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DIREITO PÚBLICO: CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS Professor: Guilherme Sandoval Góes DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 2 ÍNDICE APRESENTAÇÃO 7 AULA 1: EVOLUÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS 7 AULA 2: TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 8 AULA 3: DOGMÁTICA PÓS-POSITIVISTA 8 AULA 4: INTERPRETAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 8 AULA 5: DIREITOS SOCIAIS NO PÓS-POSITIVISMO 9 AULA 6: NÚCLEO ESSENCIAL – DIREITOS FUNDAMENTAIS 9 AULA 7: COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS 9 AULA 8: METACONSTITUCIONAL DOS DIREITOS HUMANOS 10 AULA 1: O PERFIL DE EVOLUÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS E SUA FUNDAMENTAÇÃO ÉTICA 11 INTRODUÇÃO 11 CONTEÚDO 12 CONHEÇA AGORA A QUESTÃO TERMINOLÓGICA 12 A PRÉ-HISTÓRIA DOS DIREITOS HUMANOS 14 A FASE DE AFIRMAÇÃO DOS DIREITOS NATURAIS PELO JUSCONTRATUALISMO 20 A FASE DE CONSTITUCIONALIZAÇÃO: DA DEMOCRACIA LIBERAL À SOCIAL DEMOCRACIA 24 O CONSTITUCIONALISMO LIBERAL E A PROTEÇÃO DAS LIBERDADES INDIVIDUAIS 25 O CONSTITUCIONALISMO SOCIAL E A INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO PRIVADO 27 ATIVIDADE PROPOSTA 29 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 30 REFERÊNCIAS 37 AULA 2: TEORIA DIMENSIONAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 38 INTRODUÇÃO 38 INTRODUÇÃO 39 CONHEÇA AS PRINCIPAIS TEORIAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 39 CONHEÇA AGORA A TEORIA DO STATUS DE JELLINEK 46 A TEORIA TRIDIMENSIONAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 49 OS DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS SOB A ÉGIDE DO ESTADO LIBERAL DE DIREITO 51 DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 3 OS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS, CULTURAIS E TRABALHISTAS SOB A ÉGIDE DO ESTADO DEMOCRÁTICO SOCIAL DE DIREITO 53 A TERCEIRA DIMENSÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: OS DIREITOS COLETIVOS, DIFUSOS E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS 56 ATIVIDADE PROPOSTA 58 APRENDA MAIS 58 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 59 REFERÊNCIAS 62 AULA 3: A DOGMÁTICA PÓS-POSITIVISTA E A NORMATIVIDADE DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS 63 INTRODUÇÃO 63 CONTEÚDO 64 INTRODUÇÃO 64 BREVE DISTINÇÃO ENTRE CASOS FÁCEIS E CASOS DIFÍCEIS 66 A INSUFICIÊNCIA DO POSITIVISMO JURÍDICO NA SOLUÇÃO DOS CASOS DIFÍCEIS (HARD CASES) 73 AS DIFERENÇAS ENTRE REGRAS E PRINCÍPIOS À LUZ DA DOGMÁTICA PÓS-POSITIVISTA 80 ATIVIDADE PROPOSTA 86 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 87 REFERÊNCIAS 90 AULA 4: CAMINHOS HERMENÊUTICOS PARA A PLENA EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 91 INTRODUÇÃO 91 CONTEÚDO 92 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS ACERCA DA EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 92 OS CAMINHOS PARA A EFETIVIDADE NA DOUTRINA ESTRANGEIRA: A NORMATIVIDADE CONSTITUCIONAL EM KONRAD HESSE E CANOTILHO 96 A CONSTRUÇÃO DOUTRINÁRIA BRASILEIRA NO PLANO DA EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 103 AS NOVAS MODALIDADES DE EFICÁCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS À LUZ DA DOGMÁTICA PÓS-POSITIVISTA 108 A EFICÁCIA NEGATIVA, A EFICÁCIA NUCLEAR E A EFICÁCIA POSITIVA OU SIMÉTRICA 108 DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 4 A EFICÁCIA VEDATIVA DE RETROCESSO E A EFICÁCIA INTERPRETATIVA 112 ATIVIDADE PROPOSTA 115 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 116 REFERÊNCIAS 119 AULA 5: ANÁLISE DA EFICÁCIA DOS DIREITOS SOCIAIS EM TEMPOS DE PÓS-POSITIVISMO JURÍDICO 121 INTRODUÇÃO 121 CONTEÚDO 122 INTRODUÇÃO 122 O CONCEITO DE RESERVA DO POSSÍVEL FÁTICA 124 OS IMPACTOS DOGMÁTICOS DA RESERVA DO POSSÍVEL FÁTICA NO PLANO DA EFETIVIDADE DOS DIREITOS SOCIAIS 127 O CONCEITO DE RESERVA DO POSSÍVEL JURÍDICA 134 OS IMPACTOS DOGMÁTICOS DA RESERVA DO POSSÍVEL JURÍDICA NO PLANO DA EFETIVIDADE DOS DIREITOS SOCIAIS 136 A DIFICULDADE CONTRAMAJORITÁRIA DO PODER JUDICIÁRIO E A FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS 141 ATIVIDADE PROPOSTA 146 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 147 REFERÊNCIAS 151 AULA 6: O NÚCLEO ESSENCIAL DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS - DIREITOS FUNDAMENTAIS 153 INTRODUÇÃO 153 CONTEÚDO 154 NÚCLEO ESSENCIAL: UMA INTRODUÇÃO AO ESTUDO 154 O CONTEÚDO ESSENCIAL DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS 158 A EFICÁCIA POSITIVA OU SIMÉTRICA DO NÚCLEO ESSENCIAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 168 O CONCEITO DE EFICÁCIA NEGATIVA DO NÚCLEO ESSENCIAL 171 ATIVIDADE PROPOSTA 174 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 175 REFERÊNCIAS 179 DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 5 AULA 7: A COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS: POR UMA ESTRATÉGIA HERMENÊUTICA PÓS-POSITIVISTA DE SOLUÇÃO 180 INTRODUÇÃO 180 CONTEÚDO 181 INTRODUÇÃO 181 O CONFLITO DE REGRAS E A COLISÃO DE PRINCÍPIOS: OS CONTRIBUTOS DE RONALD DWORKIN E ROBERT ALEXY 186 ESTRATÉGIAS POSSÍVEIS: CONCORDÂNCIA PRÁTICA OU PROPORCIONALIDADE? 193 ESTRATÉGIA HERMENÊUTICA DA PONDERAÇÃO HARMONIZANTE E O PRINCÍPIO DA CONCORDÂNCIA PRÁTICA 195 A ESTRATÉGIA HERMENÊUTICA DA PONDERAÇÃO EXCLUDENTE E O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE 198 ATIVIDADE PROPOSTA 200 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 202 REFERÊNCIAS 205 AULA 8: A FASE METACONSTITUCIONAL DOS DIREITOS HUMANOS 206 INTRODUÇÃO 206 CONTEÚDO 207 INTRODUÇÃO TEMÁTICA 207 O FIM DA GUERRA FRIA E SEUS IMPACTOS NA FORMAÇÃO DO CONSTITUCIONALISMO DA PÓS-MODERNIDADE 210 DIREITOS HUMANOS E PAX AMERICANA: A DESCONSTRUÇÃO DA DEMOCRACIA COSMOPOLITA 220 ATIVIDADE PROPOSTA 228 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 229 REFERÊNCIAS 232 CHAVES DE RESPOSTA 234 AULA 1 234 ATIVIDADE PROPOSTA 234 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 234 AULA 2 236 ATIVIDADE PROPOSTA 236 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 236 DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 6 AULA 3 237 ATIVIDADE PROPOSTA 237 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 238 AULA 4 239 ATIVIDADE PROPOSTA 239 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 239 AULA 5 240 ATIVIDADE PROPOSTA 240 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 241 AULA 6 242 ATIVIDADE PROPOSTA 242 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 242 AULA 7 243 ATIVIDADE PROPOSTA 243 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 244 AULA 8 245 ATIVIDADE PROPOSTA 245 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 245 BIBLIOGRAFIA 248 BIBLIOGRAFIA BÁSICA 248 BIBLIOGRAFIA SUPLEMENTAR 248 APRESENTAÇÃO CONTEUDISTA 249 DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 7 Direitos e Garantias Fundamentais - apostila APRESENTAÇÃO Esta disciplina insere-se no conjunto do Módulo de Direito Constitucional e dedica-se ao estudo do regime jurídico de proteção dos Direitos Fundamentais no âmbito do novo movimento hermenêutico, denominado neoconstitucionalismo. Para tanto, contempla temas da teoria dos Direitos Fundamentais, especialmente a dogmática pós-positivista que busca reaproximar o direito da ética. Nesse sentido, está constituída em torno do princípio da dignidade da pessoa humana como novo eixo axiológico do hodierno Estado Democrático de Direito. Em consequência, sua base teórica é a atribuição de “força normativa” aos princípios constitucionais e ao catálogo jusfundamental do cidadão comum. Sendo assim, essa disciplina tem como objetivos: 1. Analisar o perfil de evolução do regime jurídico de proteção dos direitos humanos ao longo dos diferentes paradigmas estatais da modernidade e da pós-modernidade. 2. Compreender o papel do princípio da dignidade da pessoa humana no âmbito da reconstrução neoconstitucionalista do direito. Objetivos Aula 1: Evolução dos Direitos Humanos Nesta aula, definiremos a questão terminológica envolvendo os conceitos de Direitos do Homem, Direitos Humanos e Direitos Fundamentais. Além disso, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 8 estudaremos a pré-história dos Direitos Humanos e identificaremos a fase de afirmação dos Direitos naturais pelo Juscontratualismo: as obras de Hobbes, Locke e Rousseau. Em seguida, compreenderemos a fase de constitucionalização: da democracia liberal à social democracia. Porfim, reconheceremos o constitucionalismo liberal e a proteção das liberdades individuais, assim como o constitucionalismo social e a intervenção no domínio privado. Aula 2: Teoria dos Direitos Fundamentais Nesta aula, identificaremos as principais teorias dos Direitos Fundamentais, assim como a teoria do status de Jellinek. Além disso, definiremos os Direitos Civis e Políticos sob a égide do Estado Liberal de Direito. Em seguida, estudaremos os Direitos Sociais, Econômicos, Culturais e Trabalhistas sob a égide do Estado Democrático de Direito. Por fim, compreenderemos a terceira dimensão dos Direitos Fundamentais: os Direitos Coletivos, Difusos e Individuais Homogêneos. Aula 3: Dogmática Pós-Positivista Nesta aula, faremos uma breve distinção entre casos fáceis e difíceis (hard cases). Além disso, estudaremos a insuficiência do