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FICHA TÉCNICA Subsecretária de Assistência Social Mariana de Resende Franco Supervisão técnica Ana Cláudia Botelho Elaboração Jucineia Soares Gonçalves Revisão final Janaína Lisiak de França Ana Cláudia Botelho Design Gráfico Pedro Henrique Ferreira da Rocha Thaís Arcanjo Amorim Governo do Estado de Minas Gerais Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social Subsecretaria de Assistência Social Superintendência de Proteção Social Básica Ao final deste texto você será capaz de compreender: ▪ Expressões da vulnerabilidade relacional; ▪ Sentidos da Convivência; ▪ Convivência e TSF; ▪ Relações de interdependência entre o PAIF e SCFV. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO .............................................................................................................................................. 5 2. DIMENSÕES DA VULNERABILIDADE: CENÁRIO DA CONCEPÇÃO DO PÚBLICO DA PSB............................. 6 3. RISCOS SOCIAIS POR VIOLAÇÃO DE DIREITOS: CENÁRIO DA CONCEPÇÃO DO PÚBLICODA PROTEÇÃO SOCIAL ESPECIAL ................................................................................................................................................. 9 4. SENTIDOS DA CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA NA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL ........... 11 5. CONVIVÊNCIA E TRABALHO SOCIAL COM FAMÍLIAS: RELAÇÕES DE INTERDEPENDÊNCIA ENTRE O PAIF E O SCFV ............................................................................................................................................................. 16 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................................................................... 22 CONVIVÊNCIA E TRABALHO SOCIAL COM FAMÍLIAS: RELAÇÃO DE INTERDEPENDÊNCIA ENTRE PAIF E SCFV 1. INTRODUÇÃO A Política Nacional de Assistência Social – PNAS (2004) afirma que constitui público usuário da Política de Assistência Social cidadãos e grupos que se encontram em situações de vulnerabilidade e riscos, tais como: famílias e indivíduos com perda ou fragilidade de vínculos de afetividade, pertencimento e sociabilidade; ciclos de vida; identidades estigmatizadas em termos étnico, cultural e sexual; desvantagem pessoal resultante de deficiências; exclusão pela pobreza e, ou, no acesso às demais políticas públicas; uso de substâncias psicoativas; diferentes formas de violência advinda do núcleo familiar, grupos e indivíduos; inserção precária ou não inserção no mercado de trabalho formal e informal; estratégias e alternativas diferenciadas de sobrevivência que podem representar risco pessoal e social. (PNAS, 2004) Compreender nas ofertas do Sistema Único de Assistência Social – SUAS toda essa diversidade de situações que impactam seu público é um grande desafio diante do qual o Trabalho Social com Famílias – TSF se coloca como a principal estratégia de enfrentamento. Vimos no módulo 1 que a integralidade da atenção na Proteção Social Básica – PSB remete à compreensão da intersetorialidade como uma proposta de superação, a partir da construção de uma gestão estratégica e articulada com outros setores do campo social. No entanto, não basta apenas uma gestão intersetorial, é necessário também que haja uma forte articulação entre os serviços para a garantia da atenção integral, de forma que o foco de intervenção seja a família, compreendida como unidade. No âmbito da PSB, isso requer que o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos – SCFV, caracterizado conforme a Tipificação de Serviços Socioassistenciais (2009) como serviço complementar ao trabalho social com famílias do PAIF, aproprie-se de sua função no TSF e que as equipes de referência permitam e se esforcem para que a aproximação entre estes serviços ocorra. Ultimamente, tem-se dado muita ênfase na diferenciação entre estes dois serviços, mas percebe-se que o verdadeiro impacto, na prática cotidiana, relatada pelos profissionais, inclui, ao contrário, o conhecimento dos pontos de conexão das ações do PAIF e do SCFV. Portanto, há um distanciamento entre o fazer das equipes, que precisa ser ultrapassado para garantia da efetiva complementariedade proposta pela Tipificação de serviços. SCFV PAIF A falta de integração entre estes dois serviços, essenciais ao TSF, fragmenta a família e dificulta o estabelecimento de vínculos. Ouve-se