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Reunioes Dialogicas de Redes So - Jaakko Seikkula

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Prévia do material em texto

Na década passada, houve crescente interesse internacional em adotar
abordagens dialógicas para ajudar as pessoas que estão enfrentando
dificuldades psiquiátricas. Este livro ajudará os leitores de português a
entender as razões para tamanho entusiasmo.
Embora as abordagens dialógicas tenham profundas raízes filosóficas e
terapêuticas, a atual explosão de interesse foi desencadeada por pesquisas
lideradas por Jaakko Seikkula e colegas, que relataram como a terapia de
Diálogo Aberto, praticada na Lapônia Ocidental desde o início dos anos 90,
levou a acentuada melhora aqueles diagnosticados com esquizofrenia e outros
transtornos psicóticos.
Os resultados para as pessoas diagnosticadas com esquizofrenia e outros
transtornos psicóticos são há muito sombrios, principalmente nas sociedades
desenvolvidas. Entende-se que os transtornos psicóticos, dos quais a
esquizofrenia é a "doença" mais grave de todas, seguem um curso crônico.
Mas no extremo norte da Finlândia, uma história muito mais otimista surgiu
na década de 1990, e se tornou gradualmente conhecida e reconhecida
internacionalmente graças à pesquisa realizada por Seikkula e seus colegas.
Na terapia de Diálogo Aberto, a psicose é reconceituada. Em vez de
considerada como um sintoma de uma "doença cerebral", é vista como uma
manifestação de uma perturbação no espaço entre as pessoas, com a pessoa
psicótica carregando o fardo de tornar essa perturbação "conhecida".
Foi uma reconceituação otimista, pois mostrava a possibilidade de curar
aquele espaço intermediário adorando práticas dialógicas como ferramenta.
No início, Seikkula e seus colegas em Tornio, na Finlândia, começaram a
mapear os resultados de longo prazo de seus pacientes psicóticos tratados
dessa maneira, e há quase vinte anos os primeiros resultados começaram a
aparecer em revistas médicas. Ao fim de cinco anos, 80% dos pacientes do
primeiro episódio estavam assintomáticos e trabalhando ou voltando à escola.
Os dados estavam a contar uma história extraordinária: nessa região do
mundo, uma doença "crônica" agora tinha um curso muito mais episódico. O
mais surpreendente de tudo, considerando o padrão de atendimento no
"mundo desenvolvido", os pacientes na Lapônia Ocidental não estavam sendo
rotineiramente tratados com antipsicóticos. Ao fim de cinco anos, dois terços
dos pacientes do primeiro episódio nunca haviam sido expostos a um
antipsicótico, e apenas cerca de 20% os tomavam regularmente.
Na Lapônia Ocidental, o Diálogo Aberto é uma abordagem terapêutica
usada para pessoas que sofrem de dificuldades psiquiátricas de todos os tipos
-depressão, ansiedade, dificuldades psicóticas e outras. Isso também atraiu a
imaginação do público, pois essa não era apenas uma abordagem útil para
pacientes com esquizofrenia, mas uma maneira mais universal de estar com
os pacientes. Na última década, Seikkula e outros profissionais da Finlândia
têm regularmente viajado para lugares distantes para difundir essa maneira de
trabalhar com as pessoas.
Além disso, seus livros e ensinamentos foram traduzidos para vários
idiomas e, agora, graças a esta tradução para o português, os brasileiros terão
a oportunidade de aprender sobre a filosofia e as práticas que levaram a tão
bons resultados. A adaptação dos métodos do Diálogo Aberto a outras
culturas apresenta uma oportunidade e um desafio, e este livro de Seikkula e
Arnkil serve como uma introdução essencial a este trabalho.
Robert Whitaker 
Jornalista e autor de livros sobre a história da psiquiatria e sobre a
segurança e a eficácia das drogas psiquiátricas: fundador do
madinamerica.com, site de notícias e blogs de pesquisas para repensar a
psiquiatria
Nos últimos anos tem havido crescente apreciação da contribuição dos
determinantes sociais no bem-estar fisico e mental. Embora a grande
importância das redes sociais seja amplamente reconhecida, nem sempre é
clara a melhor forma de incluí-las no tratamento. Seikkula e Arnkil oferecem
não apenas uma justiticativa para sua inclusão, mas também descrições claras
de como incluí-las e como sua abordagern melhora os resultados.
Sandra Steingard 
Diretora médica no Howard Center, Vermont (EUA), presidente do
Conselho da Foundation for Excellence in Mental Health Care
A abordagem do Diálogo Aberto tem, de longe, os melhores resultados de
recuperação quando se trata de ajudar pessoas com sofrimento grave. Tendo
sido treinada e treinado outras pessoas nessa abordagem, posso atestar as suas
possibilidades transtormadoras. Não apenas para aqueles em perigo que
procuram por ajuda, mas também para os que trabalham em saúde mental. A
psiquiatria seria um lugar muito diferente se o diálogo, e não as drogas,
liderasse o caminho.
Olga Runciman 
Treinadora e palestrante internacional, escritora, ativista e artista,
cofundadora da rede Ouvidores de Vozes da Dinamarca
A abordagem do Diálogo Aberto traz uma lufada de ar fresco aos sistemas de
saúde mental que ficaram obsoletos sob o peso da rotulagem diagnóstica e
dos medicamentos entorpecentes. Isso nos mostra que as crises de saúde
mental ( ... ) podem ser melhor tratadas cm um grupo de amigos e
profissionais da família, que realmente se importam e estão de fato se abrindo
para ouvir um ao outro.
John Read 
Professor de psicologia clínica na Universidade de East London (Reino
Unido)
O propósito dos autores é encorajar o dialogismo nas praticas terapêuticas e
contribuir com a comunidade crescente de profissionais que buscam a
formação em práticas dialógicas. Para tanto, generosamente compartilham
sua vasta experiência clínica, de pesquisa e docência, apresentando conceitos
e questões fundamentais das priticas dialógicas em diversos contextos de
aplicação.
Cecília Cruz Villares 
Terapeuta ocupacioml (USP) e terapeuta de família (Instituto Familiae,
São Paulo, e Institute for Dialogic Practice, Nova York), integra a equipe
clínica e docente do Instituto Noos em São Paulo
Reuniões dialógicas de redes sociais:
formas de dialogismo no trabalho
psicossocial
Jaakko Seikkula 
Tom Erik Arnkil
Vera Ribeiro (Trad.)
SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros
SEIKKULA, J., and ARNKIL, T.E. Reuniões dialógicas de redes sociais:
formas de dialogismo no trabalho psicossocial [online]. Translated by Vera
Ribeiro. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2020. ISBN: 978-65-5708-081-8.
https://doi.org/10.7476/9786557080818.
https://doi.org/10.7476/9786557080818
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ
Presidente
Nísia Trindade Lima
Vice-Presidente de Educação, Informação e Comunicação
Cristiani Vieira Machado
EDITORA FIOCRUZ
Diretora
Cristiani Vieira Machado
Editor Executivo
João Carlos Canossa Mendes
Editores Científicos
Carlos Machado de Freitas
Gilberto Hochman
Conselho Editorial
Denise Valle
José Roberto Lapa e Silva
Kenneth Rochel de Camargo Jr.
