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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA Elisa Urbano Ramos MULHERES LIDERANÇAS INDÍGENAS EM PERNAMBUCO, ESPAÇO DE PODER ONDE ACONTECE A EQUIDADE DE GÊNERO. Recife, 2019. 2 Elisa Urbano Ramos Mulheres lideranças indígenas em Pernambuco, espaço de poder onde acontece a equidade de gênero. Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Antropologia da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Antropologia. Orientador: Prof. Dr. Russel Parry Scott Recife 3 2019 Ficha catalográfica 4 ELISA URBANO RAMOS MULHERES LIDERANÇAS INDÍGENAS EM PERNAMBUCO, ESPAÇO DE PODER ONDE ACONTECE A EQUIDADE DE GÊNERO. Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Antropologia como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Antropologia. Recife, PE, 13 de aetembro de 2019. BANCA EXAMINADORA Prof. Dr. Russel Parry Scott (Orientador) Programa de Pós-Graduação em Antropologia/ UFPE Assinatura: _______________________ Prof. Dr. Renato Monteiro Athias (Avaliador Interno) Programa de Pós-Graduação em Antropologia/ UFPE Assinatura: _______________________ Profª. Dra. Angela Sacchi (Examinadora Externa) Assinatura: _______________________ 5 DEDICATÓRIA A Santa Maria, ao grande espírito, meus encantados e minhas encantadas. Meu pai José (em memória) e minha mãe Amélia. Minha irmã Elisa Bete e meus irmãos Emanuel e Israel. Meu orientador: Professor Parry Scott Francisca Kambiwá e todas as mulheres guerreiras que me inspiram. 6 AGRADECIMENTOS Ao território do sagrado do Tronco Velho Pankararu, do tronco familiar de onde venho, meu primeiro e principal espaço de ensinamentos. Ao nosso Deus, nosso batalhão de encantados e encantadas que conduz sua nação Pankararu por onde andar. Aos meus pais, Amélia e José (em memória), e irmãos Elisa Bete, Emanuel e Israel por todo amor e apoio que nos une. Ao companheiro que convive comigo, Samuel pelo apoio, incentivo e contribuição nas reflexões sobre os espaços que não pude alcançar. A Gestão Escolar e lideranças de Entre Serras Pankararu, em especial Dona Hilda, Diogo e Zenicleide que me apoiaram enquanto organização social. Obrigado por me proporcionarem condições que contribuíram para esse Mestrado. Aos povos indígenas em Pernambuco e a APOINME por onde tive a oportunidade de passar e conhecer pessoas que me ensinam com suas experiencias e formas especiais de conduzir seus povos. Ao professor Scott, meu orientador que acreditou nesse trabalho que caminha dos saberes indígenas para os conhecimentos acadêmicos. Aos professores e professoras do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal de Pernambuco e aos amigos do mestrado que participaram desse percurso acadêmico. À banca examinadora que se dispôs a contribuir para a consolidação desse trabalho e especialmente pela solidariedade e crença de que era possível, a despeito dos imprevistos, seguir em frente. As pessoas com quem pude contar em Recife, Maria de Cecilia e Familia 7 Na narrativa mítica, na orientação espiritual e cotidiana do Tronco Pankararu, há uma visão de uma figura feminina vista como mãe do criador e da criação, a mãe natureza, que compreende e protege os espaços onde há vidas. Todos os seres vivos humanos e não humanos, também as pedras, as águas e espíritos sagrados femininos e masculinos. O entendimento e conhecimentos deixados por nossos antepassados: os saberes tradicionais. (Filosofia Pankararu) 8 RESUMO Essa pesquisa procurou investigar mulheres lideranças indígenas em Pernambuco que atuando em espaços coletivos nas aldeias desempenham papeis importantes que as tornam figuras emblemáticas, bem como em espaços colegiados que agregam o conjunto de organizações indígenas dos povos. Essa dissertação procurou apontar em que espaços acontecem à equidade de gênero e que as mulheres atuam com o mesmo poder de voz e decisão que os homens. A APOINME foi utilizada como campo de pesquisa enquanto espaço que agrega todas as organizações de base em sua área de abrangência. Desta forma o feminismo comunitário enquanto embasamento de estudos constituiu aporte teórico juntamente com as observações descritas para a definição de feminismo indígena no Brasil. Palavras-chave: Lideranças mulheres, organização, feminismo indígena. 9 ABSTRACT This research sought to investigate indigenous women leaders in Pernambuco who acting in collective spaces in the villages play important roles that make them emblematic figures, as well as in collegiate spaces that aggregate the set of indigenous peoples' organizations. This dissertation aimed to point out in which spaces happen to gender equity and that women act with the same voice and decision power as men. APOINME was used as a research field as a space that aggregates all grassroots organizations in its area of coverage. Thus community feminism as a basis for studies constituted a theoretical basis along with the observations described for the definition of indigenous feminism in Brazil. Keywords: Women leaders, organization, indigenous feminism. 10 LISTA DE SIGLAS APOINME Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas gerais e Espírito Santo FUNAI Fundação Nacional do Índio COPIPE Comissão de professores/as Indígenas de Pernambuco UFPE Universidade Federal de Pernambuco SESAI Secretaria especial de Saúde Indígena CIMI Conselho Indigenista Missionário SEE Secretaria Estadual de Educação CEE Conselho Estadual de Educação DSEI Distrito Sanitário Especial Indígena PNASPI Politica Nacional de Atenção a Saúde dos Povos Indígenas UNI União das nações Indígenas 11 SUMARIO CAPÍTULO 1 Introdução: do Tronco Velho aos estudos feministas CAPÍTULO 2 Os desafios das mulheres indígenas em ocupar os espaços coletivos em Pernambuco 2.1 A construção de uma identidade 2.2 Dos espaços que tratam de educação escolar 2.3 Das atividades relativas à saúde. 2.4 Para além da luta pela terra. 2.5 Das organizações. CAPÍTULO 3 3. A APOINME enquanto campo de análise 3.1. Contexto histórico. 3.2. Área de atuação. 3.3. A criação do Departamento de Mulheres Indígenas. CAPÍTULO 4 4. Teorizando sobre feminismo comunitário em interface com o feminismo indígena no Brasil 4.1 Sobre feminismo comunitário 4.2 Historiando sobre organização de mulheres indígenas: do Brasil a Pernambuco. 4.3 Conceituando Feminismo Indígena Considerações Finais Referências Anexos 12 CAPÍTULO I INTRODUÇÃO: DO TRONCO VELHO PANKARARU AOS ESTUDOS FEMINISTAS O presente capítulo, o qual está sendo chamando introdução, cuja inspiração vem em principio da minha relação de convivência na aldeia a qual eu pertenço. Nesse sentido trago como intuito fazer um panorama da minha história de vida em relação às vivências com mulheres no cotidiano da aldeia, desde a minha infância até os dias atuais e como essa trajetória vai influenciando na construção desta produção. Então, proponho fazer uma conexão e relação das minhas observações, com a escrita sobre cada categoria aqui mencionada. As reflexões que faço são partes de conhecimentos e vivências pessoais para falar das mulheres lideranças indígenasde Pernambuco já presentes no movimento indígena, já fazendo parte da APOINME enquanto organização que agrega as demais organizações de base e consequentemente as quais fazem parte essas mulheres na atualidade. Eu nasci em 12 de março de 1972, filha de mãe e pai Pankararu, o que significa dizer desta apresentação da minha pessoa é que conforme os meus antepassados, venho de uma linhagem de educação e ensinamentos indígenas. Quando criança, meu convívio na minha aldeia se deu em diferentes momentos e espaços com várias mulheres que hoje seriam chamadas de lideranças, mas que naquele contexto eram mulheres de notoriedade, portanto figuras emblemáticas, pois tanto conduziam pessoas no sentido de orienta-las, quanto estavam à frente de atividades de caráter coletivas. Na minha infância, entre o final da década de 1970 e início dos anos 1980, quando na nossa aldeia ainda não havia energia elétrica, havia pouquíssimas casas de alvenaria e raramente íamos à cidade, até porque só havia um único transporte, uma vez por semana para as cidades da Velha Petrolândia e Paulo Afonso na Bahia. E para estas cidades as pessoas da aldeia na sua maioria mulheres iam a feira vender os produtos nativos da aldeia: frutas e artesanatos. E para as cidades mais próximas, como exemplo, para a cidade de Tacaratu íamos a pé ou montados em jumentos que transportavam pessoas e cargas com produtos comprados ou vendidos nas feiras. 