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DISSERTAÇÃO ELISA PANKARARU

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1 
 
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO 
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA 
 
 
 
Elisa Urbano Ramos 
 
 
 
 
 
MULHERES LIDERANÇAS INDÍGENAS EM PERNAMBUCO, ESPAÇO DE 
PODER ONDE ACONTECE A EQUIDADE DE GÊNERO. 
 
 
 
 
 
 
Recife, 2019. 
 2 
Elisa Urbano Ramos 
 
 
 
 
 
Mulheres lideranças indígenas em Pernambuco, espaço de poder onde acontece a 
equidade de gênero. 
 
 
 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Antropologia da Universidade 
Federal de Pernambuco, como requisito parcial 
para a obtenção do grau de Mestre em 
Antropologia. 
 
 
 
Orientador: Prof. Dr. Russel Parry Scott 
 
 
 
 
 
Recife 
 3 
2019 
 Ficha catalográfica 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 4 
 
ELISA URBANO RAMOS 
 
MULHERES LIDERANÇAS INDÍGENAS EM PERNAMBUCO, ESPAÇO DE 
PODER ONDE ACONTECE A EQUIDADE DE GÊNERO. 
 
 
 
 
 
 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Antropologia como requisito parcial 
à obtenção do título de Mestre em Antropologia. 
 
 
Recife, PE, 13 de aetembro de 2019. 
 
 
BANCA EXAMINADORA 
Prof. Dr. Russel Parry Scott (Orientador) 
Programa de Pós-Graduação em Antropologia/ UFPE 
Assinatura: _______________________ 
 
Prof. Dr. Renato Monteiro Athias (Avaliador Interno) 
 Programa de Pós-Graduação em Antropologia/ UFPE 
Assinatura: _______________________ 
 
Profª. Dra. Angela Sacchi (Examinadora Externa) 
Assinatura: _______________________ 
 
 
 
 
 5 
 
DEDICATÓRIA 
A Santa Maria, ao grande espírito, meus encantados e minhas encantadas. 
Meu pai José (em memória) e minha mãe Amélia. 
Minha irmã Elisa Bete e meus irmãos Emanuel e Israel. 
Meu orientador: Professor Parry Scott 
Francisca Kambiwá e todas as mulheres guerreiras que me inspiram. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 6 
AGRADECIMENTOS 
Ao território do sagrado do Tronco Velho Pankararu, do tronco familiar de onde venho, 
meu primeiro e principal espaço de ensinamentos. 
Ao nosso Deus, nosso batalhão de encantados e encantadas que conduz sua nação 
Pankararu por onde andar. 
Aos meus pais, Amélia e José (em memória), e irmãos Elisa Bete, Emanuel e Israel 
por todo amor e apoio que nos une. 
Ao companheiro que convive comigo, Samuel pelo apoio, incentivo e contribuição nas 
reflexões sobre os espaços que não pude alcançar. 
A Gestão Escolar e lideranças de Entre Serras Pankararu, em especial Dona Hilda, 
Diogo e Zenicleide que me apoiaram enquanto organização social. Obrigado por me 
proporcionarem condições que contribuíram para esse Mestrado. 
Aos povos indígenas em Pernambuco e a APOINME por onde tive a oportunidade de 
passar e conhecer pessoas que me ensinam com suas experiencias e formas especiais de 
conduzir seus povos. 
Ao professor Scott, meu orientador que acreditou nesse trabalho que caminha dos 
saberes indígenas para os conhecimentos acadêmicos. 
Aos professores e professoras do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da 
Universidade Federal de Pernambuco 
 e aos amigos do mestrado que participaram desse percurso acadêmico. À banca 
examinadora que se dispôs a contribuir para a consolidação desse trabalho e 
especialmente pela solidariedade e crença de que era possível, a despeito dos 
imprevistos, seguir em frente. 
As pessoas com quem pude contar em Recife, Maria de Cecilia e Familia 
 
 
 
 
 7 
 
 
 
 
 
 
 
Na narrativa mítica, na orientação espiritual e cotidiana do Tronco Pankararu, há uma 
visão de uma figura feminina vista como mãe do criador e da criação, a mãe natureza, 
que compreende e protege os espaços onde há vidas. Todos os seres vivos humanos e 
não humanos, também as pedras, as águas e espíritos sagrados femininos e masculinos. 
O entendimento e conhecimentos deixados por nossos antepassados: os saberes 
tradicionais. (Filosofia Pankararu) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 8 
RESUMO 
 
Essa pesquisa procurou investigar mulheres lideranças indígenas em Pernambuco que 
atuando em espaços coletivos nas aldeias desempenham papeis importantes que as 
tornam figuras emblemáticas, bem como em espaços colegiados que agregam o 
conjunto de organizações indígenas dos povos. Essa dissertação procurou apontar em 
que espaços acontecem à equidade de gênero e que as mulheres atuam com o mesmo 
poder de voz e decisão que os homens. A APOINME foi utilizada como campo de 
pesquisa enquanto espaço que agrega todas as organizações de base em sua área de 
abrangência. Desta forma o feminismo comunitário enquanto embasamento de estudos 
constituiu aporte teórico juntamente com as observações descritas para a definição de 
feminismo indígena no Brasil. 
Palavras-chave: Lideranças mulheres, organização, feminismo indígena. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 9 
ABSTRACT 
This research sought to investigate indigenous women leaders in Pernambuco who 
acting in collective spaces in the villages play important roles that make them 
emblematic figures, as well as in collegiate spaces that aggregate the set of indigenous 
peoples' organizations. This dissertation aimed to point out in which spaces happen to 
gender equity and that women act with the same voice and decision power as men. 
APOINME was used as a research field as a space that aggregates all grassroots 
organizations in its area of coverage. Thus community feminism as a basis for studies 
constituted a theoretical basis along with the observations described for the definition of 
indigenous feminism in Brazil. 
 
Keywords: Women leaders, organization, indigenous feminism. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 10 
LISTA DE SIGLAS 
 
APOINME Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas gerais 
e Espírito Santo 
FUNAI Fundação Nacional do Índio 
COPIPE Comissão de professores/as Indígenas de Pernambuco 
UFPE Universidade Federal de Pernambuco 
SESAI Secretaria especial de Saúde Indígena 
CIMI Conselho Indigenista Missionário 
SEE Secretaria Estadual de Educação 
CEE Conselho Estadual de Educação 
DSEI Distrito Sanitário Especial Indígena 
PNASPI Politica Nacional de Atenção a Saúde dos Povos Indígenas 
UNI União das nações Indígenas 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 11 
SUMARIO 
CAPÍTULO 1 
Introdução: do Tronco Velho aos estudos feministas 
CAPÍTULO 2 
Os desafios das mulheres indígenas em ocupar os espaços coletivos em Pernambuco 
2.1 A construção de uma identidade 
2.2 Dos espaços que tratam de educação escolar 
2.3 Das atividades relativas à saúde. 
2.4 Para além da luta pela terra. 
2.5 Das organizações. 
CAPÍTULO 3 
3. A APOINME enquanto campo de análise 
3.1. Contexto histórico. 
3.2. Área de atuação. 
3.3. A criação do Departamento de Mulheres Indígenas. 
CAPÍTULO 4 
4. Teorizando sobre feminismo comunitário em interface com o feminismo indígena no 
Brasil 
4.1 Sobre feminismo comunitário 
4.2 Historiando sobre organização de mulheres indígenas: do Brasil a Pernambuco. 
4.3 Conceituando Feminismo Indígena 
Considerações Finais 
Referências 
Anexos 
 12 
 
