitude), construindo-se como orientações para as nossas atividades práticas. Encaram o homem como um Ser-com-os-outros, permitindo esta coexistência. São os valores comunitários juridicamente relevantes que autonomizam este polo da Commune que encara os sujeitos como indivíduos com direitos e deveres, procurando um homo humanus autônomo e responsável. 4. O sistema jurídico como sistema pluridimensional 4.1. A compreensão unidimensional do normativismo O normativismo entendia o sistema como unidimensional, considerando um direito constituído por normas (enunciados hipotético-condicionais) com um modo-de-ser abstrato, ao exigir-se que se considere que o direito de fato exista, mas independentemente da sua realização concreta. Este conceito está ligado ao normativismo crescente no séc. XIX. 4.2. A compreensão pluridimensional do sistema Surge, porém, uma nova conceção do sistema que admite a existência de vários modos de vinculação, com diferentes presunções de vigência. E todos estes critérios vinculam o legislador, mas em termos diferentes. Falamos assim de um sentido amplo de vinculação, longe do tipo de vinculação associado prescritivo autoritário associado as proposições legais. 1 Atentar ao esquema da página 88 dos Sumários Desenvolvidos. 3 Eduardo Figueiredo 2ª Turma Teórica 2013/2014 5. A distinção estrutural entre fundamentos e critérios O fundamento deve ser entendido como warrant argumentativo, isto é, um conjunto de referências que conferem sentido a um argumento, já que consagram exigências nucleares para a sua construção (apesar de não conter, em si, a resolução para um problema.) há certos estratos do sistema jurídico que devem ser tratados metodologicamente como fundamentos, isto é, como uma racionalização justificativa da inteligibilidade de um certo domínio ou compromisso prático. Os princípios normativos são os maiores exemplos de fundamentos que podemos encontrar. Estes distinguem-se pela manifestação de um compromisso prático e a exigência de validade que surge como uma intenção direta de realização em concreto. Já o critério deve ser visto como um "operador" que surge como um esquema direto de argumentação, podendo ser mobilizado para a realização de tipos de problemas concretos, partindo da sua antecipação para propor caminhos/esquemas de solução. Destacam-se os exemplos das normas legais (cria uma hipótese graças à sua estrutura), critérios da doutrina (surgem como reconstruções reflexivas de problemas, considerando todos os seus aspetos) e critérios jurisprudenciais (existe um caso que foi resolvido e cuja solução pode ser mobilizada para a resolução de outros casos análogos e futuros.). Para apoiar a distinção feita, importa referir a metáfora construída por Drucilla Cornell ou Adela Cortina. Esta metáfora parte da associação dos fundamentos (principalmente dos princípios) à luz de um farol ou à orientação de uma bússola. O problema juridicamente relevante a resolver pelo julgador assume-se como um caminho desconhecido (e cheio de novidades/especificidades) a percorrer por um viajante. Para percorrer este caminho (cuja finalidade é alcançar a decisão-juízo), este conta também com critérios, isto é, com um conjunto de práticas de estabilização e realização do sistema jurídico, e que são criados por legisladores, juristas, juízes, etc... e que, são associados a mapas/itinerários. Assim, a luz do farol surge como um fundamento, não prevendo os problemas que o caminhante irá enfrentar, mas proporcionando uma orientação fundamental, garantindo que o seu caminho realiza certas exigências ("seguir sempre a luz do farol"), e mostrando que não se deve afastar dessas exigências. Já os mapas e itinerários surgem como critérios, que não se confundem com o caminho a percorrer, mas preveem, exemplificam ou reconstroem reflexivamente várias situações-problemas, propondo alternativas e soluções plausíveis. Porém, o caminhante deve ter a noção de que não deve tratar a orientação oferecida pelos fundamentos como aquela que lhe é fornecida pelos mapas. Deve ainda não procurar utilizar apenas a orientação que lhe é proposta pelos critérios, já que este deve sempre seguir a "luz do farol" ou a indicação da bússola, procurando nunca caminhar em sentir oposto aos destas, sejam quais forem as indicações dos critérios.Assim, os critérios devem ser sempre confrontados com os princípios para se verificar se estes os respeitam. Diferenças entre sistemas de legislação e sistemas de common law Há apenas diferenças de grau no que toca à diferença de ambos os sistemas: • Nos sistemas de common law, procuram-se critérios jurisprudenciais, através da procura de precedentes, mesmo que o problema já esteja tratado numa norma legal, sendo depois experimentados com base em fundamentos e até outros critérios. • Nos sistemas legislativos, procura-se, primeiramente, um critério legal, tendo depois em atenção os fundamentos, critérios jurisprudências e doutrinais que ajudem a entender esse critério legal. B. A experiência do sistema 1. A importância dos princípios normativos Os princípios normativos surgem como objetivações de compromissos prático-comunitários e do seu horizonte de validade, ganhando a sua especificidade quando são mobilizados nesta experiência de realização destes valores. É esta estabilização do sistema, derivada da realização prática dos valores e da sua objetivação dogmaticamente estabilizada, que os converte em fundamentos, dotando-os de uma dimensão axiológica e uma dimensão dogmática desoneradora que acarreta consigo um entendimento dos princípios como "expressões normativas do direito nas quais o sistema jurídico cobra o seu sentido e não apenas a sua racionalidade". (CASTANHEIRA NEVES) Estes têm um contexto histórico de emergência que se vai alterando, sem prejudicar o núcleo de identidade deste princípio. Este entendimento afasta-se do pensamento jusnaturalista que considerava os valores imutáveis. Hoje em dia, estes são entendidos como criações culturais e experiências da prática comunitária em permanente adaptação e transformação. 4 Eduardo Figueiredo 2ª Turma Teórica 2013/2014 Exemplo do princípio da legalidade criminal de Feuerbach Este princípio surge nos finais do século XVIII, associado as revoluções liberais, surgindo como princípio derivado da relação entre direito e poder. Eram necessários limites ao sistema punitivo do estado já que este tinha o monopólio da punição, que podia ser usado como instrumento de perseguição ou afirmação da prepotência (em moldes arbitrários). Assim, o direito surge como fundamento e limite ao poder político, numa autêntica ótica de justiça protetiva (inserida na segunda linha da O.J.) este afirma-se como um princípio transpositivo do direito penal, pois não precisava de estar consagrado constitucionalmente, já que é um princípio básico para a existência de uma ordem de direito. 1.1. Princípios como direito vigente: como ratio, intentio e como jus. 1.1.1. Princípios como Ratio As conceções que veem os princípios como ratio, entendem estes como normas, isto é, condições racionais e epistemológicas que se afirmam como enunciados de dever ser obtidos a partir da interpretação das normas. Esta perspetiva está intimamente ligada a uma conceção normativista (unidimensional) do sistema constituído só por normas racionais. (Séc. XIX) Os princípios seriam obtidos por abstração generalizante das normas vigentes. Podemos assim entendê-los como enunciados retirados a partir das normas e através de um exercício de concentração lógica das normas. Estes princípios gerais de direito permitem-nos determinar cognitivamente um sistema unidimensional, possibilitando o surgimento de um modismo normativista, sendo entendidos como operações de conhecimento do direito-objeto. Vejamos a perspetiva de Ihering e a Herança da Escola Histórica: • Durante o positivismo conceitual, as principais fontes do direito da época eram a lei e o costume. Podemos falar assim de um direito, respetivamente, imposto e posto. O contexto político e histórico levaria a uma grande dispersão de materiais jurídicos. • Ora, o normativismo admitia que a grande tarefa da ciência do direito (e de uma jurisprudência inferior) seria a de reduzir esta complexidade através de uma análise jurídica numa tentativa de converter estes materiais em normas com uma estrutura racional. • Assim, relativamente a cada conjunto de normas, procura-se uma síntese fundamental do seu regime, reduzindo-as para uma ou duas proposições jurídicas mais gerais que sintetizam racionalmente os conteúdos de outras proposições e conteúdos (princípios gerais de direito). • Estes não fazem exatamente parte do sistema jurídico, sendo usados como enunciados a recorrer para conhecer melhor as normas. Afirmam-se, assim, como pressupostos epistemológicos associados a um direito objetivo ("que é e não que deve ser"). • Alerta ainda para a existência de um jurisprudência superior empenhada na afirmação/criação de institutos e conceitos e na criação de um direito dogma. 