13 A situação econômica da população era considerada de pobreza para aquele período em relação ao momento atual, de forma que nem todas as famílias possuíssem aqueles animais, Por isso raramente eram conduzidos por mulheres para irem às feiras, que enquanto atividade integrante de suas labutas traziam suas pequenas compras na cabeça em cestos ou sacos de pano. Uma atividade que é bem presente na minha lembrança, diz respeito às fontes ou nascentes de água, muitas fontes que havia desde os pés daquelas serras e desciam riachos abaixo praticamente até a fronteira da aldeia com o Rio São Francisco, mas que no decorrer dessas quatro décadas, devido ao desmatamento e encanação de água para as casas, atualmente secaram praticamente pouco mais que cinquenta por centro. Mas o que quero focar aqui em relação a essa realidade é sobre aquelas mulheres que iam buscar agua nas fontes e bicas com suas latas ou potes de água na cabeça. Nesse caso, lembrei de que jumentos transportavam objetos para as roças, água e lenha. Eles também serviam para as atividades que as famílias teriam nos trabalhos das roças. Devido poucas pessoas possuir esses animais, então na sua maioria era conduzido por homens, até pela força física ou devido eventuais problemas que exigissem maior trabalho na lida como se por acaso aqueles animais debandassem. Para o nosso povo, conforme a cultura Pankararu, as fontes eram e são espaços sagrados, por isso, educativos também. Foi lá que vi diferentes divisões que hoje entendo como espaços de divisão por gênero, pois havia as fontes e bicas de banho para homens e para mulheres. E naquele contexto, havia respeito aos espaços de cada um, ou seja, nenhum ia ou invadia o espaço do outro. Foi lá onde convivi com aquelas senhoras idosas e demais mulheres que tomavam banhos, completamente despidas, em plena natureza, como diziam “no meio do tempo” e a qualquer hora, pois aqueles espaços eram totalmente seus, se tornando um espaço de privacidade para quem de direito os frequentavam. Para as fontes as mulheres que iam especialmente para lavar roupas, geralmente começavam essa atividade de manhã cedinho, logo ao amanhecer. Ao terminarem de lavar as roupas, tomavam banho e voltavam para casa. Mas quando iam para as fontes e bicas apenas para tomar banho, geralmente iam à tarde, até pelos serviços domésticos que precisavam dá conta. E mesmo indo para tomar banho, na volta aproveitavam para trazer um balde ou pote de água na cabeça. No entanto, tomar banho cedinho era 14 medicinal, principalmente na Santa Nascença, pois servia como remédio, por exemplo, se estarmos com uma forte gripe ou doença relativas. A Nascença é uma fonte que nasce do pé da serra da Fonte Grande e que contem uma água pura de caráter mineral, por isso é a melhor água para se beber na aldeia e lavar roupas também. E hoje, mesmo com as encanações ainda é espaço de encontro de mulheres que não abrem mão de dar continuidade ao tradicional costume de frequentar a fonte que mesmo diante das mudanças em seus aspectos físicos, preserva a bica e as pedras para lavar roupas. Ainda é referencia entre os locais específicos para fazermos os rituais de cura que são seculares. Quando faço referencia a Santa Nascença, para mim é algo bastante importante para conduzir minhas afirmações, que sendo para uma explicação de caráter real, esteja como base simbólica enquanto valorização do ser feminino. Mas que para nós Pankararu tem um significado de cunho sagrado, pois aquela serra é compreendida como um dos palácios onde moram nossos encantados. É também lá na fonte a morada das moças encantadas que vivem no cotidiano do mundo dos invisíveis. “As moças” estão ao lado dos espíritos sagrados encantados que a nosso ver são homens, por isso na linguagem do nosso povo, se referem a eles como “os homens”. Conforme os ensinamentos do meu povo, eu tenho em mente desde criança que se existe seres sagrados em forma de mulheres, com hábitos de mulheres, nós somos seres divinos na nossa representação. E que, se no mundo dos nossos mistérios espirituais a essência feminina se faz presente em um mesmo patamar que os seres sagrados masculinos. Por isso, qual seria a lógica de simples mortais tratarem os demais com consideração de inferioridade? Até hoje, embora com menos frequência, ainda há o hábito das mulheres procurarem banhos com fins medicinais, em destaque para curas espirituais. Por exemplo, no dia primeiro de janeiro ao amanhecer, bem antes de clarear o dia, muitas mulheres em grupo vai tomar banho nas aguas da Santa Nascença. E assim vai chegando uma, mais uma e muitas outras. De formam que fazem suas oferendas, pedidos, enfim, tomam seus banhos. Trata-se de uma tradição que conheço desde menina e que também participo nesse dia em especial, mas em outros dias durante o ano também, é uma forma de buscar paz espiritual ou a cura de certas doenças como fortes gripes e sinusites. 15 Pela minha crença e religião indígena, quando eu era criança de uns seis anos, minha vida foi salva pela cura dos nossos encantados que são seres espirituais sagrados. Que na ocasião se deu através da matéria ou corpo/na pessoa de uma mulher, que na linguagem de não índios seria entendida como a pessoa de uma médium. Essa mulher chama-se Maria Severina, que pertence a uma família onde a maioria das mulheres são líderes da tradição (líderes espirituais). Nesse contexto, muitas são as mulheres Pankararu que possuem a qualidade de guardiãs e detentoras de saberes tradicionais, que recebem ensinamentos da Mãe Natureza que dizemos “dom”. São práticas que se traduzem através dos conhecimentos sobre a medicina tradicional em toda a sua diversidade e procedimentos de cura. As mulheres também são capazes do conhecimento dos rituais e cantos de contato com os encantados, e tantos outros procedimentos ligados a esses costumes. No entanto, quando faço menção as mulheres da tradição na cultura Pankararu, quero fazer subentender que há homens com esses mesmos saberes. E é nesse contexto de condições dadas a ambos que busco uma relação subjetiva de igualdade. Igualdade esta, que não é contestada, por se tratar de uma dádiva de seres sagrados ou pela mãe natureza, como dizem outros povos indígenas em Pernambuco, principalmente quando diz respeito a lideranças mulheres. Então, o que eu estou chamando aqui de mulheres da tradição, se entende como pessoas que exercem um conjunto de ações especiais,diversas ações como cantar nos terreiros sagrados para os Praiás dançarem. Praiás na nossa cultura correspondem á materialização dos encantados, o que seria possível á visão, ao alcance dos nossos olhos. São homens vestidos em roupas de caroá, uma espécie de manto, onde cada roupa corresponde a um encantado especifico. Conforme CUNHA, 2007, p.50: A representação dos Encantados, em sua forma terrena, se dá através dos Praiás, indivíduos especificamente designados pelas lideranças Pankararu que, sob uma máscara ritual que lhes cobre todo o corpo, dançam as músicas executadas durante os cerimoniais. Além do que, o culto aos Encantados não se limita, especificamente, ao campo religioso da cultura dos Pankararu. É na crença nesses seres sobrenaturais que reside a base para o sistema politico interno do grupo, assim exerce influencia na economia e no sistema de parentesco do grupo. 16 Mas também diz respeito à condição que permite essas mulheres conhecerem e poderem participar dos processos de cura; conduzir e zelar dos objetos e rituais sagrados que simbolizam a crença; cozinhar a comida sagrada para os rituais e outras atividades. E a partir dos saberes que essas mulheres detêm são consideradas sábias na mesma dimensão dos homens que também detém os mesmos saberes e ocupam esses espaços em especial considerados sagrados. A capacidade de conhecer e zelar determinados saberes específicos do Povo, por parte das mulheres, gera um reconhecimento coletivo e que orientam as demais pessoas jovens e crianças. Portando com a mesma importância de notoriedade das “moças de cansanção” na participação do contexto geral do ciclo da Corrida de Imbu, bem como “noivas e madrinhas” nos rituais de Menino do Rancho. Pois trata de saberes que orientam as demais pessoas na condução correta da atividade, o que pode ser caracterizado como educação indígena, no sentido da transmissão de conhecimentos. Ao falar da tradição indígena, dos saberes e significados, o papel das mulheres na confecção destes objetos é de suma importância, embora alguns objetos possam apenas ser confeccionados por homens, exemplo: o chapéu do menino do rancho e o próprio rancho, construção exclusiva para a cerimonia, que apesar de ser uma espécie de casa, mas trata-se de uma atividade exclusiva dos homens e que em hipótese alguma deve passar pelas mãos das mulheres. O fato de mulheres não poder confeccionar e utilizar determinados objetos, bem como não executarem determinados serviços a não ser em extrema necessidade, na nossa cultura não significa exclusão de gênero e sim tradição deixada há séculos pelos nossos antepassados em simbologia aos espíritos sagrados. No mais, a minha convivência e observação das mulheres que de uma maneira geral para um melhor entendimento para quem não as conhece, vou chama-las aqui de artesãs. Digo para um melhor entendimento, porque a palavra artesã não era utilizada a mais de uma década atrás. No entanto, devido à habilidade artística e por essas mulheres conduzirem essas atividades também para a venda, o que na maioria das vezes se tornava como única fonte de renda, nos dias de hoje já é usado o termo artesã. Mas a referencia que torna essas mulheres respeitadas nas aldeias é poder confeccionar objetos de uso exclusivo para as cerimonias e rituais sagrados, por exemplo, os pratos de barro, as cintas para os meninos que vão para o rancho, entre outros. Nesse sentido, 17 essas habilidades são consideradas dom, devido à relação com o sagrado, sendo que a partir do uso aqueles objetos serão sagrados também devendo ser tocados apenas nas ocasiões específicas. Pela história da relação de contato com a colonização e consequentemente a catequização pela religião católica, outros elementos culturais vão fazendo parte dessa composição. Estou chamando de “outros elementos”, diferentes formas presentes na aldeia em termos de manifestações Cristãs. Entre elas estão em principio o ensinamento do catecismo, pois na aceitação da integração de pessoas não indígenas na aldeia, uma condição por parte dos governos na época era poder ensinar o catecismo. E foi dessa forma, em meios no século XVIII que também aconteceram casamentos inter étnicos, principalmente entre negros e indígenas, contribuindo também com as misturas. E dada à importância ao catolicismo por seus princípios, práticas e suas rezas, por isso influenciavam na mudança de comportamento e costumes das pessoas. Assim ligada a esses conceitos vem práticas acompanhadas