Ligia Maria Vieira da Silva
Marcos Cueto
Maria Cecília de Souza Minayo
Marilia Santini de Oliveira
Moisés Goldbaum
Rafael Linden
Ricardo Ventura Santos
Reuniões dialógicas de redes sociais
Formas de dialogismo no trabalho
psicossocial
Jaakko Seikkula e Tom Erik Arnkil
Prefácio de Lynn Hoffman
Tradução
Vera Ribeiro
Revisão técnica
Paulo Amarante e Fernando Freitas
Copyright © 2020 dos autores
Originalmente publicado em inglês sob o título Dialogical Meetings in Social
Networks (Karnac Books, 2006)
Direitos para a língua portuguesa reservados com exclusividade para o Brasil
à FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ / EDITORA
Revisão
Irene Ernest Dias
Índice
Clarissa Bravo e Masé Sant’Anna
Projeto gráfico e editoração
Obra Completa Comunicação – Robson Lima
Capa
Carlos Fernando Reis
Imagem da capa
CSA-Printstock/iStock.com
Produção editorial
Phelipe Gasiglia
Catalogação na fonte
Fundação Oswaldo Cruz
Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde
Biblioteca de Saúde Pública
S459r
Seikkula, Jaakko.
Reuniões dialógicas de redes sociais[livro eletrônico]:
formas de dialogismo no trabalho psicossocial / Jaakko
Seikkula e Tom Erik Arnkil; tradução Vera Ribeiro. – Rio
de Janeiro : Editora Fiocruz, 2020.
4.074 Kb:EPUB
Título original: Dialogical Meetings in Social Networks
ISBN: 978-65-5708-081-8
1. Serviços de Saúde Mental. 2. Sistemas de Apoio
Psicossocial. 3. Conhecimento. 4. Terapêutica. 5.
Esquizofrenia. 6. Rede Social. 7. Empoderamento. 8.
Reuniões Dialógicas. I. Título.
CDD - 23.ed. – 362.2
2020
EDITORA FIOCRUZ
Av. Brasil, 4036, 1º andar, sala 112
Manguinhos
21040-361 – Rio de Janeiro, RJ
Tels.: (21) 3882-9039 e 3882-9041
Telefax: (21) 3882-9006
editora@fiocruz.br
www.fiocruz.br/editora
Editora afiliada
Versão digital: novembro de 2020
http://www.fiocruz.br/editora
Autores
Jaakko Seikkula
Psicólogo clínico e orientador de terapia de família, professor interino do
Departamento de Psicologia da Universidade de Jyväskylä e professor
adjunto da Universidade de Tromsso. Trabalha há mais de vinte anos no
desenvolvimento, estudo e implementação da abordagem dos Diálogos
Abertos nas crises psiquiátricas mais severas e em outras crises. Atualmente,
está envolvido em diversos projetos de desenvolvimento de práticas baseadas
em redes sociais em muitos países. Em seus trabalhos, os problemas
psicóticos são vistos, primordialmente, como respostas a uma crise, e não
como uma doença estável. É autor de mais de cem artigos científicos e autor
ou coautor de 12 livros.
Tom Erik Arnkil
Professor pesquisador do STAKES (Centro Nacional de Pesquisa e
Desenvolvimento para o Bem-estar Social e a Saúde, Helsinque, Finlândia) e
professor adjunto de políticas sociais na Universidade de Helsinque. Durante
duas décadas, ele e sua equipe estudaram as situações “multiproblemáticas” –
ou “de múltiplas agências” – em que uma multiplicidade de auxiliares pode
ficar emperrada, e procuraram desenvolver meios de melhorar a cooperação
entre os profissionais e com os clientes e suas redes pessoais. Arnkil estudou,
principalmente, questões relacionadas com crianças e famílias, nas quais
estão envolvidas a assistência social, a terapia, a escola e assim por diante.
Ele e sua equipe, junto com profissionais da linha de frente, conduziram uma
série de projetos que continuam em andamento desde meados da década de
1980. Além de situações ligadas à família, o conjunto de métodos conhecido
por Diálogos Antecipatórios foi aplicado e estudado em outros contextos em
que há múltiplos prestadores de assistência, como o atendimento a idosos e o
trabalho com desempregados de longa data. É autor e coautor de numerosos
artigos e 17 livros.
Table of Contents / Sumário / Tabla
de Contenido
Front Matter / Elementos Pré-textuais / Páginas Iniciales
Prefácio à edição brasileira
Prefácio
A nossos leitores brasileiros
Apresentação
Introdução: Sobre redes e diálogos
Parte I
1 Diálogos nas fronteiras entre e dentro das redes profissionais e
pessoais
2 Reuniões frustrantes de redes
Parte II
3 Diálogos Abertos como intervenção em crise
4 Diálogos antecipatórios para atenuar as preocupações
5 Parecidos, mas diferentes
6 Elementos curativos nos diálogos
Parte III
7 O diálogo e a arte de responder
8 Eficácia das reuniões dialógicas de redes
9 Pesquisa e práticas de generalização
Epílogo: Sobre poder e empoderamento
Referências
Índice
Prefácio à edição brasileira
A publicação em português deste livro é um motivo de satisfação para nós,
seja por sua contribuição original no campo da saúde mental e atenção
psicossocial, seja devido à honra e à gratificação que expressamos pelo fato
de ter possibilitado a vinda de Jaakko Seikkula e o Diálogo Aberto pela
primeira vez ao Brasil na primavera de 2017, com o apoio fundamental da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), por
ocasião do primeiro seminário internacional A Epidemia das Drogas
Psiquiátricas, realizado na Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca
da Fundação Oswaldo Cruz.
A leitura deste livro certamente será apreciada por um público que
transcende os círculos formados pelos profissionais da saúde e pelos que
trabalham em dispositivos de assistência social ou de educação, de
participação social, enfim, de construção de práticas coletivas em geral. Além
dos Diálogos Abertos, protagonizados fundamentalmente por Jaakko
Seikkula, o livro nos apresenta os Diálogos Antecipatórios, desenvolvidos
por Tom Erik Arnkil; duas inovações que, além de terapêuticas, demarcam
uma nova forma de pensar sujeitos coletivos e com eles lidar. Por esse e
outros motivos, já foi traduzido em mais de 15 idiomas diferentes, o que nos
dá uma ideia da sua enorme receptividade e de sua amplitude política e
acadêmica.
Como o próprio título indica, o livro visa a encorajar a dialogicidade.
