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AULA 3 METODOLOGIAS ATIVAS Prof.ª. Lígia Maria Bueno Pereira Bacarin 2 CONVERSA INICIAL Cursistas, nesta aula, abordaremos vários temas que nos ajudarão a compreender e a trabalhar cada vez melhor com as metodologias ativas. Assim, é importante ficarmos atentos quanto aos temas estudados, embora às vezes possamos ou temos o sentimento de que determinado tema não tem relação com as metodologias, pois, no decorrer do estudo, as metodologias não aparecem explicitamente. Eis aí um engano, uma vez que, ao estudarmos e analisarmos os mais diversos temas que estamos vendo no decorrer das aulas, torna-se necessário pensarmos em como colocar ou compreender essas diversas temáticas na perspectiva das metodologias ativas. Nossa aula está organizada em temas, os quais serão vistos em linhas gerais. Quanto ao aprofundamento deles fica sob a responsabilidade de cada um, ou seja, é fundamental ficar alerta e observar quais são os mais necessários ou com qual deles você mais se identifica, para, com base nisso, buscar um estudo mais aprofundado nas referências adotadas e em outras que consequentemente deverão ser buscadas. Nesta aula, veremos o conceito de educando, uma breve evolução da comunicação e alguns de seus efeitos, e conheceremos mais sobre indústria cultural, conceito de ideologia e algumas de suas características. Na sequência, vamos resgatar os significados de cultura erudita e cultura popular, depois o entendimento de cibercultura na perspectiva do filósofo Pierre Lévy e, por fim, a importância da mídia-educação. Então, com aquele entusiasmo e disposição em estudar, vamos lá! CONTEXTUALIZANDO Podemos conceituar educando como um membro da sociedade que possui caracteres de sociabilidade, historicidade e praticidade, é um sujeito que vai em busca de conhecimentos, em processo constante de aprendizagem e, para tanto, necessita da mediação do educador e de outras mais. Esse conceito deve permear nossas discussões no decorrer desta aula. TEMA 1 — BREVE EVOLUÇÃO DA COMUNICAÇÃO Comunicar é mediar, fazer a passagem do individual ao coletivo, promovendo a socialização e a formação da identidade por meio da qual o sujeito 3 possa vir a adquirir consciência de si e interiorizar comportamentos no processo de troca de mensagens. Com o desenvolvimento dos meios eletrônicos de comunicação, ou melhor, das Tecnologias de Informação e Comunicação — TIC, muitos pesquisadores e estudiosos têm se dedicado a entender, por meio de análise teórica e prática do fenômeno da comunicação, sua natureza, suas causas e as consequências de seu impacto na sociedade. Recuperando em linhas gerais a origem histórica da comunicação, podemos dizer que ela se faz presente desde tempos imemoriais, isto é, desde o aparecimento do ser humano na Terra. No entanto, num primeiro momento, ela corresponde à fase da civilização oral, anterior ao advento da escrita, quando a comunicação se dava pela fala, gestos e gravuras. É bom ter a noção de que a escrita surgiu em épocas diferentes nas variadas civilizações. Assim, seus primeiros registros entre os sumérios ocorreram em torno do ano 3000 a.C.; na China, em 1500 a.C.; e na Mesoamérica em 300 a.C. Esses distanciamentos de datas servem para nos mostrar que processo de desenvolvimento das sociedades humanas não aconteceu e não se dá de forma homogênea. O aparecimento da escrita não trouxe grandes rupturas, já que a comunicação continuou como antes, mas a escrita passa a tomar parte em grupos restritos de sujeitos. A grande explosão, vamos dizer assim, da escrita se dá no século XVI com a invenção da imprensa, que possibilita maior difusão e, por fim, um terceiro momento, na contemporaneidade, devido ao advento e ao desenvolvimento de vários meios de comunicação, como rádio, cinema, televisão, telefone, entre outros. A indústria cultural do século XX permitiu que as comunicações se alterassem, e os meios de comunicação de massa passaram a influenciar de forma marcante as sociedades contemporâneas. Eles encurtam distâncias, transformando a Terra numa aldeia global, mais conhecida pelo processo de globalização, o qual atingiu todos os campos: a política, a economia, o comércio, a arte, os gostos, a cultura, a industrialização e até o crime organizado. O volume de (des)informações veiculado pelos meios de comunicação de massa, aliado ao impacto por eles produzidos, decisivamente influencia, de forma positiva e negativa, tudo e todos, homogeneizando e descaracterizando culturas tradicionais em prol de novas culturas, nem sempre benéficas para as sociedades humanas. 