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1 2 AULA 8: MANDADO DE INJUNÇÃO E AÇÃO POR OMISSÃO 3 INTRODUÇÃO 3 CONTEÚDO 4 NEOCONSTITUCIONALISMO, ATIVISMO JUDICIAL E JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA 4 COMPARAÇÃO ENTRE A ADO E O MANDADO DE INJUNÇÃO 10 ATIVIDADE PROPOSTA 18 REFERÊNCIAS 19 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 19 CHAVES DE RESPOSTA 24 ATIVIDADE PROPOSTA 24 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 25 3 Introdução Como já amplamente estudado no nosso curso, a dogmática constitucional brasileira sofreu grandes transformações voltadas para a superação do antigo sistema fechado de regras jurídicas, característico do positivismo normativista e com o objetivo maior de atribuir normatividade aos princípios constitucionais, consolidando a visão positivista de um sistema aberto de regras e princípios. Sem nenhuma dúvida, a formação de uma nova hermenêutica constitucional foi construída com base no princípio da dignidade da pessoa humana. É nesse sentido que desponta a relevância do ativismo judicial como elemento nuclear da normatividade dos direitos fundamentais em geral e da dignidade da pessoa humana em particular. Portanto, nesta aula, temos a pretensão de investigar as diferenças entre os institutos do mandado de injunção e da ação direta de inconstitucionalidade por omissão não se confundem. Muito embora sejam figuras jurídicas voltadas para o combate à falta de norma reguladora que torna inviável o exercício de direitos fundamentais, o mandado de injunção e a ação de inconstitucionalidade por omissão apresentam natureza jurídica diversa, daí a importância de examiná- los com maiores detalhes. Sendo assim, é objetivo desta aula: 1. Diferenciar os conceitos de judicialização da política e ativismo judicial, bem como identificar a nova posição concretista do STF em sede de mandado de injunção, comparando-a com a ação direta de inconstitucionalidade por omissão. 4 Conteúdo Neoconstitucionalismo, Ativismo Judicial e Judicialização da Política As transformações paradigmáticas que o direito constitucional contemporâneo vem sofrendo devido ao declínio do positivismo jurídico exigem cada vez mais uma nova teorização acerca da eficácia das normas constitucionais. Com efeito, em tempos de neoconstitucionalismo, a aferição da eficácia constitucional não pode ficar alheia à viragem hermenêutica que patrocina a reaproximação entre o direito e a ética. Isto significa dizer por outras palavras que a valoração da plena efetividade da Constituição deve ser feita a partir das fórmulas hermenêuticas avançadas do direito pós-positivo. Como bem destaca Luís Roberto Barroso in verbis: A dogmática jurídica brasileira sofreu, nos últimos anos, o impacto de um conjunto novo e denso de ideias, identificadas sob o rótulo genérico de pós-positivismo ou principialismo. Trata-se de um esforço de superação do legalismo estrito, característico do positivismo normativista, sem recorrer às categorias metafísicas do jusnaturalismo. Nele se incluem a atribuição de normatividade aos princípios e a definição de suas relações com valores e regras; a reabilitação da argumentação jurídica; a formação de uma nova hermenêutica constitucional; e o desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada sob a ideia de dignidade da pessoa humana. (Para uma visão completa acerca do neoconstitucionalismo e da nova dogmática pós-positivista, vide BARROSO, Luís Roberto. O começo da história. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. In: Temas de Direito Constitucional. Tomo III. Rio de Janeiro, Renovar, 2005.) É por isso que esta última aula tem o objetivo de reconhecer esta nova teoria pós-positivista da eficácia da Constituição, uma nova forma de pensar a 5 aplicabilidade da Constituição enquanto norma jurídica. O que se pretende, com rigor, é trazer pontos de reflexão que projetem a ideia-força de que as normas constitucionais são normas jurídicas, logo comandos normativos habilitados para gerar sozinhos direitos subjetivos ao cidadão comum, independentemente de sua classificação como regras ou princípios, normas programáticas ou não, normas de eficácia limitada ou não. Não cabe mais aqui, portanto, aquela vetusta exegese de que princípios constitucionais não são normas jurídicas, mas, sim, comandos morais