inúmeros relatos de profissionais que atuam no SCFV que não sabem como o usuário chegou ao serviço e muito menos que se trata de um membro de uma família atendida no PAIF que vivencia situações de vulnerabilidade. Neste texto, iremos abordar a convivência como um conceito que se destaca como ponto fundamental de ligação entre PAIF e SCFV. A convivência é o eixo articulador das relações de interdependência entre estes dois serviços e o que faz com que um não obtenha resultados efetivos sem o outro. TRABALHO SOCIAL COM FAMÍLIAS 2. DIMENSÕES DA VULNERABILIDADE: CENÁRIO DA CONCEPÇÃO DO PÚBLICO DA PSB A vulnerabilidade pode ser compreendida como um fenômeno multifacetado que se relaciona às situações de desproteção social de indivíduos, famílias e territórios. As diferentes combinações entre as dimensões dão origem a tipos e graus diferenciados de vulnerabilidade. A forma mais conhecida de manifestação da vulnerabilidade se relaciona aos impactos provocados pela situação de pobreza. No entanto, estas situações podem ser agravadas pela qualidade dos vínculos que os indivíduos e grupos constituem durante a vida. Esta dimensão da vulnerabilidade é denominada relacional e resulta da limitação da capacidade de resposta e de posicionamento social de indivíduos e grupos diante de situações em que as diferenças são vividas como desigualdade. Manifesta-se para além da situação de pobreza e está relacionada principalmente às necessidades subjetivas que decorrem de experiências de violência, desvalorização, discriminação e exploração vivenciadas por indivíduos e grupos no âmbito familiar, comunitário e social. Tais experiências levam à fragilização dos vínculos afetivos e de pertencimento social, expondo os indivíduos a riscos sociais (BRASIL,2013). Fonte: Caderno Concepção de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, 2013. No módulo 2, vimos que o público a que se destina as ofertas da PSB é caracterizado por vivenciarem uma ou ambas dimensões de vulnerabilidades sociais: aqueles que estão em condições precárias ou privados de renda e sem acesso aos serviços públicos - vulnerabilidade material - e aqueles em que as suas características e diferenças são desvalorizadas ou discriminadas negativamente - vulnerabilidade relacional (BRASIL, 2013). A vulnerabilidade relacional pode não ser facilmente identificada por envolver sofrimento e restringir a capacidade de socialização do indivíduo, que muitas vezes opta pelo isolamento, ou por se negar a verbalizar aquilo que lhe causa dor e, às vezes, vergonha. Não é incomum que estes indivíduos vivenciem concomitantemente situações de fragilidade material, o que pode repercutir, por exemplo, na procura por um benefício socioassistencial (demanda espontânea) ou ser alcançado por uma ação socioassistencial (busca ativa) do PAIF e, ou, do SCFV no território. No entanto, grupos e indivíduos, em desproteção social provenientes, exclusivamente, de relações frágeis e, ou ausência de redes de apoio em seu território, podem não ser identificados. Em alguns casos, quando estes indivíduos chegam espontaneamente nos serviços públicos, são estigmatizados por não apresentarem vulnerabilidades decorrentes da pobreza, ou seja, há uma predominância do mercado como resposta para tudo. Sendo assim, espalha-se a compreensão de que tudo pode ser comprado, bens materiais e imateriais, inclusive os direitos. O cidadão reduzido a consumidor passa a ter equivalênciado seu poder de compra e a desproteção é então considerada tão só pelo aspecto que envolve a renda. (TORRES, 2013, p. 12, grifo meu) Conhecer os processos que afetam as relações entre os indivíduos e geram subordinações, humilhações, sofrimentos, isolamentos e limitam o seu desenvolvimento e a vida com autonomia é condição para definir o trabalho social que fará o enfrentamento destas situações, estabelecendo para os indivíduos outras formas de relações capazes de fortalecer e o estimular a sua autonomia (BRASIL, 2013). Portanto, além de superar o paradigma da pobreza como fator determinante para inclusão de famílias e indivíduos nas ofertas de proteção social, o profissional deve manter olhar atento às relações que ocorrem nos territórios que podem ser indícios para o que acontece no interior das famílias, além de revelar e, ou, chamar atenção para diversas vivências fragilizadas pela violência, conflitos, preconceitos e estigmatizações territoriais. Superar