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Psicologia Social II - Psicologia Sócio-histórica II Contribuições Para O Pensamento Psicológico (Aula 2)

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PSICOLOGIA SOCIAL II 
Aula 2 - Psicologia Sócio-histórica II – Contribuições Para O Pensamento Psicológico 
• Uma psicologia crítica, que concentra seus estudos sobre a subjetividade, contribui para a revisão da prática psicológica em diversas áreas 
e, principalmente, para a revisão do lugar e função que o saber psicológico ocupa junto à sociedade. 
• Nesta aula, discutiremos sobre o conceito de normalidade e suas implicações, e faremos uma crítica à noção de neutralidade científica, 
que provoca a psicologia a se posicionar, de modo a assumir um compromisso pela transformação social. 
 
Objetivos 
• Explicar o conceito de normalidade na perspectiva sócio-histórica; 
• Criticar a noção de neutralidade científica; 
• Analisar o posicionamento de compromisso social da psicologia. 
 
 
A Homossexualidade e a Saúde Mental 
• Em 23 de dezembro de 1987, Luis Antônio Martinez Corrêa foi assassinado brutalmente. Seu corpo foi encontrado amarrado em seus pés 
e mãos, com um golpe na cabeça, estrangulado e mutilado com 107 facadas no seu apartamento em Ipanema, Rio de Janeiro. Esse 
assassinato é apresentado no início do premiado documentário Temporada de Caça, da cineasta Rita Moreira, exibido em 1988, que trata 
da onda assassinatos a homossexuais que ocorria em São Paulo e no Rio de Janeiro. O documentário foi filmado quando também ocorreu 
em São Paulo uma operação da prefeitura chamada Tarântula, que provocou a prisão e o assassinato de travestis numa ação de 
higienização da cidade. 
➢ Para saber mais sobre o assunto, sugerimos que assista ao seguinte documentário: Hunting season (Temporada de caça). Direção: 
Rita Moreira. Estados Unidos: RM Produções, 1988. 22 min, son., color. 
Comentário - Algo que considero impressionante nas cenas deste documentário é a serenidade com que os entrevistados respondem que 
apoiam a violência e o assassinato de travestis. Esse discurso era comum na década de 1980 e talvez por isso impressione tanto. 
• As pessoas que responderam pela violência são na atualidade pais, mães, avós, professores, policiais, ocupam cargos públicos. Seriam 
essas pessoas todas anormais ou doentes por reproduzirem esse discurso? Era comum ouvir um pai dizer que preferiria um filho morto a 
um filho homossexual. 
• A homossexualidade foi alvo de diversas categorizações em nossa história, sendo considerada um desvio da natureza, seja biológica ou 
espiritual, e condenada em diversos países. 
• Em 6 de setembro de 2018, os principais jornais noticiaram que nesta data a homossexualidade foi descriminalizada na Índia, mas 
permanecendo ilegal em mais de 70 países. 
• Sob um pretenso discurso de neutralidade por afirmar uma natureza biológica, a homossexualidade chegou a ser categorizada como 
doença pela Organização Mundial de Saúde. O critério do que seria considerado normal, mesmo do ponto de vista da saúde, estava 
fortemente influenciado pela tradição religiosa e por estudos científicos que pretendiam fazer a sustentação do discurso religioso. Outras 
pesquisas também serviram para propor teorias de uma existência de criminosos natos, buscando na biologia a determinação de 
comportamentos complexos. 
• A extensão dos afetos, comportamentos, valores sujeitos a uma noção de natureza humana compôs o terreno para produzir a 
anormalidade desses campos. 
• O exemplo da homossexualidade é um caso que merece atenção pela psicologia, afinal a psicologia é um saber que lida diretamente com 
a classificação de transtornos mentais. 