 
CAPÍTULO I 
INTRODUÇÃO: DO TRONCO VELHO PANKARARU AOS ESTUDOS 
FEMINISTAS 
O presente capítulo, o qual está sendo chamando introdução, cuja inspiração vem em 
principio da minha relação de convivência na aldeia a qual eu pertenço. Nesse sentido 
trago como intuito fazer um panorama da minha história de vida em relação às vivências 
com mulheres no cotidiano da aldeia, desde a minha infância até os dias atuais e como 
essa trajetória vai influenciando na construção desta produção. Então, proponho fazer 
uma conexão e relação das minhas observações, com a escrita sobre cada categoria aqui 
mencionada. 
As reflexões que faço são partes de conhecimentos e vivências pessoais para falar das 
mulheres lideranças indígenasde Pernambuco já presentes no movimento indígena, já 
fazendo parte da APOINME enquanto organização que agrega as demais organizações 
de base e consequentemente as quais fazem parte essas mulheres na atualidade. 
Eu nasci em 12 de março de 1972, filha de mãe e pai Pankararu, o que significa dizer 
desta apresentação da minha pessoa é que conforme os meus antepassados, venho de 
uma linhagem de educação e ensinamentos indígenas. Quando criança, meu convívio na 
minha aldeia se deu em diferentes momentos e espaços com várias mulheres que hoje 
seriam chamadas de lideranças, mas que naquele contexto eram mulheres de 
notoriedade, portanto figuras emblemáticas, pois tanto conduziam pessoas no sentido de 
orienta-las, quanto estavam à frente de atividades de caráter coletivas. 
Na minha infância, entre o final da década de 1970 e início dos anos 1980, quando na 
nossa aldeia ainda não havia energia elétrica, havia pouquíssimas casas de alvenaria e 
raramente íamos à cidade, até porque só havia um único transporte, uma vez por semana 
para as cidades da Velha Petrolândia e Paulo Afonso na Bahia. E para estas cidades as 
pessoas da aldeia na sua maioria mulheres iam a feira vender os produtos nativos da 
aldeia: frutas e artesanatos. E para as cidades mais próximas, como exemplo, para a 
cidade de Tacaratu íamos a pé ou montados em jumentos que transportavam pessoas e 
cargas com produtos comprados ou vendidos nas feiras. 
 13 
A situação econômica da população era considerada de pobreza para aquele período em 
relação ao momento atual, de forma que nem todas as famílias possuíssem aqueles 
animais, Por isso raramente eram conduzidos por mulheres para irem às feiras, que 
enquanto atividade integrante de suas labutas traziam suas pequenas compras na cabeça 
em cestos ou sacos de pano. 
Uma atividade que é bem presente na minha lembrança, diz respeito às fontes ou 
nascentes de água, muitas fontes que havia desde os pés daquelas serras e desciam 
riachos abaixo praticamente até a fronteira da aldeia com o Rio São Francisco, mas que 
no decorrer dessas quatro décadas, devido ao desmatamento e encanação de água para 
as casas, atualmente secaram praticamente pouco mais que cinquenta por centro. Mas o 
que quero focar aqui em relação a essa realidade é sobre aquelas mulheres que iam 
buscar agua nas fontes e bicas com suas latas ou potes de água na cabeça. Nesse caso, 
lembrei de que jumentos transportavam objetos para as roças, água e lenha. Eles 
também serviam para as atividades que as famílias teriam nos trabalhos das roças. 
Devido poucas pessoas possuir esses animais, então na sua maioria era conduzido por 
homens, até pela força física ou devido eventuais problemas que exigissem maior 
trabalho na lida como se por acaso aqueles animais debandassem. 
Para o nosso povo, conforme a cultura Pankararu, as fontes eram e são espaços 
sagrados, por isso, educativos também. Foi lá que vi diferentes divisões que hoje 
entendo como espaços de divisão por gênero, pois havia as fontes e bicas de banho para 
homens e para mulheres. E naquele contexto, havia respeito aos espaços de cada um, ou 
seja, nenhum ia ou invadia o espaço do outro. Foi lá onde convivi com aquelas senhoras 
idosas e demais mulheres que tomavam banhos, completamente despidas, em plena 
natureza, como diziam “no meio do tempo” e a qualquer hora, pois aqueles espaços 
eram totalmente seus, se tornando um espaço de privacidade para quem de direito os 
frequentavam. 
Para as fontes as mulheres que iam especialmente para lavar roupas, geralmente 
começavam essa atividade de manhã cedinho, logo ao amanhecer. Ao terminarem de 
lavar as roupas, tomavam banho e voltavam para casa. Mas quando iam para as fontes e 
bicas apenas para tomar banho, geralmente iam à tarde, até pelos serviços domésticos 
que precisavam dá conta. E mesmo indo para tomar banho, na volta aproveitavam para 
trazer um balde ou pote de água na cabeça. No entanto, tomar banho cedinho era 
 14 
medicinal, principalmente na Santa Nascença, pois servia como remédio, por exemplo, 
se estarmos com uma forte gripe ou doença relativas. 
A Nascença é uma fonte que nasce do pé da serra da Fonte Grande e que contem uma 
água pura de caráter mineral, por isso é a melhor água para se beber na aldeia e lavar 
roupas também. E hoje, mesmo com as encanações ainda é espaço de encontro de 
mulheres que não abrem mão de dar continuidade ao tradicional costume de frequentar 
a fonte que mesmo diante das mudanças em seus aspectos físicos, preserva a bica e as 
pedras para lavar roupas. Ainda é referencia entre os locais específicos para fazermos os 
rituais de cura que são seculares. 
Quando faço referencia a Santa Nascença, para mim é algo bastante importante para 
conduzir minhas afirmações, que sendo para uma explicação de caráter real, esteja como 
base simbólica enquanto valorização do ser feminino. Mas que para nós Pankararu tem 
um significado de cunho sagrado, pois aquela serra é compreendida como um dos 
palácios onde moram nossos encantados. É também lá na fonte a morada das moças 
encantadas que vivem no cotidiano do mundo dos invisíveis. “As moças” estão ao lado 
dos espíritos sagrados encantados que a nosso ver são homens, por isso na linguagem do 
nosso povo, se referem a eles como “os homens”. 
Conforme os ensinamentos do meu povo, eu tenho em mente desde criança que se 
existe seres sagrados em forma de mulheres, com hábitos de mulheres, nós somos seres 
divinos na nossa representação. E que, se no mundo dos nossos mistérios espirituais a 
essência feminina se faz presente em um mesmo patamar que os seres sagrados 
masculinos. Por isso, qual seria a lógica de simples mortais tratarem os demais com 
consideração de inferioridade? 
Até hoje, embora com menos frequência, ainda há o hábito das mulheres procurarem 
banhos com fins medicinais, em destaque para curas espirituais. Por exemplo, no dia 
primeiro de janeiro ao amanhecer, bem antes de clarear o dia, muitas mulheres em 
grupo vai tomar banho nas aguas da Santa Nascença. E assim vai chegando uma, mais 
uma e muitas outras. De formam que fazem suas oferendas, pedidos, enfim, tomam seus 
banhos. Trata-se de uma tradição que conheço desde menina e que também participo 
nesse dia em especial, mas em outros dias durante o ano também, é uma forma de 
buscar paz espiritual ou a cura de certas doenças como fortes gripes e sinusites. 
 15 
Pela minha crença e religião indígena, quando eu era criança de uns seis anos, minha 
vida foi salva pela cura dos nossos encantados que são seres espirituais sagrados. Que 
na ocasião se deu através da matéria ou corpo/na pessoa de uma mulher, que na 
linguagem de não índios seria entendida como a pessoa de uma médium. Essa mulher 
chama-se Maria Severina, que pertence a uma família onde a maioria das mulheres são 
líderes da tradição (líderes espirituais). 
Nesse contexto, muitas são as mulheres Pankararu que possuem a qualidade de guardiãs 
e detentoras de saberes tradicionais, que recebem ensinamentos da Mãe Natureza que 
dizemos “dom”. São práticas que se traduzem através dos conhecimentos sobre a 
medicina tradicional em toda a sua diversidade e procedimentos de cura. As mulheres 
também são capazes do conhecimento dos rituais e cantos de contato com os 
encantados, e tantos outros procedimentos ligados a esses costumes. 
No entanto, quando faço menção as mulheres da tradição na cultura Pankararu, quero 
fazer subentender que há homens com esses mesmos saberes. E é nesse contexto de 
condições dadas a ambos que busco uma relação subjetiva de igualdade. Igualdade esta, 
que não é contestada, por se tratar de uma dádiva de seres sagrados ou pela mãe 
natureza, como dizem outros povos indígenas em Pernambuco, principalmente quando 
diz respeito a lideranças mulheres. 
Então, o que eu estou chamando aqui de mulheres da tradição, se entende como pessoas 
que exercem um conjunto de ações especiais,diversas ações como cantar nos terreiros 
sagrados para os Praiás dançarem. Praiás na nossa cultura correspondem á 
materialização dos encantados, o que seria possível á visão, ao alcance dos nossos 
olhos. São homens vestidos em roupas de caroá, uma espécie de manto, onde cada 
roupa corresponde a um encantado especifico. Conforme CUNHA, 2007, p.50: 
A representação dos Encantados, em sua forma terrena, se dá através 
dos Praiás, indivíduos especificamente designados pelas lideranças 
Pankararu que, sob uma máscara ritual que lhes cobre todo o corpo, 
dançam as músicas executadas durante os cerimoniais. Além do que, o 
culto aos Encantados não se limita, especificamente, ao campo 
religioso da cultura dos Pankararu. É na crença nesses seres 
sobrenaturais que reside a base para o sistema politico interno do 
grupo, assim exerce influencia na economia e no sistema de parentesco 
do grupo. 
 16 
Mas também diz respeito à condição que permite essas mulheres conhecerem e poderem 
participar dos processos de cura; conduzir e zelar dos objetos e rituais sagrados que 
simbolizam a crença; cozinhar a comida sagrada para os rituais e outras atividades. E a 
partir dos saberes que essas mulheres detêm são consideradas sábias na mesma 
dimensão dos homens que também detém os mesmos saberes e ocupam esses espaços 
em especial considerados sagrados. 
A capacidade de conhecer e zelar determinados saberes específicos do Povo, por parte 
das mulheres, gera um reconhecimento coletivo e que orientam as demais pessoas 
jovens e crianças. Portando com a mesma importância de notoriedade das “moças de 
cansanção” na participação do contexto geral do ciclo da Corrida de Imbu, bem como 
“noivas e madrinhas” nos rituais de Menino do Rancho. Pois trata de saberes que 
orientam as demais pessoas na condução correta da atividade, o que pode ser 
caracterizado como educação indígena, no sentido da transmissão de conhecimentos. 
Ao falar da tradição indígena, dos saberes e significados, o papel das mulheres na 
confecção destes objetos é de suma importância, embora alguns objetos possam apenas 
ser confeccionados por homens, exemplo: o chapéu do menino do rancho e o próprio 
rancho, construção exclusiva para a cerimonia, que apesar de ser uma espécie de casa, 
mas trata-se de uma atividade exclusiva dos homens e que em hipótese alguma deve 
passar pelas mãos das mulheres. 
O fato de mulheres não poder confeccionar e utilizar determinados objetos, bem como 
não executarem determinados serviços a não ser em extrema necessidade, na nossa 
cultura não significa exclusão de gênero e sim tradição deixada há séculos pelos nossos 
antepassados em simbologia aos espíritos sagrados. 
No mais, a minha convivência e observação das mulheres que de uma maneira geral 