positivismo jurídico na solução dos casos difíceis (hard cases). Por fim, identificaremos as diferenças entre regras e princípios à luz da dogmática pós-positivista. Aula 4: Interpretação dos Direitos Fundamentais Nesta aula, estudaremos as considerações introdutórias acerca da efetividade dos Direitos Fundamentais. Compreenderemos os caminhos para a efetividade na doutrina estrangeira: a normatividade constitucional em Konrad Hesse e Canotilho. Definiremos a construção doutrinária brasileira no plano da efetividade dos direitos fundamentais. Em seguida, reconheceremos as novas modalidades de eficácia das normas constitucionais à luz da dogmática pós- DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 9 positivista. Por fim, identificaremos a eficácia negativa, a eficácia nuclear e a eficácia positiva ou simétrica, assim como a eficácia vedativa de retrocesso e a eficácia interpretativa. Aula 5: Direitos Sociais no Pós-Positivismo Nesta aula, identificaremos o conceito de reserva do possível fática, assim como os impactos dogmáticos da reserva do possível fática no plano da efetividade dos direitos sociais. Compreenderemos o conceito de reserva do possível jurídica. Definiremos os impactos dogmáticos da reserva do possível jurídica no plano da efetividade dos direitos sociais. Por fim, descreveremos a dificuldade contramajoritária do poder judiciário e a formulação de políticas públicas. Aula 6: Núcleo Essencial – Direitos Fundamentais Nesta aula, faremos uma introdução ao estudo do Núcleo Essencial. Compreenderemos o conteúdo essencial das normas constitucionais. Em seguida, analisaremos a eficácia positiva ou simétrica do núcleo essencial dos direitos fundamentais. Por fim, definiremos o conceito de eficácia negativa do Núcleo essencial. Aula 7: Colisão de Direitos Fundamentais Nesta aula, definiremos o conflito de regras e a colisão de princípios: os contributos de Ronald Dworkin e Robert Alexy. Em seguida, analisaremos a concordância prática ou a proporcionalidade das Estratégias possíveis. Identificaremos a estratégia hermenêutica da ponderação harmonizante e o princípio da concordância prática. Por fim, estudaremos a estratégia hermenêutica da ponderação excludente e o princípio da proporcionalidade. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 10 Aula 8: Metaconstitucional dos Direitos Humanos Nesta aula, descreveremos o fim da Guerra Fria e seus impactos na formação do constitucionalismo da pós-modernidade. Em seguida, identificaremos os Direitos Humanos e Pax Americana: a desconstrução da democracia cosmopolita. Por fim, estudaremos a proteção internacional dos Direitos Humanos. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 11 Aula 1: O perfil de evolução dos direitos humanos e sua fundamentação ética Introdução Na presente aula, será estudado o perfil de evolução dos direitos humanos e sua fundamentação ética, cujo conteúdo programático tem como escopo o estudo dos seguintes temas centrais: a questão terminológica, a pré-histórica dos direitos humanos, a afirmação dos direitos naturais pelas correntes juscontratualistas e a formação do constitucionalismo democrático. Destarte, no que tange à pré-história dos direitos humanos, destaca-se o exame da democracia direta ateniense e da escolástica da era medieval. Já o estudo da afirmação dos direitos naturais do homem será desenvolvido a partir das obras de Hobbes, Locke e Rousseau. Finalmente, a formação do constitucionalismo democrático englobará a análise do Estado liberal de Direito e o Estado social de Direito, aqui compreendidos como paradigmas estatais da modernidade. Objetivos 1. Compreender a questão terminológica e a evolução do regime jurídico- filosófico de proteção dos direitos humanos, desde seus primórdios até o início do constitucionalismo da modernidade; 2. Analisar os elementos essenciais do constitucionalismo democrático da modernidade e suas fases liberal e social. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 12 Conteúdo Conheça agora a questão terminológica Antes de enfrentar as questões relativas às fases de evolução dos direitos humanos, é importante compreender a questão terminológica envolvendo os conceitos de direitos naturais do homem, direitos humanos e direitos fundamentais. Com efeito, o estudioso dos direitos humanos não pode deixar de considerar esta questão terminológica, na medida em que tais expressões apresentam dimensões conceituais próprias, razão pela qual se impõe tal rigor de termos. É nesse diapasão, portanto, que é importante traçar os elementos diferenciadores dos conceitos em tela. Assim, a ideia de direitos do homem designa os direitos naturais do homem e ainda não positivados, seja na esfera interna, seja em sede internacional. Em linhas gerais, a expressão direitos do homem apresenta contornos amplos ligados aos direitos naturais e pré-estatais. Já o termo direitos humanos simboliza os direitos naturais do homem que já foram positivados na esfera internacional, vale dizer, nos textos dos documentos internacionais, como por exemplo, a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948. Finalmente, a expressão direitos fundamentais estaria reservada para designar aqueles direitos cujo reconhecimento está garantido em sede constitucional. Ou seja, os direitos fundamentais são os valores reconhecidos e positivados por cada ordem constitucional, o que evidentemente significa dizer que os direitos fundamentais variam de Estado para Estado, seja em termos de efetividade, seja em termos de proteção. A questão termininológica, longe de ter apenas valor acadêmico, ganha vitalidade inquestionavel quando se tem em conta as características dos direitos fundamentais. Assim, é lícito falar-se em universalidade dos direitos DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 13 do homem ou dos direitos humanos (direitos do homem positivados em documentos internacionais) e na pretendida universalização dos direitos humanos (tenta-se implementar, em toda a comunidade internacional, a garantia dos direitos assegurados nas Declarações Universais e Regionias de Direitos Humanos). Com efeito, a proteção internacional dos direitos humanos ainda se encontra em fase incipiente, muito embora se saiba que tal concretização global, na prática, venha ganhando corpo e já apresente sinais reais de efetividade no âmbito das cortes internacionais. Diferentemente dos direitos humanos, a ideia de direitos fundamentais fica associada aos valores reconhecidos em sede constitucional, formando um rol de direitos quese colocam acima do próprio Estado. Assim sendo, no contexto jurídico de proteção do cidadão comum, o símbolo dos direitos fundamentais fica caracterizado como opção de cada Estado nacional. Isto significa dizer que os direitos fundamentais serão aqueles previstos nos ordenamentos constitucionais dos Estados. E assim é que, enquanto os direitos humanos simbolizam direitos ligados à aspiração de supranacionalidade e superconstitucionalidade, a noção de direitos fundamentais é conceito mais restrito conectado a uma Constituição específica de um Estado nacional. Destarte, os direitos fundamentais são os direitos naturais do homem que foram efetivamente positivados na Constituição de um determinado país soberano. É por isso que os direitos fundamentais são limitados no espaço e no tempo, ou seja, são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espaço temporalmente (J.J. Gomes Canotilho). Em termos comparativos, os "direitos humanos" são direitos de contornos mais amplos e imprecisos do que os “direitos fundamentais”, estes últimos com sentido mais preciso e restrito que delimita espacial e temporalmente o catálogo jusfundamental a ser respeitado pelo sistema jurídico do Estado. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 14 A figura abaixo sintetiza a questão terminológica envolvendo os conceitos de direitos do homem, de direitos humanos e de direitos fundamentais. NOME DA AULA – AULA1 NOME DA DISCIPLINA A QUESTÃO TERMINOLÓGICA DOS DIREITOS HUMANOS DIREITOS DO HOMEM POSITIVADOS EM UMA DETERMINADA CONSTITUIÇÃO DIREITOS FUNDAMENTAIS POSITIVADOS EM DOCUMENTOS INTERNACIONAIS DIREITOS HUMANOS Em suma, tudo isso demonstra que o regime jurídico de proteção dos direitos humanos é fruto de lutas e conquistas políticas e sociais, dentro de um processo histórico cheio de obstáculos e caracterizado por avanços e retrocessos. É nesse sentido, que vamos em seguida analisar tal caminho, longo e árduo, desde a fase de pré-história dos direitos humanos até seu atual estado da arte, denominado pela doutrina de fase de constitucionalização dos direitos fundamentais. A pré-história dos direitos humanos O objetivo acadêmico deste segmento temático é compreender as transformações do espaço jurídico-filosófico operadas no curso da evolução dos direitos humanos durante o período que a doutrina chama de pré-história. Nesse sentido, é importante destacar a classificação de Klaus Stern que mostra a evolução dos direitos humanos a partir de três fases bem distintas, a saber: DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 15 1) pré-história dos direitos humanos; 2) fase de afirmação dos direitos naturais; 3) fase de constitucionalização dos direitos fundamentais. Com relação à tradicional classificação das fases de evolução dos direitos humanos concebida por Klaus Stern, Ingo Wolfgang Sarlet faz o seguinte resumo: Sintetizando o devir histórico dos direitos fundamentais até o seu reconhecimento nas primeiras Constituições escritas, K. Stern, conhecido mestre de Colônia, destaca três etapas: a) uma pré- história, que se estende até o século XVI; b) uma fase intermediária, que corresponde ao período de elaboração da doutrina jusnaturalista e da afirmação dos direitos naturais do homem; c) a fase de constitucionalização, iniciada em 1776, com as sucessivas declarações de direito dos novos estados americanos. 