com seus valores relativos à: missas, casamentos, batizados, devoção e guarda dos santos e das santas, a penitência de homens e de mulheres. A guarda dos santos e das santas acontece em determinados meses a eles dedicados. Trata-se de um ajuntamento de pessoas que diariamente, geralmente no horário noturno rezam terços ou rosários e continuam durante toda a noite rezando benditos cantados. Nesse caso, o destaque é dado a quem conduz o grupo no sentido de maior conhecimento a cerca das rezas, bem como seus repertórios. As formas como os ensinamentos cristãos chegaram e se fixaram na aldeia, não se trata de uma característica única, pois tem peculiaridades e contextos diferentes. Agora neste parágrafo, faço menção às mulheres chefes da penitencia das mulheres, bem como demais mulheres que formam esse grupo social específico. E considerando que também há homens chefes da penitencia, nesse caso a dos homens. Mas é sobre a “penitência”, em especial das mulheres, a qual eu conheci e convivi quando criança e jovem que estou falando. A penitência é uma atividade realizada em alguns municípios do Nordeste, por um grupo de mulheres que se vestem de branco com vestidos, saias, blusas de manga comprida e lenços na cabeça, o que se entende por “roupas compostas”. Encontram-se nas igrejas de suas localidades nos períodos dedicados aos santos. Mas também fazem 18 suas rezas, benditos cantados e rosários nas casas de quem as convidam, nos cruzeiros, nas capelas, em lugares como em serras e outros locais que há séculos estão determinados. Nesse sentido, diferente das missas porque se trata de um ritual que é conduzido por uma mulher chamada de chefe da penitência ou “curiã” (já o chefe da penitência dos homens é chamado de “curião”), pelo seu entendimento maior, mas, sobretudo pelo respeito atribuído a ela e por sua forma de conduzir e organizar o grupo. A organização de pessoas para ida as romarias, como por exemplo, a Juazeiro do Norte no Ceará e Santa Brígida na Bahia, bem como em outras cidades, sendo que para essas outras cidades com menor frequência. Já em relação aos homens penitentes, trata-se de uma sociedade secreta, que embora façam as mesmas atividades que as mulheres, pela minha cultura, nenhuma de nós pode vê ou mesmo sabendo não pode falar sobre eles. Então, existem registros sobre os penitentes, mesmo assim sigo os ensinamentos sobre respeitar o que é proibido falar. Embora uma inserção negativa para a nossa cultura, mais recentemente, em destaque na última década a religião evangélica tenha se instalado também nas aldeias, chegado de uma forma avassaladora em nosso território, ferindo os ensinamentos de nossos antepassados, pois desacreditam nas nossas crenças e usam de discriminação com nosso povo. E nossas mulheres fazem parte também desse contexto, na condução de uma deseducação em suas famílias e no coletivo da comunidade. Esses meus relatos fazem parte de uma característica importante na cultura dos povos indígenas: a tradição oral. Então, através da oralidade e a arte de contar e ouvir histórias são de fundamental importância para a compreensão de nossa história e identidade. As histórias dos nossos antepassados, bem como suas maneiras de ver o mundo conduz a trajetória do povo. E as narrativas míticas são pontos que fortalecem a identidade dos povos. Por isso no decorrer desta contextualização,vamos fazer referencia a ações diferentes onde aparece a presença diferente de cada uma dessas mulheres, fator que parece estamos falando de uma mesma situação. Então, vamos buscar contextos históricos que embora pelo vocabulário semelhante utilizado, e até pelas atividades realizadas, se façam semelhantes. 19 Neste sentido estou falando de curandeiras e benzedeiras, que aqui procuro fazer menção a ação, que devido às rezas e invocações aos santos da igreja católica, é importante fazer menção a estes ensinamentos no sentido de dar ciência ao destaque e o respeito que tem essas mulheres nas aldeias e as vezes procuradas por pessoas não indígenas. No sentido vocabular e de práticas incluídas, curandeiras na tradição indígena do meu povo é chamada “curadeira”, ou seja, aquela que cura com auxilio de espíritos sagrados indígenas ou não indígenas. No caso de práticas não indígenas, os procedimentos são acompanhados de rezas bem como de espíritos sagrados da igreja católica, chamados de guias de luz. Já as benzedeiras apenas rezam com o ramo, de quebrante, olhado e dores diversas. No entanto há pessoas que congregam em si as duas características. Em relação ao que estou chamando de ensinamentos da igreja católica, nesse momento tem um caráter diferente, pois são práticas feitas por essas mulheres, que são conduzidas de benditos, orações, curas e rezas. Caráter diferente, porque não estou falando de leitura bíblica, aliás, nunca as ouvi dentro desses processos que cito aqui, até porque aquelas mulheres nem eram alfabetizadas. Portanto, leitura bíblica naquela época, apenas nas missas. E sobre as missas, quando aconteciam na aldeia (e ainda acontecem), já com o processo de catequização, as cantoras da missa já eram jovens mulheres indígenas e algumas de mais idade, que selecionadas a partir de suas vozes “bonitas” ou que “catavam bem”, claro, se faziam destacar pela presença e atuação naquele espaço público, em especial. Atuação esta, que se estendiam as novenas realizadas em intenção dos santos e das santas da igreja católica. Os estudos, pesquisas e realização de oficinas sobre parteiras tradicionais através de projetos de várias instituições, tem visualizado o Povo Pankararu como um dos importantes campos de pesquisa em Pernambuco. Devido que, na atualidade, o meu povo é considerado um dos que possuem por tradição o costume e a valorização ao parto feito por parteiras do lugar, hoje chamadas de tradicionais. Nesse sentido, se dar o fato de termos na história famosos nomes de parteiras, lembrados e seguidos como exemplo até os dias de hoje. De um lado, nos reporta a um contexto onde não havia acesso a médico e hospitais. O que faria para que essa tradição continuasse até os dias de hoje, uma vez que o nosso 20 acesso a bens da modernidade é maior? Então! Não estou falando apenas de mulheres que fazem partos em casa. Mas, sobretudo de mulheres que trazem consigo uma boa parte dos saberes diversos que cito acima. Por isso inspiram confiança, pela ligação de fé e a relação com o sagrado que possuímos. A atividade das parteiras é de fundamental importância não apenas na hora do parto, mas também no cuidado da criança e na participação da educação destas. De forma que são chamadas por essas crianças de mãe, ou seja, aquela que também as trouxe ao mundo. E assim essas mães fazem parte tanto da história de vida das crianças como também da aldeia, uma vez que seus nomes atravessam juntamente com as historias orais. A razão de escrever sobre parteiras também nesse capítulo, se faz necessário por estas fazerem parte do universo do meu convívio e das histórias que ouvimos sobre elas, bem como a forma como são tratadas nas aldeias. Um repertório com nomes que se tornaram inesquecíveis em cada geração que vai chegando. As “Mães de família” de quem tanto ouvir referência no falar das pessoas de minha aldeia, uma expressão dita com muita força, carregada de muitas subjetividades. Para mim se refere a duas categorias distintas no que diz respeito as suas formas de vivencias. No entanto, ambas as mulheres são matriarcas na forma que conduzem suas famílias, de criarem e educarem seus filhos/as e netos/as, também na intervenção na vida de sobrinhos/as e até outras crianças. Ao usar a palavra matriarcas, de imediato subentende que esta posição estaria após a figura masculina, que nesse contexto não seria substituída por patriarca. Pois em um primeiro significado, faço referencia a mãe enquanto esposa de alguém, ou avó em determinada família, responsável pela boa condução da casa e da educação. Uma figura que era vista com maior respeito pela comunidade. Enquanto no segundo significado faço referência a mulheres que ao não “ter” esposo, assume a responsabilidade principalmente do sustento da casa e da família. Daí no decorrer dos anos, formas de tratamento, respeito e menção social também são distintas, porém mulheres importantes, mesmo que em uma situação de espaço privado em relação ao público. 