que vinculam apenas a atividade legiferante do poder constituinte derivado reformador. Urge, pois, deslocar para o centro de debates da eficácia constitucional a capacidade da Carta Magna de produzir seus efeitos jurídicos, sem subordinação à lei regulamentadora ou a qualquer outro empecilho jurídico-político. Destarte, a construção de uma nova teoria da eficácia constitucional deve ser erigida sob os influxos da superação da velha dogmática positivista, cujo legalismo estrito desqualificava a eficácia positiva dos princípios constitucionais, das normas de eficácia limitada e das normas programáticas. Por eficácia positiva deve-se entender a capacidade de produzir diretamente os efeitos jurídicos no mundo dos fatos, em consonância com o fim constitucional para o qual foram concebidos, sem necessidade de intermediação de quem quer que seja. É a chamada eficácia social ou efetividade, que assegura direitos públicos subjetivos, quer sejam políticos, individuais, sociais ou difusos, ainda que se reconheça que, em determinadas hipóteses, tal produção de efeitos fique restrita ao conteúdo jurídico mínimo da norma, ao seu núcleo essencial intangível. Ou seja, há que se reconhecer, de outra banda, que as normas programáticas e as normas de eficácia limitada, insculpidas sob a forma de princípios, têm, sim, um espectro normativo dentro do qual o poder judiciário deve reconhecer a esfera discricionária do legislador/administrador democrático. 6 Dentro dessa área normativa, não cabe a criação jurisprudencial do direito, isto é, o magistrado não pode legislar positivamente, sem o grave risco de violar a separação de poderes. Tal espaço normativo pode ser denominado de área metajurisdicional, no qual não estará o juiz autorizado a criar direito, sem grave violação ao princípio do Estado Democrático de Direito e da separação de poderes. Nesta área metajurisdicional, o ativismo judicial fica desprovido de legitimidade democrática. No entanto, não se pode confundir o reconhecimento desta área normativa com a falsa assertiva de que os princípios, as normas programáticas e as normas de eficácia limitada são enunciados normativos dotados de eficácia meramente negativa, vale dizer, um tipo de eficácia paralisante que se concretiza no plano da validade jurídica, impedindo que mandamentos infraconstitucionais se oponham ao conteúdo da Constituição, mas que não alcançam jamais o plano da eficácia social ou efetividade, sem a necessária intervenção superveniente do legislador democrático. Refutamos veementemente este tipo de intelecção, porque reconhecê-la seria negar o conceito de núcleo essencial das normas constitucionais, notadamente, dos direitos fundamentais. Com efeito, como pretendemos demonstrar ao longo desta aula, toda e qualquer norma constitucional, independentemente de sua estrutura semântica (regra ou princípio, norma de eficácia limitada ou norma programática) tem a qualidade de produzir seus efeitos jurídicos na seara fática, ainda que tal produção seja restrita ao cerne constitucional intangível, ao minimum normativo inexpugnável, para o qual o poder judiciário tem o dever constitucional de garantir. Não se trata, portanto, de construção dogmática simplista ou reducionista, do tipo “se é norma principal é norma de eficácia meramente negativa”. Ao revés, a questão é muito mais complexa do que isso e envolve temas sensíveis do direito constitucional contemporâneo, tais como: 7 A investigação das teorias absoluta erelativa do núcleo essencial dos direitos fundamentais; A colisão e a ponderação de bens jurídicos, igual e constitucionalmente garantidos; O fenômeno da “judicialização da política” em cujo cerne está o debate em torno do ativismo judicial e da separação de poderes no âmbito do hodierno estado Democrático de Direito. Conheça agora os elementos teóricos da ação direta de inconstitucionalidade por omissão A ação direta de inconstitucionalidade por omissão é um dos mecanismos que desencadeiam o controle de constitucionalidade por omissão do Estado, colocando-se ao lado do mandado de injunção e da arguição de descumprimento de preceito fundamental. É importante destacar que esse instrumento processual desencadeia um controle abstrato do comportamento estatal, não se vinculando, assim, à solução de casos concretos. O objetivo, portanto, de quem se vale da ADO é propiciar a preservação da supremacia constitucional em plano abstrato. A Constituição da República cuida da ação direta de inconstitucionalidade por omissão no seu art. 103, § 2.