Porém, como o monologismo é a epistemologia convencional aceita pelas
principais tradições filosóficas e científicas com as quais nos acostumamos, a
adoção de uma perspectiva dialógica é equivalente a uma grande mudança
por parte de muitos leitores que podem não estar familiarizados com as
perspectivas do próprio dialogismo. Por exemplo, implica ver os fenômenos
considerados como pertencentes ao campo da saúde mental em diferentes
aspectos, compreendendo-os dentro de outro contexto. E, muito mais ainda,
como o leitor terá oportunidade de ver, o dialogismo se nos apresenta como
quadro geral para a análise do discurso e da comunicação, e da vida social em
geral. Nascemos nas relações e nelas vivemos, e essas relações se tornam a
dinâmica organizadora da nossa psique. E os elementos da dialogicidade são
comuns a todas as práticas relacionais, sobretudo em nossas relações do
cotidiano.
Mas, afinal de contas, o que é a dialogicidade? Se tomarmos o
monologismo como pano de fundo, a perspectiva da dialogicidade ganha
mais facilmente o seu relevo. Em linguística, o termo monologismo alude à
tendência a identificar o orador como a origem da locução. Sendo o
paradigma dominante, adquirimos maneiras de agir, pensar e sentir sob o
imperativo da racionalidade monológica. Como olhar a comunicação como
basicamente ações trocadas entre indivíduos. Ou tomar o discurso como tal e
a linguagem do comportamento como coisas a serem explicadas, e os
indivíduos como seres que pensam e agem de maneiras sujeitas a intenções
individuais e a condições definidas como determinantes sociais (gênero,
idade, status socioeconômico, educação, estruturas de poder, ou
particularmente como sintomas psiquiátricos etc.), que para fins de análise
são consideradas propriedades estáveis do contexto (ou sistema, se
preferirmos algo mais globalizante). Basicamente, na prática o monologismo
adota uma ou outra versão das seguintes teorias: cognição como
processamento individual de informações, comunicação como transferência
de informação e linguagem como um código.
Dialogicidade é o termo usado pelos autores para se referir a certas
propriedades que são, pelo menos de acordo com o dialogismo,
características e a própria essência do diálogo, e mais amplamente de toda a
cognição humana. Essas propriedades são exploradas extensivamente pelos
autores ao longo do livro. Uma dessas propriedades é a relevância da
organização sequencial, que significa que não se pode entender plenamente o
dito ou um extrato de um discurso se ele for retirado da sequência que lhe dá
o contexto. Com efeito, todo discurso é essencialmente contextualizado. O
que sustenta a desconstrução do diagnóstico psiquiátrico como expressão
explícita da racionalidade monológica que fundamenta o modelo biomédico
aplicado à psiquiatria, com o qual se busca transformar as expressões das
experiências das pessoas em coisas observáveis e submetidas a estratégias de
mudança de comportamento. Outra propriedade é a da construção em
conjunto: linguagem e discurso são considerados fenômenos por essência e
fundamentalmente sociais. Segundo autores clássicos como L. Wittgenstein,
M. Bakhtin e L. Vygotski, a linguagem usada nas interações intersubjetivas
tem como origem as interações sociais, tanto em sua gênese histórica quanto
na socialização da criança; além disso, é intercambiada socialmente,
distribuída, negociada e recriada em interações intersubjetivas. Um diálogo é
uma construção conjunta(coletiva). Essa construção coletiva é feita possível
pelas ações e interações recíprocas e mutuamente coordenadas pelos
diferentes atores. Nenhuma parte é inteiramente produto ou experiência de
um único indivíduo.
As duas abordagens, tanto a dos Diálogos Abertos quanto a dos Diálogos
Antecipatórios, têm como foco a geração do diálogo nas reuniões com os
sujeitos envolvidos na questão, sejam clientes, usuários, profissionais… A
distribuição das contribuições do diálogo construído em conjunto é feita
levando-se em consideração a inerente polifonia, isto é, o fato de que a
realidade social é polifônica – portanto, fala com muitas vozes. Por
conseguinte, todas as vozes presentes são convocadas, todas contribuem para
uma nova compreensão, na qual desempenham papel importante. Outro
princípio da dialogicidade explorado pelos Diálogos Abertos e pelos
Diálogos Antecipatórios é que atos, enunciados e sequências discursivas
estão sempre essencialmente situados dentro de uma atividade incorporada
(diálogo, encontro) que as pessoas em interação produzem em conjunto.
Outro princípio geral da dialogicidade é a reflexividade entre discurso e
contexto. Reflexividade significando que duas ordens de fenômenos estão
intrinsecamente relacionadas. Assim, uma delas está necessariamente
implicada pela outra, e vice-versa. Por exemplo, a equipe de reflexão
(reflecting team), uma aplicação do dialogismo na terapia de família criada
por Tom Andersen, em que as barreiras entre terapeutas e clientes são
removidas, em que a equipe move a terapia do fazer para em direção ao fazer
com; pacientes e terapeutas, todos eles participando em um diálogo a respeito
da mudança, no qual os papéis (de terapeutas e clientes) até mesmo trocam de
lugar.
Se o leitor estiver à procura simplesmente de técnicas, talvez as respostas
fiquem aquém das suas expectativas. Porque a mudança de perspectiva da
racionalidade monológica para a racionalidade dialógica não é simplesmente
da ordem epistemológica, mas é, sobretudo, da ordem ética. Não é por acaso
que ao longo do livro um dos pensadores que os autores fazem questão de
convocar seja Emmanuel Levinas, por excelência o filósofo da ética, talvez o
único moralista do pensamento contemporâneo. Mas para aqueles que creem
que a ética seja uma especialidade, lendo Levinas se aprende que a sua tese
essencial é que a ética é a filosofia primeira, aquela a partir da qual os outros
ramos da metafísica ganham sentido. Porque a questão primeira – aquela pela
qual o ser se dilacera e o ser humano se instaura como o outro do ser em seu
movimento de transcendência com relação ao mundo tal como ele se
apresenta – é a questão da justiça. É a responsabilidade como a estrutura
essencial, primeira, fundamental da subjetividade. Se o leitor atentar para
isso, que à primeira vista pode parecer mero detalhe, se dará conta de que a
descrição da subjetividade que aparece ao longo do livro é feita em termos
éticos. A ética, tanto na abordagem dos Diálogos Abertos quanto na
abordagem dos Diálogos Antecipatórios, não vem como um suplemento de
uma base existencial prévia; é na ética, entendida como responsabilidade, que
se amarra o próprio nó da subjetividade e da intersubjetividade propriamente
dita. Como Levinas insistiu ao longo da sua obra filosófica, a
responsabilidade não é um simples atributo da subjetividade, como se ela
existisse em si, antes da relação ética. Com Levinas se aprende a pensar de
modo ético a relação do Eu com o Outro. O encontro com o Outro que
consiste no fato de que, apesar da extensão dos domínios exercidos pelo Eu
sobre o Outro, o Eu não possui o Outro, na medida em que o Outro me
confronta com a sua alteridade e com a sua transcendência com relação ao Eu
e ao instituído.