1 Sem nenhuma dúvida, esta classificação é uma maneira simplificada de perceber a evolução do regime jurídico de proteção dos direitos humanos, mas que, no entanto, não deixa de abordar a incessante marcha de avanços e retrocessos de todas as etapas de evolução do constitucionalismo e dos paradigmas estatais. Em linhas gerais, a pré-história dos direitos humanos antecede a fase de elaboração de afirmação dos direitos naturais desenvolvida pelos grandes pensadores da teoria contratualista, quais sejam Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau. Assim sendo, a fase pré-histórica dos direitos humanos pode ser considerada como sendo aquela primeira etapa de evolução de direitos naturais do homem que se desenvolve desde o mundo antigo (estoicismo greco-romano) até o fim do feudalismo (filosofia cristã medieval). Em 1 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 3. ed. rev.atual.,ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 40. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 16 decorrência, é lícito afirmar que, entre outras, tal fase engloba dois grandes modelos de Estado diferentes, isto é, o Estado-cidade grego e o Estado medieval. Lenio Streck e Bolzan de Morais estabelecem como formas estatais pré- modernas o Estado oriental ou teocrático, a Polis Grega, a Civitas Romana e o Estado Medievo (a principal forma estatal pré-moderna). Para os autores, três elementos caracterizam a forma estatal medieval: cristianismo, invasões bárbaras e feudalismo.2 Dessarte, vale insistir na ideia-força de que a fase de pré-história dos direitos humanos não permite obter grande entusiasmo em termos de regime jurídico estatal de proteção do homem comum, na medida em que não se tinha nem mesmo a desvinculação ao direito divino. Portanto, é uma fase que se liga aos modelos de Estado pré-moderno, seja com a polis grega (concepção aristotélico-tomista do Estado), seja com o Estado medieval (sistema teológico cristocêntrico). Eis que a pré-história é aquela primeira etapa de evolução dos direitos humanos que se desenvolve desde o mundo antigo (doutrina estoica greco- romana) até o fim do feudalismo. É importante, por conseguinte, examinar as características dessas duas grandes modalidades de Estado. Em primeiro lugar, vale trazer a lume a antiguidade clássica e seu modelo predominante de Estado-Cidade, cuja dinâmica já se apresentava revestida da ideia de governo das leis e exercício direto do poder político a partir da democracia direta ou pura. Como bem destaca Luís Roberto Barroso: Atenas é historicamente identificada como o primeiro grande precedente de limitação do poder político - governo de leis, e não 2 STRECK Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência política & Teoria do Estado. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 23-24. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 17 de homens - e de participação dos cidadãos nos assuntos públicos. Embora tivesse sido uma potência territorial e militar de alguma expressão, seu legado perene é de natureza intelectual, como berço do ideal constitucionalista e democrático. Ali se conceberam e praticaram ideias e institutos que ainda hoje se conservam atuais, como a divisão das funções estatais por órgãos diversos, a separação entre o poder secular e a religião, a existência de um sistema judicial e, sobretudo, a supremacia da lei, criada por um processo formal adequado e válida para todos.3 Em consequência, pode-se afirmar que a fase pré-histórica ou fase pré- moderna dos direitos humanos remonta aos tempos do Estado-Cidade, cuja nota diferenciadora é o exercício da democracia direta, sistema não representativo sem nenhuma necessidade de mandato político. Ou seja, no Ágora, praça pública onde se fazia o comércio e onde costumeiramente se realizavam as assembleias do povo, o cidadão participava diretamente das decisões políticas fundamentais do Estado.4 Sem embargo da relevância da participação direta do cidadãono exercício do poder político, o fato é que a democracia ateniense, em essência, não passava de uma república aristocrática no sentido que lhe emprestava Aristóteles ao definir a forma pura do governo de alguns. Não era verdadeiramente uma democracia na medida em que não praticava o sufrágio universal.5 3 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. Os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 6. 4 Nesse sentido, precisa a lição de Paulo Bonavides quando preleciona que: Cada cidade que se prezasse da prática do sistema democrático manteria com orgulho um Ágora, uma praça, onde os cidadãos se congregassem todos para o exercício do poder político. O Ágora, na cidade grega, fazia, pois, o papel do Parlamento nos tempos modernos. Um povo sem Ágora era um povo escravo, como hoje um povo sem liberdade de opinião e sem direito ao sufrágio (Cf. BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. Rio de Janeiro: Forense, 1988. p. 323.) 5 Nelson Nery Costa, mostrando a evolução da polis grega, também destaca esse caráter de organização política excludente que segregava mulheres, estrangeiros e escravos, verbis: “A função política aí era vista como um dever da cidadania e, não, como um privilégio, tanto que diversos cargos eram atribuídos por meio de sorteios e a instância máxima era uma assembleia, dos cidadãos, excluindo mulheres, estrangeiros e escravos. (COSTA, Nelson Nery. Ciência política. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 1.) DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 18 São estas as características da democracia do Estado-Cidade, um paradigma democrático imperfeito, mas que simboliza um tipo de constitucionalismo de democracia direta sem representação política; um espaço de liberdade do cidadão desvinculado da atuação de um agente político mandatário da vontade popular e maculado pelo vício da escravidão e da opressão. Uma vez examinada a contribuição da democracia direta ateniense para o curso de evolução dos direitos humanos, vale agora examinar o constitucionalismo medieval e sua concepção dual de poder. Com efeito, no campo teórico, o Estado medieval se caracterizava pelo poder dual, vale explicitar, poder disputado pela Igreja e pelo Estado. De observar- se, com atenção, que esta dualidade de poder impedia a consolidação do conceito de soberania una e indivisível dentro de um estado territorial de fronteiras definidas e sem pretensões universais, como era, a contrario sensu o objetivo da Igreja e do cristianismo. É bem de ver, portanto, que o Estado medieval se caracterizava pela disputa da supremacia política entre o poder temporal do Estado e o poder eclesiástico da Igreja, resultando daí um pluralismo jurídico que envolvia o direito da Igreja, o direito das universidades, o direitos dos feudos, o direito das corporações de ofício, enfim, uma ordem jurídica plural sem uma única fonte de poder. De tudo isso é importante extrair que, durante a vigência do constitucionalismo medieval, floresceu a ideia de que a autoridade dos governantes se fundava num contrato com os súditos: o pactum subjectionis. Por este pacto, o povo se sujeitava a obedecer ao príncipe enquanto este se comprometia a governar com justiça, ficando Deus como árbitro e fiel do cumprimento do contrato. Assim, violando o príncipe a obrigação de justiça, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 19 exoneravam-se os súditos da obediência devida, pela intervenção do Papa, representante da divindade sobre a Terra. 6 Nesse sentido, desponta a obra seminal (Summa Theologica) 7 de Santo Tomás de Aquino (1225-1274), cuja relevância para a teoria dos direitos fundamentais surge com a teorização acerca da doutrina da coexistência harmônica dos poderes temporal e eclesiástico, porém com preponderância da autoridade espiritual. É bem de ver que, durante toda a fase de pré-história, não se pode falar em doutrinas do direito natural da pessoa humana e muito menos ainda em doutrinas eminentemente democráticas acerca da origem e do exercício do poder político. O ponto alto do constitucionalismo feudal é a retomada das ideias de Platão por Santo Agostinho e de Aristóteles por Santo Tomás de Aquino, fato que faz avançar a teoria dos direitos humanos, na medida em que, sem se desvincular dos princípios basilares do cristianismo, cria as bases teóricas do tomismo, um dos principais segmentos da doutrina escolástica. E assim é que a escola tomista de Santo Tomás de Aquino recupera o prestígio do pensamento clássico de Aristóteles e consegue – sem se afastar da perspectiva teológica da supremacia divina – valorizar a investigação científica do mundo natural, do domínio real. Com isso, é lícito afirmar que a teoria tomista de inspiração aristotélica fixa a diferenciação entre filosofia e teologia e, na sua esteira, a conciliação entre a fé e a razão. Em outro dizer, muito embora já começasse a separar a fé da razão, a teoria tomista do constitucionalismo feudal não se opôs ao dogma cristão, na medida em que não afastou a ideia de que a fonte de todo o poder vem de Deus. 6 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva 2009. p. 6. 