°, que tem a seguinte dicção: “Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.” A ação direta de inconstitucionalidade por omissão não se tem como objeto uma norma, pois a caracterização dessa espécie de inconstitucionalidade 8 pressupõe justamente a falta dessa norma. Assim, o objeto de impugnação é o comportamento omissivo do Estado, que deixa de atuar no sentido de cumprir a Constituição. Da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal se extrai a conclusão de que a omissão inconstitucional se configura sempre que o Estado deixa de regulamentar normas constitucionais de eficácia limitada. O raciocínio é o seguinte: as normas constitucionais de eficácia limitada só produzem efeitos integrais quando regulamentadas pela legislação infraconstitucional, de modo que o Estado fica incumbido do dever constitucional de editar essas normas regulamentadoras. Descumprido esse dever, configura-se a omissão inconstitucional, abrindo-se espaço para a utilização desse mecanismo de controle de constitucionalidade do comportamento estatal. Há hipóteses de inconstitucionalidade por omissão parcial. Isso ocorre quando o Estado edita a norma regulamentadora do dispositivo constitucional de eficácia limitada, mas o faz de forma defeituosa. Esse defeito pode consistir em implementação parcial do comando constitucional para todos ou, de outra forma, em implementação integral do dispositivo apenas para uma parcela das pessoas que mereceriam a contemplação normativa. Em qualquer dos casos, embora haja uma norma regulamentadora do dispositivo constitucional – portando, assim, um vício – é de se ver que não é ela, sequer nessa hipótese, o objeto da impugnação na ADO. Mesmo nesse caso, o objeto de impugnação continua sendo a falta da regulamentação, de modo que a eventual procedência do pedido não implicará em declaração de nulidade da produção legislativa defeituosa. Lembre-se de que as normas constitucionais programáticas não desafiam a chamada inconstitucionalidade por omissão, pois ao contrário do que vem 9 afirmando parcela considerável da doutrina, não são espécies de normas de eficácia limitada e não obrigam o Estado a alcançar as metas nelas contempladas. Como se viu anteriormente, as normas programáticas somente obrigam o Estado a não rumar em sentido oposto à diretriz traçada em seu texto. De modo que a sua violação pressupõe um comportamento ativo – embora retrógrado – do Estado. Então, o descumprimento das normas programáticas se dá sempre por ação; não por omissão. Embora não se tenha aqui a possibilidade de pronunciamento de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, tem-se entendido que apenas o plenário do Supremo Tribunal Federal poderia apreciar a ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Até porque a ADO é uma espécie de ação direta de inconstitucionalidade. A decisão do STF em sede de ação direta de inconstitucionalidade por omissão não é dotada, de regra, de qualquer eficácia prática, como a própria Constituição já adianta no seu art. 103, § 2.°. Lá está dito que o Poder competente será cientificado de que está em mora, sem que daí decorra a imposição coercitiva de produção legislativa. Significa que a procedência da ADO tem um efeito meramente psicológico, funcionando como um sutil “puxão de orelhas”. 10 O quadro abaixo destaca bem tais efeitos. Efeitos da ADO Artigo 103, § 2°. da Constituição de 1988: “Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.” A Constituição previu uma hipótese em que a decisão do STF poderia ser no sentido de fixar o prazo de trinta dias para que o órgão administrativo encarregado de dar aplicabilidade à norma constitucional de eficácia limitada tomasse as providências cabíveis. O estranho dessa parte do § 2.° do art. 103 da CRFB/88 está no seguinte: como poderia a regulamentação de norma constitucional de eficácia limitada ficar a cargo de órgão administrativo se essa tarefa é do Poder Legislativo no exercício regular da função legislativa? Comparação Entre a ADO e o Mandado de Injunção A constituição de 1988 prevê no seu artigo 5º inciso LXXI que: “Conceder-se- á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”. Leia o texto acerca da nova lei do mandado de injunção: O mandado de injunção encontra previsão legal no art. 5º, inciso LXXI, da CRFB/88, que estabelece que será concedido “sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”. 