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Análise do Desenvolvimento Industrial Brasileiro

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Capítulo 4 – análise do caso do Brasil
O crescimento do produto por habitante observado entre 1930 e 1960 constitui caso típico de desenvolvimento por indução indireta de fatores externos, através da substituição de importações. Mesmo nos casos em que a ação estatal favoreceu o desenvolvimento, deveu-se isso mais a fatores circunstanciais do que à existência de uma atitude consciente. As grandes plantações de café, feitas ao estímulo dos preços altos que prevaleceram no período 1927-1929, entraram em produção a partir de 1931, levando o país a uma grande crise de superprodução, exatamente quando os preços do produto se haviam reduzido no mercado internacional. Dessa forma, o Brasil teve de enfrentar, por cima da crise externa que o obrigara a cortar pela metade suas importações, uma outra crise interna decorrente da necessidade de financiar grandes estoques de café que não encontrava mercado. Essa política foi evidentemente concebido com vistas a favorecer os interesses do poderoso grupo cafeicultor.
 Ao defender, contra as fortes pressões deflacionárias, o nível da renda monetária interna, em condições de declínio na capacidade para importar, a política de favores ao setor cafeeiro resultou ser, em última instância, uma política de industrialização. Com a rápida desvalorização da moeda cresciam os preços relativos das mercadorias importadas, criando-se condições altamente favoráveis aos produtores internos. Como os lucros no setor cafeeiros e exportador em geral estavam declinando, a atividade manufatureira para o mercado interno transformou-se no negócio mais atrativo da economia brasileira. Assim, recursos financeiros e capacidade empresarial foram transferidos do setor exportador tradicional, principalmente da produção e do comércio do café, para indústrias manufatureiras incipientes.
No período do imediato pós-guerra, estava longo o país de reunir as condições que o habilitassem a formular uma autêntica política de industrialização. Os acontecimentos viriam demonstram, entretanto, que a industrialização substitutiva de importações continuaria a impor-se, não obstante os interesses dos grupos ligados às exportações continuassem a prevalecer na formulação da política econômica. Como consequência da supervalorização do cruzeiro, as importações cresceram rapidamente, esgotando as divisas acumuladas durantes a guerra. Assim, teve início, já em 1948, um processo de endividamento a curto prazo, ao que o governo respondeu com controles quantitativos das importações. Ao descartar a desvalorização, o governo brasileiro criou condições para que o preço do café no mercado internacional se recuperasse. Por outro lado, ao adotar uma política de controle de importações, esse governo entrava pelo caminho da proteção dos interesses individuais.
A política de câmbio do governo brasileiro constituiu, seguramente, o fator decisivo para que os preços do café se mantivessem elevados durante um período de quase dez anos. Contudo, para levar adiante essa política, teve o governo de provocar um amplo processo de transferência de renda, desviando para o setor industrial a maior parte dos benefícios criados com a elevação dos preços relativos do café no mercado internacional.
Portanto, a industrialização brasileira se deu apesar de uma atitude favorável do governo, resultando de fatores endógenos, gerados pelos processos econômicos, cujas causas básicas eram a preexistência de um mercado de produtos manufaturados criado pelas exportações em fase anterior e a perda de dinamismo dessas exportações. Os fatores dinâmicos responsáveis pela industrialização substitutiva de importações, no entanto, tendem a esgotar-se quando atuam no marco institucional que prevalece na América Latina antes de que o sistema econômico nacional alcançasse o nível de diversificação estrutural que assegurou a autogeração do desenvolvimento.
Como não se preparou a infra-estrutura que requeria a transição de uma economia exportadora de bens primários para outra de base industrial, agravaram-se as disparidades entre as diversas regiões do pais, e a economia permaneceu compartimentada regionalmente. Outra consequência da inexistência de uma política de industrialização foi a concentração de investimentos em industrias produtoras de artigos menos “essenciais”, pois os obstáculos à importação desses produtos era maior. As industrias de produtos e bens de capital, que são a base mesma de um sistema industrial, tiveram o seu desenvolvimento seriamente prejudicado durante longo período. Houve também uma tendência significativa a sobrecapitalizar e sobremecanizar as industrias. O vultoso subsídio implícito que havia na importação de equipamentos e a perspectiva de especular com esses equipamentos. Como resultado, criou-se muita capacidade ociosa em industrias de bens não-essenciais.