1.1.2. Princípios como intentio Esta linha de compreensão surge com a herança neokantiana de Stammler, admitindo que os princípios são intenções de validade ético-comunitária. Afirmam-se, assim, como intenções/exigências dos princípios que já têm um sentido normativo, ou seja, têm índole jurídica, mas aos quais (e de origem pré- jurídica) deve ser reconhecida maioritariamente uma índole ética. Para que estes princípios se afirmem como direito vigente estes carecem de ser objetivados pelas normas legais ou pelos critérios da jurisprudência judicial, dependendo de uma decisão autoritária tomada pelo legislador ou pelo juiz, que lhe vai conferir a sua força jurídica. Antes de se tornarem jurídicos, estes desempenham alguma tarefa? • Podem ser vistos como intenções regulativas, manifestando compromissos comunitários, embora sem caráter jurídico. Servem, essencialmente para orientar a construção de critérios jurídicos. É importante reconhecer esta função regulariza para a normativa constituição do direito positivo, não confundindo, porém, intenções regulativas com constitutivas (já que estas últimas não se verificam). Assim, quando o legislador prescreve uma norma deve ter em atenção estes princípios que fazem parte do horizonte de validade comunitária. • Podem ser vistos como intenções regulativas com um caráter metodológico, isto é, como intenções (que não constituindo direito vigente) nos surgem como apoios-arrimos para a aplicação do direito em concreto, ajudando à resolução das indeterminações das normas legais ou para a prática de integração de lacunas a partir de princípios pré-jurídicos sempre que não existam normas capazes de ser mobilizadas como critérios para o problema. 5 Eduardo Figueiredo 2ª Turma Teórica 2013/2014 1.1.3. Princípios como jus (direito vigente) Os princípios normativos surgem como expressão de uma validade que já é jurídica e que deriva de um problema jurídico. Surgem como exigências que não se esgotam nas objetivações normativas feitas dos princípios, resultando de uma vontade contingente. Afirmam-se como autênticos fundamentos constitutivos da validade do direito, em todos os planos da sua afirmação e experimentação da juridicidade. Enquanto as normas enunciam um ought to do, os princípios traduzem um ought to be. A opção por esta perspetiva no seu sentido pleno (que não entende os princípios como jus subsidiário, utilizados, portanto, apenas quando não há critérios) afirma a importância e relevo normativo e metodológico autónomo dos princípios no que toca à realização do direito sem a mediação de um critério- norma, impondo uma bivalência normativa. [Os princípios participam no direito vigente como intenções que regulam a sua validade, tornando possível a integridade do direito, que depende diretamente de uma autêntica comunidade de princípios. (Dworkin)] É ainda de destacar a irredutibilidade dos princípios enquanto juridicidade vigente quer ás prescrições autoritáriasque fundamentam, que a regras puras de juízo e argumentação. 1.1.4. A consonância prática dos princípios Fala-se de uma consonância prática dos princípios com as possibilidades da sua realização em concreto. Como estes não antecipam problemas, temos de considerar que é a sua concretização que lhes atribui um sentido, procurando garantir a consonância prática entre os fundamentos invocados (que não preveem soluções!) e o conteúdo normativo-concreto da sua realização. 2. Classificação dos princípios entendidos como jus 2.1. Os princípios segundo a posição que ocupam na consciência jurídica geral2 Princípios mais contingentes ou vulneráveis: falamos de princípios que partem de um diagnóstico histórico típico da consciência jurídica geral, só tendo sentido no contexto historicamente circunscrito em que foram criados. Ex: Princípio da preponderância do marido no casamento (Estado Novo) Princípios que exprimem diretamente a intenção axiologicamente última do direito: princípios fundamentais para a existência de uma verdadeira ordem de direito, já que lhes associamos um conjunto de exigências axiológicas. Aquisições culturais irrenunciáveis que constituem o património dos princípios jurídicos fundamentais. [Devido à subjetividade associada a esta classificação, não é este tipo de classificação que, num contexto de prova escrita, nos pedem para realizar.] 2.2. Os princípios segundo a posição que ocupam no sistema Estamos perante uma classificação num plano mais metodológico que reconhece três tipos de princípios: Princípios positivos Tradicionalmente são entendidos como o conjunto de princípios que o direito vigente consagra de uma forma explícita ou implícita. Esta perspetiva levar-nos-ia a considerar que todos os princípios consagrados nas leis fossem considerados positivos e, como tal, o Dr. Aroso Linhares sugere uma definição mais restrita, “produtiva e interessante” que entende que estes princípios são aqueles que o direito vigente consagra explicita ou implicitamente para afastar orientações alternativas também plausíveis. Ex: Princípio do “numerus clausus” relativo aos direitos reais 3 , perante o qual existem outras alternativas (talvez não aceites na nossa O.J., mas que são perfeitamente legítimas). O mesmo se pode dizer relativamente ao princípio da acusação ou da estrutura acusatória. Essa alternativa poderá passar, por exemplo, pela opção do princípio dispositivo que é utilizado nos EUA. Já o Princípio da legalidade criminal não pode ser entendido como positivo já que não existe alternativa plausível numa ordem de direito, apesar de este estar consagrado na nossa CRP. 2 Entendida como o «conjunto de valores que, numa comunidade, dão sentido ao direito como verdadeiro direito» (CASTANHEIRA NEVES) 3 E ainda outros apresentados na página 100 dos sumários desenvolvidos. 6 Eduardo Figueiredo 2ª Turma Teórica 2013/2014 Princípios Transpositivos São princípios que estão consagrados nas normas e, como tal, fazem parte de um direito vigente assimilado pela prática de que constitui dimensão, mas que se afirmam como condições normativas de validade de uma ordem de direito que, pelo fato de não haver alternativas plausíveis, nem precisavam de estar consagrados nas normas já que continuariam a afirmar-se como princípios cuja verificação é fundamental e até exigida. Tratam-se de exigências a determinados campos do direito que são fundamentais para a institucionalização de uma ordem de direito. Estes domínios em causa (direito civil, direito penal, etc…) nunca poderiam ser pensados sem esses princípios ou renunciando ás exigências contingentes que eles traduzem. No sentido amplo da formulação de princípios positivos podemos, sem dúvida, incluir os princípios positivos e transpositivos. A importância no que toca à distinção que aqui realizamos entre eles prende-se com o fato de que estes princípios transpositivos não carecem a sua consagração positiva para serem reconhecidos. Ex: Direito Constitucional: princípio da separação dos poderes, proteção da confiança, etc… No direito criminal destaca-se o princípio da culpa e nullum crimen sine lege; no direito privado, com o princípio da autonomia privada, principio do contraditório, etc… Princípios Suprapositivos Há um núcleo de exigências comuns a todos os domínios do direito e que surgem como fundamento de todas as exigências desse núcleo de identidade que carateriza o direito. Estes princípios são a expressão imediata das exigências de igualdade e responsabilidade que constituem e especificam o reconhecimento do homem-pessoa e são transversais a toda a ordem de direito. Estas exigências exigem um autêntico equilíbrio dialético entre o polo do SUUM e da COMMUNE: SUUM O Direito a reconhecer um conjunto de princípios transversais a todos os seus campos como condição para reunir as componentes necessárias de igualdade e liberdade associadas a um plano de autodeterminação e que se prende largamente com o reconhecimento da pessoalidade humana que está na base do polo do SUUM, enquanto polo de garantias jurídicas de que será reconhecida a liberdade e autonomia humana. COMMUNE O surgimento de uma validade comunitária que sustentará a institucionalização de uma responsabilidade comunitária reconhecida aos indivíduos e que limita a sua autodeterminação, mas apenas do modo que o direito o permita. Impõem-se deveres e exigências, mas não arbitrárias e desmedidas. Considera-se necessária uma institucionalização formal da responsabilidade jurídica, apresentando um esquema seguro ao nível do conteúdo e da forma que nos permita saber exatamente quando é que este princípio inicia e termina, isto é, quais os seus limites de atuação. Outros exemplos serão: principio do mínimo (exigências no seio do polo do COMMUNE necessárias à afirmação da nossa liberdade e autodeterminação.), ou o princípio da proibição do excesso, etc… Há duas exigências fulcrais no que toca à institucionalização de uma ordem de direito, que tem sempre subjacente uma autêntica dimensão axiológica e que se traduzem numa necessidade de segurança - associada a aquela formalização e a aquelas garantias que esta institucionaliza - e a um conjunto de exigências de justiça (mas com as quais não podem ser confrontadas.) No que toca as exigências de forma e dos institutos justificados pelas exigências da segurança, torna-se vital referir três