• Há décadas, modernas e sólidas pesquisas multidisciplinares internacionais garantem que ‘a homossexualidade não constitui doença, 
distúrbio ou perversão’. Já em 1970 a American Psychology Association, desde 1985 o nosso Conselho Federal de Medicina e desde 1993 
a Organização Mundial de Saúde excluíram o código 302.0 da Classificação Internacional de Doenças, deixando a homossexualidade de 
ser considerada “desvio e transtorno sexual”. Em 1999, foi a vez do Conselho Federal de Psicologia promulgar uma portaria rat ificando a 
normalidade da homossexualidade, em um tempo que condenou as teorias e terapias homofóbicas.” MOTT, 2006, p.510 
• Além da moral religiosa, também a noção de natureza biológica sustentada por discursos científicos colaborou fortemente para a 
produção de afetos negativos em torno da homoafetividade. 
• As caracterizações negativas como aberrações, pecado, doença ou transtorno mental marcam o modo como ocorriam as relações em 
torno da homoafetividade. 
• Sob uma perspectiva da psicologia sócio-histórica, a noção de normalidade não se identifica com o conceito de natureza. 
Fundamentalmente, reflete um processo de interação. 
• Toda interação tem um sentido, isto é, como numa relação de forças, a interação possui uma direção para os afetos, para a ação, que 
produz um sentido, um significado para aquela realidade. 
• Essas interações, que ocorrem através dos costumes, do sistema de valor, enfim, da cultura e que são vividas por cada pessoa, serão o 
cenário e o processo onde é produzida a subjetividade. 
Atenção - O conceito de normalidade, sujeito à noção de natureza humana como uma norma a ser observada, serve para a conservação do 
sistema dominante de relações. O anormal não é visto como diferença, mas como desvio, doença. 
• É interessante notar que o conceito de normal, nesta perspectiva, não está relacionado à saúde da pessoa. O conceito de normalidade 
estava mais vinculado aos costumes, à cultura da época. Na psicologia sócio-histórica, o diferente da norma, do sistema dominante, é 
compreendido como possibilidade. 
• Podemos afirmar que, se o processo de subjetivação ocorre na interação, ele é potente em se diversificar na mesma medida em que são 
possíveis outras interpretações. Em outras palavras, o conceito de normalidade está relacionado às práticas e saberes predominantes 
numa cultura, o que pode variar conforme cada momento histórico e cultura. 
• As noções de saúde e doença precisaram ser revistas neste aspecto, principalmente para o que se chamava de doença mental. A 
Organização Mundial de Saúde (OMS) utiliza o termo transtorno mental, porém costuma ser preferido pelos profissionais de saúde no Rio 
de Janeiro falar em “sofrimento mental”. Afinal, o que seria uma desordem ou um transtorno psíquico em relação a uma vida psíquica 
ordenada, normal? 
• Se a compreensão da realidade ocorre na atividade de vivência da pessoa, são tantas as possibilidades de experiência subjetiva que a 
noção de vida psíquica normal ou ordenada precisa ser reformulada. 
• Considero importante o apontamento de Benevides e Passos (2005), que, ao tratar da humanização do Sistema Único de Saúde, fazem 
uma observação sobre os cuidados em saúde a partir de outro modo de pensar, diferente do ajustamento da pessoa à norma: 
• “Pensar a saúde como experiência de criação de si e de modos de viver é tomar a vida em seu movimento de produção de normas, e não 
de assujeitamento a elas. A contribuição de Canguilhem (1978) para o debate acerca da normatividade da vida é indispensável aqui. Este 
autor nos indicou como a vida se define não por um assujeitamento a normas, e sim por uma produção delas.” BENEVIDES; PASSOS, 2005, 
p. 570 
• Esperar que todas as pessoas vivam uma vida normal, no sentido de estar sujeitada à norma, é uma ilusão, justamente porque o processo 
de produção de normas é próprio da experiência de vida, e não dada por uma natureza pré-existente. Podemos dizer, portanto, que a 
sexualidade poderá (enquanto potência) ser vivida de inúmeras formas, de modo que tentar categorizá-la (normatizando-a) seria sempre 
incompleto. 
• A homoafetividade pode ser compreendida então como uma possibilidade de expressão de vida do humano. É comum neste ponto que 
pessoas mais incomodadas com a discussão sobre normalidade façam um questionamento do tipo: “Tudo bem, então, tudo é possível? 