Surgiram, assim, no sistema econômico, sérias distorções. Para manter operando um grau razoável de capacidade produtiva tornava-se necessário elevar o dispêndio da economia bem acima do nível a renda, o que só pode acontecer via endividamento externo. Excluído esse último expediente, a inflação surge com meio atrativo de evitar a subutilização dos fatores. A absorção de tecnologia tomada de empréstimo a economias habilitadas a pagar salários mais elevados associa-se, nos países subdesenvolvidos, aos salários industriais artificialmente elevados por motivos sociológicos e políticos. Cria-se assim uma tendência à sobremecanização que fortalece a manutenção de salários elevados no setor. O crônico subemprego da mão-de-obra agravou-se, enquanto se realizavam vultosos investimentos em setores industriais com capacidade excedente.
As consequências mais amplas da industrialização substitutiva somente podem ser captadas levando em contra certas peculiaridades do marco social brasileiro dentro do qual ela se realizou. A economia do país ainda se apoiava na exportação de café, produzido em grandes unidades agrícolas e o Estado continuava a se financiar com base em impostos sobre o comércio exterior. A população ainda era majoritariamente rural e uma parcela minúscula tinha participação no processo político.
A estagnação do setor agrícola de exportação, a industrialização e o aumento das atividades estatais trouxeram transformações na estrutura social do país. Uma das manifestações mais visíveis dessas transformações encontra-se no processo de urbanização. A população urbana, mais educada, desloca para si o centro de gravidade da atividade política, particularmente no que respeita ao processo eleitoral. Essas modificações da estrutura social não tiveram, entretando, adequada correspondência no quadro das instituições políticas. A falta de uma classe de dirigentes industriais a se opor às classes tradicionais frustou o surgimento de uma nova liderança capaz de promover a modernização do marco institucional.
As elites tradicionais continuaram no poder, porém o controle dos principais centros de uma estrutura de poder não é causa suficiente para que a autoridade que daí emana seja aceita como legítima pela maioria da população. A falta de tal autoridade dificultava o exercício do poder, e o crescimento relativo do eleitorado urbano representava um desafio permanente ao controle do processo eleitoral pelos partidos de base oligárquica.
Mas a industrialização constitui apenas um fator responsável pela rápida urbanização. O crescimento relativo dos gastos públicos, a concentração de renda e a rigidez da estrutura agrária também contribuíram. As massas subempregadas das grandes cidades cresceram mais rapidamente do que a população regularmente ocupada. O mísero padrão de vida de grande parte da população rural declinou durante esse período de rápida industrialização, e as precárias condições de vida nas zonas urbanas eram atrativas. A classe média em geral constituía um grupo privilegiado no esquema de distribuição da renda social. Essa população heterogênea veio a constituir o novo fator de influência decisiva no processo político brasileiro.
A ruptura da base em que se apoiava o sistema tradicionalde poder constitui a causa principal da instabilidade que caracterizou o processo político brasileiro em toda a fase de industrialização. Entretanto, ao tentar cumprir o mandato substantivo das massas, com as quais compactuou no momento de eleição, o chefe do Poder Executivo entra necessariamente em conflito com o Congresso, sobre o qual exerce um estrito controle a classe dirigente nacional. A execução de um plano mais realista, por outro lado, abriria espaço para que outro candidato conquistasse o apoio das massas. A solução desse conflito, dentro de um marco institucional orientado para a preservação do status quo social somente é factível mediante a subordinação do Presidente da Repúblico ao Congresso, em um regime parlamentar, ou mediante a subordinação do Congresso ao Presidente da República, em uma ditadura. Enquanto existiu a instabilidade no sistema de poder, a luta pela conquista do apoio das massas heterogêneas e a necessidades de transacionar permanentemente com os grupos que controlam o poder real deram origem a formas exacerbadas de populismo.
A emergência de uma sociedade de massas abrindo caminho ao populismo, sem que se hajam formado novos grupos dirigentes capacitados para estruturar um projeto de desenvolvimento nacional em contraposição à ideologia tradicionalista constitui a característica mais saliente do processo histórico brasileiro nessa época. Entretanto, ao extremar as disputas pelo poder pessoal e ao excitar as massas com a miragem de objetivos irrealistas, o populismo criou sérios obstáculos ao surgimento de um movimento político capaz de efetivamente mobilizar as massas para uma luta coerente pelo desenvolvimento.

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