institutos fundamentais: A prescrição enquanto extinção de um direito que não é exercido durante um certo lapso de tempo e que se aplica aos chamados direitos subjetivos propriamente ditos, enquanto poder ou faculdade, concedido aos indivíduos pela ordem jurídica, de exigir um comportamento positivo ou negativo. (Art. 298/1) Neste caso, falamos de uma prescrição extintiva ou negativa, já que consiste na perda de um direito. Há, porém, alguns direitos que não podem ser extintos, como os direitos de personalidade já que surgem como exigências fundamentais da dialética entre o pólo do SUUM/COMMUNE. A caducidade enquanto extinção de um direito ou situação jurídica a cujo exercício vai associado constitutivamente um certo prazo. Está aplica-se aos chamados direitos potestativos, enquanto poder ou faculdade de intervir na esfera jurídica alheia, produzindo inevitavelmente efeitos jurídicos. (Art. 298/2) O usucapião enquanto aquisição do direito de propriedade ou doutros reais de gozo resultante da posse mantida durante um certo lapso de tempo. Falamos de uma prescrição positiva ou aquisitiva, já que o decurso do tempo conduz à aquisição de um direito. (Art. 1287 e ss.) 7 Eduardo Figueiredo 2ª Turma Teórica 2013/2014Refere-se ainda o problema do caso julgado enquanto decisão judicial insuscetível de ser modificada, afirmando-se como um princípio transpositivo do direito processual, que possibilita a compreensão desse ramo do direito e que se encontra consagrado no art. 621 C.P.C.. Surge da necessidade de se estabelecer formalmente um limite, procurando que no momento do iter judiciário as decisões judicias se tornem definitivas e insuscetíveis de ser alteradas por recursos ordinários. O problema-limite que este princípio pode, efetivamente, suscitar traduz-se ainda no fato de que, dependendo do caso concreto, o respeito pelo caso julgado pode envolver uma violação dos princípios axiologicamente constitutivos da ideia de Direito e da sua fundamental exigência de justiça. Por isso se criaram ainda outras possibilidades, como o recurso de revisão (art.696) para tornar possível a prossecução destas exigências de segurança e justiça associadas a este princípio. 2.3. Problema da juridicidade dos princípios O que nos permite dizer que estes princípios são princípios de direito? Consonância de fundamentação: o princípio tem de ser expressão de exigências regulativas compatíveis com o sentido último do direito, isto é, um conjunto de exigências que se prendem com o reconhecimento da pessoalidade humana que o polo só SUUM nos incita a reconhecer. Consonância de função: os princípios têm que se adequar ou responder a um problema de fruição intersubjetiva do mundo e que carece de uma resposta do direito. O que nos permite dizer que estes princípios são princípios do direito? Questionamo-nos acerca do sentido dos princípios normativos e da sua assimilação numa realidade histórico-concreta, tendo em atenção o problema da vigência e da assimilação dos princípios pela comunidade em causa. Estes princípios já não são vistos como princípios do direito natural, tal como na época do jusnaturalismo pré-iluminista. A versão moderna encara os princípios como exigências regulativas de valor... E como verdadeiras dimensões axiológicas que incorporam "projetos de ser”, sendo constituídos na comunidade jurídica em que pretendem ser vigentes. A verdade é que estes não constituem princípios gerais do direito - enquanto abstrações generalizantes obtidos a partir de normas - sendo constituídos por via doutrinária como uma base fundamentante para a construção das normas. Falamos, assim, da evidência quase empírica imposta pelos princípios positivos no seu sentido mais restrito; de uma resposta garantida em termos de unidade ou de concordância prático-normativa dos princípios transpositivos; e ainda, da experimentação da função fundamentante da juridicidade dirigida aos princípios suprapostitivos. Assim princípios beneficiam de uma presunção de validade que surgem como fundamentos para o direito e que não vinculam enquanto validade. 2.4. Relação normativa e de validade entre os princípios e as normas legais. Se o princípio for simultaneamente positivo e contingente, a alteração autoritário-prescritiva não pode ser feita arbitrariamente. Há que respeitar as consonâncias de fundamentação. Quando a norma de opõe aos fundamentos normativos de um princípio transpositivo, a invalidade da norma impõe-se-nos como um problema de coerência, Quando a norma se opõe aos fundamentos normativos de um princípio suprapositivo, o problema é o de reconhecer a prevalência do princípio como exigência fundantemente constitutiva da juridicidade, podendo aludir-se a um problema transsistemático da lei injusta que se deve ao fato da lei não corresponder ao sentido último do direito. Assim, perante um conflito entre um princípio jurídico e uma norma legal, de uma perspetiva jusnaturalista preferir-se-ia o primeiro; de um ponto de vista positivista, preferir-se-ia a segunda. Assim, se estivermos perante uma lei injusta – uma impositiva prescrição politico-legislativa político-formalmente inopugnável, mas normativo juridicamente inválida – não poderemos deixar de privilegiar o principio e recusar a aplicação do hipotético preceito legislativo. 2.5. A convergência prudencial Temos de reconhecer uma concordância prática aos princípios pois podem surgir problemas práticos entre princípios. Dá-se o exemplo da compossibilidade entre o princípio da perigosidade e da culpa, devendo privilegiar-se o princípio da culpa, sendo, porém, necessário considerar o outro e admitindo-o. 8 Eduardo Figueiredo 2ª Turma Teórica 2013/2014 3. As normas legais como critérios As normas são critérios jurídicos gerais e abstratos que visam solucionar imediatamente um conjunto de problemas. Reconhecemos uma estrutura lógica (se->então) e um programa condicional (traduzido numa condição e sua consequência) à normas. E convém distinguir estas normas (que se prendem como o normativismo, que as entende com base na sua estrutural racional e funda aí a sua validade) de leis (entendidas como prescrições concretas e singulares que a programação final do Estado Providência torna possível). Assim, reconhecemos uma dupla face da norma legal: 1) A norma legal como imperativo e como decisão impositiva de um poder e que se entende como uma manifestação teleológica de uma voluntário política legitimada pela autoridade que invoca para a sua prescrição. Podemos referir uma conjugação (parasitária, no dizer de Luhmann) de direito e política que introduz um conjunto de normas que, para lá de assumirem outras necessidades práticas, assume um programa final explícito ou implícito e que determina os fins a que se propõe, os meios a utilizar e outras alternativas de decisão, criando uma autêntica racionalidade estratégica. 2) A norma legal como critério jurídico que se assume como um operador prático suscetível de ser mobilizado, inserido num sistema jurídico, com cujo sentido se compromete. Isto é, estamos perante um critério juridicamente fundamentado comprometido com o sentido do sistema jurídico, sendo que a validade já não surge da legitimidade da entidade que emana essas normas, mas com base nos princípios que as fundamentam e que se prende com os princípios interpretativos que a norma admite. Admitimos assim: 2.1) Uma decisão dogmática que constitui a norma deve mostrar-se assimilável a uma dimensão do juízo-judicium. 2.2) Este juízo enquanto juízo decisório na qual a prescrição convocada como critério revele uma racionalidade de fundamentação normativa. Entendemos a norma como uma solução-valorarão para os problemas que vão surgindo, entendendo esta como uma norma-problema ou norma-juízo de valor. Não a consideraremos, assim, como a premissa maior que o silogismo subsuntivo do paradigma da aplicação nos incita a prosseguir, mas como uma antecipação em abstrato de um problema, como meio de criar uma ponderação prática fundamentada em critérios a mobilizar para uma referenciação ao caso concreto. E quanto à intencionalidade prática da norma, importa referir dois contrapontos: 1) Interrogação da ratio legis como procura do motivo fim que determinou a decisão da norma e a sua justificação política, social, teleológica e estratégica. Só assim consideramos uma norma como adequada, desadequada, oportuna, inoportuna ou até capaz de articular (ou não) logradamente recursos e objetivos. Estaremos, em cada um dos casos, a considerar a sua intencionalidade programática. A norma não vale por si mesma; é necessária uma referência à relação entre a intencionalidade prática da norma e o fundamento do sentido da norma jurídica. 