o paradigma da pobreza como fator determinante da vulnerabilidade. (Re)conhecer as vulnerabilidades relacionais e como impactam diferentemente indivíduos, grupos e territórios. Repensar a própria prática profissional e adotar uma postura ética e amoral diante das expressões de vulnerabilidade. Manter olhar vigilante às expressões de desproteções que ocorrem no território. Identificação das vulnerabilidades relacionais No tópico 4, veremos que as práticas de enfrentamento à vulnerabilidade relacional supõem que a gestão da política de Assistência Social realize ações que permitam aos usuários apropriarem, ou pôr em prática, uma capacidade de realização pessoal e social, além de tornarem mais fortes suas relações no âmbito da família, tornando estes usuários conhecidos e reconhecidos nos seus territórios de vivência (BRASIL, 2013). 3. RISCOS SOCIAIS POR VIOLAÇÃO DE DIREITOS: CENÁRIO DA CONCEPÇÃO DO PÚBLICODA PROTEÇÃO SOCIAL ESPECIAL A Proteção Social Especial - PSE atua por meio de programas, projetos e serviços especializados de caráter continuado, visando a promoção e a potencialização de recursos para a superação e prevenção do agravamento de situações de risco pessoal e social, por violação de direitos. O conceito de risco social (...) relaciona-se com a probabilidade de um evento acontecer no percurso de vida de um indivíduo e/ou grupo, podendo, portanto atingir qualquer cidadão (ã). Contudo, as situações de vulnerabilidades sociais podem culminar em riscos pessoais e sociais, devido às dificuldades de reunir condições para preveni-los ou enfrentá- los, assim, “as sequelas podem ser mais ampliadas para uns do que para outros” (SPOSATI, 2001, apud BRASIL, 2011, p. 14). A operacionalização do conceito de risco exige a definição do conjunto de eventos em relação aos quais compete diretamente a Política de Assistência Social desenvolver esforços de prevenção ou de enfrentamento. (BRASIL, 2011) No âmbito da PSE destacam-se as seguintes situações de risco por violações de direitos: ▪ Violência intrafamiliar; ▪ Negligência; ▪ Maus-tratos; ▪ Violência; ▪ Abuso ou exploração sexual; ▪ Trabalho infantil; ▪ Discriminação por gênero, etnia ou qualquer outra condição ou identidade; Situações que denotam a fragilização ou rompimento de vínculos familiares ou comunitários, tais como: ▪ Vivência em situação de rua; ▪ Afastamento de crianças e adolescentes do convívio familiar em decorrência de medidas protetivas; ▪ Atos infracionais de adolescentes, com consequente aplicação de medidas socioeducativas, privação do convívio familiar ou comunitário de idosos, crianças ou pessoas com deficiência em instituições de acolhimento; ▪ Qualquer outra privação do convívio comunitário vivenciada por pessoas dependentes (crianças, idosos, pessoas com deficiência), ainda que residindo com a própria família (BRASIL, 2011). A função de referência se materializa quando a equipe processa, no âmbito do SUAS, as demandas oriundas das situações de vulnerabilidade e risco social detectadas no território, de forma a garantir ao usuário o acesso à renda, serviços, programas e projetos, conforme a complexidade da demanda. O acesso pode se dar pela inserção do usuário em serviço ofertado no CRAS ou na rede socioassistencial a ele referenciada, ou por meio do encaminhamento do usuário ao CREAS ou para o responsável pela proteção social especial do município (onde não houver CREAS). A contrarreferência é exercida sempre que a equipe do CRAS recebe encaminhamento do nível de maior complexidade (proteção social especial) e garante a proteção básica, inserindo o usuário em serviço, benefício, programa e/ou projeto de proteção básica. (BRASIL, 2009) Além dos serviços especializados caracterizados por níveis de complexidade. O público da PSE também participa do SCFV, quando contrarreferenciados ao PAIF. O público da PSE constitui-se, em grande maioria, como público prioritário do SCFV. No módulo 4, veremos algumas estratégias que podem auxiliar na identificação deste público, principalmente em municípios que não possuem PSE. 4. SENTIDOS DA CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA NA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL O direito à convivência familiar e comunitária surgiu do enfrentamento às práticas segregadoras, voltadas, principalmente, para alguns públicos específicos como crianças e adolescentes, idosos e pessoas com deficiências ou doenças