A leitura deste livro certamente contribuirá para que o público brasileiro
reflita sobre muitas de suas concepções acerca das relações profissionais ditas
terapêuticas. Por exemplo, acerca dos resultados surpreendentes da aplicação
dos princípios aqui contidos nos tratamentos com pessoas denominadas
psicóticas, de pessoas em situação de crise etc., que são resultados muito
diferentes, algumas vezes opostos, daqueles da psiquiatria tradicional, para a
qual a crise seria expressão de um distúrbio interno (biológico ou psíquico)
do paciente, e os tratamentos são fundamentalmente voltados para a remissão
dos sintomas (a todo custo), tendo como base o uso de neurolépticos e outros
métodos biológicos e invasivos. Os resultados comprovados dos Diálogos
Abertos transmitem uma perspectiva revolucionária e otimista, a de que é
possível tratar as pessoas de uma forma diferente e eficaz! É um alento!
Após essas considerações preliminares, a expectativa é que você, leitor, se
sinta estimulado a conhecer em detalhes em que consistem as duas
abordagens dialógicas abordadas neste livro. Alguns desses tópicos são
objeto dos diferentes capítulos do livro:
o reconhecimento do Outro como a alteridade que de fato é;
a aceitação incondicional do Outro;
o que ocorre quando se fazem antecipações; os medos; os impasses;
o pedido de ajuda entendido como um convite para um diálogo;
as formas de gerar diálogos nas crises;
a problemática dos diálogos multiculturais;
os princípios básicos dos Diálogos Abertos;
os Diálogos Abertos nas reuniões terapêuticas;
a mediação das reuniões baseada na racionalidade dialógica;
a abordagem dos Diálogos Abertos como um sistema de tratamento;
a adoção do diálogo na prática cotidiana.
Não é demais relembrar, com Gramsci, que “A crise consiste precisamente
no fato de que o velho está morrendo e o novo ainda não pode nascer”.
PAULO AMARANTE
Médico, doutor em saúde pública
FERNANDO FREITAS
Psicólogo, doutor em psicologia
Pesquisadores titulares do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde
Mental e Atenção Psicossocial da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio
Arouca da Fundação Oswaldo Cruz
Prefácio
Este livro – que apresenta duas inovações terapêuticas, chamadas Diálogos
Abertos (DAb)1 e Diálogos Antecipatórios (DAnt)2 – marca a descoberta de
uma nova mina que oferece dois tipos de metal precioso. No tocante aos
Diálogos Abertos, eu havia tomado conhecimento, em meados dos anos
1980, de que alguns profissionais do norte da Finlândia haviam começado a
usar “reuniões de tratamento” inclusivas e contínuas como sua principal
intervenção quando da instauração do primeiro episódio psicótico. Mais ou
menos na mesma época, Tom Arnkil vinha desenvolvendo um método de
rede para lidar com as “confusões” dos órgãos de assistência social – onde os
vários profissionais que trabalham com crianças e famílias não conseguem
ver o que os outros profissionais estão fazendo. Em cada um dos casos, uma
conversa dialógica entre a rede do cliente e a rede profissional ocupa o centro
do palco. A primeira abordagem (DAb) inclina-se para o estabelecimento de
uma troca mais franca e espontânea entre a família e a equipe profissional,
usando o conceito de dialogismo do filólogo russo Mikhail Bakhtin.3 A outra
(DAnt) baseia-se nos mesmos princípios gerais sobre o diálogo, mas
acrescenta ideias da teoria das redes sociais, para oferecer um conjunto de
perguntas estruturadas que mobiliza todas as partes, literalmente, rumo a um
futuro melhor.
Situando cada método em seu contexto próprio, observa-se grande
diferença entre as exigências feitas pelos respectivos cenários com que o
DAb e o DAnt foram criados para lidar. O método do DAb foi desenvolvido
ao se buscar um modo mais eficiente de abordar as psicoses agudas. Em vez
de apresentar às pessoas planos baseados num diagnóstico e montados pelo
hospital, a equipe resolveu abrir as reuniões a todas as partes envolvidas,
desde o começo, e tomar todas as decisões em conjunto. As reuniões das
redes teriam lugar todos os dias, enquanto fosse necessário, e seriam
realizadas no local mais familiar possível – em geral, a casa do paciente.
Mais importante ainda, a própria iniciativa passou de um discurso
monológico, cujo objetivo era erradicar o sintoma, para um discurso
dialógico, concentradoem encontrar uma linguagem comum a todos para
aquilo que perturbava as pessoas. Essa prática deu palavras a ideias
assustadoras, que, até então, tinham sido representadas apenas por gestos
estranhos ou ameaçadores. Constatou-se não ser incomum o comportamento
psicótico atenuar-se drasticamente até mesmo no decorrer de uma única
sessão.4
O formato DAb era claramente revolucionário no contexto de um hospital
psiquiátrico. As reuniões abertas, a preferência por ansiolíticos, em vez de
neurolépticos, na escolha dos medicamentos e a tendência ao afastamento da
hospitalização, exceto como último recurso, iam de encontro à prática padrão,
mas revelaram prevenir a cronicidade. O artefato mais notável do trabalho do
DAb foi um estudo de cinco anos que apresentou os dados estatísticos das
pessoas tratadas no Hospital Keropudas e em clínicas psiquiátricas locais, no
norte da Finlândia, onde o grupo de Seikkula introduziu suas inovações.
Comparados ao que poderíamos chamar de tratamentos do tipo “terapia de
praxe”, em outro contexto, os resultados do Keropudas foram admiráveis. No
norte da Finlândia, numa população que reuniu pacientes com um primeiro
surto psicótico, mais de 80% revelaram estar trabalhando, estudando ou
procurando emprego ao cabo de cinco anos. No grupo que serviu de
comparação, 62% dos pacientes acabaram na previdência social. No primeiro
grupo, apenas 17% usaram medicação neuroléptica na marca dos cinco anos,
ao passo que no segundo grupo 75% dos pacientes a usavam. Quanto a outras
medidas, como a hospitalização ou a recidividade, Keropudas também ficou
na frente: passados 12 anos desde o início do estudo nessa instituição, diz
Seikkula, a incidência de novos casos de esquizofrenia na área servida pelo
hospital caiu de 33 em cada 100.000 pessoas por ano para 7 em cada 100.000
– uma cifra assombrosa, como quer que seja medida.