para um melhor entendimento para quem não as conhece, vou chama-las aqui de 
artesãs. Digo para um melhor entendimento, porque a palavra artesã não era utilizada a 
mais de uma década atrás. No entanto, devido à habilidade artística e por essas mulheres 
conduzirem essas atividades também para a venda, o que na maioria das vezes se 
tornava como única fonte de renda, nos dias de hoje já é usado o termo artesã. 
Mas a referencia que torna essas mulheres respeitadas nas aldeias é poder confeccionar 
objetos de uso exclusivo para as cerimonias e rituais sagrados, por exemplo, os pratos 
de barro, as cintas para os meninos que vão para o rancho, entre outros. Nesse sentido, 
 17 
essas habilidades são consideradas dom, devido à relação com o sagrado, sendo que a 
partir do uso aqueles objetos serão sagrados também devendo ser tocados apenas nas 
ocasiões específicas. 
Pela história da relação de contato com a colonização e consequentemente a 
catequização pela religião católica, outros elementos culturais vão fazendo parte dessa 
composição. Estou chamando de “outros elementos”, diferentes formas presentes na 
aldeia em termos de manifestações Cristãs. Entre elas estão em principio o ensinamento 
do catecismo, pois na aceitação da integração de pessoas não indígenas na aldeia, uma 
condição por parte dos governos na época era poder ensinar o catecismo. E foi dessa 
forma, em meios no século XVIII que também aconteceram casamentos inter étnicos, 
principalmente entre negros e indígenas, contribuindo também com as misturas. 
E dada à importância ao catolicismo por seus princípios, práticas e suas rezas, por isso 
influenciavam na mudança de comportamento e costumes das pessoas. Assim ligada a 
esses conceitos vem práticas acompanhadas com seus valores relativos à: missas, 
casamentos, batizados, devoção e guarda dos santos e das santas, a penitência de 
homens e de mulheres. 
A guarda dos santos e das santas acontece em determinados meses a eles dedicados. 
Trata-se de um ajuntamento de pessoas que diariamente, geralmente no horário noturno 
rezam terços ou rosários e continuam durante toda a noite rezando benditos cantados. 
Nesse caso, o destaque é dado a quem conduz o grupo no sentido de maior 
conhecimento a cerca das rezas, bem como seus repertórios. 
As formas como os ensinamentos cristãos chegaram e se fixaram na aldeia, não se trata 
de uma característica única, pois tem peculiaridades e contextos diferentes. Agora neste 
parágrafo, faço menção às mulheres chefes da penitencia das mulheres, bem como 
demais mulheres que formam esse grupo social específico. E considerando que também 
há homens chefes da penitencia, nesse caso a dos homens. Mas é sobre a “penitência”, 
em especial das mulheres, a qual eu conheci e convivi quando criança e jovem que estou 
falando. 
A penitência é uma atividade realizada em alguns municípios do Nordeste, por um 
grupo de mulheres que se vestem de branco com vestidos, saias, blusas de manga 
comprida e lenços na cabeça, o que se entende por “roupas compostas”. Encontram-se 
nas igrejas de suas localidades nos períodos dedicados aos santos. Mas também fazem 
 18 
suas rezas, benditos cantados e rosários nas casas de quem as convidam, nos cruzeiros, 
nas capelas, em lugares como em serras e outros locais que há séculos estão 
determinados. 
Nesse sentido, diferente das missas porque se trata de um ritual que é conduzido por 
uma mulher chamada de chefe da penitência ou “curiã” (já o chefe da penitência dos 
homens é chamado de “curião”), pelo seu entendimento maior, mas, sobretudo pelo 
respeito atribuído a ela e por sua forma de conduzir e organizar o grupo. A organização 
de pessoas para ida as romarias, como por exemplo, a Juazeiro do Norte no Ceará e 
Santa Brígida na Bahia, bem como em outras cidades, sendo que para essas outras 
cidades com menor frequência. 
Já em relação aos homens penitentes, trata-se de uma sociedade secreta, que embora 
façam as mesmas atividades que as mulheres, pela minha cultura, nenhuma de nós pode 
vê ou mesmo sabendo não pode falar sobre eles. Então, existem registros sobre os 
penitentes, mesmo assim sigo os ensinamentos sobre respeitar o que é proibido falar. 
Embora uma inserção negativa para a nossa cultura, mais recentemente, em destaque na 
última década a religião evangélica tenha se instalado também nas aldeias, chegado de 
uma forma avassaladora em nosso território, ferindo os ensinamentos de nossos 
antepassados, pois desacreditam nas nossas crenças e usam de discriminação com nosso 
povo. E nossas mulheres fazem parte também desse contexto, na condução de uma 
deseducação em suas famílias e no coletivo da comunidade. 
Esses meus relatos fazem parte de uma característica importante na cultura dos povos 
indígenas: a tradição oral. Então, através da oralidade e a arte de contar e ouvir histórias 
são de fundamental importância para a compreensão de nossa história e identidade. As 
histórias dos nossos antepassados, bem como suas maneiras de ver o mundo conduz a 
trajetória do povo. E as narrativas míticas são pontos que fortalecem a identidade dos 
povos. 
Por isso no decorrer desta contextualização,vamos fazer referencia a ações diferentes 
onde aparece a presença diferente de cada uma dessas mulheres, fator que parece 
estamos falando de uma mesma situação. Então, vamos buscar contextos históricos que 
embora pelo vocabulário semelhante utilizado, e até pelas atividades realizadas, se 
façam semelhantes. 
 19 
Neste sentido estou falando de curandeiras e benzedeiras, que aqui procuro fazer 
menção a ação, que devido às rezas e invocações aos santos da igreja católica, é 
importante fazer menção a estes ensinamentos no sentido de dar ciência ao destaque e o 
respeito que tem essas mulheres nas aldeias e as vezes procuradas por pessoas não 
indígenas. 
No sentido vocabular e de práticas incluídas, curandeiras na tradição indígena do meu 
povo é chamada “curadeira”, ou seja, aquela que cura com auxilio de espíritos sagrados 
indígenas ou não indígenas. No caso de práticas não indígenas, os procedimentos são 
acompanhados de rezas bem como de espíritos sagrados da igreja católica, chamados de 
guias de luz. Já as benzedeiras apenas rezam com o ramo, de quebrante, olhado e dores 
diversas. No entanto há pessoas que congregam em si as duas características. 
Em relação ao que estou chamando de ensinamentos da igreja católica, nesse momento 
tem um caráter diferente, pois são práticas feitas por essas mulheres, que são conduzidas 
de benditos, orações, curas e rezas. Caráter diferente, porque não estou falando de 
leitura bíblica, aliás, nunca as ouvi dentro desses processos que cito aqui, até porque 
aquelas mulheres nem eram alfabetizadas. Portanto, leitura bíblica naquela época, 
apenas nas missas. 
E sobre as missas, quando aconteciam na aldeia (e ainda acontecem), já com o processo 
de catequização, as cantoras da missa já eram jovens mulheres indígenas e algumas de 
mais idade, que selecionadas a partir de suas vozes “bonitas” ou que “catavam bem”, 
claro, se faziam destacar pela presença e atuação naquele espaço público, em especial. 
Atuação esta, que se estendiam as novenas realizadas em intenção dos santos e das 
santas da igreja católica. 
Os estudos, pesquisas e realização de oficinas sobre parteiras tradicionais através de 
projetos de várias instituições, tem visualizado o Povo Pankararu como um dos 
importantes campos de pesquisa em Pernambuco. Devido que, na atualidade, o meu 
povo é considerado um dos que possuem por tradição o costume e a valorização ao 
parto feito por parteiras do lugar, hoje chamadas de tradicionais. Nesse sentido, se dar o 
fato de termos na história famosos nomes de parteiras, lembrados e seguidos como 
exemplo até os dias de hoje. 
De um lado, nos reporta a um contexto onde não havia acesso a médico e hospitais. O 
que faria para que essa tradição continuasse até os dias de hoje, uma vez que o nosso 
 20 
acesso a bens da modernidade é maior? Então! Não estou falando apenas de mulheres 
que fazem partos em casa. Mas, sobretudo de mulheres que trazem consigo uma boa 
parte dos saberes diversos que cito acima. Por isso inspiram confiança, pela ligação de 
fé e a relação com o sagrado que possuímos. 
A atividade das parteiras é de fundamental importância não apenas na hora do parto, 
mas também no cuidado da criança e na participação da educação destas. De forma que 
são chamadas por essas crianças de mãe, ou seja, aquela que também as trouxe ao 
mundo. E assim essas mães fazem parte tanto da história de vida das crianças como 
também da aldeia, uma vez que seus nomes atravessam juntamente com as historias 
orais. 
A razão de escrever sobre parteiras também nesse capítulo, se faz necessário por estas 
fazerem parte do universo do meu convívio e das histórias que ouvimos sobre elas, bem 
como a forma como são tratadas nas aldeias. Um repertório com nomes que se tornaram 
inesquecíveis em cada geração que vai chegando. 
As “Mães de família” de quem tanto ouvir referência no falar das pessoas de minha 
aldeia, uma expressão dita com muita força, carregada de muitas subjetividades. Para 
mim se refere a duas categorias distintas no que diz respeito as suas formas de 
vivencias. No entanto, ambas as mulheres são matriarcas na forma que conduzem suas 
famílias, de criarem e educarem seus filhos/as e netos/as, também na intervenção na 
vida de sobrinhos/as e até outras crianças. 
Ao usar a palavra matriarcas, de imediato subentende que esta posição estaria após a 
figura masculina, que nesse contexto não seria substituída por patriarca. Pois em um 
primeiro significado, faço referencia a mãe enquanto esposa de alguém, ou avó em 
determinada família, responsável pela boa condução da casa e da educação. Uma figura 
que era vista com maior respeito pela comunidade. 
Enquanto no segundo significado faço referência a mulheres que ao não “ter” esposo, 
assume a responsabilidade principalmente do sustento da casa e da família. Daí no 
decorrer dos anos, formas de tratamento, respeito e menção social também são distintas, 
porém mulheres importantes, mesmo que em uma situação de espaço privado em 
relação ao público. 
 21 
Portanto, ao afirmar pertencer a uma sociedade que também possui aspecto matriarcal, 
nos remete a um sentido positivo para a expressão, porem diverso. Mas também faz 
relação ao termo patriarcal que no decorrer da história configura um sentido negativo 
também. Desta vez por toda a construção cultural, que nos remete ás mazelas deixada 
pelo contato violento do colonizador com os Povos Indígenas no Brasil, do qual decorre 
o machismo. 
Em decorrência do destaque ao sentido matriarcal me vem à mente outro grupo de 
mulheres, um dos que mais me chamam atenção pelo conjunto de histórias e atitudes 
preconceituosas a elas atribuídas. Por isso não menos importante a meu ver, mas por ter 
sido um grupo de mulheres que não lideranças, mas que de certa forma também 
exercem poder. No entanto, a ênfase como ouvir falar da minha infância até na 
atualidade e sempre com uma carga enorme de preconceito e separação. 
Baseado na opção ou a que caminhos suas sexualidades as levaram, as chamadas 
mulheres “erradas”, que não casadas conforme os preceitos da sociedade. Assim, 
passam a constituir um grupo considerado diferente, vivenciam preconceitos que 
atingem desde a maneira de serem tratadas até o tratamento com seus filhos que são 