mentais, o que faz com que essa garantia legal tenha grande relevância na construção da Política de Assistência Social. A histórica e gradativa retomada de indivíduos estigmatizados ao convívio, a partir do combate às práticas de institucionalização, fez com que a positivação do direito à convivência familiar e comunitária ocorresse em diversas normativas, principalmente naquelas que definem regras de atenção aos públicos que historicamente mais sofreram com as práticas de recolhimento do convívio social, como destacamos abaixo: Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à (...) convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Constituição Federal, 1988) Art. 4º A assistência social rege-se pelos seguintes princípios: (...) III - respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade. (Lei Orgânica de Assistência Social, 2011) Art. 3o É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, (...) à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. (Estatuto do Idoso, 2003) Art. 19º Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes. (Estatuto da Criança e Adolescente, Lei 8.69/1190) Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à (...) convivência familiar e comunitária. (Estatuto da Criança e Adolescente, Lei 8.69/1190) Art. 8º É dever do Estado, da sociedade e da família assegurar à pessoa com deficiência, com prioridade, a efetivação dos direitos referentes (...) à convivência familiar e comunitária... (Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei 13.146/2015) É importante ressaltar que mesmo com todo um arsenal normativo, a declaração de um direito social não é suficiente para suaefetividade. Portanto, a luta pelo direito ao convívio está longe de se esgotar, já que ao lado da sua formalização, continuam a se multiplicar as situações de desrespeito, preconceito, exclusão e indiferença, assim como continuam a se prolongar as situações de marginalidade, desproteção e arbítrio (NOGUEIRA,2002). A garantia da convivência no contexto do SUAS, também reforça a perspectiva de não institucionalização e indica a superação, mesmo que normativa, da concepção de confinamento e isolamento como resposta às situações de “anormalidade” referidas à pobreza de famílias e indivíduos (BRASIL, 2013). O comportamento grupal é próprio da natureza humana e é a partir das relações que o indivíduo cria sua identidade e reconhece a sua subjetividade. Além disso, é na dimensão societária da vida que se desenvolvem as potencialidades, a cultura e a política. No entanto, é também onde ocorrem os conflitos e as contradições, pois as barreiras relacionais são criadas por questões de discriminações e intolerâncias que estão no campo do convívio humano (PNAS, 2004). Tais fatos evidenciam que para assegurar a convivência é necessário a não aceitação de situações de reclusão e perda das relações sociais de famílias e indivíduos. Vimos, no módulo 2, que a PSB opera as garantias socioassistenciais por meio do TSF. No entanto, o desenvolvimento destas seguranças não ocorreu na mesma proporção, sendo que a discussão sobre as provisões de renda e acolhida foram mais facilmente compreendidas pelos profissionais, gestores, usuários e especialistas. Por outro lado, a segurança de convivência tem tido maior dificuldade de entendimento e apropriação (BRASIL, 2013). O entendimento de que lidar com vulnerabilidades do campo relacional é uma responsabilidade pública enfrenta tensões, pois ainda lidamos com práticas de favor e benemerência voltadas para o superdimensionamento da ausência de renda como fator determinante da vulnerabilidade. Neste contexto, é imprescindível a sedimentação da convivência como uma responsabilidade estatal, pois, as ordens de convivência são construídas, ou seja, não são naturais. O que é natural é a nossa tendência a viver em sociedade. Portanto, a convivência tem que ser ensinada, aprendida e desenvolvida todos os dias, sendo tarefa de toda a vida de uma pessoa ou de uma sociedade (TORO & WERNICK, 1993). Vulnerabilidade relacional Convivência: Processo e metodologia Fortalecimento de vínculos: Resultado Toda ordem social é criada por nós. O agir ou não agir de cada um contribui para a formação e consolidação da ordem em que vivemos. Em outras palavras, o caos que estamos atravessando na atualidade não surgiu espontaneamente. Esta desordem que tanto criticamos também foi criada por nós. Portanto e antes de