11 Por mais paradoxal que possa parecer, chegando mesmo a atingir laivos de ironia, é forçoso reconhecer que o remédio concebido pelo legislador constitucional para combater o veneno da síndrome da inefetividade foi desse próprio veneno uma das principais vítimas, uma vez que foram necessários quase 28 anos para que o remédio tivesse capacidade de controlar o veneno para o qual foi engendrado. Durante todo esse período de quase 28 anos, como acabamos de examinar, restou ao Supremo Tribunal Federal a tarefa de fixar jurisprudência oscilante e não unânime com relação aos efeitos das decisões judiciais, em sede de mandado de injunção, daí as diversas posições divergentes sobre a atribuição de efeitos erga omnes ou não (posição geral ou individual); possibilidade de suprir ou não a omissão inconstitucional (posição concretista ou não concretista) e a legitimidade democrática de o Poder Judiciário estabelecer ou não um prazo para que o legislador democrático editasse a lei faltante (posição intermediária com diferentes prazos assinados). De tudo se vê, por conseguinte, que a Lei nº 13.300/16, que regula o mandado de injunção, veio estabelecer as condições de possibilidade para a consolidação do ativismo judicial, revestindo-o de legalidade e, também, de legitimidade democrática, sem ferir a separação de poderes e garantindo a força normativa da Constituição, dentro do escopo de um verdadeiro Estado Democrático de Direito. Tal lei regula – com precisão – os efeitos da decisão, em sede de MI. Na elaboração da sua sentença, nos termos doart. 8º, o magistrado deve, reconhecido o estado de mora legislativa, deferir a injunção para: a) determinar prazo razoável para que o impetrado promova a edição da norma regulamentadora; b) estabelecer as condições em que se dará o exercício dos direitos, das liberdades ou das prerrogativas reclamados ou, se for o caso, as condições em que poderá o interessado promover ação própria visando a exercê-los, caso não seja suprida a mora legislativa no prazo determinado. 12 Já o parágrafo único desse mesmo artigo estabelece que será dispensada a determinação de prazo razoável quando comprovado que o impetrado deixou de atender, em mandado de injunção anterior, ao prazo estabelecido para a edição da norma. No entanto, observe, com atenção, que o exercício do direito do impetrante não pode ficar aguardando a edição da norma faltante durante o prazo determinado pelo juiz, na medida em que, nos termos do art. 9º, caberá ao próprio magistrado estabelecer provisoriamente as condições em que se dará o exercício dos direitos, das liberdades ou das prerrogativas constitucionalmente garantidos. Logicamente que o juiz pode indeferir o mandado de injunção, porém se a decisão for pelo reconhecimento do estado de mora, a decisão terá eficácia subjetiva limitada às partes e produzirá efeitos até o advento da norma regulamentadora. Com rigor, poderá ser conferida eficácia ultra partes ou erga omnes à decisão, quando isso for inerente ou indispensável ao exercício do direito, da liberdade ou da prerrogativa objeto da impetração. Transitada em julgado a decisão, seus efeitos poderão ser estendidos aos casos análogos por decisão monocrática do relator. O indeferimento do pedido por insuficiência de prova não impede a renovação da impetração fundada em outros elementos probatórios. Nos termos do art. 10, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, a decisão poderá ser revista, a pedido de qualquer interessado, quando sobrevierem relevantes modificações das circunstâncias de fato ou de direito. Em conclusão, observe, com atenção, que o direito pátrio, em prol da garantia da eficácia positiva ou simétrica de direitos fundamentais, concedeu poderes normativos momentâneos aos juízes e tribunais, sem desrespeito, nem ao Poder Legislativo e nem ao princípio da separação de poderes. 