Não existe norma?” 
• Afirmar que ao humano as possibilidades são infinitas não significa dizer que qualquer expressão de vida seja desejável.Por exemplo, 
costuma ser consenso que modos de vida racista não são desejáveis. Em outros termos, a vivência de afetos e valores próprios de um 
sistema racista podem ser evitados ou diminuídos em sua incidência se as interações tiverem um direcionamento neste sentido. 
Evidentemente, será necessário um princípio que fundamente a ação, funcionando como norma. A pergunta fundamental seria: Esse 
princípio aumenta a potência de vida ou a diminui? 
• Vimos no início desta aula exemplos de diminuição da vida a partir da defesa de uma ideia que pretendia expurgar a diferença 
relacionada ao sexo heteronormativo. 
• Sobre uma neutralidade impossível 
➢ As ideias do positivismo sustentaram posições que excluíam os elementos sociais e culturais do fenômeno de estudo. A psicologia, 
de base positivista, buscava encontrar leis naturais que regulassem o fenômeno, desconsiderando qualquer experiência e vida social. 
➢ O conhecimento produzido era pensado como isolado dos interesses e valores sociais. Deste modo, ao tomar o objeto de estudo 
como natural, estudos psicológicos buscavam desvelar as leis naturais que regulassem o humano sob a justificativa de um 
conhecimento que gozava de neutralidade. 
• O modo como a psicologia sócio-histórica irá superar a visão positivista será através do método do materialismo histórico e dialético que, 
na expressão de Bock, (2001, p. 33) terá três características: 
➢ “Uma concepção materialista, segundo a qual a realidade material tem existência independente em relação à ideia, ao pensamento, 
à razão; existem leis na realidade, numa visão determinista; e é possível conhecer todas as realidades e todas as suas leis. 
➢ Uma concepção dialética, segundo a qual a contradição é característica fundamental de tudo que existe, de todas as coisas; a 
contradição e sua superação são a base do movimento de constante transformação da realidade... 
➢ Uma concepção histórica, segundo a qual só é possível compreender a sociedade e a história por meio de uma concepção 
materialista e dialética; ou seja, segundo a qual a história deve ser analisada a partir da realidade concreta, e não a partir das ideias 
[...]”. 
• A partir desse método, o conhecimento produzido a partir da psicologia sócio-histórica não buscará uma regularidade universal dos 
fenômenos, mas apenas aquele contingente ao sistema de relações que está envolvido. 
• A contradição e a transformação serão processos próprios da condição de vida. Portanto, mais do que meramente encontrar 
regularidade, trata-se de buscar melhores condições de vida, abandonando uma pretensa neutralidade. 
• Retomemos a questão da proposição da homoafetividade como doença. Existe alguma neutralidade possível em questões dessa ordem? 
Afinal, o psicólogo, como um profissional de saúde, lidará diretamente com esse tipo de diagnóstico. O conhecimento produzido interfere 
diretamente na realidade, portanto a neutralidade é uma impossibilidade. E, por reconhecer essa impossibilidade, um posicionamento 
será necessário. Não haverá lugar científico fora de forças que produzem uma tensão em um sentido ou outro. 
• Félix Guattari, psicanalista francês que produziu importantes trabalhos no campo da saúde mental, em entrevista no Brasil, fez um 
questionamento que segue esta mesma direção, ao propor que: “[...] devemos interpelar todos aqueles que ocupam uma posição de 
ensino nas ciências sociais e psicológicas, ou no campo de trabalho social — todos aqueles, enfim, cuja profissão consiste em se interessar 
pelo discurso do outro. Eles se encontram numa encruzilhada política e micropolítica fundamental. Ou vão fazer o jogo dessa reprodução 
de modelos que não nos permitem criar saídas para os processos de singularização, ou, ao contrário, vão estar trabalhando para o 
funcionamento desses processos na medida de suas possibilidades e dos agenciamentos que consigam pôr para funcionar. Isso quer dizer 
que não há objetividade científica alguma nesse campo, nem uma suposta neutralidade na relação (por exemplo, analítica).” GUATTARI; 
ROLNIK, 1986, p. 29 
• Frente à encruzilhada política não há saída que não implique em um posicionamento ético-político. Mais uma vez: frente a um campo de 
possibilidades, como estabelecer um princípio que não reproduza, ou que pelo menos tente evitar, os horrores contra a vida como a 
história nos apresenta? Este é um ponto fundamental. 