2) A problematização da ratio juris como confronto da teleologia programática da norma legal com a coerência dos fundamentos normativos do sistema jurídico. Chegamos a conclusão que a norma é um critério que assimila a relevância prática de um caso enquanto objetivação plausível dos princípios ou pelo contrário à conclusão de que mobilizara norma como critério para aquele caso significa frustrar em concreto as intenções dos princípios, pondo em causa a sua consonância prática necessária. A interpretação das normas conforme os princípios é fundamental para a passagem de uma ratio legis à fundamentaste ratio juris: as possibilidades de contradição normativa compreendidas e experimentadas na perspetiva de um problema concreto. Destaca-se o caso da lei injusta, que se afirma como autêntico não direito. Assim: 1) Perante leis que criam uma relação falhada com o sentido que os princípios normativos afirmam, podemos prosseguir à correção da norma que pode ser sincrónica (se está relação falhada surge logo no momento da criação da norma) ou diacrónica (se apenas surgiu por causa de uma alteração dos princípios pressupostos à constituição da norma). Procura-se que a norma fica conforme os princípios a que deveria louvar-se. 2) Perante leis opostas aos princípios, podemos prosseguir à preterição (quando a oposição surge, desde logo, quando a norma é constituída) ou à superação (se, no momento da sua criação, se encontrava conforme, mas com o decurso do tempo, entra em contradição com os princípios, perdendo a sua validade.) A superação pode ligar-se ao problema da caducidade à luz dos limites temporais normativos da lei. Neste quadro, devemos preferir a ratio juris à ratio legis, se que os fins não podem prevalecer sobre os princípios, sendo necessário garantir esta dimensão normativa axiológica de validade, que irá fundamentar a presunção de autoridade das normas. Assim, e resumindo, nas palavras do Dr. Pinto Bronze: “(…) [Com isto, compreendemos que] uma norma jurídica tenha, ao lado de um elemento ou 9 Eduardo Figueiredo 2ª Turma Teórica 2013/2014 dimensão racional (…) um outro imperativo, decisório, volitivo, ou de autoridade – que é exatamente o resultado da opção feita pelo legislador, dentro de várias possibilidades de escolha que se lhe abriam, para objetivar a intenção normativa do mais ou menos indeterminado principio fundamentante da norma circunstancialmente em causa. 3.1. A classificação das normas 1) Perspetiva da estrutura ou do módulo lógico: normas completas (hipótese + estatuição) e incompletas (falta a hipótese ou a estatuição. Podem servir para evitar a repetição no sistema jurídico, sendo importante para a articulação sistémica. 2) Perspetiva da independência ou da autossubsistência da solução conteúdo 2.1) Normas estrutural e intencionalmente autónomas: têm uma estrutura completa e produzem um sentido completo por si, não necessitando de outras normas que completem o seu conteúdo. 2.2) Proposições normativas que não são autónomas: Não têm sentido completo, logo necessitam de outras normas que complementem o seu conteúdo. 2.2.1) Remissões explícitas: referem expressamente as normas para que remetem. (Art. 939 C.C.) Podem ser modificativas (restritivas ou ampliativas) ou não modificativas (intra-sistemática ou extra- sistemática). 4 2.2.2) Remissões implícitas: A norma jurídica não remte expressamente para outra norma, mas estabelece que o fato ou situação a regular é ou se condiera igual ao fato disciplinado por outra norma para a qual implicitamente remete. Podem ser ficções legais (Assume como existente um fato desmentido pela realidade - art. 805/2/C) ou presunções (há uma relação entre um fato conhecido provado e outro desconhecido que se torna verosímil graças ao outro fato. Podem ser iuris tantum - em regra são simples e admitem prova em contrário - ou iuris de iure - são absolutas, só existindo se a legislação o determinar e não admitem prova em contrário. Ex: artº 1260, nº 1 e 2, respetivamente.) 2.3) Proposições não normativas: Não há uma determinação direta de comportamento. Podem ser definições (Definem uma figura jurídica para evitar a incerteza quanto ao seu sentido. Há, porém, uma crítica do ponto de vista prático quando a algumas imprecisões.), classificações (art.203) e regras meramente qualificativas (art.1722). 3) Perspetiva da articulação ou da coerência sistémica 3.1) Relações de especialidade espacial: normas gerais, globais ou nacionais (Aplicam-.se em todo o território do Estado. São, em geral, leis e decretos leis); regionais (decretos legislativos regionais) e locais (Aplicam-se apenas no território de uma autarquia local, como por exemplo as estruturas regulamentares). 3.2) Relações de especialidade material: normas gerais ou comuns (estabelecem uma solução dominante ou uma solução-regra para o setor de relações que disciplinam – art. 219º C.C.), normas especiais (Em relação à especialidade de certos problemas, estas normas criam uma adaptação que não altera o regime regra, para tornar possível a resposta à especificidade do problema. Assim, dizemos que consagram uma disciplina nova para círculos mais restritos de pessoas, coisas ou relações, mas não diretamente oposta ao regime comum das normas gerais), normas excecionais (Contrariam o regime regra para resolver certos problemas específicos que se afirmam como exceção. Assim, dizemos que consagram um ius singulare, isto é, um regime oposto ao regime regra, num setor restrito. – art. 310º C.C.) No que toca às normas excecionais importa referir o critério metodológico do art. 11º do C.C. que postula a distinção entre interpretação extensiva e aplicação analógica. Porém, esta distinção é muito discutida e até considerada impossível. (A desenvolver mais na 3ª Parte da Metodologia) 4) Perspetiva do Vínculo lógico com a ação combinada com a perspetiva da autonomia privada: Refere- se a normas cuja mobilização e aplicação não depende de uma manifestação ou declaração da vontade dos sujeitos privados. 4.1.) Normas imperativas, injuntivas ou cogenses (A sua aplicação não depende da vontade das pessoas, impondo-se-lhe e exigindo um comportamento positivo ou negativo.) 4.1.1) Precetivas: impõem um facere, independentemente da vontade dos sujeitos privados. 4.1.2) Proibitiva: Se praticarmos determinado ato estaremos a violar a corresponsabilidade que temos pelo respeito de certos bens jurídicos com relevância comunitária. Impõem um Non facere, isto é, proíbem uma conduta. 4 Para mais, ver JUSTO, António Santos, Introdução ao estudo do Direito, 6ª edição, paginas 150-152 10 Eduardo Figueiredo 2ª Turma Teórica 2013/2014 4.2) Normas permissivas ou dispositivas: Normas cuja produção de efeitos depende da vontade dos sujeitos privados, já que permitem ou autorizam certos comportamentos Destacamos os direitos potestativos. 4.2.1) Facultativas (concessivas ou atributivas): Permitem ou facultam certos comportamentos, reconhecendo determinados poderes ou faculdades. 4.2.2) Interpretativas stricto sensu: Determinam o alcance e o sentido de certas expressões ou declarações negociais suscetiveis de dúvida. 4.2.3) Supletivas: São normas que estabelecem uma solução vigente para uma determinada situação, mas só se não houver uma manifestação dos destinatários da norma que a afaste.Assim, suprem a falta de manifestação da vontade das partes sobre determinados aspetos de um negócio jurídico que carecem de regulamentação. – Art. 1717º C.C. 5) Perspetiva da Sanção 5.1) Leges plus quam perfectae: Determinam a invalidade dos atos que a violem e aplicam uma pena aos infratores. 5.2) Leges perfectae: Só determinam a invalidade dos atos contrários. 5.3) Leges minus quam perfectae: Não estabelecem a invalidade dos atos contrários, mas determinam que não produzirá todos os seus efeitos. 5.4) Leges imperfectae: Não estabelecem nenhuma sanção. 4. Critérios da jurisprudência judicial Estamos a referir-nos a um direito judicialenquanto esquemas que identificam determinadas soluções para um caso concreto e que surge nas sentenças, identificando esse problema e originando uma solução que surgirá como exemplo para decisões futuras - juízos decisórios. Estes juízos assimilam ou estabilizam compromissos prático-comunitários de validade. Trata-se de convocar uma solução de uma controvérsia concreta, assumindo-a como um exemplo (ou precedente) para soluções futuras, mas também como um contributo da casuística enquanto resultado da realização concreta do direito. Surge a discussão se efetivamente este critério jurisdicional deve ser entendido como a sentença- decisão enquanto tal ou se deve ser entendida pelo sentido fundamental do esquema de solução proposto e reconduzido ao núcleo da sua ratio decidendi. Efetivamente, há alguns autores que consideram os critérios jurisdicionais uma autêntica generalização construída a partir da ratio decidendi, ocupando, no plano da sua objetivação, uma posição intermédia. Assim, os precedentes não se confundem com as decisões dos casos concretos na sua integridade e exigem uma objetivação normativo-sistemática distinta que corresponda a proposições normativas mais gerais, relativamente a aquelas que serviram de critério ou fundamento as decisões em causa. Assim, o critério exemplum relevante corresponde, na sentença, à dimensão do juízo e a auctoritas com que este se nos dirige: um juízo julgamento que corresponde ao modo como se realiza a dialética sistema-problema e que, através do exercício da analogia - ao privilegiar os seus aspetos judicativos -, procurará uma solução sustentada no sentido racional do sistema. Nos sistemas de Common Law, descobrimos estes critérios