4 1.1 Alguns efeitos de comunicação de massa Rádio, cinema, televisão, jornais e revistas de grande circulação são considerados mass media — conjunto dos meios de comunicação de massa. Existem várias questões relacionadas a esses meios que devem interessar a nós, como estudantes e possíveis pesquisadores, mais precisamente o tipo de influência que eles exercem na formação do sujeito contemporâneo e, por consequência, qual deve ser a posição do educador diante deles, e por extensão, também a dos educandos. São grandes e muitas as controvérsias sobre os meios de comunicação: questiona-se se eles massificam, alienam, formam a opinião pública, incentivam o consumismo, levam à passividade ou à agressividade, instigam a paz ou a violência, determinam gostos etc. Sem entrarmos em detalhes acerca dessas controvérsias, é necessário e importante que entendamos que esses meios reproduzem e reforçam as ideologias (mais adiante veremos e estudaremos o conceito de ideologia), as quais refletem os interesses e as normas de conduta da classe dominante. Um noticiário que se apresenta com objetividade, com informações aparentemente neutras, é resultado de seleção e interpretação, dando maior ênfase para essa ou aquela notícia ou fato e, muitas vezes, descuidando de dados e fatos extremamente necessários para a interpretação e a (in)formação. Tomemos como exemplo, aqui, um fato bem próximo a nossa realidade de educador e educando: a greve de professores. Em geral, quando professores decretam greve por tempo indeterminado, os meios de comunicação quase que na sua totalidade procuram dar ênfase ao fato de crianças, adolescentes e jovens ficarem sem aula e não à luta por salários mais justos, melhorias nas estruturas dos estabelecimentos de ensino, como: sala de aulas compatíveis, biblioteca, área de lazer, área esportiva, jardins, refeitório, materiais didáticos etc. Essa é uma forma de escamotear os reais motivos da greve e sutilmente tomar partido, tomando um lado que não é o dos professores nem dos alunos, mas geralmente de uma administração governamental que não engendra políticas educacionais necessárias ao atendimento que a população merece e precisa. Portanto, uma mesma notícia pode ser dada de diferentes maneiras, a depender dos interesses que estão em jogo. Nesse sentido, devemos ficar atentos para não pensarmos e acreditarmos que todas ou quase todas as influências 5 exercidas pelos meios de comunicação de massa afetam mecanicamente as pessoas restando a elas nenhuma possibilidade de reação. Em fins dos anos 1950, surgem estudos que procuram desfazer o mito do poder de manipulação dos mass media. O usual é que seus efeitos massificantes tenham chances de ocorrer com maior impacto em sociedades altamente repressivas e nas quais existem grandes monopólios dos meios de comunicação, como é o caso do Brasil, em que os meios de comunicação são submetidos a severo controle e direcionamento de interesses privados. Já em um sistema de livre discussão e pluralista, essas chances tendem a se tornar mais acessíveis. O desenvolvimento da tecnologia fomentou a multiplicação de fontes de difusão e a concorrência entre os mass media, o que poderia significar uma saudável diversificação. Nessas circunstâncias,a opinião e o desejo do público não seria propriamente dirigida, manipulada, e a mídia tenderia a confirmar, consolidar ou ampliar as opiniões já existentes, das quais não é causa direta. TEMA 2 — INDÚSTRIA CULTURAL Este tema foi elaborado à luz dos estudos de Chaui (2000) e Coelho (1993). O termo “indústria cultural” foi criado pelos pensadores alemães Theodor Adorno (1903-1969) e Max Horkheimer (1895-1973), a fim de designar a situação da arte na sociedade capitalista industrial. Seguindo as regras impostas pelo mercado, a indústria cultural se afirmou a partir dos anos 1970, na fase conhecida como pós-industrial o pós-moderna, defendendo o consumo de produtos culturais fabricados em série. Segundo essa ideologia, a exemplo