21 Portanto, ao afirmar pertencer a uma sociedade que também possui aspecto matriarcal, nos remete a um sentido positivo para a expressão, porem diverso. Mas também faz relação ao termo patriarcal que no decorrer da história configura um sentido negativo também. Desta vez por toda a construção cultural, que nos remete ás mazelas deixada pelo contato violento do colonizador com os Povos Indígenas no Brasil, do qual decorre o machismo. Em decorrência do destaque ao sentido matriarcal me vem à mente outro grupo de mulheres, um dos que mais me chamam atenção pelo conjunto de histórias e atitudes preconceituosas a elas atribuídas. Por isso não menos importante a meu ver, mas por ter sido um grupo de mulheres que não lideranças, mas que de certa forma também exercem poder. No entanto, a ênfase como ouvir falar da minha infância até na atualidade e sempre com uma carga enorme de preconceito e separação. Baseado na opção ou a que caminhos suas sexualidades as levaram, as chamadas mulheres “erradas”, que não casadas conforme os preceitos da sociedade. Assim, passam a constituir um grupo considerado diferente, vivenciam preconceitos que atingem desde a maneira de serem tratadas até o tratamento com seus filhos que são outras vidas, quando não diretamente, mas que subjetivamente implica em todos os espaços que ocupam. Quando eu era criança, ouvir histórias de mulheres que cobriam o rosto para não olhar para as mulheres chamadas de erradas, bem como não as dirigiam a palavra ou não deixavam suas crianças brincarem com as crianças daquelas mulheres. E depois quando essas crianças se tornavam jovens, seus casamentos eram questionados devido serem filhos e filhas de quem eram. Esses são poucos dos exemplos bizarros em relação a muitos outros que se arrastam a mais de quarenta anos depois. Então, onde encontrei a figura emblemática nessa questão, primeiro por chamarem atenção da população com suas visões pejorativas e de certa forma liderarem os homens que mesmo clandestinamente as respeitavam. Mas que também em meio às ações de violência, conseguiam se sobressaírem diante das tensões do cotidiano e que no decorrer de suas vidas, seus saberes eram válidos como aconselhamentos e defesa no debate das vivencias. Então quatro décadas em que a forma das pessoas falarem não mudou e que meus estudos antropológicos me ajudaram a compreender do ponto de vista da construção 22 cultural que esse pensar coletivo se perpetua influenciando na maneira do tratamento dispensados ás chamadas mulheres erradas de todas as faixas etárias, nos diferentes espaços. No entanto, essa relação de separação social nunca foi empecilho para deterem os saberes tradicionais quando escolhidas pelos espíritos sagrados, no contexto da realização e participação nos rituais, desde que seguissem as regras da tradição Pankararu, como todos seguiam e devemseguir. O que me leva a inserir um entendimento que conforme CEGATO (2012): E, por outro, que quando essa colonial / modernidade intrude o gênero da aldeia, modifica-o perigosamente. Intervém na estrutura de relações da aldeia, apreende-as e as reorganiza a partir de dentro, mantendo a aparência de continuidade mas transformando os sentidos, ao introduzir uma ordem agora regida por normas diferentes. É por isso que falo, no subtítulo, de verossimilhança: as nomenclaturas permanecem, mas são reinterpretadas à luz de uma nova ordem moderna. (p. 118) Então, os preceitos dos elementos da colonização, na vida das pessoas bem como em outras situações, mudando a ordem das aldeias com seus argumentos de controle para os corpos das mulheres. E dessa forma acontece à hierarquia de valores, criando prestígios entre as pessoas conforme a condução de suas vidas viesse a atender os propósitos do discurso de igualdade moral. O viés de proteção também nos remete a ideia de matriarcado, então venho fazer referencia as famílias Pankararu em São Paulo, cidade que no Brasil agrega a maior quantidade de indígenas Pankararu organizados fora da aldeia. A partir da década de 1940, quando os primeiros Pankararu fugindo das secas migraram em caminhões chamados “Paus de Arara” em busca de trabalho, na maioria das vezes trabalhavam na construção civil. Ao se instalarem lá, buscaram suas famílias, mas também parentes em busca dos mesmos objetivos. Conforme ATHIAS, 2007, p. 35. A insuficiência de terra tem estimulado ainda a emigração de índios Pankararu para cidades como São Paulo, já existindo nessa cidade um núcleo residindo em uma favela. Informações de lideranças em 1999 informavam a existência, já naquela época, de 800 a mil pessoas 23 morando na favela Real Parque Morumbi, aonde viviam em precárias condições (Veiga, Santos & Resende 2000). Em meio a esses parentes e famílias foram às mulheres, que quando esposas deram continuidade aos ensinamentos da aldeia aos seus filhos. E as demais mulheres jovens e solteiras trabalhavam como domésticas para mandar dinheiro para suas famílias no “norte”, expressão utilizada para se referir à terra natal. No entanto para não esquecer seus costumes na aldeia e dar continuidade aos costumes, usos e tradição, se encontravam nos finais de semanas. Mas também devido residirem próximo, a partir de seus encontros surgiram às reuniões para formarem uma organização formal e buscarem direitos coletivos destinados às populações indígenas. Em busca de seu reconhecimento étnico por parte do poder público, em especial o item Associação, passou a fazer parte do cotidiano daquele grupo que na sua forma de manutenção estava em prol dos Pankararu que ali habitavam e habitam. A forma de execução de ações da associação sempre demandou da participação de mulheres, na presidência ou não. E dali para outros contextos de dimensões municipal, estadual e nacional. O Posto da FUNAI tem uma influencia que julgo importante nas minhas observações, pois me vem a memoria a participação de mulheres (embora poucas) nas reuniões e mobilizações. Ali era o ponto de partida para a instituição de poder maior, a superintendência em Recife e a presidência em Brasília. E exatamente em 1985, conheço a sede da FUNAI Recife, que na época era uma superintendência, de caráter regional, pois atendia as demandas dos demais Estados do Nordeste com populações indígenas. E naquele contexto, já com o nome de lideranças Pankararu, pessoas que se envolviam nos encaminhamentos resoluções dessas questões se destacariam no futuro na história não apenas das mulheres, mas do povo. E consequentemente essas demandas institucionais seriam alargadas para dimensões de naturezas governamentais e outras. Até o final dos anos 1990 a FUNAI que naquela ocasião estava no Ministério da Justiça, ainda intermediava a resolução de todas as questões relativas aos povos indígenas: sobre a terra que continuou por total até o final de 2018, a saúde que estava em 1998 passando para o Ministério da Saúde e a educação que embora já nos municípios, mas que de 24 1999 a 2002 passara por um processo para a estadualização das escolas em especial Pernambuco. O que me vem à memória agora é a influencia e participação ativa que algumas mulheres do meu povo tinham nos movimentos/e atividades coletivas pela institucionalização das políticas públicas para saúde e a educação escolar indígena, embora em relação à questão da terra houvesse e haja uma complexidade de luta maior. A importância dessas poucas mulheres presentes é que gradativamente esse quantitativo vai aumentando. Então, esse conjunto de vivencias me conduz a refletir para que a minha produção caminhe a partir de conexões dessas experiências. O Povo Pankararu tem um histórico de lideranças mulheres de bastante destaque em todos os campos. Desde a atuação com os saberes tradicionais e organização social, de cunho interno, até outros campos diversos e políticos como a participação de estâncias municipais, estaduais e nacionais, bem como a atuação no movimento indígena no que diz respeito á questões como educação, saúde e outras questões que acontecem em espaços externos. Então, por ser uma temática que para o movimento indígena é a mais importante no sentido de que “a luta pela terra é a mãe de todas as lutas”. Então na história Pankararu, na luta pela terra não seria diferente. E a participação das mulheres sempre foi efetiva desde a década de 1930. Por exemplo, na Constituinte de 1988, a exemplo de Quitéria Binga Pankararu, que também lutou juntamente com outras lideranças pela regulamentação do território e também foi vitima de ameaças, mas faleceu em sua cama, e sua história é um grande exemplo e legado de lutas e conquistas do povo. Ainda na atualidade, nossas lideranças mulheres estão ameaçadas, por isso sob a proteção dos defensores dos direitos humanos. Isso porque, a luta pela terra por parte das mulheres começa em principio pelo zelo a terra como mãe de todos os seres humanos e não humanos, arvores, vegetais e minerais. O zelo e a proteção por esta terra é que garante a nossa sustentabilidade física, cultural e espiritual. O território sagrado, morada dos nossos ancestrais, local dos espaços e rituais sagrados. Então nossas mulheres tem uma identidade com a terra, com a narrativa mítica. Daí a participação tão expressiva das mulheres em todos os contextos sociais em Pankararu e para além do território Pankararu. 25 Finalmente a minha experiência como participante deste universo de mulheres emblemáticas, começando pelo território sagrado do meu povo, e de forma institucional passando pela COPIPE que a partir da luta por uma educação escolar indígena que fortaleça a identidade do povo, me leva ao movimento indígena maior, em especial aos espaços públicos que discutem sobre gênero e de maneira bem peculiar, a APOINME. Com a necessidade de aprofundar o meu entendimento sobre as desigualdades de gênero nos territórios indígenas, a partir da minha participação em outros movimentos de mulheres, mas também junto às organizações de mulheres indígenas, busquei estudar no contexto da Academia, passando por um curso de especialização em politicas publicas sobre gênero promovido pela Secretaria da Mulher de Pernambuco e UFPE e também no Mestrado em Antropologia. A nossa observação participante se dar pela vivencia nas aldeias, no acompanhamento do movimento indígena sobre as diversas atividades e discutindo as mais variadas questões. Então, estando presente nesse universo que buscamos responder as nossas perguntas, de que forma se dá o envolvimento dessas mulheres e como corresponde as suas posições de destaque. Dessa forma, compreender onde se dá a equidade de gênero entre lideranças indígenas em Pernambuco e também conhecer os espaços de poder dentro e fora das aldeias. Conforme ANGROSINO,2009: Malinowski e Boas eram fortes defensores da pesquisa de campo e ambos defendiam aquilo que veio a ser conhecido como observação participante, um modo de pesquisar que coloca o pesquisador no meio da comunidade que ele está estudando. (p.17) Ao considerar o que ANGROSINO chama de etnometodologia, para constituir esse trabalho, busco na minha relação com a educação