sustentados numa vinculação formal - solução é aplicada a vários casos análogos, estabelecendo uma espécie de linha de continuidade entre as decisões judiciais -, mas também, no plano metodológico argumentativo (e esta, tanto no Common Law, como no Civil Law) de uma autêntica presunção de vinculação que realça o seu sentido prático normativo ou a inteligibilidade como juízo. E esta presunção de vinculação, segundo Kent prende-se como o fato de se considerar a solução para um caso passado como adequada e justa (num sentido de "justeza"), consagrando uma autêntica presunção de justeza. Falamos, assim, de uma aproximação dos dois sistemas: A ideia de vinculatividade absoluta teve o seu momento culminante no seio do Common Law, no séc. XIX. Foram, depois criadas duas técnicas prático- argumentativas importantes: distinguishing (o juiz deve comparar analogicamente os casos anteriores e presentes, realçando semelhanças e diferenças) e overruling (caso o precedente conduza a resultados injustos, pode o juiz substitui-lo por outro, superando-o). Através destas, o juiz liberta-se de um precedente irrazoável e, quem sabe, até de um precedente bem consolidado. Importa, para tal, encontrar um compromisso entre as exigências da certeza e da continuidade do direito e as da justeza da solução do caso 11 Eduardo Figueiredo 2ª Turma Teórica 2013/2014 singular e da adaptabilidade do direito as situações de mudança. Os dois sistemas são obrigados a consolidar as suas decisões inserindo-as no sistema. Porém, a presunção de vinculação e de justeza é ilidível, isto é, não absoluta. O juiz pode invocar estes prejuízos como modelos de confronto analógico de relevâncias concretas sem ter de justificar prático- normativamente essa convocação. Refere-se o princípio da inércia argumentativa de PERELMAN que mobiliza a experiência do passado para referir que, no caso de existência de uma prática estabilizada que levou a bons resultados e decisões, o juiz poderá mobiliza-la sem a justificar. Esta posição é também defendida por ALEXY. O juiz só se pode afastar do modelo (assumindo uma solução distinta) se for medologicamente constrangido a fundamentar esse afastamento através de um autêntico ónus da contra- argumentação. Falamos, assim, de um princípio perelmeniano da inércia: as regras de utilização dos prejuízos são as seguintes: (a) quando um precedente puder ser invocado a favor de ou contra uma decisão, é de o invocar; (b) quem pretender afastar-se de um precedente tem o ónus da contra-argumentação. 5. Dogmática ou jurisprudência doutrinal A doutrina pode englobar a criação de fundamentos ou critérios, reportando-se a todos os escritos e reflexões de juristas, de variedade imensa, desde a anotação casuística a um tratado. Não lhes está associada uma potestas, mas podemos falar de uma auctoritas, defendida por ALEXY que considera que "quando são possíveis argumentos dogmáticos, há que convocá-los”. Assim, esta reflete diferentes conceções do direito e do pensamento jurídico, sendo importante destacar que a compreensão prático- normativa da dogmática se constrói num diálogo negativo com outras conceções. (desde logo, superando a ciência dogmática do direito do séc. XIX - baseada na análise, concentração e construção de conceitos. Até porque hoje a dogmática é entendida como uma “dogmática da fundamentação”.) Trata-se de associar a dogmática enquanto tarefa prático-normativa com a jurisprudência judicial que convocam uma unidade prático-prudencial e uma intenção hermenêutica que faz justiça ao direito vigente. Principais tarefas da dogmática: Propostas de modelos-critérios Explicitação constitutiva de fundamentos Esclarecimento de conceitos e usos linguísticos Descrição reconstitutiva do direito vigente A tarefa da descrição reconstitutiva do direito vigente e a tarefa de esclarecimento de categorias ou usos linguísticos não podem ser sustentadas autonomamente. A unidade intencionalmente global deve ser cumprida em nome da racionalidade prática sujeito/sujeito. O pensamento jurídico elaborado numa autêntica communis opinio doctorum vai afirmar-se em vários planos consoante a autoridade que é reconhecida a determinada figura numa comunidade de juristas ou a uma determinada corrente de pensamento. A presunção de auctoritas assume, assim, o sentido originário de uma presunção de legitimidade histórico-cultural e que se converte numa autêntica presunção de racionalidade. Os modelos normativo-dogmáticos oferecem-se-nos como critérios-mapas, isto é, esquemas de solução mais abstratos que os precedentes, mas menos concentrados e abstratos que as normas em si, e com a tarefa de explicitação de princípios e fundamentos, iluminando-os de uma presunção de racionalidade. As tarefas da dogmática podem sintetizar-se do seguinte modo: (a) Função Estabilizadora: possibilita a institucionalização compensatória da abertura predicativa do prático-normativo. (b) Função Heurística: invenção de fundamentos e critérios específicos. (c) Função Desoneradora: Os arrimos que disponibiliza libertam o jurista de uma problematização sem fim. (d) Função Técnica: Permitem que o jurista compreenda os acervos de referências de sentido. (e) Função de Contrôle: Permite uma racionalização das decisões judicativas que institucionalmente se vão impondo. A presunção de racionalidade da dogmática é também ilidível, isto é, não absoluta. Uma vez aceite, não significa que esta tenha de ser mantida por um tempo indeterminado. Porém, caso se pretenda abandonar uma presunção e seguir uma nova, não basta que existam mais argumentos a favor da nova posição. É necessário que esses argumentos sejam tão bons que não só justifiquem esta solução mas justifiquem também o rompimento com a tradição que esta representa. Vale aqui o princípio da inércia de PERELMAN. Todo o que pretender propor uma nova solução suporta o ónus da (contra-) argumentação. 12 Eduardo Figueiredo 2ª Turma Teórica 2013/2014 6. A realidadejurídica como estrato do sistema Devemos entender a realidade jurídica em que as controvérsias se manifestam e o direito se realiza como um estrato do sistema jurídico, já que há um conjunto de componentes de realidade não resolvidos pelos critérios e que carecem de tratamento próprio. Importa considerar duas dimensões fundamentais reconhecidas à realidade jurídica: (a) Dimensão Institucional Referimo-nos a uma face visível da institucionalização estabilizadora, isto é, aquela que se constitui e persiste com caráter institucional. Importa referir as realidades económica (»institutos do direito privado»), política («instituições de direito público») e cultural que se traduzem na autonomização de certos institutos, manifestando um autêntico law in action - distinto dos institutos que o positivismo cientifico do século XIX isolava como individualidades lógicas já que eram irredutíveis aos princípios ou critérios que normativamente os conformam ou a um certo law in the books que os enquadra. – conformado com a precipitação/cruzamento de intenções normativas e práticas sociais estabilizadas para serem reconhecidas como realidades. Tomamos em consideração um direito enquanto realidade (para lá dos critérios e fundamentos) e que tem de ser tido em conta porque está em constante mutação. Ainda se enquadram nesta dimensão os cânones que correspondem ás práticas profissionais das distintas comunidades de juristas e que precipitam experiências coletivas inconfundíveis que nos submetem uma pluralidade de linguagens, na mesma medida em que multiplicam os projetos de realização, os materiais canónicos, as regras de procedimento, etc… Falamos do modo como cada entidade encara o sistema, criando diferentes «códigos de abordagem» - embora suscetiveis de serem conciliados. No fundo, há que ter em conta as experiências de determinação e especificação do sistema jurídico. Este exercício só pode ser concretizado in action e em cada contexto histórico de um modo particular. Por fim, devemos considerar os modos concretos de organização e associação que se traduzem nas realidades simultaneamente jurídicas e sociais que correspondem ao exercício da autonomia privada ou a práticas de realização de um certo estatuto, mais ou menos convencionalmente objetivado. (b) Dimensão Dinâmica Refere-se ao tratamento da controvérsia prática através de um processo judicativo-decisório, isto é, à estabilização dos juízos decisórios como critérios vigentes no corpus iuris determinada pela tarefa prática da jurisprudência – um direito dos juristas – e que culminam na convergência de duas coordenadas principais – a perspetiva jurídica imposta pela normatividade e a situação que aquela normatividade é convocada a assimilar. A índole da dinâmica que anima o sistema jurídico é regressiva (cronologicamente, como de hoje para ontem) e a posteriori. Isto é, a exigência da salvaguarda da específica unidade do corpus iuris determina que, aquando da sua abertura, o novo regrida sobre o pré-disponível. Um exemplo paradigmático é o da autonomização do critério normativo do abuso do direito que não retirou significado, mas reconstituiu, o principio da autonomia da vontade, impondo o abandono do seu entendimento tradicional. Assim, concluímos que a especificidade de desenvolvimento do sistema jurídico encontra a sua matriz na conhecida reconstituição analógica do próprio discurso prático. Assim, o corpus iuris apresenta-se dinamicamente, constituído por vários polos que interrelaciona e que se define pelo concreto nível de possibilidade de realização as reciprocas correspondências que entre eles se estabelecem. 