O método DAnt, por outro lado, assemelha-se mais de perto ao trabalho
inicial de E. H. Auerswald sobre ecossistemas5 e à abordagem da família-
com-sistemas-mais-amplos de Evan Imber-Black.6 A gênese do DAnt, da
qual eu não tivera conhecimento antes de ler um artigo recentemente
publicado na revista Family Process,7 foi auxiliada pelo caos não planejado
do trabalho rotineiro de instituições de assistência social. Arnkil relata sua
experiência de trabalhar com famílias que chegavam com seus próprios
pequenos ecossistemas, ligados a partir de uma variedade de disciplinas. O
modo de manobrar no labirinto dos especialistas em assistência social, cada
qual com sua instituição dirigindo os trabalhos nos bastidores, podia tornar-se
um enorme problema.
Isso é um exemplo do que Bakhtin chama de “dialogicidade oculta”,
referindo-se às presenças invisíveis que influenciam os acontecimentos.8 As
oportunidades de conflito mascarado e de inculpação são fáceis de imaginar.
Um resultado dessa dificuldade, em nosso campo, foi a invenção de métodos
para deslocar o discurso de um foco nas deficiências e problemas para outro
que lidasse com forças e soluções. Ideias como a pergunta milagrosa9 –
perguntar o que informaria a uma pessoa que o problema que a trouxera havia
desaparecido –, ou a ênfase de Michael White10 em valores essenciais
profundamente arraigados são, todas elas, maneiras de substituir a ênfase no
que é temido ou desprezado pela ênfase no que é valorizado ou desejado. Os
Diálogos Antecipatórios enquadram-se nessa categoria e a ampliam e
expandem.
Arnkil, que é cientista social, e não psicólogo, como Seikkula, explica seu
método dizendo que “os sistemas profissionais setorizados e especializados
precisam desesperadamente de intermediários”. Uma forma de ajuda que
Arnkil descreve é um método chamado “evocar o futuro”. O grupo reunido
pelo consultor de DAnt inclui a criança e sua família extensa, bem como
pessoas dos serviços sociais envolvidos na situação. O grupo é informado de
que a natureza do diálogo será a família falando com o consultor, enquanto os
outros escutam, e depois o inverso, mas não haverá intercâmbios nem
interrupções. Os consultores – uma dupla formada no programa de Arnkil –
começam pedindo à família que imagine estar um ano adiante e imagine que
a criança melhorou. O consultor pergunta com que eles se sentem mais
satisfeitos. Em seguida, indaga: “O que vocês fizeram que contribuiu para
esse bom futuro, e quem os ajudou, e como?”. Uma última pergunta, muito
importante, é: “Com que vocês estavam preocupados, um ano atrás, e o que
reduziu suas preocupações?”.
O mesmo conjunto de perguntas é então formulado aos profissionais,
enquanto a família escuta. As ideias dos profissionais sobre as medidas úteis
e as preocupações são anotadas, seguindo-se uma discussão sobre o plano de
futuro emergente e sobre quem pode se comprometer com quê. Ao fazer isso,
o consultor não pressiona por nenhum resultado específico, mas se limita a
esclarecer e resumir o que é dito pelas pessoas.
Arnkil também recorre a seu método de perguntas no futuro nas consultas
apenas com grupos de profissionais. Diz ele que isso torna todos iguais, num
diálogo contínuo no qual “uma infindável polifonia de subjetividades parece
preparar o terreno para um saber pós-moderno, com menos fantasias de
controle e tolerância elevada à incerteza”.11 Nesse sentido, suas invenções
decerto se relacionam com os objetivos dos DAb. Entretanto, eu diria que a
própria natureza caótica do cenário obriga a um protocolo mais controlador.
E o retorno proveniente dos grupos com que Arnkil trabalhou é
impressionante. Os familiares dizem sentir-se aliviados ao imaginar um
futuro mais esperançoso, na presença de profissionais que, em geral, buscam
as deficiências e o que está errado. Igualmente importante, as paredes do silo
derretem-se temporariamente, de modo que todos os presentes tomam
conhecimento do que pensam os muitos participantes envolvidos. Isso pode
ser incrivelmente esclarecedor para os profissionais, que antes não tinham
como saber se poderiam trabalhar em cooperação uns com os outros ou com
objetivos conflitantes.
Neste ponto, quero citar uma distinção oferecida por Roger Lowe12 num
artigo em que ele destaca a diferença entre métodos caracterizados pelo que
chama de “perguntas estruturadas” – como nas abordagens concentradas na
narrativa ou na solução – e o tipo de entrevista de forma livre que Harlene
Anderson e Harry Goolishian popularizaram em sua abordagem do não saber
e Tom Anderson ampliou com seu processo de reflexão. Recorrendo ao
artigo de Lowe, eu gostaria de usar o termo “diálogo estruturado” para
designar os métodos mais interventivos oferecidos por Arnkil, e “diálogo
aberto” para designar o trabalho proposto por Seikkula. Outra diferença é que
o Diálogo Antecipatório de Arnkil é usado, vez por outra, como uma
consulta, e não como um método direto de tratamento como é o Diálogo
Aberto, e, por esta razão, será mais demorado avaliá-lo, embora já haja
estudos em andamento sobre sua eficácia.
Mas isso é irrelevante, comparado ao feito dos três últimos capítulos do
livro. Nessa seção, é-nos oferecida uma das críticas mais incisivas que já li
sobre os estudos experimentais aleatórios, que são o modelo de referência das
pesquisas baseadas em evidências. Ao descrever os estudos comparativos
usados pelas equipes do Keropudas, os autores delineiam o projeto
“naturalista” da pesquisa, em contraste com o modelo de variável única
exigido pelas pesquisas experimentais. Os resultados dessa pesquisa
naturalista, feita no campo, e não em laboratório, oferecem todo um novo
quadro de referência para avaliar a assistência psicossocial. Por exemplo, na
Finlândia, as normas da melhor prática basearam-se numa metanálise
derivada de levantamentos de estudos baseados em evidências. Esse
protocolo sustenta que os pacientes precisam de medicamentos neurolépticos
desde o início do tratamento. No entanto, os estudos dos DAb mostraram
resultados melhores entre os pacientes que não receberam medicação
neuroléptica, ou a receberam mais tarde. Ao que parece, as indicações de
tratamento respaldadas pelo estudodos DAb foram quase o inverso das
defendidas pelas Normas da Associação Finlandesa de Psiquiatria.
O que me agradou particularmente na leitura deste livro foi que, tanto nos
Diálogos Abertos quanto nos Diálogos Antecipatórios, somos apresentados a
elementos importantes da teoria dialógica de Bakhtin, junto com novas ideias
sobre redes que conversam com redes. As duas abordagens, a meu ver, têm
uma dívida enorme para com o processo reflexivo de Tom Andersen e, vistas
numa escala maior, fazem parte da visão anderseniana de uma “Rede
Nortista” – projeto que vem apresentando o diálogo aberto a equipes de casos
agudos em hospitais de toda a orla da Europa Setentrional.13 Numa escala
menor, este livro me dá a impressão de ser um toque de alvorada, não apenas
por anunciar a conquista de uma abordagem mais contextualizada dos
dilemas humanos, mas também por oferecer algumas provas sólidas de sua
eficácia. Havendo acompanhado o desenrolar dessa evolução ao longo de
quarenta anos, hão de me perdoar por dizer que agora vou fazer uma pausa
para usufruí-lo.