outras vidas, quando não diretamente, mas que subjetivamente implica em todos os 
espaços que ocupam. 
Quando eu era criança, ouvir histórias de mulheres que cobriam o rosto para não olhar 
para as mulheres chamadas de erradas, bem como não as dirigiam a palavra ou não 
deixavam suas crianças brincarem com as crianças daquelas mulheres. E depois quando 
essas crianças se tornavam jovens, seus casamentos eram questionados devido serem 
filhos e filhas de quem eram. Esses são poucos dos exemplos bizarros em relação a 
muitos outros que se arrastam a mais de quarenta anos depois. 
Então, onde encontrei a figura emblemática nessa questão, primeiro por chamarem 
atenção da população com suas visões pejorativas e de certa forma liderarem os homens 
que mesmo clandestinamente as respeitavam. Mas que também em meio às ações de 
violência, conseguiam se sobressaírem diante das tensões do cotidiano e que no decorrer 
de suas vidas, seus saberes eram válidos como aconselhamentos e defesa no debate das 
vivencias. 
Então quatro décadas em que a forma das pessoas falarem não mudou e que meus 
estudos antropológicos me ajudaram a compreender do ponto de vista da construção 
 22 
cultural que esse pensar coletivo se perpetua influenciando na maneira do tratamento 
dispensados ás chamadas mulheres erradas de todas as faixas etárias, nos diferentes 
espaços. 
No entanto, essa relação de separação social nunca foi empecilho para deterem os 
saberes tradicionais quando escolhidas pelos espíritos sagrados, no contexto da 
realização e participação nos rituais, desde que seguissem as regras da tradição 
Pankararu, como todos seguiam e devemseguir. O que me leva a inserir um 
entendimento que conforme CEGATO (2012): 
E, por outro, que quando essa colonial / modernidade intrude o gênero 
da aldeia, modifica-o perigosamente. Intervém na estrutura de relações 
da aldeia, apreende-as e as reorganiza a partir de dentro, mantendo a 
aparência de continuidade mas transformando os sentidos, ao 
introduzir uma ordem agora regida por normas diferentes. É por isso 
que falo, no subtítulo, de verossimilhança: as nomenclaturas 
permanecem, mas são reinterpretadas à luz de uma nova ordem 
moderna. (p. 118) 
Então, os preceitos dos elementos da colonização, na vida das pessoas bem como em 
outras situações, mudando a ordem das aldeias com seus argumentos de controle para os 
corpos das mulheres. E dessa forma acontece à hierarquia de valores, criando prestígios 
entre as pessoas conforme a condução de suas vidas viesse a atender os propósitos do 
discurso de igualdade moral. 
O viés de proteção também nos remete a ideia de matriarcado, então venho fazer 
referencia as famílias Pankararu em São Paulo, cidade que no Brasil agrega a maior 
quantidade de indígenas Pankararu organizados fora da aldeia. A partir da década de 
1940, quando os primeiros Pankararu fugindo das secas migraram em caminhões 
chamados “Paus de Arara” em busca de trabalho, na maioria das vezes trabalhavam na 
construção civil. Ao se instalarem lá, buscaram suas famílias, mas também parentes em 
busca dos mesmos objetivos. Conforme ATHIAS, 2007, p. 35. 
A insuficiência de terra tem estimulado ainda a emigração de índios 
Pankararu para cidades como São Paulo, já existindo nessa cidade um 
núcleo residindo em uma favela. Informações de lideranças em 1999 
informavam a existência, já naquela época, de 800 a mil pessoas 
 23 
morando na favela Real Parque Morumbi, aonde viviam em precárias 
condições (Veiga, Santos & Resende 2000). 
Em meio a esses parentes e famílias foram às mulheres, que quando esposas deram 
continuidade aos ensinamentos da aldeia aos seus filhos. E as demais mulheres jovens e 
solteiras trabalhavam como domésticas para mandar dinheiro para suas famílias no 
“norte”, expressão utilizada para se referir à terra natal. No entanto para não esquecer 
seus costumes na aldeia e dar continuidade aos costumes, usos e tradição, se 
encontravam nos finais de semanas. Mas também devido residirem próximo, a partir de 
seus encontros surgiram às reuniões para formarem uma organização formal e buscarem 
direitos coletivos destinados às populações indígenas. 
Em busca de seu reconhecimento étnico por parte do poder público, em especial o item 
Associação, passou a fazer parte do cotidiano daquele grupo que na sua forma de 
manutenção estava em prol dos Pankararu que ali habitavam e habitam. A forma de 
execução de ações da associação sempre demandou da participação de mulheres, na 
presidência ou não. E dali para outros contextos de dimensões municipal, estadual e 
nacional. 
O Posto da FUNAI tem uma influencia que julgo importante nas minhas observações, 
pois me vem a memoria a participação de mulheres (embora poucas) nas reuniões e 
mobilizações. Ali era o ponto de partida para a instituição de poder maior, a 
superintendência em Recife e a presidência em Brasília. E exatamente em 1985, 
conheço a sede da FUNAI Recife, que na época era uma superintendência, de caráter 
regional, pois atendia as demandas dos demais Estados do Nordeste com populações 
indígenas. 
E naquele contexto, já com o nome de lideranças Pankararu, pessoas que se envolviam 
nos encaminhamentos resoluções dessas questões se destacariam no futuro na história 
não apenas das mulheres, mas do povo. E consequentemente essas demandas 
institucionais seriam alargadas para dimensões de naturezas governamentais e outras. 
Até o final dos anos 1990 a FUNAI que naquela ocasião estava no Ministério da Justiça, 
ainda intermediava a resolução de todas as questões relativas aos povos indígenas: sobre 
a terra que continuou por total até o final de 2018, a saúde que estava em 1998 passando 
para o Ministério da Saúde e a educação que embora já nos municípios, mas que de 
 24 
1999 a 2002 passara por um processo para a estadualização das escolas em especial 
Pernambuco. 
O que me vem à memória agora é a influencia e participação ativa que algumas 
mulheres do meu povo tinham nos movimentos/e atividades coletivas pela 
institucionalização das políticas públicas para saúde e a educação escolar indígena, 
embora em relação à questão da terra houvesse e haja uma complexidade de luta maior. 
A importância dessas poucas mulheres presentes é que gradativamente esse quantitativo 
vai aumentando. 
Então, esse conjunto de vivencias me conduz a refletir para que a minha produção 
caminhe a partir de conexões dessas experiências. O Povo Pankararu tem um histórico 
de lideranças mulheres de bastante destaque em todos os campos. Desde a atuação com 
os saberes tradicionais e organização social, de cunho interno, até outros campos 
diversos e políticos como a participação de estâncias municipais, estaduais e nacionais, 
bem como a atuação no movimento indígena no que diz respeito á questões como 
educação, saúde e outras questões que acontecem em espaços externos. 
Então, por ser uma temática que para o movimento indígena é a mais importante no 
sentido de que “a luta pela terra é a mãe de todas as lutas”. Então na história Pankararu, 
na luta pela terra não seria diferente. E a participação das mulheres sempre foi efetiva 
desde a década de 1930. Por exemplo, na Constituinte de 1988, a exemplo de Quitéria 
Binga Pankararu, que também lutou juntamente com outras lideranças pela 
regulamentação do território e também foi vitima de ameaças, mas faleceu em sua 
cama, e sua história é um grande exemplo e legado de lutas e conquistas do povo. 
Ainda na atualidade, nossas lideranças mulheres estão ameaçadas, por isso sob a 
proteção dos defensores dos direitos humanos. Isso porque, a luta pela terra por parte 
das mulheres começa em principio pelo zelo a terra como mãe de todos os seres 
humanos e não humanos, arvores, vegetais e minerais. O zelo e a proteção por esta terra 
é que garante a nossa sustentabilidade física, cultural e espiritual. O território sagrado, 
morada dos nossos ancestrais, local dos espaços e rituais sagrados. Então nossas 
mulheres tem uma identidade com a terra, com a narrativa mítica. Daí a participação tão 
expressiva das mulheres em todos os contextos sociais em Pankararu e para além do 
território Pankararu. 
 25 
Finalmente a minha experiência como participante deste universo de mulheres 
emblemáticas, começando pelo território sagrado do meu povo, e de forma institucional 
passando pela COPIPE que a partir da luta por uma educação escolar indígena que 
fortaleça a identidade do povo, me leva ao movimento indígena maior, em especial aos 
espaços públicos que discutem sobre gênero e de maneira bem peculiar, a APOINME. 
Com a necessidade de aprofundar o meu entendimento sobre as desigualdades de gênero 
nos territórios indígenas, a partir da minha participação em outros movimentos de 
mulheres, mas também junto às organizações de mulheres indígenas, busquei estudar no 
contexto da Academia, passando por um curso de especialização em politicas publicas 
sobre gênero promovido pela Secretaria da Mulher de Pernambuco e UFPE e também 
no Mestrado em Antropologia. 
A nossa observação participante se dar pela vivencia nas aldeias, no acompanhamento 
do movimento indígena sobre as diversas atividades e discutindo as mais variadas 
questões. Então, estando presente nesse universo que buscamos responder as nossas 
perguntas, de que forma se dá o envolvimento dessas mulheres e como corresponde as 
suas posições de destaque. Dessa forma, compreender onde se dá a equidade de gênero 
entre lideranças indígenas em Pernambuco e também conhecer os espaços de poder 
dentro e fora das aldeias. Conforme ANGROSINO,2009: 
Malinowski e Boas eram fortes defensores da pesquisa de campo e 
ambos defendiam aquilo que veio a ser conhecido como observação 
participante, um modo de pesquisar que coloca o pesquisador no meio 
da comunidade que ele está estudando. (p.17) 
Ao considerar o que ANGROSINO chama de etnometodologia, para constituir esse 
trabalho, busco na minha relação com a educação indígena enquanto sinônimo de 
aprendizagem, inspiração na história de luta das grandes líderes mulheres, em principio 
com base na narrativa mítica subjetiva, a qual considera os seres espirituais femininos 
também. Para esta construção, proponho recorrer ao método qualitativo descritivo, 
através de pesquisa de campo e análise de referências bibliográficas. Com 
fundamentação teórica em PAREDES e SEGATO, entre outras. 
Essa introdução que estou denominando “Do Tronco Velho aos estudos feministas”, 
capítulo este onde relato sobre experiências e mulheres que inspiram minhas pesquisas. 
De forma que continuarei esse texto onde no capítulo II proponho tratar sobre os 
 26 
desafios das mulheres indígenas em ocupar os espaços coletivos em Pernambuco, onde 
a partir de observações de atividades ondem estão presentes mulheres líderes de todos 
os povos, subdivido em espaços que tratam da educação, da saúde, da terra e das 
organizações. No capitulo III ao tratar da APOINME enquanto campo de análise, 
traremos reflexões em relação ao contexto histórico, a área de atuação e a criação do 
departamento de mulheres indígenas. E para finalizar no capítulo IV: teorizando sobre 
feminismo comunitário em interface com o feminismo indígena no Brasil, onde 
trataremos sobre feminismo comunitário, Historiando sobre organização de mulheres 
indígenas: do Brasil a Pernambuco e para concluir conceituando Feminismo Indígena. 
 