13 Nesses casos de estado de mora, caberá ao Poder Judiciário fazer cumprir a força normativa da Constituição, a partir de um ativismo judicial proporcional garantidor do núcleo essencial desses direitos ameaçados pela omissão inconstitucional do legislador democrático. Assim sendo, verificada a mora legislativa, caberá ao Juiz supri-la provisoriamente, com efeitos inter partes e sem invadir a esfera discricionária da atuação legislativa. Com isso, o direito pátrio busca dar equilíbrio e harmonia aos Poderes do Estado, sem deixar ocorrer o esvaziamento do conteúdo jurídico mínimo do rol jusfundamental do cidadão comum. Com efeito, uma das grandes vantagens do iter processual trazido pela lei do mandado de injunção é a garantia, ainda que subjetiva, dos direitos fundamentais, evitando dessarte liminares de conteúdo divergente no âmbito do Poder Judiciário. Cf. GÓES, Guilherme Sandoval, MELLO, Cleyson de Moraes. Controle de constitucionalidade. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2016, p. 377-379. O mandado de injunção deve ser interposto perante o Supremo Tribunal Federal quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou do próprio STF (art. 102, I, q). Já nas hipóteses em que a elaboração da norma regulamentadora for atribuição de órgão, entidade ou autoridade federal, da administração direta ou indireta, excetuados os casos de competência do STF e dos órgãos da Justiça Militar, da Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal (art. 105, I, h), o mandado de injunção será interposto perante o Superior Tribunal de Justiça. 14 Por fim, o art. 121, § 4º, inciso V da Carta Magna prevê a competência do Tribunal Superior Eleitoral para julgar, em grau de recurso, o mandado de injunção que tiver sido denegado pelo Tribunal Regional Eleitoral. Apesar de não estar expressamente previsto na Constituição Federal, grande parte da doutrina admite o mandado de injunção coletivo, sendo reconhecidamente legítima a possibilidade de associação de classe devidamente constituída impetrar o instrumento coletivo. Os particulares não têm legitimidade para figurar no polo passivo no processo injuncional, uma vez que não lhes compete legislar ou expedir normas regulamentadoras necessárias ao direito impetrante. Assim sendo, não é possível o litisconsórcio passivo (nem necessário, nem facultativo) entre particulares e pessoas estatais. A jurisprudência do STF é pacífica no que tange à impossibilidade da concessão de medida liminar por ser imprópria ao mandado de injunção. Pelo princípio da simetria constitucional, é permitido aos Estados-membros estabelecerem em suas respectivas Constituições Estaduais o órgão competente para o processo e julgamento de mandados de injunção contra omissão legislativa estadual. Com relação aos efeitos do mandado de injunção, podemos dizer que os mesmos dependem da posição majoritária adotada no STF, ou seja, uma posição concretista ou uma posição não concretista. Pela primeira, o poder judiciário, ao acolher o mandado de injunção, deve, além de declarar a omissão legislativa ou administrativa, emitir decisão constitutiva para atender o caso concreto suscitado pelo impetrante, independentemente de qualquer regulamentação. 15 Em sentido totalmente diferente, a posição não concretista que defende a tese de que no julgamento do mandado de injunção não deve haver criação jurisprudencial do direito ainda que dentro de um caso concreto, mas apenas comunicar a mora inconstitucional para que o Poder competente emita a norma faltante. Na visão de Alexandre de Moraes (ob.cit.p. 177), a posição concretista será dita geral quando a decisão for erga omnes; da mesma forma será denominada individual quando seus efeitos cingirem-se às partes do caso concreto (inter partes); será dita direta quando regular o caso concreto independentemente de regulamentação e será dita intermediária quando assinar prazo para a elaboração da norma faltante, regulando em seguida o caso concreto se persistir a omissão legislativa. Os institutos do mandado de injunção e da ação direta de inconstitucionalidade por omissão não se confundem. Em comum tão somente a falta de norma reguladora que torne inviável o exercício de direitos e liberdades constitucionais e prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. A ação de inconstitucionalidade por omissão somente pode ser proposta pelos entes arrolados no art. 103 da Constituição, ao passo que o mandado de injunção pode ser impetrado por qualquer pessoa que acredite ter seu direito subjetivo prejudicado por falta de norma regulamentadora. Os efeitos da ação de inconstitucionalidade por omissão são erga omnes, enquanto no mandado de injunção são inter partes. Entretanto, observe, com acuidade analítica, que a posição adotada pelo STF até o julgamento do MI 708 e do MI 712 fazia com que os efeitos do mandado de injunção fossem os mesmos da ação de inconstitucionalidade por omissão, tal qual previsto no art. 103, § 2º da Constituição, anulando por completo a diferença entre institutos tão diversos. 