13 Eduardo Figueiredo 2ª Turma Teórica 2013/2014 CAPÍTULO IV A PERGUNTA PELAS FONTES DO DIREITO A DIRIGIR-SE AO PROCESSO-ITER QUE CONSTITUI E OBJETIVA O DIREITO COMO NORMATIVIDADE VIGENTE NUMA DETERMINADA COMUNIDADE 1. Uma abordagem fenomenológico-normativa preocupada com os modos ou processos de constituição e manifestação do direito como normatividade vinculante. 1.1. Direito como «dever-ser que é» A vigência normativo-jurídica afirma-se com um certo âmbito espacial e num determinado momento temporal. O direito é um «dever-ser que é» e a vigência é precisamente este modo de existência de um dever-ser. O direito é, simultaneamente, uma específica normatividade e uma instância reguladora dos problemas juridicamente relevantes suscitados pelo nosso encontro mundanal. A vigência identifica, portanto, a subsistência histórico-social de uma normatividade, apresentando uma face ideal – a validade – e outra empírica ou fatual – a eficácia. A vigência acrescenta à validade o momento de realidade da existência histórica, que tende a estabilizar-se na institucionalização. Mas o direito vigente também não é aquele que tenha de considerar-se eficaz, em virtude da força do poder capaz de o impor. Se assim fosse, toda a violação dos critérios jurídicos impostos traduziria a preterição da respetiva vigência. Falamos, assim, de expetativas normativas que são contrafactuais: os factos que as desrespeitam não as anulam, isto é, não são bastantes para retirar vigência à validade em que radicam. Quando é violado, o direito perde eficácia, porém não perde vigência ou validade. O direito é uma realidade cultural, e não de pura factualidade. O direito vigente admite preterições. Assim, quando um valor é violado, não concluímos que este perece, porque a normatividade não se reduz à meramente fática socialidade. Os valores toleram preterições e uma cultura será tanto mais vigente quanto maior for essa margem de tolerância. De certo modo, os valores integrantes da vigência só avultam de uma forma explícita nas suas preterições. Conclui-se referindo-se que a validade e eficácia traduzem, respetivamente, uma existência ideal e uma existência real num dado horizonte temporal. Estas chamam a atenção para a nuclear bipolaridade da vigência: a validade é o seu polo ao nível do conteúdo – plano axiológico – e a eficácia o seu polo ao nível do fático – plano sociológico. Kant defende que a “validade sem a eficácia é inoperante e que a eficácia sem a validade é cega.”. Assim, entre a validade e a eficácia, reconhece-se uma relação de tensão polarizada nas exigências normativas que correm o constante perigo de perderem o contato com a realidade social. 1.2. Compreensões a superar acerca das fontes do direito Reconhecemos quatro tipos de fontes: fontes de conhecimento (os “loci” onde se encontra o direito ou que autenticamente o manifestam), fontes genéticas (elementos de origem do direito, que determinariam o seu conteúdo ou o explicariam), fontes de validade (valores ou princípios que fundamentam a normatividade jurídica) e fontes de juridicidade (constituintes da normatividade jurídica.). Importa reter que as fontes de conhecimento do direito não são fontes do direito. O comum positivismo jurídico normativista vê o problema das fontes e deixa por esclarecer a questão da juridicidade das normas qualificadas por esses critérios. Importa assim superar duas perspetivas: Uma técnico jurídica ou hermenêutico-positiva que esgota a interrogação permitida num problema de fontes de conhecimento do direito, condenando-nos a uma reconstituição analítica das normas secundárias que respondem a esse problema. Uma político-constitucional a preocupar-se com o problema da constituição da juridicidade e respondendo a esta com uma integral remissão desta para a autoridade-potestas político- constitucionalmente legitimidade e para a voluntas contingente que a determina. Devemos, neste âmbito, adotar uma perspetiva fenomenológico-normativa que nos permita compreender o sentido prático-cultural do direito e autonomia da sua procura-projeto, referindo-se a fenomenologia do ato constitutivo de uma especificapositivação normativa pela qual se constitui e objetiva o direito como direito. 2. Momentos da experiência constituinte do direito e tipos de experiência constituinte (1) Momento Material: temos de reconhecer que há uma realidade social, com o seu conteúdo histórico- cultural ou intencional e a solicitar problematicamente uma resposta de direito. (2) Momento de Validade: Um fundamento normativo, implicado por uma axiologia específica e a explicitar-se em determinados princípios. 14 Eduardo Figueiredo 2ª Turma Teórica 2013/2014 (3) Momento Constituinte: Modos de constituição do direito que são suscetiveis de ser absorvidos pela realidade social e que consagram a sua vigência e eficácia necessárias. (4) Momento de Objetivação: Objetivação dos vários princípios numa vigência normativa. Estamos a considerar a experiência jurídica em sentido próprio, isto é, enquanto processo apenas humano e histórico do direito. 2.1. A experiência consuetudinária Costume é o comportamento socialmente estabilizado, seja em termos de conduta, seja em termos decisórios, em que imediatamente se exprime um normativo vínculo jurídico ou que em si mesmo se impõe como um normativo critério jurídico. Há aqui uma unidade entre comportamento e juridicidade, não só porque se manifestam sem qualquer mediação institucional mas também pois o seu cumprimento surge como a realização social dessa normatividade. Assim, comportamento e juridicidade são simultâneos e indivisíveis: cumpre-se porque é no costume jurídico e no comportamento em que ele se cumpre que se afirma e subsiste como jurídico costume. Tem um caráter impessoal e anónimo, objetivo e não voluntarista já que o seu sentido normativo é manifestamente de imanência social, exprimindo uma originária autonomia normativa. Assim, envolve práticas que se sedimentaram e assumiram uma certa identidade jurídica. O costume deixará de sê-lo se não bastar a invocação da sua existência e se se exigir uma justificação material do seu mérito normativo. O costume tem na sua base uma ação ou decisão que, perante uma questão suscitada pela social intersubjetividade, souberam ser, no contexto das validades comunitárias e por referência implícita a elas, a ação correta ou a decisão justa, ou como tais compreendidas, e que por isso se puderam tornar em ação paradigmática ou em decisão modelo para todos os casos posteriores do mesmo tipo. Assim, constituído por um elemento material ou corpus e um elemento espiritual ou animus. Importa ainda referir que se trata de um critério não textual que tem um caráter imanentemente comunitário e uma autonomia normativa própria. Este aponta, na sua dimensão de tempo, para o passado e tem um relevo limitado no nosso ordenamento jurídico. 2.2. A experiência legislativa Falamos da lei que desempenha a função normativo-juridicamente especifica que a diferencia de todos os outros modos constituintes do direito. Importa referir que entendemos a lei como normas jurídicas formais e autoritário-oficialmente prescritas por um poder com competência expressa para tanto, sendo entendidas como constituintes do direito. Cinco notas capitais: (1) A legislação é um modo deliberado e racional de produção do direito, atuando mediante a prescrição de regras ou normas, numa intenção de regulamentação ou programática relativamente à realidade social que é o seu objeto. As normas surgem como critérios-regras enquanto programas condicionais finais, normas tout court ou leis medida, com a sua estrutura hipotético-condicional, e o seu caráter geral e abstrato. Para mais, há que reconhecer que surgem como autênticos critérios normativos racionais com um modo sistemático de regulamentação coerente e unitário que se evidencia por via da codificação. É ainda capital compreender que na legislação se institui um sistema normativo que define a sua unidade, impondo à realidade uma racionalidade própria, antecipada e logicamente construída. (2) Um anota de voluntarismo já que, na base da prescrição legislativa, está uma decisão que visa alcançar determinados fins e uma imediata intenção normativa de inovação jurídica. Por vezes, esta é mais formal do que material, correspondendo à intencionalidade da jurídica constituição legislativa, que a inovação atinja o próprio conteúdo normativo, sendo o direito que a legislação prescreve também por ela imediata e originariamente constituído. Assim, realça-se esta autêntica racionalidade teleológica ou programática, marcada por uma contingência decisória e índole decisoriamente optativa. (3) Adquire a forma escrita de texto constitutivo e forma autêntica, afirmando-se como autênticos textos- leis que as tornam prescrições normativas impostas de uma forma autêntica e que só nessa forma existem. (4) A decisória prescrição normativa formalmente imposta num texto como regra antecipada à ação e para regulamentar, remete-nos a um poder legitimado por essa imposição: se a regra norma se separa e autonomiza a ação, terá também o poder de se destacar das mesmas ações e realidade para lhe impor essa regra-norma prescrita. O se titular é o poder político que a determina por motivos e intenções não puramente jurídicas. Cada vez mais, o direito surge como instrumento de planificada intervenção política e os Estado governam com as leis, afirmando-se a legislação como a forma por excelência de politização do direito. 