de tudo o que há no capitalismo, a obra de arte passa também a ser uma mercadoria. O principal efeito da indústria cultural sobre as artes foi a sua massificação. Os efeitos foram imediatos, ou seja, produzida em larga escala, a arte transformou-se em símbolo de status, prestígio político e propaganda e publicidade, pelo fato de ser destinada ao consumo rápido nos meios de comunicação de massa e no mercado da moda. Isso faz com que, na atualidade, a obra de arte tenha se tornado repetitiva, transformada em eventos para consumo e valorizada segundo critérios do que está em moda. É preciso haver um processo de democratização da cultura, que considere os bens culturais como direito de todos e não privilégio de alguns, promovendo, para todos, o acesso à produção e às (in)formações culturais. 6 2.1 Conceito de ideologia O conceito que estudaremos é o elaborado pelos filósofos e cientistas sociais Karl Marx e Friedrich Engels (1993), segundo o qual a ideologia é uma imposição camuflada dos valores e das ideias de uma classe sobre as demais, ou seja, a partir do momento que a classe trabalhadora assume como correta e verdadeira a visão de mundo da burguesia, fica mais fácil para esta manter o controle sobre a sociedade como um todo. Marx percebe na ideologia objetivos claros. Vamos destacar três: o primeiro é o de assegurar uma determinada relação dos homens entre si e com suas condições de existência, adaptando os indivíduos às tarefas pré-fixadas pela sociedade. Portanto, a ideologia assegura a coesão entre os homens e a aceitação, sem críticas, das tarefas mais penosas e pouco compensadoras em nome “Deus” ou do “dever moral”, ou simplesmente como decorrentes da “ordem natural das coisas”. O segundo é mostrar uma realidade invertida, aquilo que seria a origem da realidade é posto como produto e vice-versa. A título de exemplo, a ideologia burguesa afirma que as diferenças naturais são as diferenças sociais, quando na realidade as desigualdades sociais são estabelecidas pela divisão social do trabalho e pelas relações de trabalho. Por último, está a inversão da maneira pela qual se estabelecem as relações entre teoria e prática, colocando a teoria como superior à prática, porque a antecede e ilumina. As ideias tornam-se autônomas e delas decorre a ação humana, não o contrário. 2.1.1 Algumas características da ideologia De forma sucinta vamos destacar quatro características da ideologia: a abstração, a universalização, a lacuna e a inversão. Abstração ─ na medida em que não se refere ao concreto, mas ao aparecer social. Um exemplo é a ideia de trabalho que aparece desvirtuada da análise histórica concreta das condições nas quais certos tipos de trabalhos brutalizam o homem, em vez de enobrecê-lo. Universalização ─ as ideias e os valores do grupo dominante são estendidos a todos. Por exemplo, mesmo tendo interesses divergentes, o empregado adota os valores do patrão como sendo também os seus. 7 Lacuna ─ há “vazios”, “partes silenciadas” que não podem ser ditas, sob pena de desmascarar a ideologia. Por exemplo, quando dizemos que o salário paga o trabalho, permanece oculto o fato de que o valor produzido pela força de trabalho é maior do que o recebido, sendo a diferença apropriada pelo capitalista, o que Marx denomina de mais-valia. Inversão ─ ao explicar a realidade, o que é apresentado como causa é, na verdade, consequência. Por exemplo, se o filho de um operário não consegue melhorar seu padrão de vida, o insucesso é considerado resultante de sua incompetência, quando na verdade a falha é efeito de outras causas, tais como as condições precárias a que se acha submetido. Ele joga um jogo de cartas marcadas, sem chances de vitória. Considerando sua realidade socioeconômica, as possibilidades de melhora não dependem exclusivamente dele. Nesse contexto, um ou outro conseguem se sobressair, mas o sistema precisa que alguns melhorem de vida, para que sejam transformados. São as exceções à regra. Um exemplo televisivo que podemos destacar costuma vir do programa Globo Repórter, que ao menos uma vez entre 30 e 50 dias dedica toda uma edição para mostrar casos como o de uma empregada doméstica que conseguiu construir um sobrado e comprar um carro 0 km e ainda mandar o filho(a) para a universidade; ou o de um desempregado que, mesmo atuando na informalidade, colocou a criatividade para funcionar e se tornou empreendedor. Do que foi exposto em relação às quatro características, fica claro que a ideologia naturaliza a realidade, escondendo o fato de que a existência humana só é produzida pelo próprio homem e só pode ser alterada por ele. A divisão e a hierarquia instauradas na sociedade justificam a priorização das ideias sobre a prática. Daí decorre a aceitação de que a classe que “sabe pensar” controla as decisões e manda, enquanto a outra “não sabe pensar” e, portanto, executa e obedece. 