16 Controverte-se assim acerca da natureza do provimento que emana da injunção: para uma parte da doutrina e da jurisprudência, trata-se de provimento declaratório,com comunicação do órgão responsável, da caracterização da demora na prestação legislativa; há quem, por outra parte, entenda que se trata de ação mandamental, sendo que pelo descumprimento da decisão poderia caracterizar-se crime de desobediência (TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 909- 910). Luís Roberto Barroso destaca como a melhor orientação aquela que identifica no provimento judicial na espécie uma natureza constitutiva, devendo o juiz criar norma regulamentadora para o caso concreto, com eficácia inter partes, e aplicá-la, atendendo, quando seja o caso, à pretensão veiculada, só se verificando este caráter constitutivo no plano da criação da normatividade ausente, pois o mandado de injunção teria nítida função instrumental; uma vez suprida a ausência da norma, caberá ao órgão julgador fazê-la incidir, sem ausência de continuidade, com vistas à resolução da situação concreta que lhe foi submetida (BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 123-124). Quanto às diversas correntes doutrinárias e jurisprudenciais sobre os efeitos da decisão no mandado de injunção, estas podem ser sintetizadas nos seguintes grupos, a partir da sistematização de Pedro Lenza (LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 654): Posição concretista geral: através da normatividade geral, o STF legisla no caso concreto, produzindo a decisão efeitos erga omnes até que sobrevenha norma integrativa pelo Poder Legislativo; 17 Posição concretista individual direta: a decisão, implementando o direito, valerá somente para o autor do mandado de injunção, diretamente; Posição concretista individual intermediária: julgado procedente o mandado de injunção, o Poder Judiciário fixa ao Poder Legislativo prazo para elaborar a norma regulamentadora. Findo o prazo e permanecendo a inércia do Poder Legislativo, o autor passa a ter assegurado o direito. Foi a posição adotada pelo STF no MI 232. Posição não concretista: predominante por muito tempo no STF desde o MI 107-0/DF, neste entendimento se consagra que a decisão apenas decreta a mora do poder omisso, reconhecendo-se formalmente a sua inércia. Na prática, equipara o objeto do mandado de injunção e da ação direta de inconstitucionalidade por omissão. A partir do julgamento dos mandados de injunção 670, 708 e 712 no STF, todos referentes à regulamentação do direito de greve no serviço público, tendo em vista a inexistência até aqui de lei regulamentando o art. 37, VII, da Constituição Federal, o STF mudou seu entendimento da posição não concretista para a consagração da posição ou teoria concretista geral. Finalmente, convém salientar a lição de Celso Ribeiro Bastos quando afirma que o cabimento do mandado de injunção pressupõe a existência de um direito subjetivo concedido em abstrato pela Constituição, cuja fruição está a depender de norma regulamentadora. Diferente é a situação quando a Constituição outorga expectativa de direito, e, portanto, a norma faltante se presta a transformar essa mera expectativa de direito em direito subjetivo. Nesse caso, não cabe mandado de injunção e sim ação direta de inconstitucionalidade por omissão (CF, art. 103, § 2º). Ademais, vale lembrar que a tutela do mandado de injunção alcança todos os direitos subsumidos 18 debaixo do título II da Constituição, aí incluídos obviamente os direitos de nacionalidade, políticos e sociais. ADIN POR OMISSÃO E MANDADO DE INJUNÇÃO Quadro Geral de Posições Posição Concretista (doutrina) Posição Não concretista Geral Individual Direta Intermediária (Min. Néri Silveira) Corrente predominante no STF até pouco tempo atrás. Não regula o caso