15 Eduardo Figueiredo 2ª Turma Teórica 2013/2014 (5) Por fim, a sua dimensão de tempo é o futuro e o direito é para ela uma regra de conduta, visando o comportamento futuro. Destaca-se esta experiência nos sistemas de Civil Law, surgindo como experiência constitutiva polarizadora. Reconhece-se um aumento da importância da experiência jurídica jurisdicional a par desta. 2.3. A experiência jurisdicional É visto como uma experiência jurídica prudencial, resultado de uma mediação normativa. No fundo traduz-se no fato de o direito também se constituir e manifestar enquanto se realiza, procurando dar resposta a um problema jurídico concreto, suscitado pela dúvida quanto à afirmação ou cumprimento de uma pressuposta validade e das suas exigências normativas, quer pela violação dessa validade. Num autêntico horizonte de intersubjetividade surge a controvérsia, culminando esta experiência com a emanação de um juízo decisório, após cumprido o modus operandi judicativamente racional e prático prudencial que cumpre a dialética sistema/prolema. Esta decisão judicativa emanada por um poder-auctoritas que assume uma condição de tercialidade – com a mobilização de um terceiro imparcial que procede à mediação do caso – e que pressupõe como fundamento uma validade comunitária e o sistema jurídico vigente. Este juízo decisório trata-se, assim, de um juízo de índole problemático-dialética e prático- argumentativa. Assim, a solução concreta é o resultado de uma decisão redutível a uma fundamentação assimilável por um juízo que procede a uma autêntica criação material, mas sem inovação formal. Assim, diz- se que este critério exemplum que se exprime num texto não é constitutivo, mas expressivo de uma ratio decidendi, garantindo, não só, a mediação normativa entre os sujeitos partes, mas também a realização concreta do sistema. A sua dimensão do tempo é o presente e surge como uma dimensão privilegiada de manifestação do jurídico na sua especificidade. É essencialmente utilizado nos sistemas de Common Law. Em suma, esta experiência tem uma grande base casuística e uma índole problemático-experimental e indutiva que só é compatível com um sistema normativo aberto, centrando-se, igualmente, no momento de validade de um universo jurídico específico e autónomo. 3. Algumas especificidades do nosso sistemade legislação Comecemos por reconhecer uma hierarquia das fontes formais prescritivas, reconhecendo os quatro níveis que são determinados por um critério de poder prescritivo: 1º - Poder Constituinte 2º - Poder Legislativo Propriamente Dito 3º - Poder Regulamentar 4º - Poder Autárquico Todos estes níveis beneficiam de uma presunção de autoridade, ainda que me diferentes graus. Importa ainda referir o (já revogado em 1996) instituo dos assentos em confronto com os precedentes vinculantes do common law – surgem como forma especial de recurso para tribunais superiores, sempre que existiam confrontos jurisprudenciais em casos, à partida, análogos. Estes visavam uma estabilização e uniformização jurisprudencial, surgindo como autênticas normas gerais e abstratas dotadas de força obrigatória geral, que o STJ, funcionando em pleno, se via constrangido a prescrever – considerando apenas aquele caso concreto e sem qualquer juízo prévio de oportunidade, sempre que se decidia recurso para este plenário e tendo por base a decisão deste recurso. A norma não poderia ser transformada, sendo a sua forma de vinculação semelhantes à das normas legais – o critério que daqui resultava era o de uma norma legal e não de um critério jurisprudencial. Em suma, criava-se um critério geral e abstrato com vista a aplicação genérica para o futuro. Importa ainda referir mais dois pontos: (1) «Julgamento de fixação da jurisprudência» (em processo penal) que se afirma como recurso extraordinário para estabilizar a jurisprudência judicial – (art. 437º/1 do C.P.P.), não através de uma vinculação formal, mas através do reconhecimento da possibilidade de reconhecimento de um ónus da (contra-) argumentação. (2) «Julgamento ampliado de revista» (em processo civil) no art. 688º a 695º C.P.C. que surge como recurso extraordinário para uniformizar a jurisprudência judicial. No fundo, desempenha uma função preventiva: nos trâmites de um recurso ordinário, o presidente do STJ pode concluir que se poderá manifestar uma divergência em relação a uma posição anteriormente assumida, tomando uma decisão concreta para um caso, à qual se reconhece uma presunção de justeza. Ambos se tratam de autênticos critérios jurisdicionais que podem ser mobilizados pelas partes e que visam a estabilização da jurisprudência judicial. 16 Eduardo Figueiredo 2ª Turma Teórica 2013/2014 4. A especificidade do momento constituinte compreendida a partir da experiência legislativa (da sua importância e dos seus limites) 4.1. Prolegómenos Para iniciar o estudo desta temática temos de partir desde logo de duas proposições: (1) O momento constituinte parte de uma dialética entre a pressuposição de uma validade comunitariamente construída e a condição de uma contingência histórico social. (2) Este permite-nos dar-nos conta dos modos de positivação ou de determinação normativa reconhecidos e aos quais a experiência comunitária em causa reconhece auctoritas. 4.2. A importância da legislação reconstruida nas suas dimensões política, sociológica e funcional. (1) Fatores de ordem política – desde logo, aqueles que estiveram presentes no aparecimento do legalismo moderno-iluminista e que persistiram ao dar fundamento à prerrogativa constitucional que no Estado de direito é reconhecida à lei. Referimo-nos ás preferências de lei e reservas de lei. (2) Fatores de ordem sociológica – Fatores relacionados com a estrutura da sociedade dos nossos dias e que surgem cada vez mais dinâmicas, menos vinculadas ás validades tradicionais e com crescentes exigências de racionalização. O Direito a ser entendido como «sistema de regulamentação» que veja a legislação como correlativa forma de constituição e de expressão normativa. (3) Fatores de ordem funcional – As características normativas da legislação permitem que esta desempenhe um conjunto de funções jurídicas de maior relevância e indispensáveis à atual ordem jurídica e social. Importa ainda referir algumas outras funções da lei: função de ordenação político-social e reformadora (só a lei pode intervir juridicamente num sentido estrutural e transformador); função instituinte e planificadora regulamentar (só a lei tem capacidade institucionalizadora e organizatória, criando órgãos e demarcando competências, planificando a atividade regulamentar do Estado, etc…); função jurídica de integração (impõe uma solução jurídica geral e parificadora ao pluralismo social); função jurídica de garantia (a objetividade e a certeza asseguradas pelo direito a conferir-lhe segurança). Importa reconhecer a relação direta entre as funções político-sociais da lei e nova compreensão da legalidade trazida pelo Estado Providência, a atender a fins; a relação ente a função jurídica de integração e a crise ou erosão dos referentes integradores do direito; a relação direta entre a função jurídica de garantia e as exigências de formalização do direito para garantir um esquema objetivo de determinação e institucionalização dos limites de responsabilidade. 