converter a discussão em um juízo de culpabilidades - se fomos capazes de criar o caos, também podemos sair dele. (TORO & WERNICK, 1993, p. 7) A partir desta ótica, a convivência pode ser entendida como um fator de transformação de indivíduos e da sociedade. No âmbito da Política de Assistência Social, os trabalhadores do SUAS são os agentes que atuam na transformação de indivíduos, grupos e territórios, pois concretizam a resposta estatal à responsabilidade de intervenção no campo relacional. Este é o um grande desafio das equipes de referência que operam o TSF: enfrentar as vulnerabilidades relacionais por meio da garantia da convivência visando o fortalecimento de vínculos. Para Torres (2013), as situações de convivência devem ser tomadas como oportunidades e precisam ser criadas e preparadas de forma que a experiência seja o foco de análise e entendimento. “A abordagem é de horizontalidade, que implica na alternância e variação de lugares, de saber e poder, com o objetivo de ampliar, fortalecer e diversificar modos de relacionamento e os laços produzidos” (BRASIL, 2013). Esse modo de fazer compreende a “convivência como processo e metodologia” e se concretiza por meio de encontros de conversações e fazeres caracterizados por: ▪ Processos de valorização/reconhecimento: trata-se de considerar as questões eos problemas do outro como procedentes e legítimos; ▪ Escuta: Direcionada pelo interesse e apreço pelo trajeto vivido pelo indivíduo que narra a sua história. A busca dos motivos e não das justificativas, do entendimento e não do julgamento são componentes estruturantes desta técnica, na qual as perguntas estão ligadas a elementos da própria fala e não de um roteiro prévio a ser seguido. Saber que há interesse pela sua narrativa oferece segurança para poder partilhar questões aflitivas ou importantes e isso fortalece vínculos. (BRASIL, 2013) ▪ Produção coletiva: Consiste em estimular a construção de relações horizontais (de igualdade), a realização compartilhada e a colaboração; ▪ Exercício de escolhas: Estratégia que fomenta a responsabilidade e a reflexão sobre as motivações e interesses envolvidos no ato de escolher; ▪ Tomada de decisão sobre a própria vida e de seu grupo: Estímulo à capacidade de responsabilizar-se, de negociar, de compor, de rever e de assumir uma escolha; ▪ Diálogo para a resolução de conflitos e divergências: trata-se de favorecer o aprendizado e o exercício de um conjunto de habilidades e capacidades de compartilhamento e engajamento nos processos resolutivos ou restaurativos; ▪ Reconhecimento de limites e possibilidades das situações vividas: trata-se de analisar as situações vividas e explorar variações de escolha, de interesse, de conduta, de atitude, de entendimento do outro; ▪ Experiências de escolha e decisão coletivas: trata-se de criar e induzir atitudes mais cooperativas a partir da análise de situações, da explicitação de desejos, medos e interesses; negociação, composição, revisão de posicionamentos e capacidade de adiar realizações individuais em prol do coletivo; ▪ Aprendizado e ensino de forma igualitária: trata-se de construir, nas relações, lugares de autoridade para determinadas questões, desconstruindo a perspectiva de autoridade por hierarquias previamente definidas; ▪ Reconhecimento e nomeação das emoções nas situações vividas: trata-se de aprender e ter domínio sobre os sentimentos e afetações, de modo a enfrentar situações que disparam sentimentos intensos e negativos; ▪ Reconhecimento e admiração da diferença: trata-se de exercitar situações Esses dois serviços denotam duas vertentes do TSF na PSB - que não se dissociam – mas, ao contrário, se complementam na perspectiva da garantia da integralidade da atenção às famílias e seus membros. A primeira vertente atua a partir de provisões materiais e imateriais, para o fortalecimento da família, como uma das fontes provedoras de proteção e socialização, assegurando o papel do Estado de proteção primária às famílias para que possam proteger seus membros. A segunda vertente considera que as vulnerabilidades relacionais atingem também determinados ciclos de vida em virtude de fragilidades específicas de seu estágio de desenvolvimento físico, psíquico e social. Independentemente da ocorrência de ruptura dos vínculos familiares e comunitários, o SCFV busca construir redes de apoio esolidariedade. protegidas, em que as desigualdades e diversidades