concreto, apenas comunica a mora, igualando os efeitos da ADIN por omissão e do Mandado de Injunção. Atividade Proposta O Secretário da Receita Federal se omitiu do dever de adotar providência de índole administrativa de natureza constitucional. Seguindo este entendimento, o Partido Político oposicionista PJTF com representação na Câmara Legislativa do DF ajuizou no STF uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão cujo pedido consistia na concessão de medida cautelar e no mérito a declaração da inconstitucionalidade da omissão. Responda: a) O mencionado partido teria legitimidade para a propositura da ADO? b) Omissão de índole administrativa pode ser objeto de ADO? c) O Supremo Tribunal poderia conceder a medida cautelar em sede de ADO? 19 Referências BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. Exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. Rio de Janeiro: Saraiva, 2013. MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional. O controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. São Paulo: Saraiva, 2012. _____. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade. Estudos de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012. Exercícios de Fixação Questão 1 20 Com o objetivo de incrementar a arrecadação tributária, projeto de lei estadual, de iniciativa parlamentar, cria uma gratificação de produtividade em favor dos Fiscais de Rendas que, no exercício de suas atribuições, alcancem metas previamente estabelecidas. O projeto é aprovado pela Assembleia Legislativa e, em seguida, encaminhado ao Governador do Estado, que o sanciona. Com base no cenário acima, assinale a única resposta correta. a) A lei estadual é compatível com a Constituição da República, desde que a Constituição do Estado não reserve à Chefia do Poder Executivo a iniciativa de leis que disponham sobre aumento de remuneração de servidores públicos estaduais. b) A lei estadual é constitucional, em que pese o vício de iniciativa, pois a sanção do Governador do Estado ao projeto de lei teve o condão de sanar o defeito de iniciativa. c) A lei estadual é formalmente inconstitucional, uma vez que são de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que disponham sobre aumento de remuneração de servidores públicos da administração direta e autárquica estadual. d) A lei estadual é materialmente inconstitucional, uma vez que os projetos de lei de iniciativa dos Deputados Estaduais não se submetem à sanção do Governador do Estado, sob pena de ofensa à separação de poderes. Questão 2 21 Projeto de lei estadual de iniciativa parlamentar concede aumento de remuneração a servidores públicos estaduais da área da saúde e vem a ser convertido em lei após a sanção do Governador do Estado. A referida lei é: a) compatível com a Constituição da República, desde que a Constituição do Estado‐membro não reserve à Chefia do Poder Executivo a iniciativa de leis que disponham sobre aumento de remuneração de servidores públicos estaduais. b) constitucional, em que pese o vício de iniciativa, pois a sanção do Governador do Estado ao projeto de lei teve o condão de sanar o defeito de iniciativa. c) materialmente inconstitucional, uma vez que os projetos de lei de iniciativa dos Deputados Estaduais não se submetem à sanção do Governador do Estado, sob pena de ofensa à separação de poderes. d) formalmente inconstitucional, uma vez que são de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que disponham sobre aumento de remuneração de servidores públicos da administração direta e autárquica estadual. Questão 3 22 Sabendo-se que o sistema financeiro deverá ser regulado por lei complementar, nos termos do art. 192, da Constituição Federal, caso eventual lei ordinária venha a discipliná-lo, essa lei padecerá de: a) inconstitucionalidadeformal, não podendo ser controlada pelo Judiciário, pelo fato de a aprovação equivocada da lei ser matéria interna corporis do Poder Legislativo. b) inconstitucionalidade formal, podendo ser controlada pelo Judiciário, tanto pela via difusa, como pela via concentrada. c) inconstitucionalidade material, podendo ser controlada pelo Judiciário, apenas pela via difusa. d) inconstitucionalidade material, podendo ser controlada pelo Judiciário, apenas pela via concentrada, por ser norma de âmbito nacional. e) inconstitucionalidade