4.3. Os limites funcionais e normativos da lei (1) Limites objetivos ou a falta de um critério legal: Trata-se da inexistência de uma norma para assimilar a relevância da controvérsia jurídica a decidir – o normativismo do século XIX chamou- lhe lacunas que tinham de ser supridas, nomeadamente através da realização do direito sem a mediação do estrato das normas, recorrendo a outros critérios e, na falta deles, aos próprios fundamentos… e até ao próprio dinamismo histórico de um constituindo transsistemático. (2) Limites de validade: Exige-se que se leve a sério a compreensão dos princípios como jus e a relação desenvolvida entre normas legais e princípios normativos. No fundo, exige-se que se experimente a norma selecionada como critério jurídico, levando a sério a relação constitutiva circular entre a validade comunitária e a realização judicativa. Há que não esquecer que não posso mobilizar critérios contrários aos fundamentos histórico-socialmente fundados. (3) Limites Temporais: Confronto do estrato das normas com o dinamismo histórico experimentado na realidade jurídica e na compreensão realizadora e constitutiva dos princípios. (3.1.) Norma obsoleta: Norma que se encontra no corpus iuris como formalmente vigente, mas que, por causa do seu caráter desadequado (nomeadamente por uma alteração dos pressupostos que existiam no momento da sua feitura), como passar do tempo, perde a sua eficácia. (3.2.) Superação por caducidade (Partindo do exemplo do principio da autonomia privada): O critério previsto no C.C. de 1867 foi superado, mas manteve-se formalmente em vigor, verificando-se, no entanto, um desajustamento no plano dos princípios, mas que se manifesta no plano temporal – no momento da prescrição da norma, esta estava de acordo com os princípios. Porém, passado um século, este entendimento torna-se desadequado e surge a necessidade de criar um critério do abuso do direito – criando-se um novo critério 17 Eduardo Figueiredo 2ª Turma Teórica 2013/2014 com uma dimensão material própria que será introduzido no C.C. de 1966. Verifica-se em questões de fundamentação. (4) Limites intencionais: Estão presentes em todas as normas e derivam da sua índole programática. Para compreender as normas, há que as inserir num determinado contexto de significação que surge associado a um conceito de realização. Procura-se atribuir um sentido a uma norma para dela se extrair um critério. Para tal, exige-se que se construam juízos práticos para articular uma norma geral e abstrata a um caso singular e concreto. Muitas vezes, neste processo, é a obtenção da premissa menor que surge como mais árdua, sendo este problema tratado de formameramente formal. É necessário, porém, um juízo analógico, recorrendo a critérios, que permitam a interpretação da norma e a compreensão dos seus limites intencionais. No fundo trata-se de confrontar a prescrição legal com as circunstâncias particulares e com a perspetivação individualizada do caso-problema. 5. Especificidade do momento constitutivo e a relação deste com o momento da objetivação. O legislador tem uma prerrogativa, mas não um monopólio na criação do direito. Há outras instâncias com legitimidade para participar no processo de constituição da normatividade jurídica: a jurisprudência judicial – cuja tarefa é dar uma resposta judicativa dos casos concretos, mas também constituir o ex novo, enunciando-o com um fundamento e em termos que garantam a vinculação normativa implicada pela respetiva vigência. Há também uma autêntica dogmática de fundamentação eu procura elaborar, no quadro da dialética sistema/problema, modelos práticos de decisão para os casos jurídicos concretos. Assim, a jurisprudência jurídica colhe na prático normativamente comprometida elaboração dogmática, o fundamento da racionalidade de decisões judicativas que profere e a jurisprudência dogmática recebe da experiência jurisdicional a realidade que reflete. No processo de constituição do direito ainda importa um momento de objetivação que autonomiza a integração, explicita ou meramente implícita – respetivamente, projetada em critérios jurídicos específicos ou reconstitutiva do sentido na normatividade jurídica. Assim, só estamos perante direito se a especifica validade se afirmar como societariamente eficaz. 18 Eduardo Figueiredo 2ª Turma Teórica 2013/2014 CAPÍTULO V INTRODUÇÃO À METODOLOGIA O SENTIDO DO PROBLEMA DA INTERPRETAÇÃO COMO MOMENTO DO PROBLEMA METODOLÓGICO DA REALIZAÇÃO JUDICATIVAMENTE CONCRETA DO DIREITO A) A teoria tradicional da interpretação reconstruída a partir da herança do “Método Jurídico” O Método Jurídico surge no discurso do séc. XIX, como expressão do normativismo e legalismo, distinguindo-se três notas capitais: A exigência de conferir ao pensamento jurídico a sua autonomia discursiva, procurando conciliar uma conceção epistemológica teorética (influenciada pelo cientismo) e uma conceção normativista do direito que procura garantir o caráter plausível de uma perspetiva interna que vê o direito «enquanto conhecimento do direito a partir do próprio direito ou de uma perspetiva puramente jurídica», no fundo, dando origem a uma ciência do direito, que se afasta de outras perspetivas históricas, sociológicas, filosóficas… e se limitam ao jurídico. Assim, o Método Jurídico seria aquele que consegue autonomizar uma ciência do direito de todas as outras ciências. O caráter prescritivo e normativo do Método – O Método Jurídico “como construção doutrinal que visava prescrever, prévia e autonomamente, o modelo e o processo que o pensamento jurídico deveria cumprir para atuar em termos especificamente jurídicos e corretos. (…) Define a priori e pretende impor a prática.” 5 A ambição de racionalizar teoreticamente a prática, oferecendo-lhe as condições para uma aplicação formalmente objetiva. Destacam-se duas tarefas-fins complementares da técnica jurídica, autonomizadas por Jhering: o O domínio cognitivo-racional dos materiais enquanto Direito-objeto, através da simplificação dos materiais disponíveis utilizando três processos distintos: análise jurídica, concentração lógica e construção jurídica. o O tratamento das objetivações garantidas por esta técnica como possibilidade de uma prática racional que diz respeito a cada sujeito-decisor, pressupondo um exercício continuado, mas também, iluminado pelo fim principal da aplicação igual do «direito ao caso concreto». “Mas, o direito existe quando se realiza. A realização é a vida e a verdade do direito, é o direito ele próprio (…). Na pergunta relativa à realização do direito não se trata no entanto de interrogar alguma coisa de material, mas de interrogar alguma coisa de puramente formal.” (JHERING) Assim, exige-se que o direito cognitivamente pressuposto pelo pensamento jurídico nos surja no seu modo de ser abstrato. ´~ 1.1. As duas grandes Escolas e a síntese em que culminaram. (1) ESCOLA DA EXEGESE Surge com Delvincourt, Duranton, Bugnet e tens as suas origens na conjugação do jusracionalismo moderno-iluminista, no legalismo demo-liberal e na codificação pós revolucionária (que se pretendiam definitivas). Para esta escola de influência francesa, o direito-objeto corresponde às normas gerais e abstratas prescritas pelo legislador na forma de códigos (que se haviam de conhecer) como «regulamentação total, exclusiva e definitiva de um setor da vida social». Destaca-se o Código de Napoleão. A Lei surgiria como única fonte do Direito. Os momentos do método baseavam-se na interpretação/integração/construção/aplicação, bem influenciada pelo positivismo jurídico à baisse. O Normativismo e o legalismo tinham, nesta escola, uma combinação perfeita. Nesta escola, a tarefa do jurista consistia na exegse dos textos codificados, para se conhecer a lei escrita e depois a aplicar lógico- dedutivamente. (2) ESCOLA HISTÓRICA E O POSITIVISMO CONCEITUAL Surge com Savigny, Puchta, Jhering e Windsheid, surgindo como um cruzamento dialético de um historicismo constitutivo com um idealismo conceitual e de um cientismo positivista com um racionalismo normativista. Defende uma conceção do direito antípoda da anterior escola, ao defenderem o direito 5 NEVES, Castanheira, «Método Jurídico», Digesta, 2º Volume, pp. 303-304 19 Eduardo Figueiredo 2ª Turma Teórica 2013/2014 como um precipitar da história, considerando que todo o povo tem o seu direito. Para esta escola de influência alemã, o direito objeto corresponde aos materiais dados que, emergindo das experiências consuetudinárias e legislativas (e até dos textos do direito romano comum) constituem o direito (im)posto ao histórico comunitário elemento político. A lei vai ter uma importância crescente enquanto direito constituída pelas forças da história e que se vai consagrar no BGB (resultado da pandectistica do séc. XIX). O método utilizado baseava-se num método hermenêutico/científico/aplicativo, acentuando a análise/concentração/ construção/sistematização do positivismo jurídico à hausse. Pretende-se uma grande assimilação do normativismo para tratar racionalmente os seus problemas ( «Também através da Escola Histórica… mas para além desta e… para fora desta…») Destaca-se a utilização da pirâmide conceitual de Puchta que é transparente e composta por vários estratos, estreitando-se estes conforme se sobe da base para o vértice. Quanto maior a largura, maior a abundância de matéria, e menor a altura, isto é, a capacidade de perspetiva…. E vice-versa. À largura corresponde a compreensão e à altura a extensão do conceito abstrato. Entendia-se o direito como sistema fechado de instituições e normas tão independente da realidade social das relações da vida quanto pleno. 1.2. Os dois positivismos projetados na delimitação dos «momentos»-operações do método. (a) Momento Cientifico Este momento traduz-se na sistematização exemplar proposta por Jhering que se realizará a um direito (im)posto ao histórico comunitário elemento político, isto é, já disponibilizado em estruturas de ordenação contingentes, mas só se torna cognoscível quando esses materiais se tornam em proposições jurídicas. Assim, será tarefa da jurisprudência inferior, a análise jurídica que – através de uma metáfora de “química do Direito” – procurará
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