8 TEMA 3 — RESGATANDO O SIGNIFICADO DE CULTURA, CULTURA ERUDITA E CULTURA POPULAR Com base em Santos (1994), cultura é uma dimensão do processo social, da vida de uma sociedade, é uma construção, seja como concepção ou dimensão do processo social, é um produto coletivo de vida humana, [...] é um território bem atual das lutas sociais por um destino melhor. É uma realidade e uma concepção que precisam ser apropriadas em favor do progresso social e da liberdade, em favor da luta contra a exploração de uma parte da sociedade por outra, em favor da superação da opressão e da desigualdade. As preocupações cotidianas em relação à cultura relacionam-se com a civilização ocidental, pois a discussão sobre ela não tem a mesma relevância nas sociedades tribais que tem nas sociedades de classes, [...] da mesma maneira que o próprio estudo da sociedade tribal é mais relevante aqui do que lá. Em ambos os casos, tanto na discussão sobre cultura, quanto na preocupação em estudar sociedades diferentes, os impulsos se localizam na civilização dominante. Seguindo o raciocínio do antropólogo, é preciso que nosso estudo sobre a cultura se baseie na ideia de processo, a qual ele defende insistentemente, pelo fato de ser comum que cultura seja pensada como algo parado. E, de acordo com sua análise, nada do que é cultural pode ser estanque, uma vez que a cultura faz parte de uma realidade em que a mudança é um aspecto fundamental. No entanto, [...] às vezes fala-se de uma cultura como se fosse um produto, uma coisa com começo, meio e fim, com características definidas e um ponto final. Facilmente encontramos referências à cultura grega, à cultura germânica, à cultura francesa e tantas outras. Nesses casos, o que se faz é extrair da experiência histórica de um povo produtos, estilos, épocas, formas, e constrói-se com isso um modelo de cultura. Essas construções podem servir a fins políticos, como, por exemplo, tornar ilustre a imagem de uma potência dominadora. Ao mesmo tempo, é comum que os interesses dominantes de uma sociedade veiculem uma definição para cultura dessa sociedade que seja de seu agrado. Então, que fique claro para nós que a [...] cultura é a dimensãoda sociedade que inclui todo o conhecimento num sentido ampliado e todas as maneiras como esse conhecimento é expresso. É uma dimensão dinâmica, criadora, ela mesma em processo, uma dimensão fundamental das sociedades contemporâneas. Na transição da Idade Média para a Idade Moderna, nasce uma ideia concomitante à formação dos Estados Nacionais: a de refinamento pessoal, a fim de descrever as formas de conhecimento dominantes. Esse aspecto das 9 preocupações com a cultura nasce voltado para o conhecimento erudito ao qual só tinham acesso setores das classes dominantes. Tal conhecimento se contrapunha ao adquirido pela maior parte da população, o conhecimento popular, que o erudito afirmava ser inferior, atrasado, superado, e que aos poucos passou a ser entendido como uma forma de cultura, a cultura popular e que, atualmente, não é mais aceito como inferior por muitos estudiosos e pesquisadores. As preocupações com a cultura popular são tentativas de classificar as formas de pensamento e ação das populações mais pobres de uma sociedade, buscando o que há de específico nelas, procurando entender a sua lógica interna, sua dinâmica e, principalmente, as implicações políticas que possam ter (Santos, 1994). Ainda é presente a forma de pensar a cultura popular sempre em relação à cultura erudita. No decorrer da história, a cultura dominante procurou desenvolver um universo próprio de legitimidade expresso pelas ciências e pelo saber produzido e controlado em instituições, tais como universidades, escolas, institutos, entidades