podem ser analisadas e problematizadas, permitindo que características, condições e escolhas sejam tomados em sua raiz de diferença e não a partir de um juízo de valor hegemônico (BRASIL, 2017, p. 18). Este processo pressupõe a valorização da experiência de convivência como parte do trabalho de fortalecimento de vínculos relacionais. Dessa forma, é possível compreender o vínculo como resultado do trabalho social que intervém nas situações de vulnerabilidades por meio da convivência produzindo proteção social (BRASIL, 2013). Neste tópico, vimos como a convivênciaé importante para a Política de Assistência Social como um todo. No próximo, iremos abordar como a convivência pode auxiliar as equipes de referência a integrarem as SCFV e o PAIF a partir do reconhecimento da relação de interdependência entre estes dois serviços. 5. CONVIVÊNCIA E TRABALHO SOCIAL COM FAMÍLIAS: RELAÇÕES DE INTERDEPENDÊNCIA ENTRE O PAIF E O SCFV No módulo 2, nos referimos didaticamente ao PAIF e SCFV como duas vertentes que caracterizam as ofertas de PSB: Alcançar integração entre os serviços provavelmente é um dos maiores obstáculos enfrentados pelas equipes de referência e, ao mesmo tempo, demonstra uma intensa fragilidade no TSF, uma vez que não é possível que uma oferta ocorra dissociada da outra, pois PAIF e SCFV constituem juntos a engrenagem que movimenta o TSF. Afinal, o SCFV é ofertado de forma complementar ao trabalho social com famílias, que é realizado por meio do PAIF e do Serviço de Proteção e Atendimento Especializado às Famílias e Indivíduos (PAEFI). Percebe-se que há um entendimento bastante comum entre gestores, coordenadores e profissionais de nível superior dos CRAS, de que não faz parte da formação de orientadores/educadores sociais o conhecimento sobre o TSF realizado no PAIF. No entanto, é exatamente o fato de não conhecerem a origem do seu trabalho, ou seja, o TSF, que faz com que estes profissionais não consigam compreender a oferta do SCFV, pois não é possível executar um serviço em complementariedade a outro que se desconhece. Outro fator muito frequentemente observado é que, muitas vezes, os profissionais do SCFV não possuem nenhum conhecimento da Política de Assistência Social e realizam os trabalhos com grupos com base em conhecimentos intuitivos, na criatividade e na capacidade em lidar com determinados ciclos de vida. Estes são fatores muito preocupantes, pois descaracterizam o trabalho social e o seu escopo de atuação, fragmentando as intervenções junto às famílias. O SCFV, por atuar com grupos de membros das famílias que estão referenciadas ao PAIF, deve garantir que o foco de atuação continue sendo a unidade familiar. Vimos que a convivência é um processo que pressupõe a expansão do campo relacional, ou seja, é capaz de afetar toda a rede relacional de um indivíduo. Portanto, a transformação operada, a partir de um dos membros, projeta na sua família e no seu território, percorrendo toda sua rede de apoio. Daí a necessidade de que os dois serviços “conversem” entre si e que a família seja vista como unidade, pois fica mais clara a percepção dos avanços e retrocessos da família, qual membro participa mais, qual contribui mais para resolução dos conflitos, com quem podem contar, em quem confiam para partilhar experiências, etc. a política pública para ampliar e fortalecer vínculos deve ofertar a experiência de viver relações mais protetivas. (...) a aposta é que vivendo essas experiências estabelece-se oportunidades de expansão das relações para além das vividas nos próprios serviços, de sorte que esses modos de relacionar permeiem outras relações e multipliquem outros vínculos de proteção e reconhecimento (TORRES, 2013, p. 201). Para efetivar esta articulação, as equipes do SCFV devem se apropriar de todas as ações que compõem o TSF no PAIF, pois atuar de forma destoante, sem considerar a centralidade na família, favorece o surgimento conflitos e intervenções desastrosas. É preciso que as equipes criem um planejamento unificado para que um serviço reforce a intervenção do outro com vistas a atingir uma única finalidade. Dessa forma, é muito importante que todos os profissionais estejam alinhados aos objetivos que desejam alcançar com o TSF, de modo a fortalecer a participação dos usuários. Dito de outra forma, o potencial para a efetividade do TSF está no reconhecimento de que o SCFV atua de forma complementar ao PAIF, sendo