 
Compromisso Social Com A Psicologia 
• A segunda guerra mundial, findada em 1945, trouxe muitas marcas de sofrimento e horrores que provocaram mudanças de referências. 
Podemos dizer que a religião não nos livrou da guerra, o conhecimento científico também não produziu parâmetros e condições para que 
evitássemos tantos assassinatos e conflitos; ideologias diversas fracassaram também em evitar mortes. Concluímos então que, mais 
importante do que uma defesa da norma, é a possibilidade da crítica. Crítica enquanto análise, revisão dos fundamentos e suas 
consequências. 
Atenção - Nenhuma teoria é absoluta, nenhum conceito deve ser inquestionável. A ciência não produz verdades, mas uma leitura de mundo. 
Permitir a crítica significa também uma disponibilidade para conhecer a diferença. 
• Foi no pós-guerra que se afirmou a declaração universal dos direitos humanos como uma defesa da vida, em detrimento de ideologias. 
• A vida como valor ou parâmetro para a atuação da psicologia é o que faz trabalhadores da saúde mental preferirem o termo sofr imento a 
transtorno, por exemplo. Afinal, posso acolher uma pessoa que sofre, e o sofrimento relatado por ela será o objeto de trabalho. 
• Quando o diagnóstico está na frente da vida, podemos reproduzir novamente formas de avaliação que busquem uma adequação da vida 
psíquica a uma ideia de normalidade, mesmo que aquilo que escapou à norma não implique em diminuição da vida. Ou seja, o trabalho 
será realizado com uma noção abstrata de ser humano, impedindo possibilidades de expressão de vida. O trabalho realizado, isto é, a 
intervenção psicológica, será completamente diferente, dependendo do princípio de análise. 
• A psicologia social afirma então uma posição implicada com a transformação social que produza melhoria das condições de vida. As 
pesquisas realizadas deverão observar as crises presentes em nossa realidade, para produzir um conhecimento contextualizado a partir 
de nossas condições de vida. Esse posicionamento produzirá uma mudança de posição tanto nas práticas da profissão quanto no seu 
modo de produzir conhecimento, fazendo afirmações e tomando posturas que estejam alinhadas com os princípios de direitos humanos. 
Como exemplo de um posicionamento ético-político, em novembro de 2014 o Conselho Federal de Psicologia iniciou uma campanha de 
comunicação em apoio à luta pela despatologização das identidades trans e travestis. 
• Desde 22 de maio de 2015, o site Despatologização das identidades Trans e Travestis apresenta notícias, legislação e publicações sobre o 
tema. 
• 1993
➢ Em 1993, entrou em vigor a CID-10, que retirou a homossexualidade das categorias de transtorno mental, mas ainda conservou o 
transtorno de identidade sexual, que atinge especificamente este público. 
• 2018 
➢ Somente em 18 de junho de 2018, a OMS anunciou a retirada dos transtornos de identidade de gênero das categorias de transtornos 
mentais. 
• Atenção - A alternativa utilizada nesta exclusão ocorreu com a criação de um novo capítulo para tratar da saúde sexual, no qual foi 
adicionada a categoria incongruência de gênero. Essa categoria foi uma alternativa para reduzir o estigma produzido quando tratado 
como transtorno mental. A manutenção de uma categoria ocorre para oportunizar o acesso a procedimentos terapêuticos, mas sem o 
estigma anterior. 
• A psicologia, enquanto categoria profissional que em sua prática trabalha com diagnósticos de transtorno mental, não tem como ser 
neutra neste tema. Iremos reproduzir o entendimento de que uma vida travestida é algo doentio, ou iremos atuar para que, nas 
possibilidades dessarealidade, seja um processo possível de se viver.

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