profissionais, entre outras, as quais, dada a natureza da sociedade de classes, estão fora do controle das classes dominadas. Portanto, de acordo com Santos (1994), entende-se [...] então por cultura popular as manifestações culturais dessas classes, manifestações diferentes da cultura dominante, que estão fora de suas instituições, que existem independentes delas, mesmo sendo suas contemporâneas. [...] a existência das classes dominadas denuncia as desigualdades sociais e a necessidade de superá-las, sua cultura pode ser vista como tendo um conteúdo transformador [...] o que se busca na cultura popular é seu caráter de resistência à dominação, ou seu caráter revolucionário em relação a esta. É importante sempre ter em nossas discussões sobre cultura, quer erudita ou popular, o quanto as concepções de cultura e o próprio conteúdo estiveram e estão sempre associados às relações entre classes sociais, sendo assim a oposição entre cultura erudita e cultura popular um produto dessas relações. Portanto, [...] não faria sentido taxar de eruditas as exigências das classes trabalhadoras de alfabetização e de educação universal e gratuita, objetivos ainda longe de serem adequadamente alcançados em países como o nosso. O mesmo se pode dizer a respeito do conhecimento da história, da matemática, das ciências físicas e biológicas, antes privilégio indiscutível de pequenas elites (Santos, 1994). 10 Isso pode nos levar a pensar em quão enganosa pode ser a polarização entre cultura erudita e cultura popular, pois ela cria problemas falsos e se esvazia em confronto com a realidade social. Sobre isso, Santos (1994) esclarece: [...] Ela se sustenta em bases frágeis, pois as preocupações com a cultura popular são preocupações da cultura dominante e suas elites, o que mina na base aquela polarização. Surgem associadas ao processo político e representam projetos para as classes dominadas que partem das classes dominantes. As confusões que esse tipo de polarização podem provocar nos convidam a considerar a cultura nos processos sociais comuns desta sociedade de tantas contradições e conflitos de interesse. A existência de classes dominadas e dominantes que se dão simultaneamente, partilham de um processo social comum, sobre o qual as dominadas não detêm o controle, resulta em uma produção cultural que é fruto dessa existência comum, produto de uma história coletiva, cujos benefícios se repartem desigualmente. Dessa forma, é desfeita “[...]a ideia frágil de que uma parcela tão fundamental da sociedade possa ser vista como uma realidade isolada no plano cultural” (Santos, 1994). TEMA 4 — CONCEITUANDO CIBERCULTURA NA PERSPECTIVA DE PIERRE LÉVY Nascido em 1956 na Tunísia e radicado no Canadá, Pierre Lévy é filósofo, sociólogo e pesquisador em Ciência da Informação e da Comunicação, estuda o impacto da internet na sociedade, as humanidades digitais e o virtual, tendo se especializado em abordagens hipertextuais, no Canadá. Após sua graduação, preocupou-se em analisar e explicar as interações entre internet e sociedade, desenvolvendo um conceito de rede. Além disso, pesquisa a inteligência coletiva focando em um contexto antropológico e atualmente é um dos principais filósofos da mídia. Suas pesquisas se concentram principalmente na área da cibernética. Com isso, no final da década de 1990, tornou-se um dos maiores estudiosos sobre a internet, ficando conhecido como o filósofo da cibercultura. Segundo o filósofo, hoje vivemos a quarta revolução da comunicação, tendo sido as três primeiras: a invenção da escrita, do alfabeto e da imprensa. A revolução atual nos permite amplo acesso às informações em consequência da cultura digital instaurada a partir da segunda metade do século passado. Nesse cenário, produzir conhecimento coletivo é uma habilidade que deve ser ensinada na escola nos tempos de cultura digital. Por isso, há que se aprender 11 a orientar os alunos para que saibam selecionar as informações que têm ou não qualidade, que têm ou não veracidade, em meio à avalanche de dados que recebemos diariamente, de hora em hora, às vezes minuto a minuto. E talvez, um dos papéis mais desafiadores é o de possibilitar que os alunos pensem crítica e estrategicamente com o que a internet e demais mídias oferecem. Lévy, no seu livro