 
CAPÍTULO II – OS DESAFIOS DAS MULHERES INDÍGENAS EM OCUPAR 
OS ESPAÇOS COLETIVOS EM PERNAMBUCO 
II.I A construção de uma identidade. 
A atuação de lideranças mulheres indígenas em Pernambuco se dar em espaços públicos 
nas aldeias, tanto no que se refere à cultura de seus povos quanto em assuntos ligados às 
instituições que promovem serviços ligados a politica pública em prol das pessoas 
pertencentes às respectivas etnias. De forma que podemos dividir em duas categorias, 
mas que nem sempre estão dissociadas. A convergência de atuação dessas 
personalidades em primeiro plano essas pessoas são chamadas de lideranças 
tradicionais, porque conduzem a organização do grupo enquanto afirmação étnica e 
consequentemente a questões ligadas a regularização de seus territórios. Em outro plano 
se dedicam as ações da politica pública como saúde e educação. Conforme RAMOS, 
2015, pp.26: 
O movimento de mulheres indígenas em Pernambuco é uma 
experiência construída a partir do cotidiano das aldeias, na 
participação de atividades coletivas internas e de um caminhar 
para o contexto geral da luta por direitos coletivos. É assim que 
há uma chamada dos nossos ancestrais aqui na terra, para que 
essa força seja levantada em forma de movimento de mulheres 
indígenas (RAMOS, 2015 p. 26). 
 27 
Apesar de haver um intenso movimento interno, mas em relação à mobilização em 
formato de organização, a presença de instituições governamentais como a FUNAI e 
SESAI e organizações da sociedade civil, nesse contexto indigenista como o CIMI e o 
Centro de Cultura Luiz Freire, demandam de uma participação importante na assessoria 
do movimento indígena no sentido de está junto na composição de reflexões feitas pelas 
organizações indígenas como a COPIPE e a APOINME. 
De forma que as qualificações as quais atribuímos à formação politica conduzem essas 
lideranças a representar suas organizações nos espaços nacionais, já preparadas em falar 
em nome das mulheres, por exemplo, nos encontros ou oficinas para mulheres 
indígenas. Mas também em espaços mistos, de caráter específico como nos fóruns de 
educação ou saúde. 
 Assim, sendo as aldeias como ponto de partida que dimensiona a construção dessas 
personalidades, a relação de convivência com pessoas mais velhas, bem como o 
envolvimento nos movimentos internos, são estruturas que norteiam essa trajetória. Para 
além da vivencia, sobretudo se constitui indiretamente em formação, uma relação de 
aprendizado ao apreender os saberes, passados através das pessoas sábias nos povos. O 
que neste sentido requer fazer menções aos diferentes espaços de representatividade em 
que diferentes mulheres atuam. Mas buscando na história, a partir da memória de nossas 
interlocutoras até a atualidade. 
Nesse sentido, vamos traçando uma caminhada aos espaços onde estas mulheres estão 
partícipes e como suas atitudes marcam suas presenças, desta forma traduzindo através 
de um contexto momentâneo o histórico de diversas formas organizativas em nível de 
Estado de Pernambuco ou relacionado a este. O que SACCHI (pp. 99) sinaliza para 
“níveis distintos de participação”: 
Esse processo organizacional, portanto, é dinâmico e tem sido 
resultado dos impactos promovidos pela ação do Estado e das 
sociedades não indígenas, além das condições individuais e sociais das 
próprias indígenas. (2003, pp.99) 
A esse respeito, mapeamos atividades cotidianas nas aldeias e blocos de eventos com 
temáticas comuns, que ocorrem em contextos que envolvem participantes de todos os 
povos em Pernambuco. E desta forma, ao tratarmos dos mais diversos contextos, 
 28 
podemos atribuir a um formato único de relação: o elo que liga todos esses contextos 
(que trataremos no próximo capitulo) com a Articulação dos Povos e Organizações 
Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espirito Santo (APOINME) enquanto 
organização indígena regional que congrega o coletivo de organizações de base na sua 
área de abrangência. 
Cada Unidade da Federação componente da APOINME é denominada de Micro Região, 
as quais são representadas dentro da organização por chamados/as de coordenadores/as 
de Micro (estaduais). Já em relação ao Departamento de Mulheres Indígenas (DMI), 
dada a pouca visibilidade das questões das mulheres dentro do movimento indígena, em 
alguns Estados há a figura da representação das mulheres nas Micro região, uma espécie 
de ponto focal, que ora é chamada de representante no Estado de origem. 
Então, faremos menção de como e que quantitativo aproximado tem a participação de 
mulheres no que tange ao nosso campo de observação. Pois, o conjunto das questões 
que abrange a luta pelos direitos constitucionais das populações indígenas consiste 
enquanto missão da APOINME. Dessa forma, focamos as lideranças femininas nos 
movimentos de luta pela terra, educação escolar, saúde e subsistência que consistem em 
um debate maior dado a relevância na vida das pessoas bem como se dá a execução 
desses serviços pelo poder público. 
Mas, não menos importantes, vamos aqui pontuar outras instituições de caráter e mistos, 
pois atendem homens e mulheres, mas coletivos porque se destinam a uma população 
que inclui índios e não índios. Nesses espaços as mulheres se destacam na defesa da 
presença indígena na busca de seus direitos e no reconhecimento de suas diferenças. A 
especificidade dessas organizações é poderem está ligadas as bases como as 
organizações de jovens e mulheres, bem como as associações comunitárias. Mas podem 
ultrapassar as fronteiras das aldeias e estarem compondo Conselhos Municipais e 
estaduais de varias naturezas. Para MACHADO, (p.30). 
Neste sentido, a luta das mulheres indígenas, ou a participação de 
mulheres na luta dos seus povos recebeu incremento com os espaços 
conquistados nas instâncias de direção das organizações indígenas e 
na formalização de conselhos e organizações próprias das mulheres. 
 29 
O que julgamos importante é buscarmos aportes históricos nessas trajetórias, que 
mesmo diversas, mas trazem elementos, detalhes ou fatores que contribuem com a 
visibilidade dessas identidades. São registrosque pontuam atividades coletivas 
institucionais relativas aos anos de 2017 e 2018, tempo específico da nossa pesquisa ou 
a tempos que historicamente se relacionam a este período. 
II.II DOS ESPAÇOS QUE TRATAM DE EDUCAÇÃO ESCOLAR 
Em Pernambuco, falar sobre o inicio da organização de mulheres indígenas é sem 
sombra de duvidas recorrer a histórias de lideranças femininas a frente de uma das 
maiores organizações indígenas no Estado, a COPIPE. É pontuar sobre a sua influencia 
na ampliação de outros campos coletivos do movimento indígena, por exemplo, as 
organizações de mulheres. 
Embora o protagonismo das mulheres lideranças seja secular, e que inspiram a essa 
nova geração pós anos 1990, mas a partir de um marco temporal relativo a uma nova 
retomada das discussões sobre educação escolar indígena, novas reflexões são 
fortalecidas diante de alguns dilemas nos lares das professoras que representavam seus 
povos no movimento de educação escolar. 
As lideranças femininas a frente deste movimento foram sendo constituídas no decorrer 
de uma luta a cerca do direito relacionado à instituição escola presente nos territórios 
indígenas e aos elementos objetivos e subjetivos a ela relacionados. Neste caso, dada à 
visibilidade neste papel de influencias, e consequentemente está em um espaço de 
poder, devido a sua função social própria, mas também pelas relações que a partir dali 
são tecidas. 
Embora anterior ao ano de 1999, já viesse acontecendo uma mobilização por parte das 
lideranças indígenas, no sentido de refletir sobre “a escola que tínhamos e a escola que 
queríamos”, trazendo a tona, a necessidade gritante de uma escola que fortalecesse e 
valorizasse a cultura daqueles grupos, mas principalmente estivesse em prol de um 
projeto societário e de futuro. Esta mobilização é intensificada no ano de 1999 em 
especial, por força da legislação vigente que naquele contexto contemplava os ideais do 
movimento indígena e indigenista. Sobretudo pela necessidade que demandava os povos 
indígenas. 
 30 
 Nesse sentido, ao fazermos menção ao protagonismo das mulheres, poderia se pensar 
que naquele contexto, em Pernambuco em quantitativo, pois o número de mulheres 
professoras era maior. Mas em relação ao caso dos povos indígenas, havia uma 
característica diferente nessas profissionais, que diz respeito ao perfil. E atender esse 
perfil é exatamente para além do espaço escolar está para as lutas coletivas dos seus 
povos. Trata-se da relação de convivência com os demais membros da comunidade no 
que tange ao projeto societário, uma educação escolar que esteja articulada com a vida 
nas aldeias. 
Quando tratamos de questões referentes à educação escolar indígena, consequentemente 
vamos trazer o protagonismo das mulheres na estruturação da COPIPE enquanto 
organização indígena de âmbito estadual. A Comissão de Professores/as Indígenas em 
Pernambuco (COPIPE) desde a sua criação no ano 2000 é composta pela representação 
de duas professoras/es e uma liderança de cada um dos 11 povos que a compõe: 
Xukuru, Kapinawá, Tuxá, Pipipã, Kambiwá, Pankararu, Entre Serras Pankararu, 
Pankaiucá, Atikum, Pankará e Truká. A esse respeito, MENDONÇA, (pp.141, 2016). 
A Copipe é a primeira organização do movimento indígena na região 
formada majoritariamente por mulheres e liderada por elas. Assume a 