7 AQUINO, Santo Tomás de. Suma Teológica. São Paulo: Editora Loyola, 2001. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 20 Em conclusão, a fase pré-histórica dos direitos humanos ainda é uma fase tímida, principalmente quando se leva em consideração que é um período no qual os direitos naturais do homem não estão desvinculados da perspectiva divina.8 A fase de afirmação dos direitos naturais pelo juscontratualismo Após a análise da pré-história dos direitos humanos, importa agora examinar a segunda fase de evolução, qual seja a fase de elaboração das doutrinas contratualistas do direito natural. Nesta fase, vamos examinar o pensamento dos grandes filósofos do contratualismo jurídico (Thomas Hobbes, 9 John Locke 10 e Jean-Jacques Rousseau11), na medida em que suas obras científicas irão neutralizar as doutrinas teocráticas do poder divino dos reis, substituindo-as pelas correntes filosóficas do contrato social como origem da sociedade. Com isso, as correntes do contratualismo jurídico fazem avançar cientificamente o conceito de direitos naturais, muito especialmente pelo elo que criam com as teorias democráticas da origem do poder. O primeiro grande filósofo do contratualismo é Thomas Hobbes, que pauta seu pensamento no conceito de Estado leviatã absolutista. Com efeito, Hobbes foi o primeiro grande teorizador de uma doutrina do direito natural com consistência metodológico-conceitual capaz afastar a noção de poder originário supra-humano e divino. Para tanto, Hobbes parte da visão de Estado enquanto sociedade política que nasce de um contrato celebrado pelos cidadãos e cujo objetivo é a cessão de direitos naturais a um poder comum, a 8 Ingo Sarlet preleciona que da doutrina estoica greco-romana e do cristianismo advieram as teses da unidade da humanidade e da igualdade de todos os homens em dignidade (para os cristãos, perante Deus). Cf. Ob. cit. p. 41. 9 HOBBES, Thomas. Leviatán o la Materia, Forma y Poder de una República, Eclesiástica y Civil. Fondo de Cultura Económica, México, 1940. 10 LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo. São Paulo: Ed. Ibrasa, 1963. 11 ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social. Ed. Cultrix, São Paulo, 1971. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 21cuja autoridade os cidadãos passam a respeitar, sem qualquer tipo de contestação. Trata-se, portanto, de um pacto de submissão. Com isso, a teorização de Hobbes começa a afirmar cientificamente os direitos naturais e, o que é mais importante, começa a negar o modelo tomista atinente à supremacia da autoridade espiritual sobre a autoridade terrena (Santo Tomás de Aquino). Entretanto, sem embargo de seu perfil democrático em relação à origem do poder político, o fato é que a tese hobbesiana serviu para justificar as pretensões absolutistas do Estado moderno pós-feudal, ou seja, as leis do Estado leviatã, por mais injustas que fossem, ainda assim deveriam ser obedecidas pelos súditos porque melhores que o caos do estado de natureza. Assim, no pensamento contratualista hobbesiano, o homem em seu estado de natureza não tinha como chegar à paz e à segurança, necessitava, pois, do Estado forte (poder comum) atuando como um verdadeiro Leviatã, o Deus mortal, o único capaz de superar o caos da guerra de todos contra todos. Portanto, o Estado leviatã seria o instrumento com poder total para afastar a guerra de todos contra todos, criando o estado societal de paz e segurança. Desta feita, Hobbes justifica o nascente Estado absoluto. Totalmente diferente era a linha de pensamento de John Locke surgida mais de quarenta anos depois (1692). Para este autor, o paradigma contratual não poderia se configurar no pacto de submissão hobbesiano, e, sim, no pacto de consentimento que somente legitima a ação do Governo Civil voltada para o objetivo de assegurar as liberdades individuais do cidadão comum, garantindo-lhe seus direitos à vida, à liberdade e à propriedade. Como bem destaca Norberto Bobbio, o estado de natureza de Locke difere frontalmente de outros filósofos, verbis: No estado de natureza, para Lucrécio, os homens viviam more ferarum (como animais): para Cícero, in agris bestiarum modo DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 22 vagabantur (vagavam pelos campos como animais); e, ainda para Hobbes, comportavam-se, nesse estado natural, uns contra os outros, como lobos. Ao contrário, Locke – que foi o principal inspirador dos primeiros legisladores dos direitos do homem – começa o capítulo sobre o estado de natureza com as seguintes palavras: "Para entender bem o poder político e derivá-lo de sua origem, deve-se considerar em que estado se encontram naturalmente todos os homens; e esse é um estado da perfeita liberdade de regular as próprias ações e de dispor das próprias posses e das próprias pessoas como se acreditar melhor, nos limites da lei de natureza, sem pedir permissão ou depender da vontade de nenhum outro.12 Portanto, a obra de Locke serviu de inspiração para as Declarações de Direitos que iriam acontecer no futuro com base no axioma de que “todos são iguais perante a lei” (igualdade formal). Com efeito, o art. 1º da Declaração Universal (todos os homens nascem iguais em liberdade e direitos) simboliza o Estado liberal e a ideia de igualdade formal. Com espeque no direito de resistência, que no entender do próprio John Locke era um instrumento político de aperfeiçoamento do Estado, surge o Estado de Direito. Nesse passo, a lógica de construção da obra de Locke é a limitação do poder estatal a partir desse direito de resistência. Eis que o pensamento de Locke inova a ciência jurídica dada, na medida em que reconhece ao cidadão comum a prerrogativa de resistir às autoridades tirânicas. Atingido o ponto de não direito, abre-se a perspectiva de aplicação do direito de resistência, caracterizando o pacto de consentimento, cuja essência está na limitação do poder do Estado, vale dizer, o pacto de consentimento somente legitima as ações do Estado voltadas para a garantia dos direitos civis e políticos do cidadão. Com isso, Locke justifica a ideia-força de Estado liberal. 12 Cf. A era dos direitos, p. 75. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 23 Destarte, a natureza do contrato social na obra de Locke o faz precursor do liberalismo, seja pela negação da cessão de direitos naturais (cada cidadão entrega ao Estado apenas a prerrogativa de resolver conflitos, permanecendo com o restante dos direitos naturais), seja pela intervenção mínima do Estado nas relações jurídicas privadas. Em consequência, os direitos naturais atuam como limites à ação do estado, cuja legitimação depende da garantia das liberdades individuais. Por conta disso, o núcleo central do ideário liberal é a garantia dos direitos civis e políticos, cuja lógica estatal minimalista rejeita o estado absolutista. Com esse tipo de intelecção em mente, fica mais fácil compreender o espírito que anima o paradigma contratual de Locke, qual seja sufragar as liberdades individuais ante o arbítrio do poder estatal. Eis aqui estampadas, com todas as letras, as razões pelas quais John Locke é apontado como sendo o pai do Estado liberal burguês. No âmbito do contratualismo liberal lockiano, não se pode falar em direitos sociais ou em proteção dos hipossuficientes ou ainda em igualdade real ou material. Tal perspectiva somente vai ser alcançada com o pensamento contratualista de Jean Jacques Rousseau e a sua defesa da democracia plebiscitária. Com efeito, a teorização do contrato social de Rousseau, terceira grande corrente do contratualismo jurídico, é calcada na vontade geral, que, em essência, é uma vontade própria que não se confunde com a simples soma das vontades individuais, sendo, com rigor, sua síntese. Para além disso, o contrato social faz referência ao conceito de igualdade natural que por sua vez projeta a ideia de que o pacto rousseauniano visa a reduzir as desigualdades físicas, transformando-as em igualdades em direitos.13 13 Dalmo de Abreu Dallari, em feliz síntese acerca da matéria preleciona, verbis: “Em resumo, verifica-se que várias das ideias que constituem a base do pensamento de Rousseau são hoje DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 24 Com isso, acreditamos que entre todos os contratualistas, Rousseau é aquele que mais se aproxima do princípio democrático. Na verdade, a posição teorizante de Rousseau o coloca na vanguarda da defesa da democracia plebiscitária, vez que sua ideia de mandato imperativo classifica o representante político como mero comissionário do povo. A partir da obra de Rousseau, é possível vislumbrar a formação de um núcleo essencial de uma democracia participativa de viés plebiscitário, que garanta efetivamente a igualdade de oportunidades. Em Rousseau, colhem-se conceitos deveras avançados, muito superiores à formulação hobbesiana de Estado-Leviatã e do Estado-burguês liberal de Locke e que podem servir de fonte de inspiração para o aperfeiçoamento da democracia participativa no Estado contemporâneo. A fase de constitucionalização: da democracia liberal à social democracia Uma vez examinadas as correntes do contratualismo jurídico e sua importância no curso de evolução dos direitos humanos, vale agora iniciar o estudo da fase de constitucionalização dos direitos fundamentais, que se inicia com as revoluções liberais do século XVIII e perdura até hoje. Com efeito, no campo teórico, é possível estabelecer dois grandes ciclos democráticos distintos desta fase, a saber: a) o período de democracia liberal que vai da Revolução francesa (1789) até a Constituição de Weimar na Alemanha (1919); econsideradas fundamentos da democracia. É o que se dá, por exemplo, com a afirmação da predominância da vontade popular, com o reconhecimento de uma liberdade natural e com a busca de igualdade, que se reflete, inclusive, na aceitação da vontade da maioria como critério para obrigar o todo, o que só se justifica se for acolhido o princípio de que todos os homens são iguais”. Cf. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado. São Paulo: Saraiva, 2005. p.18. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 25 b) o período de democracia social que se estende de Weimar até o fim da queda do muro de Berlim (1989). 14 Destarte, a partir deste momento, nossa intenção passa a ser examinar os dois ciclos democráticos da modernidade (democracia liberal e social democracia). O constitucionalismo liberal e a proteção das liberdades individuais A fase de democracia liberal marca o início de uma nova etapa na proteção dos direitos humanos, cujo apogeu vem com a interpretação dogmático- jurídica dos direitos humanos feita à luz de um estado de direito. Muitos autores entendem que é nesta fase que os direitos do homem se transformam em efetivos direitos fundamentais, ou seja, é a constitucionalização que cria um catálogo de direitos fundamentais a partir da preexistência de direitos naturais. A fase de constitucionalização é inaugurada a partir da Declaração de Direitos do Povo da Virgínia de 1776 ou então da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. Qual desses dois marcos históricos merece receber a glória de ser o símbolo do nascimento do Estado de Direito e constitucionalismo democrático ocidental? Luís Roberto Barroso – citando Hannah Arendt – destaca o fato intrigante de que foi a Revolução Francesa, e não a Inglesa ou a Americana, que correu mundo e simbolizou a divisão da história da humanidade em antes e depois.15 14 Cf. GÓES, Guilherme Sandoval. Geopolítica e pós-modernidade. In: Revista da Escola Superior de Guerra, vol. 48, n. jul 2007, p. 96. Disponível em: <http://www.esg.br/uploads/2010/09/revista_48.pdf>. 15 Cf. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição, p.320. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 26 Optamos por homenagear a Revolução Francesa de 1789 como símbolo inaugural da democracia liberal e da primeira versão do Estado de Direito. A racionalidade que cimenta nossa argumentação tem triplo aspecto, a saber: (i) é a Revolução Francesa que sela definitivamente o fim do regime monárquico absolutista, um verdadeiro “estado de não direito”; (ii) é a Revolução Francesa que instaura a ordem constitucional liberal com penetração universal; (iii) é a Revolução Francesa que consolida a ideia-força de direitos fundamentais constitucionais que se posicionam acima das próprias razões de Estado. De tudo se vê, por conseguinte, que foi nesse ambiente de transformação que a Revolução Francesa de 1789 introduz a perspectiva liberal burguesa focada na proteção das liberdades individuais perante o Estado. De fato, os processos revolucionários americano e francês simbolizam não só o nascimento da primeira dimensão dos direitos fundamentais, mas, também, a passagem do Estado Absoluto (Estado de não direito) para o Estado Liberal (Estado Legislativo de Direito). Observe que nesse mister, o modelo Liberal de Estado lança as bases do Estado de Direito, quais sejam: a separação de poderes e a declaração de direitos fundamentais acima do próprio Estado. É a dicção legal do artigo 16 da Declaração de 1789 que projeta esta ideia-força: “A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos (fundamentais) nem estabelecida a separação de poderes não tem Constituição”. Eis aqui muito bem delineado o núcleo constitucional do Estado Liberal: a limitação do poder estatal (Estado Mínimo que não se intromete na esfera das relações privadas) e o respeito ao catálogo das liberdades públicas, mais DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 27 precisamente a proteção dos direitos civis e políticos (primeira dimensão dos direitos fundamentais). Sem embargo de sua importância para a consolidação do constitucionalismo democrático ocidental, entendemos que o Estado Liberal circunscreveu, em essência, uma era histórica que se entremostrou insuficiente na busca da igualdade material, vale dizer, aquelas condições mínimas de vida digna e capaz de gerar a igualdade de oportunidades para todos os cidadãos. Esta é a razão pela qual o liberalismo entra em crise, suscitando a criação da segunda versão do Estado de Direito, qual seja, o Welfare State, entre nós, denominado de Estado do Bem-Estar Social ou simplesmente Estado Social. O constitucionalismo social e a intervenção no domínio privado Neste segmento temático, pretende-se analisar a passagem da democracia liberal para a social democracia. Com efeito, o encurtamento jurídico do Estado e as conquistas democráticas do constitucionalismo liberal não tiveram o condão de garantir para todos os cidadãos a dignidade da pessoa humana, ainda que em sua expressão mínima. De fato, as bases da democracia liberal – fincadas na igualdade formal e na plena autonomia privada (crença na força reguladora do mercado) – foram incapazes de criar as condições mínimas de vida digna para todos. No dizer de Vicente de Paulo Barretto: O Estado Liberal, por trás de sua aparente neutralidade, na realidade estava a serviço de uma classe social, a classe dos detentores dos meios de produção, que necessitavam de um sistema jurídico que regulasse de forma igual os conflitos que ocorressem na sociedade civil e garantissem a atividade econômica da intervenção do Estado, para que assim pudesse ser realizado o reino da autonomia e da liberdade individual.16 16 Cf. O fetiche dos direitos humanos e outros temas, p. 210. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 28 De fato, o constitucionalismo liberal protegia as classes dominantes, na medida em que o tratamento igual de desiguais nada mais fez do que gerar grandes desigualdades sociais. É por isso que surge uma nova segmentação de direitos fundamentais, agora ditos de segunda dimensão, cuja concretização efetiva deveria ser patrocinada pelo próprio Estado mediante ações prestacionais positivas. Portanto, o constitucionalismo social tem a pretensão de assegurar bens imprescindíveis para a materialização da dignidade da pessoa humana, solapada que tinha sido pelo ciclo democrático liberal. Ou seja, os direitos sociais podem servir como instrumento político-jurídico de distribuição de justiça social e de concretização do princípio da dignidade da pessoa humana. Assim sendo, o novo paradigma constitucional passa a operar num domínio hermenêutico em que imperam três novos elementos essenciais: dirigismo constitucional, igualdade material e dignidade da pessoa humana. Tais elementos essenciais representam, de certo modo, as condições de possibilidade para a realização do sentimento constitucional de justiça, bem como o núcleo duro do ciclo do Estado Democrático Social de Direito. Destarte, a pedra angular do dirigismo constitucional é o estabelecimento de uma Carta ápice composta de normas programáticas que traçam ações e metas a serem implementadas pelo legislador ordinário e pelo Poder Executivo. Com rigor, não se trata apenas de regular a vida político- administrativo-financeira do Estado, mas, sim, de garantir condições mínimasde vida digna para todos, dentro de uma perspectiva de igualdade material, na qual cabe ao Estado Social suprir o déficit econômico e social das classes menos favorecidas (hipossuficientes). DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 29 Atividade proposta Leia o texto abaixo de autoria de Luís Roberto Barroso: “Entre a luz e a sombra, descortina-se a pós-modernidade. O rótulo genérico abriga a mistura de estilos, a descrença no poder absoluto da razão, o desprestígio do Estado. Vive-se a angústia do que não pôde ser e a perplexidade de um tempo sem verdades seguras. Uma época aparentemente pós-tudo: pós-marxista, pós-kelseniana, pós-freudiana. O Estado passou a ser o guardião do lucro e da competitividade.” A partir da leitura do texto acima, responda, justificadamente, se, o contexto da pós-modernidade, como acima descrito, repotencializa o constitucionalismo welfarista. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 30 Exercícios de fixação Questão 1 Acerca das fases de evolução dos direitos fundamentais, analise as seguintes afirmativas: I. A elaboração da doutrina juscontratualista, cujos principais teorizadores foram Hobbes, Locke e Rousseau, marca o início da fase de constitucionalização dos direitos fundamentais; II. A essência democrática da obra de John Locke vem da ideia de que o pacto entre cidadãos é um ato de transferência de direitos inerentes ao homem para o Estado; III. A teorização de Hobbes desconstrói a doutrina da coexistência harmônica dos poderes temporal e eclesiástico, com supremacia da autoridade espiritual, formulada por Santo Tomás de Aquino; IV. São características do pacto de consentimento de John Locke, entre outras, a proteção das liberdades individuais e o reconhecimento do direito de resistência. Somente é CORRETO o que se afirma em: a) ( ) I e III; b) ( ) II e IV; c) ( ) III e IV; d) ( ) I, II e IV; e) ( ) II, III e IV. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 31 Questão 2 Analise cada item a seguir e informe se as alternativas são VERDADEIRAS OU FALSAS: I. A teorização política de Locke faz avançar a afirmação dos direitos naturais, na medida em que reconhece o direito de resistência como um instrumento importante na limitação do poder estatal que deve, portanto, respeitar as liberdades individuais; II. O pacto social da vontade geral de Rousseau informa o princípio democrático e em especial a democracia participativa plebiscitária; III. Já o pacto de submissão de Thomas Hobbes justifica o Estado Liberal burguês; IV. O conceito de Estado-leviatã simboliza a reação antiabsolutista, cujo objetivo era limitar o poder do Estado em prol das liberdades individuais. a) ( ) V; F; F; V; b) ( ) V; V; F; F; c) ( ) V; F; V; F; d) ( ) F; F; V; F. Questão 3 No que tange à fundamentação ética dos direitos humanos, analise as afirmativas abaixo e assinale a resposta CORRETA: O pacto de submissão de Thomas Hobbes que rejeita o direito de resistência deve ser associado à (ao): a) ( ) Estado Liberal. b) ( ) Estado Social. c) ( ) Estado Pós-moderno. d) ( ) Estado Absoluto. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 32 Questão 4 Acerca da terminologia envolvendo os direitos humanos e os fundamentais, é CORRETO afirmar que pela constitucionalização são transformados: a) ( ) direitos fundamentais em direitos das gentes. b) ( ) direitos humanos em direitos do homem. c) ( ) direitos naturais do homem em direitos fundamentais. d) ( ) direitos fundamentais em direitos do homem. Questão 5 Analise as assertivas abaixo e marque a resposta correta. O pacto de consentimento de John Locke pode ser associado à: I. subordinação da burguesia ascendente ao poder aristocrático; II. supremacia do capital sobre a terra; III. primazia do social sobre o individual; IV. prevalência do Estado Mínimo sobre o Estado-Empresário. Somente é CORRETO o que se afirma em: a) ( ) I e II; b) ( ) II e IV; c) ( ) I e III; d) ( ) I e IV. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 33 Questão 6 O descaso para com os problemas sociais, que veio a caracterizar o État Gendarme, associado às pressões decorrentes da industrialização em marcha, o impacto do crescimento demográfico e o agravamento das disparidades no interior da sociedade, tudo isso gerou novas reivindicações, impondo ao Estado um papel ativo na realização da justiça social. O ideal absenteísta do Estado liberal não respondia, satisfatoriamente, às exigências do momento. Uma nova compreensão do relacionamento Estado/sociedade levou os poderes públicos a assumir o dever de operar para que a sociedade lograsse superar as suas angústias estruturais. Daí o progressivo estabelecimento pelos estados de seguros sociais variados, importando intervenção intensa na vida econômica e a orientação das ações estatais por objetivos de justiça social. (MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 223.) Esse texto caracteriza, em seu contexto histórico, a a) ( ) primeira geração de direitos fundamentais. b) ( ) segunda geração de direitos fundamentais. c) ( ) terceira geração de direitos fundamentais. d) ( ) quarta geração de direitos fundamentais. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 34 Questão 7 Com relação ao perfil de evolução da proteção dos direitos humanos, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) A democracia liberal representativa surgiu com a Revolução Francesa como uma reação ao poder monolítico do Estado absoluto. b) ( ) Uma das características do constitucionalismo liberal é a busca da igualdade material e da proteção dos hipossuficientes. c) ( ) O constitucionalismo social volta-se para a defesa dos direitos fundamentais de primeira geração (direitos civis e políticos) ligados às liberdades individuais. d) ( ) O constitucionalismo medieval é considerado um dos ciclos estatais da modernidade e só foi superado em definitivo com o tratado de Utrecht. Questão 8 A democracia liberal surge a partir da Revolução Francesa com a ascensão da burguesia, detentora do poder econômico, porém sem o respectivo poder político. Assim sendo, analise as características e assinale aquelas correspondentes à democracia liberal: I. Proteção dos hipossuficientes. II. Predominância de direitos negativos. III. Igualdade material. IV. Garantia das liberdades individuais. V. Igualdade formal. São características da democracia liberal: a) ( ) I, II e IV; b) ( ) I e II; c) ( ) II e IV; d) ( ) II, IV e V. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 35 Questão 9 Associado à questão da aplicação dos direitos fundamentais de segunda dimensão é lícito afirmar que são direitos que têm sua efetividade afirmada segundo: a) ( ) A reserva do possível encontrada na dignidade da pessoa humana. b) ( ) O mínimo existencial do Estado que o impossibilita de atender todas as demandas sociais prestacionais. c) ( ) A reserva do possível do Estado que obriga o atendimento das demandas sociais independentemente de recursos orçamentários. d) ( ) O mínimo existencial encontrado na dignidade da pessoa humana.DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 36 Questão 10 Leia o trecho abaixo de autoria de Luís Roberto Barroso: “Entre a luz e a sombra, descortina-se a pós-modernidade. O rótulo genérico abriga a mistura de estilos, a descrença no poder absoluto da razão, o desprestígio do Estado. Vive-se a angústia do que não pôde ser e a perplexidade de um tempo sem verdades seguras. Uma época aparentemente pós-tudo: pós-marxista, pós-kelseniana, pós-freudiana. O Estado passou a ser o guardião do lucro e da competitividade. E a triste constatação é que o Brasil chega ao neoliberalismo sem ter conseguido ser liberal nem moderno.” A partir do espírito do texto acima transcrito, assinale a resposta CORRETA: a) ( ) A ideia de que o Estado é o guardião do lucro e da competitividade é compatível com o paradigma do welfare state (constitucionalismo social). b) ( ) O desprestígio e a negatividade do Estado são características do constitucionalismo dirigente do Estado Bem-Estar Social. c) ( ) O ciclo estatal liberal tem por característica a busca da democracia direta participativa, da proteção dos hipossuficientes e da igualdade material. d) ( ) A concepção de Estado guardião do lucro e da competitividade é o eixo do Estado neoliberal, que defende a não intervenção do Estado no domínio das relações jurídicas privadas. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 37 Referências BARROSO, Luís Roberto. A reconstrução democrática do direito público no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. _______. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 38 Aula 2: Teoria dimensional dos direitos fundamentais Introdução Na presente aula, será estudada a teoria dimensional dos direitos fundamentais, cujo desenvolvimento é feito a partir da análise dos diferentes regimes jurídicos de proteção dos direitos fundamentais ao longo do constitucionalismo democrático moderno. Destarte, no que tange à teorização feita sob a égide dos direitos fundamentais, esta aula pretende investigar o perfil de evolução dessa proteção jurídica e sua correlação com os diferentes paradigmas de Estado de Direito (Estado Liberal de Direito – Estado Democrático Social de Direito – Estado Pós-moderno de Direito). Em linhas gerais, o desiderato acadêmico da presente aula é evidenciar tal paralelismo que tem, sem nenhuma dúvida, o condão de acoplar as dimensões de direitos fundamentais e seus respectivos modelos de Estado de Direito, desvelando desse modo a matriz de impactos cruzados que faz a conexão entre o constitucionalismo democrático e o sistema de proteção dos direitos humanos. Objetivos 1. Sendo assim, esta aula tem como objetivo a compreensão das bases teóricas que informam a teoria dimensional dos direitos fundamentais, desde a formação do constitucionalismo liberal garantista até a crise do constitucionalismo welfarista dirigente. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 39 Conteúdo Introdução Antes de enfrentar as questões relativas à teoria dimensional dos direitos fundamentais, é importante reconhecer que existem diversas teorias sobre os direitos fundamentais, não havendo, aqui, mais uma vez, consenso de nomenclaturas e nem de correntes propriamente ditas. Conheça as principais teorias dos direitos fundamentais Destarte, vale encetar tal investigação científica trazendo para reflexão a classificação de Ernst Wolfgang Böckenförde, 17 que estabelece a seguinte divisão: a) teoria liberal, b) teoria institucional, c) teoria axiológica, d) teoria democrático-funcional, e) teoria do Estado Social. Böckenförde procura sistematizar cada uma de suas concepções a partir de uma visão global que agrega diversos fatores dos direitos fundamentais, e.g., finalidade e alcance normativo material perante o Estado e o próprio viés ideológico. A teoria liberal de Böckenförde tem como pressuposto uma determinada categoria de direitos de liberdade do indivíduo frente ao Estado. Para avaliar esta teoria, portanto, é necessário colocar em evidência alguns elementos essenciais das limitações da intervenção estatal na esfera privada. 17 BÖCKENFÖRDE, Ernst Wolfgang. Teoria e interpretación de los derechos fundamentales. In: Escritos sobre derechos fundamentales. Tradução de Ignacio Villaverde Menendez. Baden-Baden: Nomos, 1993. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 40 Dessa perspectiva, uma primeira consideração a ser feita é a seguinte: do ponto de vista da teoria liberal, os direitos fundamentais de liberdade têm a missão hermenêutica de afastar a ameaça da interferência estatal no âmbito da liberdade individual. Esta é a tese liberal de Böckenförde, pois dela decorre que qualquer ação estatal soberana precisa reconhecer e lidar com tal limitação. Ou seja, a interpretação dos direitos fundamentais segundo a teoria liberal é feita no sentido de que a liberdade é garantida para além da regulação política do Estado, não possuindo, pois, limites ou restrições, bem como não se vinculando a determinados fins ou objetivos pré-definidos. Nesse sentido, Gustavo Amaral mostra com precisão que: É no âmbito dessa ideia-força que se compreende decisões como a da Suprema Corte norte-americana no caso Lochner v. New York, onde declarou a inconstitucionalidade de uma lei da cidade de Nova Yorque que introduzira jornada máxima de trabalho de 10 horas diárias e 60 horas semanais para empregados de padaria, sob o argumento de que tal medida constituía uma indevida interferência estatal na ampla liberdade de contratar conferidas às partes.18 O segundo ponto a considerar é que, a partir do desenvolvimento da teoria liberal, consolidou-se a ideia de “liberdade perante o Estado”, vale dizer, a realização das liberdades individuais pertence, sob a ótica do constitucionalismo liberal, ao próprio indivíduo, livre de qualquer imperativo social, não tendo o Estado qualquer participação nesse processo de realização efetiva da liberdade (liberdade sem mais, sem limites ou objetivos pré- definidos). Já na teoria institucional de Böckenförde, um dos mais expressivos pontos a defender é o lado objetivo-institucional dos direitos fundamentais, em detrimento do lado subjetivo-individual defendido pela teoria liberal. Ou seja, há que se reconhecer que os direitos fundamentais possuem um 18 AMARAL, Gustavo. Interpretação dos direitos fundamentais e o conflito entre poderes. In: Teoria dos direitos fundamentais. Org. Ricardo Lobo Torres. 2 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p.105-106. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 41 conteúdo juridicamente objetivo, o que significa dizer por outras palavras, que a dimensão institucional é calcada na garantia jurídico-constitucional de âmbitos normativos orientados a determinados interesses concretos. Com efeito, a teoria institucional vislumbra os direitos fundamentais como direitos objetivos reconhecidos pelo legislador democrático, que tem legitimidadepara atribuir conteúdo, função e sentido das normas jusfundamentais, ampliando o leque de atuação do Estado, visto que não o reconhece mais como uma mera ameaça à liberdade individual (como na teoria liberal), mas sim como uma garantia de uma liberdade objetivada e concebida institucionalmente. De um lado, portanto, as liberdades individuais que garantem aos seus titulares determinados direitos subjetivos, tal qual professado pela teoria liberal, do outro, as liberdades objetivadas, ordenadas e configuradas por meio de uma dimensão institucional, na qual desponta a realização do sentido objetivo-institucional da garantia da liberdade. Já não se trata de uma liberdade juridicamente indefinida (teoria liberal), mas, sim, de uma liberdade “objetivada” (Gustavo Amaral). A esta teoria cabe o mérito de fortalecer a liberdade institucionalizada, seja a liberdade do indivíduo, seja a liberdade da coletividade. Nesse ponto, a teoria institucional projeta para a interpretação dos direitos fundamentais a exaltação de uma moldura normativa do conteúdo, sentido e condições do exercício de tais direitos. Como visto, toda a base da teoria institucional enfatiza a importância de conjuntos normativos postos pelo legislador que garantem a reconfiguração dos direitos fundamentais com espeque na realidade social e, não, apenas, na liberdade individual juridicamente livre e soberana. Revaloriza-se o papel do legislador democrático, uma vez que a norma posta se constitui no elemento fundante da teoria institucional, dando aos direitos fundamentais orientação, conteúdo, medida e sentido. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 42 Ou seja, a teoria institucional amplia o espaço normativo dos direitos fundamentais, na medida em que já não basta apenas limitar a atuação do Estado – como pretende a teoria liberal –, mas, sim, engendrar o conteúdo de um catálogo de direitos objetivados e configurados institucionalmente. Com isso, tal teoria nega a visão liberal de uma dimensão exclusivamente subjetiva. Para a teoria axiológica, os direitos fundamentais conformam uma ordem objetiva de valores, e, não, uma ordem de direitos ou pretensões subjetivas. Na visão da teoria axiológica, os direitos fundamentais são dotados de unidade material, cujo conteúdo decorre de fundamento axiológico advindo de um processo de integração da sociedade. No dizer de Gustavo Amaral: Para a teoria axiológica dos direitos fundamentais, que parte da teoria da integração de Rudolf Smend, tais direitos fixam valores fundamentais da comunidade, formando um sistema de valores ou de bens, um sistema cultural através do qual os indivíduos alcançam um status material. Do mesmo modo que na teoria institucional, os direitos fundamentais têm caráter de normas objetivas e não de pretensões subjetivas. Recebem seu conteúdo objetivo como emanação do fundamento axiológico da comunidade estatal e como expressão de uma decisão axiológica que a comunidade toma para si. Isso repercute no conteúdo da liberdade. Ela é em cada caso liberdade para a realização dos valores expressos nos direitos fundamentais e o marco de uma ordem de valores; não preexiste à totalidade estatal. A liberdade está determinada à realização e cumprimento do valor expressado nela pelo direito fundamental.19 Com efeito, grande parte da doutrina aponta o alemão Rudolf Smend como o grande teórico da teoria da integração, que é a base epistemológica da teoria axiológica dos direitos fundamentais. Nesse sentido, é correto afirmar que a 19 Ibidem, p. 106. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 43 interpretação axiológica dos direitos fundamentais tem como elemento fundante a decisão axiológica que a sociedade toma levando em consideração os valores de um sistema cultural. Em outro dizer, a teoria da integração de Rudolf Smend, publicada no seu livro Constituição e Direito Constitucional (Verfassung und Verfassungsrecht), surgiu como reação ao positivismo jurídico. Com rigor, a teoria da integração de Smend desenvolve a ideia de que os direitos fundamentais são normas objetivas que exprimem valores sociais constitucionalizados a partir de decisões axiológicas integradoras da comunidade. De tal conceito, pode-se extrair a intelecção de que aspecto relevante não é o da normatividade da Constituição, mas, sim, sua pretensão de atuar como uma ordem objetiva de valores, daí a pesada crítica que recebe, uma vez que não fornece elementos científicos para a superação da fórmula positivista fechada do mero decisionismo judicial. Com efeito, há que se reconhecer a fraqueza hermenêutica da teoria axiológica que, muito embora seja importante no reconhecimento dos direitos fundamentais como elementos de concretude de uma verdadeira ordem social, a cuja observância se subordinam, não apenas o legislador, mas, também o administrador democrático, o aplicador do direito e o próprio particular, não consegue superar a fundamentação vazia de uma ordem de valores concebida agora pelo intérprete do direito. No que tange à teoria democrático-funcional dos direitos fundamentais, é importante destacar desde logo a intelecção de que sua base de compreensão é o processo político-democrático. Com efeito, é a partir da função pública e política que se descortina a teoria democrático- funcional dos direitos fundamentais. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 44 A dimensão democrática da teoria surge com a visão de que os direitos fundamentais são concedidos aos cidadãos comuns a partir de um livre processo político de produção democrática de normas constitucionais. Para além desta dimensão, é importante compreender que a formação da vontade política vem de um movimento teleológico-funcional dos direitos fundamentais, no seio do qual se encontra um cidadão ativo com grau de liberdadde suficiente para possibilitar e garantir o devido processo político- democrático. Na verdade, a base da teoria democrático-funcional é a concepção de que os direitos fundamentais são concedidos aos cidadãos na qualidade de membros de uma comunidade e para serem exercidos em nome do interesse público, dentro de processo constitucional de legitimação das liberdades individuais. Nessa acepção, os direitos fundamentais não são concebidos como direitos que o cidadão pode dispor livremente, ao revés, são direitos que serão exercidos na qualidade de membro de uma comunidade e em prol do interesse público. Ou seja, em outras palavras, o constitucionalismo democrático surge tanto da limitação do poder estatal, quanto da conjugação de vontades individuais constitucionalmente protegidas e suas autolimitações impostas consensualmente, fazendo com que a ordem constitucional vigente seja criada democraticamente pelos cidadãos, mas que, também, se encontram submetidos a ela. Enfim, sob a ótica da teoria democrático-funcional, os direitos fundamentais materializam-se com a conversão dessas vontades e liberdades individuais em disposições constitucionais feitas dentro de um livre processo de produção democrática, isto é, os direitos fundamentais somente serão verdadeiramente democráticos quando garantirem a todas as pessoas a capacidade (liberdade e igualdade) de controlar e manter as condições funcionais do processo político-democrático. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 45 Finalmente, a teoria do Estado Social em cujo cerne se encontra o choque entre a liberdade jurídica e a liberdade real, entre a igualdade formal perantea lei e a igualdade substancial das ações estatais prestacionais. Com efeito, observa-se um grande um salto em relação à teoria liberal, na medida em que se opera a substituição do espaço vital individual dos direitos fundamentais pelo espaço social dos direitos fundamentais a prestações estatais. Agora, os direitos fundamentais, sob os influxos da teoria do Estado Social, transcendem a negatividade estatal para atingir a exigência de intervenção do Estado nos campos jurídico-político com o desiderato de garantir a efetividade de tais direitos, tendo em vista ser também um objetivo do próprio Estado Democrático Social de Direito. Em outras palavras, a implementação da teoria do Estado social dos direitos fundamentais implicou a superação da estatalidade negativo-absenteísta que, a partir de então, passou para o campo positivo, vale dizer, o Estado deixou de ser o principal violador e passou a ser o principal garantidor da efetividade dos direitos fundamentais. Em suma, a teoria do Estado Social não vislumbra os direitos fundamentais como simples abstenções estatais, mas, sim, como prestacões estatais positivas que buscam a consagração de uma liberdade real e de uma igualdade substancial para todos. Note-se que o conceito de liberdade é distinto nas concepções das teorias liberal e do Estado social, isto é, enquanto na primeira tem-se a liberdade perante o Estado, na segunda tem-se a liberdade por intermédio do Estado. Finalmente, impende destacar que a classificação de Paulo Bonavides abarca três grandes vertentes, a saber: teoria liberal, teoria institucional e teoria dos valores. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 46 Conheça agora a teoria do status de jellinek Uma vez compreendidas as teorias de Ernst Wolfgang Böckenförde e de Paulo Bonavides, no Brasil, vale a pena investigar a teoria dos quatro status de Georg Jellinek. Em essência, a doutrina do status de Jellinek foi desenvolvida para sistematizar os direitos públicos subjetivos e identificar a pluralidade de relações entre o Estado e o indivíduo. O pensamento do professor Ricardo Lobo Torres mostra, em feliz síntese, praticamente, as principais notas de tal teoria: Quatro são os status, que compreendem “as condições nas quais pode se encontrar o indivíduo como membro do Estado”: a) status subiectionis, no qual é excluída a autodeterminação, pois a personalidade é sempre relativa e limitada; b) status libertatis, no qual o membro do Estado é senhor absoluto, livre do imperium; c) status civitatis, que se apresenta como o fundamento do complexo de prestações estatais no interesse individual; d) status activae civitatis, no qual o indivíduo é autorizado a exercitar os direitos políticos. 20 Na visão do autor, os status acima expostos exibem, respectivamente, os aspectos passivo, negativo, positivo e ativo. E usando as próprias palavars de Jellinek, Ricardo Lobo Torres destaca que o aspecto passivo está relacionado às prestações ao Estado, o aspecto negativo à liberdade frente ao Estado, o aspecto positivo à pretensão contra o Estado, e, finalmente, o aspecto ativo à prestação por conta do Estado. Esses são os pontos de vistas dos quais pode ser considerada a situação do direito público do indivíduo. 20 TORRES, Ricardo Lobo. A cidadania multidimensional na era dos direitos. In: Teoria dos direitos fundamentais (Org. Ricardo Lobo Torres) 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 254- 255. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 47 Com rigor, Ricardo Lobo Torres mostra que a teorização da doutrina do status de Georg Jellinek foi concebida com o objetivo de identificar as relações entre o Estado e o indivíduo a partir da sistematização dos direitos públicos subjetivos. É nesse sentido que é possível afirmar a conexão entre o Estado Liberal e o indivíduo a partir do status libertatis (direitos negativos de defesa) e do status activae civitatis (direitos políticos). Observe, com atenção, que o constitucionalismo liberal se volta precipuamente para a limitação do poder do Estado, o que evidentemente gera a concepção de estatalidade negativa. Ora, isso significa dizer, sem nenhuma dúvida, de que não há nenhum vínculo direto entre o Estado liberal e o indivíduo a partir do status positivus socialis, uma vez que não há ações estatais prestacionais focadas na garantia dos direitos sociais. Ao revés, o que predomina na relação entre o Estado Liberal e o indivíduo é o status libertatis, vale dizer liberdade frente ao Estado. É nesse sentido de crítica ao positivismo formal do paradigma liberal que Ricardo Lobo Torres destaca a ampliação da teoria do status para incluir a visão de Häberle sobre o status ativus processualis. Nas palavras do autor: “A teoria moderna ampliou o quadro dos status e o adaptou à nova realidade do Estado Social de Direito. Häberle defende a ideia de status ativus processualis, para determinar o processo de concretização dos direitos fundamentais” 21. Enfim, é certo afirmar que o paradigma democrático liberal encontrou na doutrina do status de Georg Jellinek o pano de fundo da legitimação da jusfundamentalidade material dos direitos negativos de defesa ligados ao status libertatis, no qual o membro do Estado é livre do imperium, ou seja, o Estado deve garantir as liberdades individuais e não o contrário (garantismo constitucional). 21 Ibidem, p. 255. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - APOSTILA 48 De observar-se, portanto, que a teorização de Jellinek revela em toda a sua extensão o real significado do constitucionalismo garantista liberal, cuja pedra angular é o vínculo do status libertatis (liberdade frente ao Estado), acrescido do vínculo do status activae civitatis (livre exercício dos direitos políticos). Esta fundamentação feita com base nos status permite elaborar o quadro conceitual do projeto constitucional garantista, evidenciando nitidamente a formação de um núcleo jurídico-normativo de direitos civis e políticos, sem qualquer preocupação com a dimensão social dos direitos fundamentais (status positivus libertatis). Todo o projeto constitucional do Estado Liberal de Direito começa e termina na questão da limitação do poder estatal a partir de um catálogo de direitos fundamentais negativos de defesa. De feito, resta indubitável que o projeto constitucional garantista (ética liberal) se afasta completamente do status positivus, que somente será observado na vigência do Estado Social de Direito, gestando um novo sistema de direitos fundamentais que congloba ao mesmo tempo as liberdades clássicas e os direitos econômicos, sociais e culturais. Nesse sentido, preciso o pensamento de Vicente de Paulo Barretto: Com a superação da ética liberal, o conceito de direitos fundamen- tais deixou de estar circunscrito ao status negativus libertatis, que vedava a interferência do Estado nas atividades da sociedade civil. A instituição dos direitos sociais supunha também a garantia do status positivus libertatis, que compreende o terreno das exigências, postulações e pretensões com que o indivíduo, dirigindo-se ao poder público, recebe em troca prestações. É, portanto, o status positivus que permite ao Estado construir socialmente as condições da liberdade concreta e efetiva. Deste modo, o Estado Social de Direito, substituindo o Estado Liberal, inclui no sistema de direitos fundamentais não só as liberdades clássicas, mas também os direitos econômicos, sociais
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