Cibercultura, publicado em 1999, traça percepções sobre o crescimento do ciberespaço, o então novo meio de comunicação que surgia da interconexão de computadores e o consequente surgimento da cibercultura. Os resultados a que Lévy (1999) chega é a de que a cibercultura expressa [...] o surgimento de um novo universal, diferente das formas que vieram antes dele no sentido de que ele se constrói sobre a indeterminação de um sentido global qualquer [...] especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informação que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo. Quanto ao neologismo “cibercultura”, especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço. Acompanhando o raciocínio e as conclusões do autor, outra tendência que segue esse crescimento do ciberespaço é a virtualização, a qual não se opõe ao real: embora não esteja fixo em nenhuma coordenada de espaço e tempo, o virtual é real, ele existe e está desterritorializado, ou seja, ocupa apenas um espaço físico menor, que é o computador, o qual se tornou mais que uma ferramenta de produção de sons, textos e imagens, passando a ser um operador da virtualização. O ciberespaço é definido como sendo o espaço [...] de comunicação aberto pela interconexão mundial dos computadores e das memórias dos computadores. Essa definição inclui o conjunto dos sistemas de comunicação eletrônicos (aí incluídos os conjuntos de redes hertzianas e telefônicas clássicas), na medida em que transmitem informações. Consiste de uma realidade multidirecional, artificial ou virtual incorporada a uma rede global, sustentada por computadores que funcionam como meios de geração de acesso (Lévy, 1999). Com relação aos profissionais da educação, o filósofo destaca que, com o suporte do ciberespaço, eles devem ampliar seus conhecimentosno que diz respeito às técnicas da educação a distância, em consequência da demanda de formação continuada veiculada nas redes digitais. O acesso crescente ao ciberespaço de estudantes e professores deve criar condições, possibilidades e oportunidades ao processo de aprendizagem. Portanto, as mudanças e transformações oriundas das tecnologias educacionais exigem novas 12 metodologias de ensino, que contam com modernos suportes pedagógicos, capazes de criar um novo papel para o educador e ressignificar o conceito de ensino e aprendizagem. O crescimento do ciberespaço é orientado por três princípios fundamentais: a interconexão, a criação de comunidades virtuais e a inteligência coletiva. As comunidades virtuais são construídas sobre afinidades de interesses, de conhecimentos, sobre projetos, em um processo mútuo de cooperação e troca. Quanto a inteligência coletiva pode ser considerada a finalidade última do ciberespaço, “[...] é uma inteligência distribuída por toda parte, na qual todo o saber está na humanidade, já que ninguém sabe tudo, porém todos sabem alguma coisa” (Lévy, 2007). O ciberespaço amplifica, exterioriza e modifica funções cognitivas humanas como o raciocínio, a memória e a imaginação e, dessa forma, O que é preciso aprender não pode mais ser planejado nem precisamente definido com antecedência. […] Devemos construir novos modelos do espaço dos conhecimentos. No lugar de representação em escalas lineares e paralelas, em pirâmides estruturadas em ‘níveis’, organizadas pela noção de pré-requisitos e convergindo para saberes ‘superiores’, a partir de agora devemos preferir a imagem em espaços de conhecimentos emergentes, abertos, contínuos, em fluxo, não lineares, se reorganizando de acordo com os objetivos ou os contextos, nos quais cada um ocupa posição singular e evolutiva (Lévy, 1999). Assim, ainda que a cibercultura não seja uma verdade universal, o caminho que a internet nos sugere é sem volta, portanto precisa ser compreendido e (re)pensado, principalmente na perspectiva de como devemos nos apropriar dessa realidade e colocá-la ao nosso serviço, ou seja, o do processo de ensino e aprendizagem com criticidade. TEMA 5 — IMPORTÂNCIA DA MÍDIA-EDUCAÇÃO Com o avanço e o desenvolvimento da tecnologia, passamos a ter alternativas interessantes para a dinâmica de ensino e aprendizagem nas escolas. A sala de aula, que antes se resumia a alunos, professores, quadro, giz, mesas e cadeiras, pode agora contar com novos elementos