indígena enquanto sinônimo de aprendizagem, inspiração na história de luta das grandes líderes mulheres, em principio com base na narrativa mítica subjetiva, a qual considera os seres espirituais femininos também. Para esta construção, proponho recorrer ao método qualitativo descritivo, através de pesquisa de campo e análise de referências bibliográficas. Com fundamentação teórica em PAREDES e SEGATO, entre outras. Essa introdução que estou denominando “Do Tronco Velho aos estudos feministas”, capítulo este onde relato sobre experiências e mulheres que inspiram minhas pesquisas. De forma que continuarei esse texto onde no capítulo II proponho tratar sobre os 26 desafios das mulheres indígenas em ocupar os espaços coletivos em Pernambuco, onde a partir de observações de atividades ondem estão presentes mulheres líderes de todos os povos, subdivido em espaços que tratam da educação, da saúde, da terra e das organizações. No capitulo III ao tratar da APOINME enquanto campo de análise, traremos reflexões em relação ao contexto histórico, a área de atuação e a criação do departamento de mulheres indígenas. E para finalizar no capítulo IV: teorizando sobre feminismo comunitário em interface com o feminismo indígena no Brasil, onde trataremos sobre feminismo comunitário, Historiando sobre organização de mulheres indígenas: do Brasil a Pernambuco e para concluir conceituando Feminismo Indígena. CAPÍTULO II – OS DESAFIOS DAS MULHERES INDÍGENAS EM OCUPAR OS ESPAÇOS COLETIVOS EM PERNAMBUCO II.I A construção de uma identidade. A atuação de lideranças mulheres indígenas em Pernambuco se dar em espaços públicos nas aldeias, tanto no que se refere à cultura de seus povos quanto em assuntos ligados às instituições que promovem serviços ligados a politica pública em prol das pessoas pertencentes às respectivas etnias. De forma que podemos dividir em duas categorias, mas que nem sempre estão dissociadas. A convergência de atuação dessas personalidades em primeiro plano essas pessoas são chamadas de lideranças tradicionais, porque conduzem a organização do grupo enquanto afirmação étnica e consequentemente a questões ligadas a regularização de seus territórios. Em outro plano se dedicam as ações da politica pública como saúde e educação. Conforme RAMOS, 2015, pp.26: O movimento de mulheres indígenas em Pernambuco é uma experiência construída a partir do cotidiano das aldeias, na participação de atividades coletivas internas e de um caminhar para o contexto geral da luta por direitos coletivos. É assim que há uma chamada dos nossos ancestrais aqui na terra, para que essa força seja levantada em forma de movimento de mulheres indígenas (RAMOS, 2015 p. 26). 27 Apesar de haver um intenso movimento interno, mas em relação à mobilização em formato de organização, a presença de instituições governamentais como a FUNAI e SESAI e organizações da sociedade civil, nesse contexto indigenista como o CIMI e o Centro de Cultura Luiz Freire, demandam de uma participação importante na assessoria do movimento indígena no sentido de está junto na composição de reflexões feitas pelas organizações indígenas como a COPIPE e a APOINME. De forma que as qualificações as quais atribuímos à formação politica conduzem essas lideranças a representar suas organizações nos espaços nacionais, já preparadas em falar em nome das mulheres, por exemplo, nos encontros ou oficinas para mulheres indígenas. Mas também em espaços mistos, de caráter específico como nos fóruns de educação ou saúde. Assim, sendo as aldeias como ponto de partida que dimensiona a construção dessas personalidades, a relação de convivência com pessoas mais velhas, bem como o envolvimento nos movimentos internos, são estruturas que norteiam essa trajetória. Para além da vivencia, sobretudo se constitui indiretamente em formação, uma relação de aprendizado ao apreender os saberes, passados através das pessoas sábias nos povos. O que neste sentido requer fazer menções aos diferentes espaços de representatividade em que diferentes mulheres atuam. Mas buscando na história, a partir da memória de nossas interlocutoras até a atualidade. Nesse sentido, vamos traçando uma caminhada aos espaços onde estas mulheres estão partícipes e como suas atitudes marcam suas presenças, desta forma traduzindo através de um contexto momentâneo o histórico de diversas formas organizativas em nível de Estado de Pernambuco ou relacionado a este. O que SACCHI (pp. 99) sinaliza para “níveis distintos de participação”: Esse processo organizacional, portanto, é dinâmico e tem sido resultado dos impactos promovidos pela ação do Estado e das sociedades não indígenas, além das condições individuais e sociais das próprias indígenas. (2003, pp.99) A esse respeito, mapeamos atividades cotidianas nas aldeias e blocos de eventos com temáticas comuns, que ocorrem em contextos que envolvem participantes de todos os povos em Pernambuco. E desta forma, ao tratarmos dos mais diversos contextos, 28 podemos atribuir a um formato único de relação: o elo que liga todos esses contextos (que trataremos no próximo capitulo) com a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espirito Santo (APOINME) enquanto organização indígena regional que congrega o coletivo de organizações de base na sua área de abrangência. Cada Unidade da Federação componente da APOINME é denominada de Micro Região, as quais são representadas dentro da organização por chamados/as de coordenadores/as de Micro (estaduais). Já em relação ao Departamento de Mulheres Indígenas (DMI), dada a pouca visibilidade das questões das mulheres dentro do movimento indígena, em alguns Estados há a figura da representação das mulheres nas Micro região, uma espécie de ponto focal, que ora é chamada de representante no Estado de origem. Então, faremos menção de como e que quantitativo aproximado tem a participação de mulheres no que tange ao nosso campo de observação. Pois, o conjunto das questões que abrange a luta pelos direitos constitucionais das populações indígenas consiste enquanto missão da APOINME. Dessa forma, focamos as lideranças femininas nos movimentos de luta pela terra, educação escolar, saúde e subsistência que consistem em um debate maior dado a relevância na vida das pessoas bem como se dá a execução desses serviços pelo poder público. Mas, não menos importantes, vamos aqui pontuar outras instituições de caráter e mistos, pois atendem homens e mulheres, mas coletivos porque se destinam a uma população que inclui índios e não índios. Nesses espaços as mulheres se destacam na defesa da presença indígena na busca de seus direitos e no reconhecimento de suas diferenças. A especificidade dessas organizações é poderem está ligadas as bases como as organizações de jovens e mulheres, bem como as associações comunitárias. Mas podem ultrapassar as fronteiras das aldeias e estarem compondo Conselhos Municipais e estaduais de varias naturezas. Para MACHADO, (p.30). Neste sentido, a luta das mulheres indígenas, ou a participação de mulheres na luta dos seus povos recebeu incremento com os espaços conquistados nas instâncias de direção das organizações indígenas e na formalização de conselhos e organizações próprias das mulheres. 29 O que julgamos importante é buscarmos aportes históricos nessas trajetórias, que mesmo diversas, mas trazem elementos, detalhes ou fatores que contribuem com a visibilidade dessas identidades. São registrosque pontuam atividades coletivas institucionais relativas aos anos de 2017 e 2018, tempo específico da nossa pesquisa ou a tempos que historicamente se relacionam a este período. II.II DOS ESPAÇOS QUE TRATAM DE EDUCAÇÃO ESCOLAR Em Pernambuco, falar sobre o inicio da organização de mulheres indígenas é sem sombra de duvidas recorrer a histórias de lideranças femininas a frente de uma das maiores organizações indígenas no Estado, a COPIPE. É pontuar sobre a sua influencia na ampliação de outros campos coletivos do movimento indígena, por exemplo, as organizações de mulheres. Embora o protagonismo das mulheres lideranças seja secular, e que inspiram a essa nova geração pós anos 1990, mas a partir de um marco temporal relativo a uma nova retomada das discussões sobre educação escolar indígena, novas reflexões são fortalecidas diante de alguns dilemas nos lares das professoras que representavam seus povos no movimento de educação escolar. As lideranças femininas a frente deste movimento foram sendo constituídas no decorrer de uma luta a cerca do direito relacionado à instituição escola presente nos territórios indígenas e aos elementos objetivos e subjetivos a ela relacionados. Neste caso, dada à visibilidade neste papel de influencias, e consequentemente está em um espaço de poder, devido a sua função social própria, mas também pelas relações que a partir dali são tecidas. Embora anterior ao ano de 1999, já viesse acontecendo uma mobilização por parte das lideranças indígenas, no sentido de refletir sobre “a escola que tínhamos e a escola que queríamos”, trazendo a tona, a necessidade gritante de uma escola que fortalecesse e valorizasse a cultura daqueles grupos, mas principalmente estivesse em prol de um projeto societário e de futuro. Esta mobilização é intensificada no ano de 1999 em especial, por força da legislação vigente que naquele contexto contemplava os ideais do movimento indígena e indigenista. Sobretudo pela necessidade que demandava os povos indígenas. 