imprescindível que os profissionais o compreendam como um todo. O conhecimento e a apropriação das ações realizadas nos dois serviços podem auxiliar as equipes a refletirem e desenvolverem um senso crítico do trabalho e do momento em que os usuários se encontram no processo protetivo que iniciou no PAIF e precisa manter continuidade no SCFV. Os usuários, também, precisam “sentir” a continuidade dos serviços, de forma que não sejam encaminhados para um grupo do SCFV como um estranho, após terem sido acolhidos, ou até mesmo participado de diversas intervenções no PAIF, por exemplo. Não se pode correr o risco de que o usuário retorne ao ponto inicial. É necessário valorizar a sua história de vida e, principalmente, a sua trajetória nos serviços. Neste ponto, vale destacar que os profissionais do SCFV são responsáveis pelo sucesso ou insucesso do TSF, tanto quanto as equipes do PAIF, pois a continuidade do trabalho que é desenvolvido no SCFV depende da busca de informações, tanto quanto é responsabilidade dos profissionais do PAIF de provê-las, ou seja, é preciso que ambas equipes compreendam a responsabilidade pública da oferta do TSF e se esforcem pela integração dos serviços. Outro ponto importante que se destaca na perspectiva do caráter complementar do SCFV ao TSF é o fato de apresentar objetivos específicos para cada ciclo de vida, tendo em vista as especificidades de cada etapa do desenvolvimento dos indivíduos. Segundo Oliveira (1997), a imensa multiplicidade de conquistas que ocorrem ao longo da vida de cada indivíduo gera uma complexa configuração de processos de desenvolvimento que será absolutamente singular para cada um, pois em cada situação de interação com o mundo externo, o indivíduo encontra-se em um determinado momento de sua trajetória particular, trazendo consigo certas possibilidades de interpretação e ressignificação das relações provenientes do seu mundo externo. Este olhar para o indivíduo em suas especificidades e, ao mesmo tempo, para forma como se expressam nos grupos, em atividades coletivas, trazem elementos importantes sobre como experienciam vivências negativas e protetivas e podem fornecer um material valioso para o entendimento das relações que ocorrem no interior das famílias e territórios, ou seja, denotam as relações de interdependência entre PAIF e SCFV e reforçam a necessidade da integração das intervenções nestes dois serviços. Isso não quer dizer que os profissionais das duas equipes realizam um mesmo tipo de intervenção, mas que o olhar para o foco da ação interventiva deve ser o mesmo, ou seja, como os indivíduos, nos contextos variados reproduzidos nas ofertas de PSB, convivem, formam laços e fortalecem vínculos. A partir dos registros e reuniões conjuntas é possível que as equipes possam disseminar os conhecimentos sobre as famílias, seus membros e territórios. Outras estratégias que podem auxiliar na integração entre os serviços são: ▪ Realizar ações de capacitação de orientadores/educadores sociais sobre a Política de Assistência Social, principalmente sobre o TSF no âmbito do PAIF; ▪ Seguir o fluxo determinado pelas orientações do SCFV; ▪ Realizar estudos conjuntos quando membros de uma mesma família participarem de ambos serviços; ▪ Realizar estudos para escolha de metodologias; ▪ Encontrar, juntamente com o coordenador do CRAS e, se for o caso, junto à gestão municipal, uma solução para que o técnico de referência não fique sobrecarregado a ponto de não conseguir executar suas atribuições no SCFV. Exemplos de algumas formas adotadas por alguns municípios: Contratação de profissional exclusivo; revezamento dos técnicos a cada percurso de 6 meses; ambos técnicos de nível superior realizam as atividades de planejamento e orientação no SCFV em determinados dias da semana; ▪ Adotar sistema de registro e monitoramento que contribua com a visualização da evolução da família e seus membros em ambos serviços; ▪ Realizarestudos de caso, entre os profissionais do PAIF e SCFV, buscando visualizar as realizações dos membros da família e como estas refletem na sua dinâmica como um todo, tendo em vista que o processo de transformação pode se iniciar por um dos membros que pode não estar sendo atendido no mesmo serviço. Sugere-se ainda a criação de Grupo de Trabalho para esta finalidade, com encontros sistemáticos e com periodicidade conjuntamente predefinida, com espaço para participação de profissionais de outros