de multimídia. Pois, a mídia- educação, de acordo com Bevort e Belloni (2009), [...] é parte essencial dos processos de socialização das novas gerações, mas não apenas, pois deve incluir também populações adultas, numa concepção de educação ao longo da vida. [...] as mídias fazem parte da cultura contemporânea e nela desempenham papéis cada vez mais importantes, sua apropriação crítica e criativa, sendo, pois, 13 imprescindível para o exercício da cidadania [...], são importantes e sofisticados dispositivos técnicos de comunicação que atuam em muitas esferas da vida social [...] gerando novos modos de perceber a realidade, de aprender, de produzir e difundir conhecimentos e informações [...] funcionando como instituições de socialização, uma espécie de “escola paralela” [...] na qual crianças e adolescentes não apenas aprendem coisas novas, mas [...] desenvolvem novas habilidades cognitivas, ou seja, “novos modos de aprender”, mais autônomos e colaborativos, ainda ignorados por professores e especialistas. Cabe e compete às escolas e aos profissionais que nelas atuam, usufruírem dos avanços tecnológicos, procurando contribuir para a melhoria do ensino e aprendizagem do país. Como os profissionais da educação são os agentes de transmissão de conhecimento, esses devem procurar estar por dentro de novas alternativas para que possam complementar o ensino. Assim, Bevort e Belloni (2009) enfatizam: A integração das TIC (Tecnologias de Informação e Comunicação) na escola, em todos os seus níveis, é fundamental porque estas técnicas já estão presentes na vida de todas as crianças e adolescentes e funcionam [...] como agências de socialização, concorrendo com a escola e a família. Uma de suas funções é contribuir para compensar as desigualdades que tendem a afastar a escola dos jovens e, por consequência, a dificultar que a instituição escolar cumpra efetivamente sua missão de formar o cidadão e o indivíduo competente. Por isso, é importante considerar esta integração, na perspectiva da mídia- educação, em suas dimensões inseparáveis: objeto de estudo e ferramenta pedagógica, ou seja, como educação para as mídias, com as mídias, sobre as mídias e pelas mídias. Somente assim a escola poderá cumprir sua missão de formar as novas gerações para a apropriação crítica e criativa das mídias, o que significa ensinar a aprender a ser um cidadão capaz de usar as TIC como meios de participação e expressão de suas próprias opiniões, saberes e criatividade. A expressão “educação para as mídias”, ou “mídia-educação”, aparece em organismos internacionais, em especial na UNESCO, na década de 1960. Numa tentativa de definição, o órgão aponta para o surgimento de um novo campo de ação, a saber: Por mídia-educação convém entender o estudo, o ensino e a aprendizagem dos meios modernos de comunicação e expressão, considerados como parte de um campo específico e autônomo de conhecimentos, na teoria e na prática pedagógicas, o que é diferente de sua utilização como auxiliar para o ensino e a aprendizagem em outros campos do conhecimento, tais como a matemática, a ciência e a geografia. (UNESCO, 1984) Portanto, com base nisso, entende-se mídia-educação como a formação para a leitura crítica das mídias em geral, uma vez que as finalidades dizem respeito à formação das novas gerações para uma compreensão distanciada, analítica e crítica das mensagens midiáticas, no que se refere tanto aos conteúdos quanto aos contextos políticos e econômicos de sua produção (Bevort; Belloni, 14 2009). Já educação para as mídias é um novo campo de saber cujos “[...] objetivos visam à formação do usuário ativo, crítico e criativo de todas as tecnologias de comunicação e informação[...]” (Belloni, 2005). Para finalizar, nas palavras de Bevort e Belloni (2009, p. 1087): [...] Mídia-educação é definida como uma formação para a compreensão crítica das mídias, mas também se reconhece o papel potencial das mídias na promoção da expressão criativa e da participação dos cidadãos, pondo em evidência as potencialidades democráticas dos dispositivos técnicos de mídia. Este documento fundador deixa vislumbrar a ideia da dupla dimensão da mídia-educação e, sobretudo, a consideração das mídias não só como meios de comunicação de massa, cuja leitura crítica é preciso desenvolver, mas também como meios de expressão da opinião e da criatividade pessoais, cuja apropriação é necessária assegurar a todos os cidadãos. Começa a se construir, a partir de então, a noção da mídia-educação como formação para a apropriação e uso das mídias como ferramenta: pedagógica para o professor, de criação, expressão pessoal e participação política para todos os cidadãos. Esta abordagem vai evoluir e ser construída ao longo das últimas décadas [...]