responsabilidade de investir no exame crítico da história da educação 
escolar indígena e propor ações de ruptura ao modelo de escola que 
negou a alteridade, o ser e o saber dos povos. Mais uma vez abriram o 
leque das alianças políticas e articulam um projeto coletivo envolvendo 
o Centro de Cultura Luiz Freire como assessor político do movimento. 
Estava desencadeado o projeto de escola para “formar guerreiros e 
guerreiras”. (2016, pp141) 
Essa participação mais efetiva de mulheres no campo da educação escolar indígena, em 
todos os povos e ao mesmo tempo, não se resume apenas aos muros dos prédios 
escolares, nem tão pouco a ações meramente pedagógicas. Mas alcança uma dimensão 
social muito intensa e de caráter crescente à medida que se interlaça a outras temáticas, 
a outros sujeitos internos e externos. Ou seja, perpassa o que comumente se trata a 
instancia escolar nas demais sociedades não indígenas. Para MENDOÇA, (2016, p. 
139): 
 31 
A discussão ampliada entre os povos indígenas em Pernambuco sobre o 
direito à educação escolar indígena foi potencializada a partir do ano 
de 1999. O marco deste levante é o surgimento do movimento de 
professoras/es indígenas coordenado pela Comissão de Professores/as 
Indígenas em Pernambuco (Copipe). 
No sentido de buscar os direitos a uma educação que responda aos anseios dos povos, 
traremos aqui relatos sobre momentos em que essas lideranças estão em atuação, ao 
mesmo tempo em que buscamos dar destaque a presença das mulheres e como suas 
atuações correspondem a perfis a elas atribuídos. 
Sobre a nossa observação na V Conferencia Estadual de Educação de Escolar Indígena, 
evento que se deu por promoção do Governo de Pernambuco, por meio da Secretaria 
Estadual de Educação (SEE), promovido nos dias 06, 07 e 08 de novembro de 2017. 
Denominada como “V Conferência Estadual de Educação Escolar Indígena”, realizada 
no município de Gravatá no Agreste do Estado. Com a presença de 11 povos indígenas 
pernambucanos, quando o objetivo do encontro foi consolidar as reivindicações dos 
povos para a melhoria da educação escolar indígena. 
Em relação ao período de realização da conferencia, vamos trazer também informações 
relacionadas há tempos que a antecede, uma vez que apesar da promoção do Governo 
do Estado, mas que varias reuniões aconteceu por parte da organização indígena 
COPIPE (Comissão de Professores/as indígenas em Pernambuco) no sentido de planejar 
e organizar a logística humana, bem como que temáticas se faziam coerentes a serem 
pautadas no âmbito daquela atividade com caráter de atender as demandas. 
Para chegar a um panorama geral, não basta apenas definir quem vai participar do 
evento, cujo formato e logística é considerado de médio porte, considerando o 
quantitativo de participantes. Nem tão pouco antecipar ou conhecer a programação, pois 
seriam apenas informações. Mas se requer uma postura e perfil de atitudes dos 
participantes, que nessas circunstancias organizativas vamos atribuir a habilidade na 
condução pelas mulheres coordenadoras de educação, estejam elas na coordenação geral 
ou pedagógica. Nesse caso, não seria só devido ao seu cargo, mas pelo seu perfil de 
liderança em conduzir as reflexões de cunho profissional, mas também relativas à 
espiritualidade que circula essas situações. 
 32 
Quando citamos o fator espiritualidade, queremos dizer que internamente nas aldeias há 
uma consulta ao/aos líderes espirituais, até mesmo no sentido de pedir a benção as/aos 
mesmas/os, ora para uma viagem tranquila, ora por estarem diante de atividades que 
demandem tomadas de decisão, entre outras coisas. 
Para os Povos Indígenas em Pernambuco é comum começar seus encontros/assembleias 
com um ritual sagrado, nesta ocasião com a participação de todos os povos presentes, 
onde cada um apresenta o seu ritual próprio que aqui vamos citar em especial as “linhas 
de toré”, uma vez que esses cantos são específicos da cultura de quem os fazem. Apesar 
das diferenças entre cada povo, buscamos em ARCANJO, (2007, p. 68) uma explicação 
que se aproxima de um entendimento geral: 
As performances do Toré trazem, imbricados, os elementos 
diferenciadores da identidade étnica, informações quanto a 
reelaboração da cultura, a relação com o passado e é a linguagem que 
comunica a existência de uma unidade social possuidora de seus 
mecanismos de controle. Os diferentes estudos etnográficos sobre as 
performances do Toré enquanto um fenômeno comum à maioria dos 
povos indígenas no Nordeste, a têm registrado com uma terminologia 
“nativa” muito variada, como: “brincadeirade índios”, “brincadeiras 
de caboclo”, “ritual”, “costume dos índios”, “pisada de caboclo”; 
“toante”, “idioma”, “particular”, “Aricuri”, “Ouricuri”, “folguedo 
dos índios”, “cienciazinha”, “religião” e como uma “missa”. [...] 
Em respeito às crenças e o que é sagrado para cada um dos povos presentes, é parte da 
pauta iniciar ou abrir os trabalhos com o ritual envolvendo o toré, que mesmo havendo 
diferenças na forma de execução e apresentação de cada povo, devido os laços de 
amizade e contato de outros encontros entre os povos, é opção dos presentes de cada 
grupo participa ou não deste momento. 
Então, no espaço onde estará acontecendo o encontro, um grupo de pessoas se dirigem 
bem à frente, enquanto as demais ficam de pé (em sinal de respeito) acompanhando a 
cerimônia. Geralmente as pessoas que estão à frente são caciques, pajés e outras 
lideranças tradicionais que costumam atuar em âmbito escolar, ou apenas acompanhar o 
grupo do seu povo no sentido de fortalecer, uma vez que estão presente no conjunto de 
lutas por direitos. 
 33 
Ficar de pé não é apenas sinal de respeito ou educação, uma vez que ficar sentado/a 
significa ou que está doente ou dando pouca importância ao momento, já que está 
acomodado/a de forma a não dá tanta importância. Mas essa atitude considerada de 
desrespeito não acontece uma vez que sobre tudo estão conduzidos/as por uma 
concentração a fim de trazer energias positivas no sentido de fortalecer a espiritualidade 
do grupo, para que ocorra tudo em paz e com resultados satisfatórios para todos/as. 
Nesse momento em especial, o grupo que está à frente com o ritual é composto por 
aproximadamente cinquenta pessoas e destas, de quinze a vinte são mulheres, onde em 
proporção bem menor, mas que também são caciques, pajés e lideranças. Portanto, 
mesmo que estejam em número menor também assumem a parte ritualística do seu 
povo, como por exemplo, o Povo Tuxá, cujo histórico de tradição matriarcal, 
principalmente na questão da cultura daquele povo, conforme a jovem pajé Aline em 
relação ao papel de liderança que afirma “ser uma indicação da natureza sagrada, bem 
como o inicio da organização social do seu povo, ter sido conduzido por mulheres”. Conforme 
RAMOS, pp. 23, 2015: 
A vivência nas aldeias trás a figura das grandes mulheres líderes como 
algo que a natureza apresenta ao mundo. Por isso, podemos destacar 
que seu relacionamento com os demais membros da comunidade a qual 
pertencem são de vários cunhos. Um primeiro e de importância 
singular é que trazem consigo um dom natural, ou seja, tem uma 
habilidade de conduzir seu povo nas diversas situações cotidianas. 
Tornam-se líderes comunitárias, adquire o respeito de homens e 
mulheres, o que nesse sentido estão sempre participando de questões 
diversas. (2015) 
Para este momento não há distinção ou separação, se homem ou mulher está puxando o 
ritual. É um momento de está conduzindo um coletivo, representando um povo, 
irmanado com outros povos. São pessoas que incorporam e/ou evocam o sagrado. 
Também não há distinção se jovens ou se pessoas de mais idade estão na condução, se 
trata de uma relação de pessoas com a fé. Pois nessa ocasião, lideranças religiosas são 
pessoas dotadas de determinações divinas, escolhidas pela mãe natureza, portanto 
guardiãs e detentores/as dos saberes tradicionais que pode ser homens e mulheres, 
jovens e mais velhos/as. 
 34 
Sobre pessoas mais velhas, lideranças ou com status de, pois são consideradas sábias 
dentro das aldeias, conselheiras e orientadoras, seja da família a qual pertence ou 
demais pertencentes ao grupo. São vistas como bibliotecas vivas, então, mesmo não 
sendo funcionários da instituição promotora do encontro, mas a elas são garantidas 
vagas enquanto partícipes. 
No entanto, nesses rituais, onde cantos são predominantes, poderá acontecer que esses 
cantos possam ser acompanhados de danças, que serão guiadas pelo grupo titular do 
ritual em curso, (chama-se ritual a ação coletiva, mas também as específicas) que pode 
ser seguida pelos demais presentes. De forma que a dança do toré, além de um elemento 
próprio da identidade, cujos movimentos corporais significam também o fortalecimento 
do grupo e da ocasião. 
Assim durante o período em que acontece a atividade, os trabalhos do dia são iniciados 
após a realização do ritual sagrado, ora cantados por todos os povos (um de cada vez), 
ora por parte dos povos. Porém, todos/as acompanham os cantos, ou ampliando o coro 
de vozes, ou apenas balançando seus maracás. O encerramento também se dá com o 
ritual sagrado, para dar graças aos espíritos sagrados pelo sucesso ou pela paz durante 
os trabalhos. Mas também para pedir um bom retorno para casa, com segurança e 
tranquilidade. 
Estamos mencionando o inicio e o final dos trabalhos, mas no decorrer do dia poderá 
acontecer momentos que vai requerer um desses cantos sagrados, geralmente para 