LYNN HOFFMAN
Assistente social, terapeuta de família, autora e historiadora da terapia
de família, foi editora de Family Process e Journal of Marital & Family
Therapy e atuou por muitos anos no Ackerman Institute for the Family,
em Nova York, e no Smith College School of Social Work, em
Massachusetts
A nossos leitores brasileiros
É um grande prazer e motivo de profunda gratidão termos a oportunidade
de disponibilizar nosso livro Reuniões Dialógicas de Redes Sociais para o
público brasileiro. Já faz cerca de 15 anos que o livro veio à luz, mas havia,
além disso, vários anos de experimentos e pesquisas em que estivéramos
envolvidos antes de sua publicação. Não fazíamos ideia de que o livro
chegaria ao vasto público internacional a que chegou. Ele e o livro que o
seguiu em 2014, Diálogos Abertos e Expectativas, foram publicados, juntos,
em 15 línguas diferentes, sendo esta edição em português a décima sexta. O
interesse mundial por livros sobre práticas dialógicas é uma poderosa
afirmação da necessidade compartilhada de profundas mudanças nos serviços
e na cultura. Estamos e estivemos engajados em diferentes projetos de
desenvolvimento em mais de vinte países – bem como em cursos de
formação, seminários e conferências. A mudança está caminhando e nós nos
sentimos gratos por fazermos parte dela. É ótimo ter a oportunidade de dar
boasvindas aos brasileiros e à comunidade mais ampla de língua portuguesa,
com suas experiências importantes para esse desenvolvimento contínuo.
As experiências internacionais da Europa, Ásia, Américas do Norte e do
Sul, Austrália e Nova Zelândia nos fazem aprender lições valiosas. Como
assinalam os antropólogos, é praticamente impossível compreendermos uma
cultura que não seja a nossa, mas, ao encontrarmos uma cultura estrangeira,
podemos aprender muito sobre aquela em que estamos inseridos. Em 2004,
ao escrever este livro, tínhamos uma vaga percepção de que nossas
experiências nórdicas eram meio excepcionais no contexto internacional mais
amplo, com o Estado de bem-estar e seu baixo limiar de serviços públicos.
Mas não tardaríamos a compreender quão fora do comum era o nosso
“normal”. Como o título do livro sugere e os leitores brasileiros notarão,
descrevemos práticas orientadas para redes, tentativas de juntar os recursos
que as pessoas possuem em suas redes particulares da vida cotidiana e a ajuda
profissional. As redes privadas e profissionais são muito diferentes, é claro,
nos diferentes países e contextos. É possível haver redes privadas intensas e
menos ênfase nos serviços profissionais ou no acesso a eles, de um lado, e
laços comunitários menos enfatizados e envolvimento profissional mais
intenso, por outro – ou qualquer combinação entre esses dados.
Contudo, há nas diferenças um núcleo comum, que é a necessidade de as
pessoas se fazerem ouvir e de terem voz. Ficamos admirados, por um lado, ao
ver como são semelhantes as dificuldades que reivindicam uma franqueza
maior, e como a dialogicidade é bem-sucedida em matéria de superar essas
dificuldades, até nas situações mais graves, como as crises agudas de psicose.
As experiências nos levaram a considerar que a dialogicidade, como forma de
estar entre as pessoas, é uma ideia geral, e não específica de uma dada
cultura. Esta ideia de um núcleo comum dentro das diferenças culturais talvez
seja nossa principal conclusão de todos os projetos de que participamos,
durante os anos consecutivos à publicação original do livro. No Brasil, se nos
reunirmos com uma família em crise aguda, ela falará de sua vida dentro
dessa cultura, com as coisas específicas que acontecem em seu cotidiano.
Esses problemas concretos poderão ser diferentes dos enfrentados pelas
pessoas em outros contextos, mas é surpreendente ver como são semelhantes
as experiências psicóticas, as emoções, o pavor e os mal-entendidos – e como
é semelhante a necessidade de que eles sejam ouvidos e escutados. Esse
núcleo comum possibilita atravessar as fronteiras específicas dos vários
contextos e compartilhar experiências em práticas dialógicas nas diversas
culturas.
Mas serão duradouras as tentativas de desenvolver práticas dialógicas? Há
sempre a questão crucial da sustentabilidade. Muitos projetos começam com
entusiasmo, porém vão definhando, mais cedo ou mais tarde. Nossas
experiências dão margem ao otimismo – porém reconhecendo que o caminho
é sinuoso e acidentado. Jaakko e seus colegas começaram a buscar as redes e
a abrir as reuniões psiquiátricas nos anos 1980 e, passadas três décadas, o
trabalho continua em andamento. Os resultados terapêuticos são notáveis.
Inúmeros profissionais introduziram a abordagem dialógica e os cidadãos da
região que fazem tratamento dialógico são a norma. Na Lapônia Ocidental, o
desenvolvimento obtido com a prática dos Diálogos Abertos foi documentado
em vários estudos, apenas alguns dos quais estavam disponíveis na época em
que o livro foi redigido. Dentre os mais famosos estão os estudos de
acompanhamento de pessoas que buscaram ajuda no primeiro surto psicótico
nos períodos de 1992-1993, 1994-1997 e 2003-2005. Há relatórios
disponíveis sobre os resultados das sequências de dois anos de todas essas
coortes (Seikkula, Alakare & Aaltonen, 2011), bem como sobre os resultados
das duas primeiras coortes após cinco anos (Seikkula et al., 2006). Os
resultados foram coerentes em todos os estudos, mostrando que apenas cerca
de um terço dos pacientes precisou de medicação antipsicótica durante os
primeiros dois anos, e que 84% a 91% deles puderam voltar ao pleno
emprego, à busca ativa de trabalho ou a estudos em horário integral. Foram
resultados realmente excepcionais, tanto por ter sido muito pequena a
necessidade de medicação permanente quanto porque se alcançou uma
recuperação quase completa do emprego.
Os resultados notáveis dos Diálogos Abertos despertaram curiosidade na
comunidade psiquiátrica e, como o leitor pode imaginar, despertaram também
a descrença entre segmentos mais conservadores da psiquiatria acadêmica.
Para nos certificarmos dos efeitos dos Diálogos Abertos a longo prazo,
conduzimos uma pesquisa em que combinamos as informações de todas as
três coortes citadas acima (DAb, n = 108), tratadas na Lapônia Ocidental, e as
comparamos com os resultados do Tratamento de Praxe (TDP, n = 1.743) no
resto da Finlândia (Bergström et al., 2018). O período aproximado de
acompanhamento durou 19 anos e usamos as estatísticas dos serviços
nacionais de saúde da Finlândia para comparar os dois grupos (Tabela 1).