30 Nesse sentido, ao fazermos menção ao protagonismo das mulheres, poderia se pensar que naquele contexto, em Pernambuco em quantitativo, pois o número de mulheres professoras era maior. Mas em relação ao caso dos povos indígenas, havia uma característica diferente nessas profissionais, que diz respeito ao perfil. E atender esse perfil é exatamente para além do espaço escolar está para as lutas coletivas dos seus povos. Trata-se da relação de convivência com os demais membros da comunidade no que tange ao projeto societário, uma educação escolar que esteja articulada com a vida nas aldeias. Quando tratamos de questões referentes à educação escolar indígena, consequentemente vamos trazer o protagonismo das mulheres na estruturação da COPIPE enquanto organização indígena de âmbito estadual. A Comissão de Professores/as Indígenas em Pernambuco (COPIPE) desde a sua criação no ano 2000 é composta pela representação de duas professoras/es e uma liderança de cada um dos 11 povos que a compõe: Xukuru, Kapinawá, Tuxá, Pipipã, Kambiwá, Pankararu, Entre Serras Pankararu, Pankaiucá, Atikum, Pankará e Truká. A esse respeito, MENDONÇA, (pp.141, 2016). A Copipe é a primeira organização do movimento indígena na região formada majoritariamente por mulheres e liderada por elas. Assume a responsabilidade de investir no exame crítico da história da educação escolar indígena e propor ações de ruptura ao modelo de escola que negou a alteridade, o ser e o saber dos povos. Mais uma vez abriram o leque das alianças políticas e articulam um projeto coletivo envolvendo o Centro de Cultura Luiz Freire como assessor político do movimento. Estava desencadeado o projeto de escola para “formar guerreiros e guerreiras”. (2016, pp141) Essa participação mais efetiva de mulheres no campo da educação escolar indígena, em todos os povos e ao mesmo tempo, não se resume apenas aos muros dos prédios escolares, nem tão pouco a ações meramente pedagógicas. Mas alcança uma dimensão social muito intensa e de caráter crescente à medida que se interlaça a outras temáticas, a outros sujeitos internos e externos. Ou seja, perpassa o que comumente se trata a instancia escolar nas demais sociedades não indígenas. Para MENDOÇA, (2016, p. 139): 31 A discussão ampliada entre os povos indígenas em Pernambuco sobre o direito à educação escolar indígena foi potencializada a partir do ano de 1999. O marco deste levante é o surgimento do movimento de professoras/es indígenas coordenado pela Comissão de Professores/as Indígenas em Pernambuco (Copipe). No sentido de buscar os direitos a uma educação que responda aos anseios dos povos, traremos aqui relatos sobre momentos em que essas lideranças estão em atuação, ao mesmo tempo em que buscamos dar destaque a presença das mulheres e como suas atuações correspondem a perfis a elas atribuídos. Sobre a nossa observação na V Conferencia Estadual de Educação de Escolar Indígena, evento que se deu por promoção do Governo de Pernambuco, por meio da Secretaria Estadual de Educação (SEE), promovido nos dias 06, 07 e 08 de novembro de 2017. Denominada como “V Conferência Estadual de Educação Escolar Indígena”, realizada no município de Gravatá no Agreste do Estado. Com a presença de 11 povos indígenas pernambucanos, quando o objetivo do encontro foi consolidar as reivindicações dos povos para a melhoria da educação escolar indígena. Em relação ao período de realização da conferencia, vamos trazer também informações relacionadas há tempos que a antecede, uma vez que apesar da promoção do Governo do Estado, mas que varias reuniões aconteceu por parte da organização indígena COPIPE (Comissão de Professores/as indígenas em Pernambuco) no sentido de planejar e organizar a logística humana, bem como que temáticas se faziam coerentes a serem pautadas no âmbito daquela atividade com caráter de atender as demandas. Para chegar a um panorama geral, não basta apenas definir quem vai participar do evento, cujo formato e logística é considerado de médio porte, considerando o quantitativo de participantes. Nem tão pouco antecipar ou conhecer a programação, pois seriam apenas informações. Mas se requer uma postura e perfil de atitudes dos participantes, que nessas circunstancias organizativas vamos atribuir a habilidade na condução pelas mulheres coordenadoras de educação, estejam elas na coordenação geral ou pedagógica. Nesse caso, não seria só devido ao seu cargo, mas pelo seu perfil de liderança em conduzir as reflexões de cunho profissional, mas também relativas à espiritualidade que circula essas situações. 32 Quando citamos o fator espiritualidade, queremos dizer que internamente nas aldeias há uma consulta ao/aos líderes espirituais, até mesmo no sentido de pedir a benção as/aos mesmas/os, ora para uma viagem tranquila, ora por estarem diante de atividades que demandem tomadas de decisão, entre outras coisas. Para os Povos Indígenas em Pernambuco é comum começar seus encontros/assembleias com um ritual sagrado, nesta ocasião com a participação de todos os povos presentes, onde cada um apresenta o seu ritual próprio que aqui vamos citar em especial as “linhas de toré”, uma vez que esses cantos são específicos da cultura de quem os fazem. Apesar das diferenças entre cada povo, buscamos em ARCANJO, (2007, p. 68) uma explicação que se aproxima de um entendimento geral: As performances do Toré trazem, imbricados, os elementos diferenciadores da identidade étnica, informações quanto a reelaboração da cultura, a relação com o passado e é a linguagem que comunica a existência de uma unidade social possuidora de seus mecanismos de controle. Os diferentes estudos etnográficos sobre as performances do Toré enquanto um fenômeno comum à maioria dos povos indígenas no Nordeste, a têm registrado com uma terminologia “nativa” muito variada, como: “brincadeirade índios”, “brincadeiras de caboclo”, “ritual”, “costume dos índios”, “pisada de caboclo”; “toante”, “idioma”, “particular”, “Aricuri”, “Ouricuri”, “folguedo dos índios”, “cienciazinha”, “religião” e como uma “missa”. [...] Em respeito às crenças e o que é sagrado para cada um dos povos presentes, é parte da pauta iniciar ou abrir os trabalhos com o ritual envolvendo o toré, que mesmo havendo diferenças na forma de execução e apresentação de cada povo, devido os laços de amizade e contato de outros encontros entre os povos, é opção dos presentes de cada grupo participa ou não deste momento. Então, no espaço onde estará acontecendo o encontro, um grupo de pessoas se dirigem bem à frente, enquanto as demais ficam de pé (em sinal de respeito) acompanhando a cerimônia. Geralmente as pessoas que estão à frente são caciques, pajés e outras lideranças tradicionais que costumam atuar em âmbito escolar, ou apenas acompanhar o grupo do seu povo no sentido de fortalecer, uma vez que estão presente no conjunto de lutas por direitos. 33 Ficar de pé não é apenas sinal de respeito ou educação, uma vez que ficar sentado/a significa ou que está doente ou dando pouca importância ao momento, já que está acomodado/a de forma a não dá tanta importância. Mas essa atitude considerada de desrespeito não acontece uma vez que sobre tudo estão conduzidos/as por uma concentração a fim de trazer energias positivas no sentido de fortalecer a espiritualidade do grupo, para que ocorra tudo em paz e com resultados satisfatórios para todos/as. Nesse momento em especial, o grupo que está à frente com o ritual é composto por aproximadamente cinquenta pessoas e destas, de quinze a vinte são mulheres, onde em proporção bem menor, mas que também são caciques, pajés e lideranças. Portanto, mesmo que estejam em número menor também assumem a parte ritualística do seu povo, como por exemplo, o Povo Tuxá, cujo histórico de tradição matriarcal, principalmente na questão da cultura daquele povo, conforme a jovem pajé Aline em relação ao papel de liderança que afirma “ser uma indicação da natureza sagrada, bem como o inicio da organização social do seu povo, ter sido conduzido por mulheres”. Conforme RAMOS, pp. 23, 2015: A vivência nas aldeias trás a figura das grandes mulheres líderes como algo que a natureza apresenta ao mundo. Por isso, podemos destacar que seu relacionamento com os demais membros da comunidade a qual pertencem são de vários cunhos. Um primeiro e de importância singular é que trazem consigo um dom natural, ou seja, tem uma habilidade de conduzir seu povo nas diversas situações cotidianas. Tornam-se líderes comunitárias, adquire o respeito de homens e mulheres, o que nesse sentido estão sempre participando de questões diversas. (2015) Para este momento não há distinção ou separação, se homem ou mulher está puxando o ritual. É um momento de está conduzindo um coletivo, representando um povo, irmanado com outros povos. São pessoas que incorporam e/ou evocam o sagrado. Também não há distinção se jovens ou se pessoas de mais idade estão na condução, se trata de uma relação de pessoas com a fé. Pois nessa ocasião, lideranças religiosas são pessoas dotadas de determinações divinas, escolhidas pela mãe natureza, portanto guardiãs e detentores/as dos saberes tradicionais que pode ser homens e mulheres, jovens e mais velhos/as. 34 Sobre pessoas mais velhas, lideranças ou com status de, pois são consideradas sábias dentro das aldeias, conselheiras e orientadoras, seja da família a qual pertence ou demais pertencentes ao grupo. São vistas como bibliotecas vivas, então, mesmo não sendo funcionários da instituição promotora do encontro, mas a elas são garantidas vagas enquanto partícipes. No entanto, nesses rituais, onde cantos são predominantes, poderá acontecer que esses cantos possam ser acompanhados de danças, que serão guiadas pelo grupo titular do ritual em curso, (chama-se ritual a ação coletiva, mas também as específicas) que pode ser seguida pelos demais presentes. De forma que a dança do toré, além de um elemento próprio da identidade, cujos movimentos corporais significam também o