formal e material, pois viola tanto o processo legislativo como também o princípio da predominância do interesse. Questão 4 No que concerne ao controle de constitucionalidade, assinale a opção correta. a) Controle de constitucionalidade consiste na verificação da compatibilidade de qualquer norma infraconstitucional com a CF. b) Entre os pressupostos do controle de constitucionalidade, destacam-se a supremacia da CF e a rigidez constitucional. c) O controle concentrado de constitucionalidade origina-se do direito norte-americano, tendo sido empregado pela primeira vez no famoso caso Marbury versus Madison, em 1803. d) O controle concentrado de constitucionalidade permite que qualquer juiz ou tribunal declare a inconstitucionalidade de norma incompatível com a CF. Questão 5 23 Uma lei ordinária expedida pela Câmara Legislativa do Espírito Santo determinou que os aprovados em concurso público para o provimento de cargos na administração estadual direta, dentro do número de vagas fixados no respectivo edital, deveriam ser nomeados no prazo máximo de 180 dias, contados da homologação do resultado do concurso. Nessa situação, a referida disposição: a) Apresenta inconstitucionalidade material. b) Apresenta inconstitucionalidade formal superveniente. c) Apresenta inconstitucionalidade formal orgânica. d) Não apresenta nenhum tipo de inconstitucionalidade. e) Inconstitucionalidade formal e material, pois viola tanto o processo legislativo como também conteúdo da constituição de 1988. 24 Atividade Proposta Resposta: a) Não, o Art. 103 da Constituição exige que o partido político tenha representação no Congresso Nacional (Câmara dos Deputados ou Senado Federal). b) Sim. Nos termos do Art. 12-H da Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999: Declarada a inconstitucionalidade por omissão, com observância do disposto no art. 22, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias. (Redação da Lei 12.063/09) § 1º Em caso de omissão imputável a órgão administrativo, as providências deverão ser adotadas no prazo de 30 (trinta) dias, ou em prazo razoável a ser estipulado excepcionalmente pelo Tribunal, tendo em vista as circunstâncias específicas do caso e o interesse público envolvido. (Redação da Lei 12.063/09) Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal c) Sim. Nos termos inovadores da Lei n° 12.063/09. Art. 12-F.: Em caso de excepcional urgência e relevância da matéria, o Tribunal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, observado o disposto no art. 22, poderá conceder medida cautelar, após a audiência dos órgãos ou autoridades responsáveis pela omissão inconstitucional, que deverão pronunciar-se no prazo de 5 (cinco) dias. (Redação da Lei 12.063/09). 25 § 1º A medida cautelar poderá consistir na suspensão da aplicação da lei ou do ato normativo questionado, no caso de omissão parcial, bem como na suspensão de processos judiciais ou de procedimentos administrativos, ou ainda em outra providência a ser fixada pelo Tribunal. (Redação da Lei 12.063/09). § 2º O relator, julgando indispensável, ouvirá o Procurador-Geral da República, no prazo de 3 (três) dias. (Redação da Lei 12.063/09). § 3º No julgamento do pedido de medida cautelar, será facultada sustentação oral aos representantes judiciais do requerente e das autoridades ou órgãos responsáveis pela omissão inconstitucional, na forma estabelecida no Regimento do Tribunal. (Redação da Lei 12.063/09) Exercícios de Fixação Questão 1 - C Justificativa: Trata-se de inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa. Questão 2 - D Justificativa: Trata-se de inconstitucionalidade por vício de iniciativa (aplica-se o princípio da simetria). Questão 3 - B Justificativa: Trata-se de inconstitucionalidade formal objetiva, pois lei ordinária versou sobre matéria sob reserva de lei complementar. Questão 4 - B Justificativa: Como amplamente visto, a supremacia da CF e a rigidez constitucional são pressupostos do controle de constitucionalidade. Questão 5 - A 26 Justificativa: A incompatibilidade material refere-se não ao processo legislativo, mas ao próprio conteúdo da norma, que deve harmonizar-se com os princípios formulados pelo constituinte, bem como os valores inseridos no mandamento constitucional positivado.
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