Tabela 1 – Tratamento psiquiátrico e pensões por invalidez
em 2015, aproximadamente 19 anos após o início do
tratamento
 DAb (N
= 108)
TDP (N
= 1.763)
Teste do
qui-
quadrado
(%) (%) x2 p
30 ou mais dias de internação
na instauração do surto
18,5 46,8 32,4 .000
Neurolépticos iniciados na
instauração do surto
16,7 75,5 389,7 .000
Internação por mais de 30
dias
18,5 94,4 32,4 .000
Contato de tratamento após
19 anos
27,8 49,2 16,7 .000
Neurolépticos após 19 anos36,1 81,1 110,4 .000
Pensão por invalidez após 19 33 61 28 .000
anos
A Tabela 1 apresenta apenas as variáveis principais, nas quais foram
observadas diferenças significativas. Os resultados e diferenças do tratamento
de praxe mantiveram-se na mesma linha ao longo de todos os anos do
processo, embora não tivesse havido controle do tratamento possível nas
crises futuras, depois da instauração. Por si só, isso já é surpreendente, uma
vez que as diferenças dos resultados tendem a declinar ou desaparecer com o
tempo, em virtude da multiplicidade de variáveis que interferem no decorrer
da vida. A dialogicidade parece fazer uma diferença que chega a durar vinte
anos. Do ponto de vista do projeto da pesquisa, gostaríamos de enfatizar a
importância dos moldes naturalistas. As observações frisam como é
importante poder projetar pesquisas que acompanhem a lógica da vida, em
vez de forçar a vida a se enquadrar nos ambientes de pesquisa. Os resultados
terapêuticos revelaram-se estáveis durante o curso do tratamento e também
nos processos da vida, mesmo depois de encerrado o tratamento.
Uma questão que esses resultados também levantam é a da ênfase
acentuada na medicação como base do tratamento da psicose na terapêutica
psiquiátrica. Os Diálogos Abertos concentram-se num trabalho intensivo com
a família, em reuniões dialógicas abertas, a fim de buscar novos sentidos na
vida.
Cremos que a avaliação da nova prática e das pesquisas deve ser sempre
incluída nos projetos de desenvolvimento. Desse modo, os próprios
desenvolvedores têm poder sobre as informações de bons resultados, sobre as
falhas a serem corrigidas e sobre as conclusões a serem extraídas, a fim de
aprimorar cada abordagem. Os últimos capítulos deste livro apontam algumas
dimensões cruciais das pesquisas apropriadas aos diálogos, e esperamos que
eles incentivem os colegas brasileiros a se juntarem a nós com suas valiosas
contribuições. A geração de conhecimentos válidos sobre a prática de cada
um é vital e, neste ponto, é importante perceber a necessidade de alternativas
melhores do que os ensaios clínicos experimentais controlados. Tais ensaios
têm lá seu lugar, mas também requerem tentativas de examinar apenas uma
variável influenciadora de cada vez, como se estivéssemos num laboratório.
A vida que tem as pessoas por centro, no entanto, não é um laboratório, e sim
uma rica combinação multidimensional de fatores pessoais e sociais. O
desafio, para a pesquisa, é permitir e tolerar essa riqueza e tirar conclusões
relacionadas com o contexto de vida, e não com um ambiente de laboratório.
Há necessidade de combinações flexíveis de meios e métodos.
As práticas em desenvolvimento sempre são, ao mesmo tempo,
experimentos sociais – e refletir sobre elas como tais ajuda a descobrir
caminhos para seguir adiante. Quando se procura alterar alguma coisa, gera-
se uma perturbação maior ou menor das praxes vigentes. Os sistemas que
sofrem essa perturbação tentam recuperar o equilíbrio – e sua maneira de
fazê-lo diz muito sobre os elementos constitutivos importantes do sistema. A
abordagem dialógica tende a ser algo diferente das rotinas de praxe na saúde,
na assistência social, na educação e em outros serviços e práticas relacionais.
Quando ela é estranha demais, quando difere demais da corrente dominante,
os processos da corrente dominante tentam livrar-se da perturbação
inoportuna, de um modo ou de outro – e o “de um modo ou de outro” revela
muito sobre como o contexto se estrutura e se mantém. Por um lado, quando
a abordagem introduzida se parece muito com as práticas usuais, não há
mudanças significativas. Então, o que é o “apropriadamente diferente”, nos
contextos brasileiros? É o que precisará ser visto – através de experimentos
sociais! E, com os experimentos, acumula-se um material importante para
que os colegas reflitam juntos – ajudando terapeutas, equipes e grupos a se
tornarem ainda mais hábeis para lidar com o contexto. Assim, as abordagens
dialógicas podem ser “perturbações positivas” na experimentação social, e as
equipes e comunidades que as puserem em prática aprenderão muito sobre a
“normalidade” dos sistemas “normais” e encontrarão maneiras coletivamente
flexíveis de avançar.
Nos anos 1980, Tom e seus colegas passaram a desenvolver uma
abordagem para ajudar sistemas multiprofissionais a descobrirem saídas dos
impasses em que se metiam ao lidar com os clientes e suas famílias à sua
maneira fragmentada de compartimentalizar os problemas e tratá-los
separadamente. Pôr as redes profissionais para dialogar com as redes privadas
das pessoas foi a chave da questão, e as práticas dos Diálogos Antecipatórios
estão em pleno vigor na década de 2020. Quando lhe perguntaram se a
cultura dos serviços dialógicos se sustentaria, um membro da administração
desta cidade finlandesa disse que seriam necessárias fortes decisões
administrativas para tentar inverter a maré.
Não é fácil gerar diálogos entre redes na terra de ninguém que permeia os
campos da saúde, da educação e da assistência social e outros campos
relacionais, mas as experiências do contexto finlandês são promissoras.
Processos ocorridos em outros lugares da Europa, e também noutros
continentes, apontam na mesma direção. A experiência internacional nos
torna otimistas. As abordagens dialógicas, como os Diálogos Abertos e os
Diálogos Antecipatórios, realmente podem atrair interesse e apoio suficientes
para dar a partida. E, quanto mais as pessoas experimentarem os diálogos,
menos quererão retornar a práticas não dialógicas.
Esperamos que este livro seja útil e constitua uma inspiração para gerar a
dialogicidade nas práticas sanitárias, sociais, educacionais e em outras
práticas relacionais no Brasil, unindo os recursos das redes privadas das
pessoas e das redes profissionais.
JAAKKO SEIKKULA E TOM ERIK ARNKIL
Assunção e Helsinque, 30 de outubro de 2019
Referências
Bergström, T. et al. (2018). The family-oriented open dialogue approach in
the treatment of first-episode psychosis: Nineteen-year outcomes. Psychiatry
Research, 270: 168-175.