. Assim, é preciso abraçar a causa de que a mídia-educação deve ser colocada como um direito fundamental da humanidade, legitimando, reafirmando e estendendo, a crianças, adolescentes, jovens e adultos, os direitos à liberdade de expressão, ao acesso à informação e à participação na vida cultural. FINALIZANDO Procuramos, nesta aula, promover uma melhor compreensão sobre a comunicação. Para tanto, buscamos evidenciar sua evolução e alguns dos efeitos da comunicação de massa sobre os sujeitos e, nessa perspectiva, entender o significado de indústria cultural, de ideologia e algumas de suas características,o conceito de cultura erudita e cultura popular, a cibercultura, na perspectiva do filósofo Pierre Lévy, e, por fim, a importância da mídia-educação no processo de ensino-aprendizagem. Voltamos a frisar que, para maior aprofundamento das questões apontadas no decorrer da aula, sugerimos que você, de acordo com seus interesses e com as questões com que mais se identificou, recorra às referências bibliográficas, na íntegra ou de forma parcial. 15 LEITURA COMPLEMENTAR Texto de abordagem teórica Mídia-educação: conceitos, história e perspectivas. In: Educ. Soc., Campinas, vol. 30, n. 109, set./dez. 2009, p. 1081-1102. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v30n109/v30n109a08.pdf>. Acesso em: 01 nov. 2018. Para que a sociedade da informação seja uma sociedade plural, inclusiva e participativa, hoje, mais do que nunca, é necessário oferecer a todos os cidadãos, principalmente aos jovens, as competências para saber compreender a informação, ter o distanciamento necessário à análise crítica, utilizar e produzir informações e todo tipo de mensagens. Essa convicção inspirou esse artigo, cujo objetivo é apresentar algumas tendências atuais da mídia-educação no mundo, seus conceitos e ações, buscando contribuir para seu desenvolvimento no Brasil. Mídia-educação é importante porque vivemos num mundo onde as mídias estão onipresentes, sendo preciso considerar sua importância na vida social, particularmente no que diz respeito aos jovens. Promover a mídia-educação é importante também porque as defasagens, que separam muitas vezes os sistemas educacionais do mundo que nos rodeia, prejudicam a formação das novas gerações para a vida adulta. Texto de abordagem prática UNESCO - ORGANIZAÇÃO EDUCACIONAL DAS NAÇÕES UNIDAS, CIÊNCIA E CULTURA. Educação-mídia. Paris. 1984 Documento importante para que se conheça qual a análise da ONU sobre a relação entre mídia e educação. Saiba mais LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999. A obra aborda o impacto da cibercultura nas relações interpessoais e profissionais dos seres humanos. 16 REFERÊNCIAS BELLONI, M. L. Mídia-educação: a mediação escolar indispensável para a cidadania. In: ________. O que é mídia-educação. 3. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2005. BEVORT, E.; BELLONI, M. L. Mídia-educação: conceitos, história e perspectivas. In: Educ. Soc., Campinas, vol. 30, n. 109, set./dez. 2009, p. 1081-1102. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v30n109/v30n109a08.pdf>. Acesso em: 01 nov. 2018. CHAUI, M. O universo das Artes. In: Filosofando: convite à Filosofia. 7. ed. São Paulo: Ática, 2000, p. 314-333. COELHO, T. O que é indústria cultural. 35. ed. São Paulo: Brasiliense, 1993. LÉVY, P. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999. _____. Inteligência coletiva: para uma antropologia do ciberespaço. São Paulo: Loyola, 2007. MARX, K.; ENGELS, F. A ideologia alemã. 9. ed. São Paulo: Hucitec, 1993. SANTOS, J. L. dos. O que é cultura. 14. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. (Coleção primeiros passos: 110). UNESCO - ORGANIZAÇÃO EDUCACIONAL DAS NAÇÕES UNIDAS, CIÊNCIA E CULTURA. Educação-mídia. Paris. 1984.
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