fortalecimento do grupo e da ocasião. Assim durante o período em que acontece a atividade, os trabalhos do dia são iniciados após a realização do ritual sagrado, ora cantados por todos os povos (um de cada vez), ora por parte dos povos. Porém, todos/as acompanham os cantos, ou ampliando o coro de vozes, ou apenas balançando seus maracás. O encerramento também se dá com o ritual sagrado, para dar graças aos espíritos sagrados pelo sucesso ou pela paz durante os trabalhos. Mas também para pedir um bom retorno para casa, com segurança e tranquilidade. Estamos mencionando o inicio e o final dos trabalhos, mas no decorrer do dia poderá acontecer momentos que vai requerer um desses cantos sagrados, geralmente para acalmar os ânimos, em horas chamadas “pesadas”. E em outros momentos como noites ou apresentações culturais. De forma que aquele grupo ali presente vai está sempre preparado para essas ocasiões. No decorrer da realização destes encontros, bem como em outros, também nos interessa em especial é em que situações acontecem às falas, as intervenções das mulheres, tanto nas participações nas mesas, quanto partindo das plenárias. Então: “De quem é a fala?” “Quem faz as intervenções na maioria das vezes?” “É dada a devida atenção e respostas a essas falas?” A nossa compreensão sobre a legitimidade das abordagens feitas nos debates e os resultados alcançados ao final daquele conjunto de trabalhos, se deu em especial pela experiência nas questões indígenas desde as bases até o diálogo, debate e negociação 35 com entes das instancias governamentais, atribuídas aos objetivos e demandas daquele coletivo de participantes. E nesse contexto buscamos observar de maneira mais peculiar que o acúmulo dessas experiências por parte das mulheres no desenvolvimento das atividades. As ações relativas às questões de educação escolar advêm de planejamentos prévios, sejam nas reuniões internas ou em grandes assembleias, como é o caso dos encontrões, que se constituem como as maiores assembleias indígenas em Pernambuco. Inclusive se dispondo a analisar a conjuntura de outras temáticas contidas na pauta do movimento indígena. No contexto histórico de uma oferta muito deficiente da educação escolar em Terras Indígenas por parte dos municípios, cujo cenário se unia com os conflitos relativos a terra, caos que se instalara junto aos invasores, teria sido um dos motivos que levara a necessidade do chamamento principal a todos os povos indígenas de PE para se unirem e se organizarem, desta vez nos chamados “encontrões” que há vinte anos são realizados nos territórios indígenas. Foi quando em novembro de 1999 na aldeia Pé de Serra, Território Xukuru, município de Pesqueira, PE foi realizado o histórico “Primeiro Encontrão”. O que naquele momento se configurou em clima de um chamado para organização dos povos a partir do seu professorado e lideranças indígenas, que diante de um cenário de negação de direito a uma educação escolar que realmente retratasse o interesse de seus povos. A recém-lançada Resolução 03/99 e o Parecer 14/99, ambos da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, documentos considerados “um divisor de águas” na convivência com o Governo do Estado em relação à reinvindicação de políticas públicas para as escolas indígenas. Uma vez que aquele documento em um de seus artigos apontava para a estadualização daquelas unidades escolares. Ali estava configurado de fato o que seria as Diretrizes para aquela modalidade de ensino. Conforme MEDONÇA, pp. 147, 2016. Os Encontrões produziram outros efeitos importantes na agência das mulheres indígenas: a demonstração da ampla capacidade de mobilização e articulação política. Alémdisso, e na medida em que a articulação dos povos se dava nestas reuniões, as mulheres foram se 36 posicionando como autoridades intelectuais na condução deste movimento e da política estadual. A realização dos Encontrões de Educação Escolar Indígena é considerada uma das maiores assembleias indígenas em Pernambuco. Desta vez dada à dimensão de envolvimento dos povos, desde os seus planejamentos até a participação do maior numero possível de pessoas e suas respectivas comunidades educativas. Neste sentido, além da comunidade do território indígena que recebe o encontrão, vamos contar com mais de mil pessoas vindas dos demais territórios. Assim sendo, um dos aspectos que mais chama atenção é uma atividade desse porte, que já está na trigésima terceira edição, ser realizada do ponto de vista financeiro, totalmente bancado pelos povos indígenas, no entanto sem intervenção de instituições governamentais. A edição que destacamos aqui, a título de observação para esta pesquisa deu-se no Território Xukuru, Aldeia de Cimbres, município de Pesqueira, PE no período de 23 a 26 de novembro de 2017. O dia 23 foi reservado para a chegada das delegações, de forma que principalmente no horário da tarde e a partir daí até a noite vão chegando os povos em veículos de diversos tamanhos, de muitos carros pequenos a vários ônibus. Enfim, a finalidade é que todos e todas sejam acolhidos para participarem com disposição das atividades do dia seguinte. Então, pelo hábito/cultural ritualístico dos encontros que congregam o coletivo de Povos Indígenas em Pernambuco, essa nossa narrativa pode parecer repetitiva, no entanto consideramos trazer aspectos que firmam uma identidade construída de especificidades diferentes (a união/reunião dos povos), quando rompem com costumes não indígenas, por exemplo, as mesas de abertura, de boas vindas ou das autoridades. E começam seus trabalhos trazendo para a “as mesas de abertura” a evocação a seus antepassados, com o ritual sagrado. Desta vez para começar com o ritual, o cacique Marcos Xukuru, anfitrião da casa dá as boas vindas a todos e todas, dizendo que “sintam-se em casa”. Fala em nome do Conselho de lideranças do Povo Xukuru, instancia deliberativa naquele território. E nesse momento mais de mil pessoas entre professores/as e lideranças estão presentes, quando são convocadas lideranças religiosas e caciques para que seja feita a abertura evocando nossos antepassados. 37 Assim as pessoas puxadores de rituais vão se colocando a disposição para puxar o ritual de seu povo. Nesse momento em especial Pankará evoca e saúda os antepassados que tombaram na luta, as águas, as matas e as montanhas. É quando vamos quantificar a participação entre homens e mulheres, vemos que das cem lideranças a frente do ritual sagrado, vinte são mulheres, mesmo que em número menor, com igual espaço de direito e oportunidade em exercer a mesma atividade que os homens. Considerando que dos doze povos de Pernambuco, naquele momento onze estão presentes. Nesse encontro, por ser um quantitativo de pessoas considerável está acontecendo em uma quadra de esporte escolar, que geometricamente falando tem um formato retangular, o conjunto de presentes assumem uma organização oval, mesmo que fiquem pessoas atrás umas das outras, mas o formato oval se aproxima da forma circular que costuma acontecer os rituais sagrados, quer seja apenas com canto e orações ou quando se inclui danças também. No entanto, caciques mulheres estão na linha de frente juntamente com caciques e demais lideranças homens. Nesse sentido, podemos afirmar numericamente que atividade especifica vinte por cento (o que não é uma regra) das lideranças são mulheres a frente do ritual sagrado de abertura. Desta vez quase durante todo o ritual, os cantos foram feitos por homens, e as mulheres ajudaram nos cantos. Dizemos ajudar no sentido de que as vozes enquanto canto, são instrumentos de fortalecimento. Dessa forma, quando cada povo é citado/chamado a puxar seu ritual (canto) os membros da respectiva etnia se mobiliza em forma de movimentar-se se aproximando de sua liderança através da voz, uma vez que todos e todas estão de pé em sinal de respeito, por ser um momento considerado sagrado. Mas logo, uma mulher puxa um ritual, depois outra mulher, e agora uma mulher Xukuru: Dona Zenilda, uma grande liderança dentro do povo Xukuru e também referencia para outros povos, que nesse momento saúda os elementos da natureza, “salve as águas, salve as matas, salve a mãe Terra” e todos presentes respondem “salve”. Mas também vamos poder observar que nessa ação de movimento corporal em que se tenta se aproximar de forma que não atrapalhe a condução da ação, haverá momentos em que poucas pessoas vão também se aproximar. No caso do canto Pankararu, nesse momento, uma ou outra mulher vai se aproximando para fortalecer os homens. Então, 38 traremos para essa ocasião, a compreensão sobre relação de dualidade indígena. A esse respeito, conforme CEGATO (pp. 122): O gênero, assim regulado, constitui no mundo-aldeia uma dualidade hierárquica, na qual ambos os termos que a compõem, apesar de sua desigualdade, têm plenitude ontológica e política. No mundo da modernidade não há dualidade, há binarismo. Enquanto na dualidade a relação é de complementaridade, a relação binária é suplementar, um termo suplementa o outro, e não o complementa. Quando um desses termos se torna “universal”, quer dizer, de representatividade geral, o que era hierarquia se transforma em abismo, e o segundo termo se converte em resto e resíduo: essa é a estrutura binária, diferente da dual. Vamos remeter a questão de dualidade indígena para além das questões de gênero e sobre a importância das lideranças tradicionais, que se configuram e pajés, caciques e detentores/as de saberes tradicionais, também ligadas à espiritualidade que em ocasiões desse porte transportam seus papeis direto das aldeias para se unirem as pessoas consideradas lideranças políticas. Essa segunda categoria pode ter o perfil da