serviços socioassistenciais ou de outras políticas setoriais ou ainda órgão do Sistema de Garantia de Direitos, sempre que o caso indicado para estudo demandar tais presenças; ▪ Valorizar o trabalho da equipe como um todo, de forma a criar um ambiente de cooperação e engajamento no TSF; ▪ Monitorar o processo de desenvolvimento das famílias e seus membros a partir da sua história de vida e valorizar os seus avanços, bem como o sucesso das intervenções de toda a equipe; ▪ Realizar a construção de um planejamento coletivo e flexível, no qual cada profissional possa colaborar com seu entendimento do processo de mudanças na família. Desta forma, é possível também vislumbrar as necessidades dos membros, as intervenções que não deram certo e precisam ser modificadas, além de avaliar quais profissionais têm vínculos mais solidificados e poderão contribuir para auxiliar em questões que exigem abordagens mais complexas; ▪ O desenvolvimento de estratégias, técnicas e métodos para o trabalho com cada um dos ciclos de vida considerando as especificidades de seu desenvolvimento e como o olhar para estas particularidades irão contribuir para convivência do grupo familiar com um todo; ▪ Desenvolver em conjunto discussões sobre ética e sigilo profissional. Entendemos que o processo de articulação não é simples, pois depende da participação de todos os envolvidos, e esta é uma decisão de cada um, pois participar é um ato de liberdade, que depende essencialmente das pessoas se verem ou não como responsáveis e como capazes de provocar e construir mudanças. Nesse sentido, as práticas escolhidas precisam apresentar componentes que estimulem a participação das equipes, contribuam para a reflexão do seu trabalho, valorizem os saberes de cada um e propiciem uma visão crítica do TSF como um todo. (TORO & WERNICK, 1993). Por fim, é preciso que haja o reconhecimento de que as ofertas da Assistência Social cumprem o dever estatal em assegurar direitos e possibilitar aos usuários vivência de experiências protegidas e ações que estimulem o alcance da autonomia. Portanto, não é uma prerrogativa, mas uma responsabilidade pública, o estabelecimento e a promoção de ofertas Ficamos por aqui! No próximo módulo, abordaremos algumas ferramentas para obtenção de informações e dados quantitativos e qualitativos sobre os públicos do PAIF e do SCFV. Estes dados são valiosos para o diagnóstico e planejamento das ações. Te esperamos lá! Bons estudos! qualificadas e articuladas que tenham como diretrizes a matricialidade sociofamiliar e a integralidade do atendimento. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social. Secretaria Nacional de Assistência Social. Concepção de convivência e fortalecimento de vínculos – Brasília, 2013. . Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Caderno de Orientações Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família e Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos Articulação necessária na Proteção Social Básica. Brasília, 2016 . Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Caderno de Perguntas e Respostas sobre o Serviço de Convivência e Fortalecimentos de Vínculos. Brasília, 2017. . Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Fundamentos ético- políticos e rumos teórico-metodológicos para fortalecer o Trabalho social com famílias na Política Nacional de Assistência social. Brasília, 2016. . Estatuto da Criança e do Adolescente: Lei 8.069/90, de 13 de julho de 1990. Brasília: Senado Federal, 1990. . Lei Orgânica de Assistência Social: Lei 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Brasília: Senado Federal, 1993. . Estatuto do Idoso. Lei 10.741, de 1º de outubro de 2003. Brasília: Senado Federal, 2003. . Norma Operacional Básica do Suas (NOB/SUAS). Brasília, 2005. . Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Orientações Técnicas: Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS, Brasília, 2011. . Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Orientações Técnicas sobre o Centro de Referência de Assistência Social – CRAS, Brasília, 2009. . Política Nacional de Assistência Social. Brasília, 2004. . Estatuto da Pessoa com Deficiência: Lei 13.146 de 6 de julho de 2015. Brasília: Senado Federal, 2004. . Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. NOGUEIRA, Marco Aurélio. Os direitos sociais como causas cívicas. 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