acalmar os ânimos, em horas chamadas “pesadas”. E em outros momentos como noites 
ou apresentações culturais. De forma que aquele grupo ali presente vai está sempre 
preparado para essas ocasiões. 
No decorrer da realização destes encontros, bem como em outros, também nos interessa 
em especial é em que situações acontecem às falas, as intervenções das mulheres, tanto 
nas participações nas mesas, quanto partindo das plenárias. Então: “De quem é a fala?” 
“Quem faz as intervenções na maioria das vezes?” “É dada a devida atenção e respostas 
a essas falas?” 
A nossa compreensão sobre a legitimidade das abordagens feitas nos debates e os 
resultados alcançados ao final daquele conjunto de trabalhos, se deu em especial pela 
experiência nas questões indígenas desde as bases até o diálogo, debate e negociação 
 35 
com entes das instancias governamentais, atribuídas aos objetivos e demandas daquele 
coletivo de participantes. E nesse contexto buscamos observar de maneira mais peculiar 
que o acúmulo dessas experiências por parte das mulheres no desenvolvimento das 
atividades. 
As ações relativas às questões de educação escolar advêm de planejamentos prévios, 
sejam nas reuniões internas ou em grandes assembleias, como é o caso dos encontrões, 
que se constituem como as maiores assembleias indígenas em Pernambuco. Inclusive se 
dispondo a analisar a conjuntura de outras temáticas contidas na pauta do movimento 
indígena. 
No contexto histórico de uma oferta muito deficiente da educação escolar em Terras 
Indígenas por parte dos municípios, cujo cenário se unia com os conflitos relativos a 
terra, caos que se instalara junto aos invasores, teria sido um dos motivos que levara a 
necessidade do chamamento principal a todos os povos indígenas de PE para se unirem 
e se organizarem, desta vez nos chamados “encontrões” que há vinte anos são realizados 
nos territórios indígenas. Foi quando em novembro de 1999 na aldeia Pé de Serra, 
Território Xukuru, município de Pesqueira, PE foi realizado o histórico “Primeiro 
Encontrão”. O que naquele momento se configurou em clima de um chamado para 
organização dos povos a partir do seu professorado e lideranças indígenas, que diante de 
um cenário de negação de direito a uma educação escolar que realmente retratasse o 
interesse de seus povos. 
A recém-lançada Resolução 03/99 e o Parecer 14/99, ambos da Câmara de Educação 
Básica do Conselho Nacional de Educação, documentos considerados “um divisor de 
águas” na convivência com o Governo do Estado em relação à reinvindicação de 
políticas públicas para as escolas indígenas. Uma vez que aquele documento em um de 
seus artigos apontava para a estadualização daquelas unidades escolares. Ali estava 
configurado de fato o que seria as Diretrizes para aquela modalidade de ensino. 
Conforme MEDONÇA, pp. 147, 2016. 
Os Encontrões produziram outros efeitos importantes na agência das 
mulheres indígenas: a demonstração da ampla capacidade de 
mobilização e articulação política. Alémdisso, e na medida em que a 
articulação dos povos se dava nestas reuniões, as mulheres foram se 
 36 
posicionando como autoridades intelectuais na condução deste 
movimento e da política estadual. 
A realização dos Encontrões de Educação Escolar Indígena é considerada uma das 
maiores assembleias indígenas em Pernambuco. Desta vez dada à dimensão de 
envolvimento dos povos, desde os seus planejamentos até a participação do maior 
numero possível de pessoas e suas respectivas comunidades educativas. Neste sentido, 
além da comunidade do território indígena que recebe o encontrão, vamos contar com 
mais de mil pessoas vindas dos demais territórios. Assim sendo, um dos aspectos que 
mais chama atenção é uma atividade desse porte, que já está na trigésima terceira 
edição, ser realizada do ponto de vista financeiro, totalmente bancado pelos povos 
indígenas, no entanto sem intervenção de instituições governamentais. 
A edição que destacamos aqui, a título de observação para esta pesquisa deu-se no 
Território Xukuru, Aldeia de Cimbres, município de Pesqueira, PE no período de 23 a 
26 de novembro de 2017. O dia 23 foi reservado para a chegada das delegações, de 
forma que principalmente no horário da tarde e a partir daí até a noite vão chegando os 
povos em veículos de diversos tamanhos, de muitos carros pequenos a vários ônibus. 
Enfim, a finalidade é que todos e todas sejam acolhidos para participarem com 
disposição das atividades do dia seguinte. 
Então, pelo hábito/cultural ritualístico dos encontros que congregam o coletivo de 
Povos Indígenas em Pernambuco, essa nossa narrativa pode parecer repetitiva, no 
entanto consideramos trazer aspectos que firmam uma identidade construída de 
especificidades diferentes (a união/reunião dos povos), quando rompem com costumes 
não indígenas, por exemplo, as mesas de abertura, de boas vindas ou das autoridades. E 
começam seus trabalhos trazendo para a “as mesas de abertura” a evocação a seus 
antepassados, com o ritual sagrado. 
Desta vez para começar com o ritual, o cacique Marcos Xukuru, anfitrião da casa dá as 
boas vindas a todos e todas, dizendo que “sintam-se em casa”. Fala em nome do 
Conselho de lideranças do Povo Xukuru, instancia deliberativa naquele território. E 
nesse momento mais de mil pessoas entre professores/as e lideranças estão presentes, 
quando são convocadas lideranças religiosas e caciques para que seja feita a abertura 
evocando nossos antepassados. 
 37 
Assim as pessoas puxadores de rituais vão se colocando a disposição para puxar o ritual 
de seu povo. Nesse momento em especial Pankará evoca e saúda os antepassados que 
tombaram na luta, as águas, as matas e as montanhas. É quando vamos quantificar a 
participação entre homens e mulheres, vemos que das cem lideranças a frente do ritual 
sagrado, vinte são mulheres, mesmo que em número menor, com igual espaço de direito 
e oportunidade em exercer a mesma atividade que os homens. Considerando que dos 
doze povos de Pernambuco, naquele momento onze estão presentes. 
Nesse encontro, por ser um quantitativo de pessoas considerável está acontecendo em 
uma quadra de esporte escolar, que geometricamente falando tem um formato 
retangular, o conjunto de presentes assumem uma organização oval, mesmo que fiquem 
pessoas atrás umas das outras, mas o formato oval se aproxima da forma circular que 
costuma acontecer os rituais sagrados, quer seja apenas com canto e orações ou quando 
se inclui danças também. No entanto, caciques mulheres estão na linha de frente 
juntamente com caciques e demais lideranças homens. Nesse sentido, podemos afirmar 
numericamente que atividade especifica vinte por cento (o que não é uma regra) das 
lideranças são mulheres a frente do ritual sagrado de abertura. 
Desta vez quase durante todo o ritual, os cantos foram feitos por homens, e as mulheres 
ajudaram nos cantos. Dizemos ajudar no sentido de que as vozes enquanto canto, são 
instrumentos de fortalecimento. Dessa forma, quando cada povo é citado/chamado a 
puxar seu ritual (canto) os membros da respectiva etnia se mobiliza em forma de 
movimentar-se se aproximando de sua liderança através da voz, uma vez que todos e 
todas estão de pé em sinal de respeito, por ser um momento considerado sagrado. 
Mas logo, uma mulher puxa um ritual, depois outra mulher, e agora uma mulher 
Xukuru: Dona Zenilda, uma grande liderança dentro do povo Xukuru e também 
referencia para outros povos, que nesse momento saúda os elementos da natureza, 
“salve as águas, salve as matas, salve a mãe Terra” e todos presentes respondem 
“salve”. 
Mas também vamos poder observar que nessa ação de movimento corporal em que se 
tenta se aproximar de forma que não atrapalhe a condução da ação, haverá momentos 
em que poucas pessoas vão também se aproximar. No caso do canto Pankararu, nesse 
momento, uma ou outra mulher vai se aproximando para fortalecer os homens. Então, 
 38 
traremos para essa ocasião, a compreensão sobre relação de dualidade indígena. A esse 
respeito, conforme CEGATO (pp. 122): 
O gênero, assim regulado, constitui no mundo-aldeia uma dualidade 
hierárquica, na qual ambos os termos que a compõem, apesar de sua 
desigualdade, têm plenitude ontológica e política. No mundo da 
modernidade não há dualidade, há binarismo. Enquanto na dualidade a 
relação é de complementaridade, a relação binária é suplementar, um 
termo suplementa o outro, e não o complementa. Quando um desses 
termos se torna “universal”, quer dizer, de representatividade geral, o 
que era hierarquia se transforma em abismo, e o segundo termo se 
converte em resto e resíduo: essa é a estrutura binária, diferente da 
dual. 
Vamos remeter a questão de dualidade indígena para além das questões de gênero e 
sobre a importância das lideranças tradicionais, que se configuram e pajés, caciques e 
detentores/as de saberes tradicionais, também ligadas à espiritualidade que em ocasiões 
desse porte transportam seus papeis direto das aldeias para se unirem as pessoas 
consideradas lideranças políticas. Essa segunda categoria pode ter o perfil da primeira, 
todavia, devido possuem uma identidade de entendimento mais técnico sobre os 
assuntos que se colocam a debater, e até no sentido estarem mais ligadas à luta por 
questões institucionais, como educação escolar, saúde, enfim, contextos administrativos. 
Ao terminar o ritual de abertura, onde todos os povos presentes em igualdade de 