primeira, todavia, devido possuem uma identidade de entendimento mais técnico sobre os assuntos que se colocam a debater, e até no sentido estarem mais ligadas à luta por questões institucionais, como educação escolar, saúde, enfim, contextos administrativos. Ao terminar o ritual de abertura, onde todos os povos presentes em igualdade de importância puderam participar na execução daquela ação. E dando continuidade aos trabalhos, o cacique Marcos passa a coordenação do evento para Valdenice Xukuru e Pretinha Truká que trazem uma retrospectiva até então dos dezoito anos da COPIPE. A necessidade de trazer esse histórico para a pauta do dia, se dar devido a importância desta organização em aspectos que mudam a rotina dos povos no que diz respeito a lutas e conquistas. Mas também devido ao quantitativo de pessoas novatas que apesar de serem indígenas, mas a pouco ingressaram no movimento indígena, enquanto profissionais, fator que requer entendimento sobre a organização em suas bases, mas sobre tudo na forma de se relacionar com outras bases e instituições. A mesa que tratou de concepções de currículo foi composta por cinco mulheres, cuja participação exclusiva de mulheres, nesse momento nos revela que certas vertentes da politica de educação é de domínio das mulheres, não por acaso, mas dada a hierarquia 39 de importância na sociedade não indígena, portanto na cultura da instituição escola no Brasil. Após a constituição de um Grupo de trabalho para discussão sobre elementos constitutivos do currículo intercultural para as escolas indígenas em Pernambuco. Grupo esse que seria responsável por receber materiais escritos dos povos, cujo resultado final seria a formatação de um texto que atendesse as proposições de todos os povos. Para esse encaminhamento que aconteceria pós conferencia e umespaço reservado, mas definido que seria na cidade de Floresta. A participação em mesas temáticas traduz o potencial das mulheres da COPIPE em conduzir as discussões sobre assuntos pertinentes à pauta, revela a experiência acumulada em duas décadas de militância no campo da educação escolar indígena. Uma militância que se dá tanto na implementação de uma gestão diferenciada nas aldeias, formato diferente do que anteriormente era proposto pelos municípios. E quanto em dialogar com o poder publico sobre a necessidade de reconhecer essa gestão. Em relação à comissão eleita para escrever o currículo, a maioria eram mulheres, não por acaso, pois conforme a nossa observação, no campo da execução da educação escolar indígena, os homens se dedicam mais a questões como transporte, execução de serviços braçais, etc. E mais recentemente tem aumentado as suas participações do que tange ao diálogo com as autoridades governamentais, o que até então era demanda máxima de participações femininas. Em uma visão mais contemporânea sobre gênero, buscamos um entendimento em ALBERNAZ & LOGHl (2009, p. 85), quando afirmam: Por fim, mas não menos importante, gênero se constitui numa das primeiras formas para significar e distribuir o poder. Ou seja, as classificações culturais realizadas com base no gênero, no ocidente, são utilizadas para legitimar a distribuição do poder entre as pessoas. Tende-se a considerar superior, mais forte e mais poderoso o que é classificado culturalmente como masculino. O que é classificado culturalmente como feminino é significado como menor, mais fraco e com menos poder, devendo ficar na esfera da proteção e da submissão ao masculino. Nesses vinte anos de negociações com o Governo do Estado, os homens vão chegando a esse espaço que até então era majoritariamente ocupado por mulheres. São caciques e 40 professores componentes da COPIPE em seus povos que foram substituindo as mulheres no decorrer desse período. Sem dúvida atualmente a questão da educação escolar nos povos indígenas é um espaço de poder no sentido da negociação constante. Para MENDONÇA, (2016, P. 145): É possível afirmar que em Pernambuco a atuação política de um coletivo de mulheres, disputando projetos políticos nas aldeias e no espaço público, só veio a ocorrer com a formação da Copipe ao final da década de 1990. As mulheres-professoras que representam seus povos na Comissão passam a desempenhar a responsabilidade direta na interlocução com o Estado; campo de atuação exercido principalmente por lideranças masculinas, com raras exceções na região. Os encontrões da COPIPE não demandam apenas questões relativas à educação escolar indígena, mas consiste debater as demais questões da politica indigenista, bem como em firmar parcerias e apoiar a causa. Nesse sentido não apenas está inserida na APOINME, como está para apoiar a organização. Na programação desse encontrão em especial estava um bingo para contribuir débitos junto à receita federal, considerando que nos últimos quatro anos a APOINME esteve inapta a captar recursos. E aconteceu, na avaliação da coordenação, os resultados foram satisfatórios. De forma que o Encontrão do qual estamos falando foi considerado exitoso na avaliação das pessoas participantes. Assim foi encerrado como todas as atividades indígenas de cunho coletivo com um ritual. A participação majoritária de mulheres na organização COPIPE marcou um novo tempo diante do movimento. Um tempo de fortalecimento com a presença de lideranças femininas no campo das discussões sobre educação escolar, mas sobre tudo que se amplia para outros campos. Pois começou a se romper um paradigma para além das relações de convívio nas aldeias com seus familiares e a comunidade de origem, seguindo em direção ao diálogo e debate com autoridades governamentais. As saídas constantes das aldeias para reuniões na capital bem como os encaminhamentos para resolução de questões administrativas pontuam bem o papel relevante dessas mulheres. No entanto outros desafios foram postos, principalmente no espaço domiciliar, no sentido de explicar aos seus e familiares à razão dessa 41 movimentação profissional. Bem como no âmbito da aldeia, uma vez que passam a viver uma rotina diferente. Principalmente em espaços interioranos, dada à cultura de subalternização das práticas femininas, onde o protagonismo de mulheres desperta a curiosidade e comentários maliciosos das demais pessoas. Para RAMOS, (2015, p. 06) Nesse contexto em especial, se faz necessário compreendermos que Pernambuco é uma das mais antigas regiões a ter contato com o colonizador, situação que marca algumas intervenções na nossa cultura, portanto, (maus) costumes vêm sendo instalados na nossa sociedade. As observações e estudos vêm confirmar que essas desigualdades crescem a partir do capitalismo, patriarcado e exploração colonial. No entanto, por parte das professoras indígenas que lideravam essa desenvoltura em lidar com o público se dava em principio pelo aprendizado através das práticas educativas apreendidas com as mulheres mais velhas e os homens velhos das aldeias. Ou seja, a educação indígena enquanto participação nos movimentos internos, nas experiências com as retomadas, reuniões e assembleias. Embora a opressão masculina venha atingir também as professoras, pois aqui estamos escrevendo sobre um grupo seleto, com prática até então pouco comum nas aldeias, uma vez que até então os municípios eram administradores da educação escolar. A instituição escolar é organizada a partir da lógica social na qual estamos inseridos. (ALBERNAZ & LOGHl, 2009, p. 90) Então, romper com essa lógica significava descontruir conceitos, tanto em relação as práticas pedagógicas que estavam postas pelo sistema de ensino nacional, quanto assumir de fato um postura em que as professoram assumiriam o papel de lideranças que ora era requisitado para compor essa educação, que demandava de transformação em prol de um projeto coletivo. No entanto, velhos paradigmas ainda estão presentes nas escolas indígenas, certas caixinhas do modelo tradicional da escola não indígena são fantasmas que vagam na prática e se fazem questionar quando hora ou outra se colocam diferentes. Assim são os instrumentos pedagógicos que requer travar uma luta ideológica com o sistema vigente. Como é apresentado na pesquisa de ALBERNAZ & LOGHl, (2009, p. 91): 42 Além disso, como bem lembrou uma professora, as funcionárias de serviços gerais são predominantemente mulheres, os porteiros são invariavelmente homens e as merendeiras, mulheres. Enfim, o ambiente escolar é construído reproduzindo a divisão sexual do trabalho tradicional. Um exemplo valioso como resultado concreto da participação dual dessas lideranças professoras é criação do Conselho Estadual de Educação Escolar Indígena, enquanto espaço de controle social. Aprovado pelo plenário do Conselho Estadual de Educação o PROCESSO Nº 72/2004 em 24/08/2004, como PARECER CEE/PE Nº 79/2004-CLN, o Projeto de Lei de criação do Conselho Estadual de Educação Escolar Indígena. Apenas em 2008 o Conselho tem seu regulamento aprovado do Decreto 31.644, de 08 de abril de 2008. Portanto, ao contextualizar a trajetória da educação escolar indígena nesses últimos vinte anos, consistem também em observar suas formas de aplicabilidade nas aldeias e pelos mecanismos governamentais, vamos encontrar entraves e conquistas. Mas uma luta constante através das sujeitas que aqui fazemos menção. Que a partir de suas reflexões sobre o papel da mulher indígena em seus territórios, abrem caminho para outras agentes de transformação, e se tornam corresponsáveis para a instituição do formato de organização de mulheres em Pernambuco. II.III Das atividades relativas a saúde. Para os Povos Indígenas em suas maneiras de viver antes e após o contato com o colonizador, havia e há convivência
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