importância puderam participar na execução daquela ação. E dando continuidade aos 
trabalhos, o cacique Marcos passa a coordenação do evento para Valdenice Xukuru e 
Pretinha Truká que trazem uma retrospectiva até então dos dezoito anos da COPIPE. A 
necessidade de trazer esse histórico para a pauta do dia, se dar devido a importância 
desta organização em aspectos que mudam a rotina dos povos no que diz respeito a lutas 
e conquistas. Mas também devido ao quantitativo de pessoas novatas que apesar de 
serem indígenas, mas a pouco ingressaram no movimento indígena, enquanto 
profissionais, fator que requer entendimento sobre a organização em suas bases, mas 
sobre tudo na forma de se relacionar com outras bases e instituições. 
A mesa que tratou de concepções de currículo foi composta por cinco mulheres, cuja 
participação exclusiva de mulheres, nesse momento nos revela que certas vertentes da 
politica de educação é de domínio das mulheres, não por acaso, mas dada a hierarquia 
 39 
de importância na sociedade não indígena, portanto na cultura da instituição escola no 
Brasil. 
Após a constituição de um Grupo de trabalho para discussão sobre elementos 
constitutivos do currículo intercultural para as escolas indígenas em Pernambuco. Grupo 
esse que seria responsável por receber materiais escritos dos povos, cujo resultado final 
seria a formatação de um texto que atendesse as proposições de todos os povos. Para 
esse encaminhamento que aconteceria pós conferencia e umespaço reservado, mas 
definido que seria na cidade de Floresta. 
A participação em mesas temáticas traduz o potencial das mulheres da COPIPE em 
conduzir as discussões sobre assuntos pertinentes à pauta, revela a experiência 
acumulada em duas décadas de militância no campo da educação escolar indígena. Uma 
militância que se dá tanto na implementação de uma gestão diferenciada nas aldeias, 
formato diferente do que anteriormente era proposto pelos municípios. E quanto em 
dialogar com o poder publico sobre a necessidade de reconhecer essa gestão. 
Em relação à comissão eleita para escrever o currículo, a maioria eram mulheres, não 
por acaso, pois conforme a nossa observação, no campo da execução da educação 
escolar indígena, os homens se dedicam mais a questões como transporte, execução de 
serviços braçais, etc. E mais recentemente tem aumentado as suas participações do que 
tange ao diálogo com as autoridades governamentais, o que até então era demanda 
máxima de participações femininas. Em uma visão mais contemporânea sobre gênero, 
buscamos um entendimento em ALBERNAZ & LOGHl (2009, p. 85), quando afirmam: 
Por fim, mas não menos importante, gênero se constitui numa das 
primeiras formas para significar e distribuir o poder. Ou seja, as 
classificações culturais realizadas com base no gênero, no ocidente, 
são utilizadas para legitimar a distribuição do poder entre as pessoas. 
Tende-se a considerar superior, mais forte e mais poderoso o que é 
classificado culturalmente como masculino. O que é classificado 
culturalmente como feminino é significado como menor, mais fraco e 
com menos poder, devendo ficar na esfera da proteção e da submissão 
ao masculino. 
Nesses vinte anos de negociações com o Governo do Estado, os homens vão chegando a 
esse espaço que até então era majoritariamente ocupado por mulheres. São caciques e 
 40 
professores componentes da COPIPE em seus povos que foram substituindo as 
mulheres no decorrer desse período. Sem dúvida atualmente a questão da educação 
escolar nos povos indígenas é um espaço de poder no sentido da negociação constante. 
Para MENDONÇA, (2016, P. 145): 
É possível afirmar que em Pernambuco a atuação política de um 
coletivo de mulheres, disputando projetos políticos nas aldeias e no 
espaço público, só veio a ocorrer com a formação da Copipe ao final 
da década de 1990. As mulheres-professoras que representam seus 
povos na Comissão passam a desempenhar a responsabilidade direta 
na interlocução com o Estado; campo de atuação exercido 
principalmente por lideranças masculinas, com raras exceções na 
região. 
Os encontrões da COPIPE não demandam apenas questões relativas à educação escolar 
indígena, mas consiste debater as demais questões da politica indigenista, bem como em 
firmar parcerias e apoiar a causa. Nesse sentido não apenas está inserida na APOINME, 
como está para apoiar a organização. Na programação desse encontrão em especial 
estava um bingo para contribuir débitos junto à receita federal, considerando que nos 
últimos quatro anos a APOINME esteve inapta a captar recursos. E aconteceu, na 
avaliação da coordenação, os resultados foram satisfatórios. De forma que o Encontrão 
do qual estamos falando foi considerado exitoso na avaliação das pessoas participantes. 
Assim foi encerrado como todas as atividades indígenas de cunho coletivo com um 
ritual. 
A participação majoritária de mulheres na organização COPIPE marcou um novo tempo 
diante do movimento. Um tempo de fortalecimento com a presença de lideranças 
femininas no campo das discussões sobre educação escolar, mas sobre tudo que se 
amplia para outros campos. Pois começou a se romper um paradigma para além das 
relações de convívio nas aldeias com seus familiares e a comunidade de origem, 
seguindo em direção ao diálogo e debate com autoridades governamentais. 
As saídas constantes das aldeias para reuniões na capital bem como os 
encaminhamentos para resolução de questões administrativas pontuam bem o papel 
relevante dessas mulheres. No entanto outros desafios foram postos, principalmente no 
espaço domiciliar, no sentido de explicar aos seus e familiares à razão dessa 
 41 
movimentação profissional. Bem como no âmbito da aldeia, uma vez que passam a 
viver uma rotina diferente. Principalmente em espaços interioranos, dada à cultura de 
subalternização das práticas femininas, onde o protagonismo de mulheres desperta a 
curiosidade e comentários maliciosos das demais pessoas. Para RAMOS, (2015, p. 06) 
Nesse contexto em especial, se faz necessário compreendermos que 
Pernambuco é uma das mais antigas regiões a ter contato com o 
colonizador, situação que marca algumas intervenções na nossa 
cultura, portanto, (maus) costumes vêm sendo instalados na nossa 
sociedade. As observações e estudos vêm confirmar que essas 
desigualdades crescem a partir do capitalismo, patriarcado e 
exploração colonial. 
No entanto, por parte das professoras indígenas que lideravam essa desenvoltura em 
lidar com o público se dava em principio pelo aprendizado através das práticas 
educativas apreendidas com as mulheres mais velhas e os homens velhos das aldeias. 
Ou seja, a educação indígena enquanto participação nos movimentos internos, nas 
experiências com as retomadas, reuniões e assembleias. 
Embora a opressão masculina venha atingir também as professoras, pois aqui estamos 
escrevendo sobre um grupo seleto, com prática até então pouco comum nas aldeias, uma 
vez que até então os municípios eram administradores da educação escolar. A instituição 
escolar é organizada a partir da lógica social na qual estamos inseridos. (ALBERNAZ & 
LOGHl, 2009, p. 90) Então, romper com essa lógica significava descontruir conceitos, 
tanto em relação as práticas pedagógicas que estavam postas pelo sistema de ensino 
nacional, quanto assumir de fato um postura em que as professoram assumiriam o papel 
de lideranças que ora era requisitado para compor essa educação, que demandava de 
transformação em prol de um projeto coletivo. 
No entanto, velhos paradigmas ainda estão presentes nas escolas indígenas, certas 
caixinhas do modelo tradicional da escola não indígena são fantasmas que vagam na 
prática e se fazem questionar quando hora ou outra se colocam diferentes. Assim são os 
instrumentos pedagógicos que requer travar uma luta ideológica com o sistema vigente. 
Como é apresentado na pesquisa de ALBERNAZ & LOGHl, (2009, p. 91): 
 42 
Além disso, como bem lembrou uma professora, as funcionárias de 
serviços gerais são predominantemente mulheres, os porteiros são 
invariavelmente homens e as merendeiras, mulheres. Enfim, o ambiente 
escolar é construído reproduzindo a divisão sexual do trabalho 
tradicional. 
Um exemplo valioso como resultado concreto da participação dual dessas lideranças 
professoras é criação do Conselho Estadual de Educação Escolar Indígena, enquanto 
espaço de controle social. Aprovado pelo plenário do Conselho Estadual de Educação o 
PROCESSO Nº 72/2004 em 24/08/2004, como PARECER CEE/PE Nº 79/2004-CLN, o 
Projeto de Lei de criação do Conselho Estadual de Educação Escolar Indígena. Apenas 
em 2008 o Conselho tem seu regulamento aprovado do Decreto 31.644, de 08 de abril 
de 2008. 
Portanto, ao contextualizar a trajetória da educação escolar indígena nesses últimos 
vinte anos, consistem também em observar suas formas de aplicabilidade nas aldeias e 
pelos mecanismos governamentais, vamos encontrar entraves e conquistas. Mas uma 
luta constante através das sujeitas que aqui fazemos menção. Que a partir de suas 
reflexões sobre o papel da mulher indígena em seus territórios, abrem caminho para 
outras agentes de transformação, e se tornam corresponsáveis para a instituição do 
formato de organização de mulheres em Pernambuco. 
II.III Das atividades relativas a saúde. 
Para os Povos Indígenas em suas maneiras de viver antes e após o contato com o 
colonizador, havia e há convivência

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