Seikkula, J., Alakare, B. & Aaltonen, J. (2011). The comprehensive open-
dialogue approach in Western Lapland: II. Long-term stability of acute
psychosis outcomes in advanced community care. Psychosis, 3(3): 192-204.
Seikkula, J. et al. (2006). Five-year experience of first-episode nonaffective
psychosis in open-dialogue approach: Treatment principles, follow-up
outcomes, and two case studies. Psychotherapy Research, 16: 214-228.
Apresentação
Convidamos profissionais dos campos psicossociais – terapeutas,
assistentes sociais, professores, orientadores e assim por diante – para
diálogos em rede, isto é, diálogos entre as redes pessoais dos clientes e as
redes de profissionais. Por que haveriam esses de se interessar? Porque há
recursos surpreendentes e inesperados que é possível encontrar quando se
pensa junto.
“Redes” e “diálogos” são, ambos, lemas populares. Sabemos estar
correndo um risco. A palavra rede é usada para designar tamanha variedade
de fenômenos – desde as redes ferroviárias, passando por redes sociais e
redes neurológicas, até a “sociedade das redes” – que o conceito se aproxima
de perder seu significado. Nas profissões psicossociais, existem outras razões
para sermos reservados ou céticos ao ouvirmos alguém falar, extasiado, sobre
redes e estabelecimento de contatos interligados. Em nosso país, a Finlândia,
é difícil haver profissionais do campo psicossocial que não tenham
comparecido a “reuniões para estabelecer contatos”. Quase qualquer reunião,
com ou sem clientes, é chamada de reunião em rede. Muitos desses encontros
revelam-se repetições infrutíferas de padrões de interação já experimentados
há muito tempo, e quanto mais complexa é a questão e mais preocupante a
situação, maior a probabilidade de que esses “encontros de redes” se revelem
tentativas escancaradas ou disfarçadas de controlar os outros. Muitos dizem,
o que não é de admirar, que “já passei por isso, não tenho interesse”. Alguns
talvez se lembrem do já esfriado entusiasmocom as terapias em rede. Na
década de 1970, o trabalho de Ross Speck e Carolyn Attneave inspirou muita
gente nas profissões psicossociais. Mais para o final da década, o apetite
diminuiu. Na Escandinávia e na Finlândia, a ideia continuou a ganhar
impulso durante algum tempo, até que começou a perder força, também nesta
região. O trabalho inicial com redes sociais despertou grande entusiasmo,
mas logo vieram à tona as dificuldades de adoção dessa nova ideia nos
repertórios de recursos da assistência psicossocial. Sem uma base
organizacional específica no sistema profissional multissetorizado, a nova
abordagem ficou efetivamente sem teto.
Outro risco é introduzir o conceito de diálogos. Para começar, o conceito
de diálogo é usado para denotar quase qualquer forma de conversa entre
pessoas. Tornou-se um slogan na literatura de referência das organizações,
nas normas administrativas, nos panfletos políticos e coisas similares.
Embora possa haver um terreno comum de interpretação sobre os diálogos, a
proliferação também levou à imprecisão. Além disso, no tocante aos
possíveis públicos deste livro, a ideia de diálogo não é inteiramente nova na
psicoterapia nem na assistência psicossocial em geral. Pode-se argumentar,
justificadamente, que dialogar está no cerne – se é que não constitui o cerne –
de todo trabalho que visa ao empoderamento.
Por um lado, as ideias que apresentamos decorrem da longa tradição de
dialogar. Por outro, também situam os diálogos num novo contexto – nas
terras de ninguém dos múltiplos participantes, e não nos tradicionais espaços
individuais da psicoterapia, nos contextos de equipes de família da terapia
familiar. Um encontro entre as redes pessoais do cliente e as redes
profissionais associadas, numa situação preocupante, requer elevada
tolerância à incerteza. Em tais situações, dialogar é de especial importância e,
ao mesmo tempo, fica particularmente em risco. É tentador recorrer a um
meio de controlar situações que seja profissional e centrado no especialista,
mas isto deve ser evitado, para que o pensar junto entre plenamente em ação.
As abordagens que apresentamos não apareceram mediante a simples fusão
entre métodos profissionais orientados para o diálogo e situações com
diversos participantes. Tampouco são uma modificação da terapia em rede. É
claro que nós combinamos ideias provenientes de numerosas fontes e delas
nos beneficiamos, inventando e experimentando novas formas – e, acima de
tudo, procuramos escutar atentamente a resposta que nos dá o contexto.
Nosso trabalho pedia um fluxo de mão dupla entre a prática e a teoria:
modificamos nossa atividade e analisamos as experiências. Na verdade, este
livro é um resumo de cerca de vinte anos de pesquisa e desenvolvimento.
O propósito deste livro é demonstrar como – na nossa experiência – os
recursos das redes sociais podem ser bem utilizados para aliviar problemas
psicossociais e analisar as dimensões nucleares dessa prática de interligação
de redes. Nós, os autores, chegamos a este trabalho por vias diferentes e nos
surpreendemos ao notar as semelhanças dos dilemas com que deparamos na
prática e ao ver como eram parecidas as nossas conclusões sobre os
elementos essenciais das práticas válidas. Como era natural, começamos a
considerar a ideia de analisar e relatar juntos as nossas experiências. Uma vez
que estas consistiam em desenvolver um trabalho orientado para as redes, é
óbvio que havia mais do que duas pessoas por trás das ideias. Tivemos a
sorte, cada um em seu contexto, de ser membros de equipes inovadoras e de
participar de uma rede inspirada de terapeutas e pesquisadores.
Jaakko teve um começo afortunado como psicólogo no pequeno hospital
psiquiátrico Keropudas, em Tornio, uma cidadezinha da Lapônia finlandesa.
Ser membro da equipe, no período de 1981 a 1998, proporcionou-lhe uma
experiência abundante no reconhecimento dos recursos que as famílias
tinham em seu interior e em suas outras relações, mesmo nas crises
psiquiátricas mais graves, como psicoses e esquizofrenias. A equipe
desenvolveu suas práticas por meio da colaboração. Nenhum indivíduo
dominava os demais e cada um podia contribuir na busca de novas
abordagens. Por volta de 1988, Jaakko começou a fazer uma análise
sistemática da prática coletiva recém-surgida e a escrever relatórios de
pesquisa sobre essa realização conjunta. Por isso, está presente nas páginas
deste livro a equipe inteira daquele sistema psiquiátrico. Queremos agradecer
a todos eles, sem esquecer ninguém.
Enquanto Jaakko desenvolvia práticas como integrante de uma equipe que
exercia essas práticas, Tom aproximou-se de suas várias equipes vindas “de
fora”. Teve a oportunidade de estabelecer contato com diversas comunidades
inovadoras da prática, primeiro com equipes de assistentes sociais em
serviços de bem-estar social, depois com equipes da psiquiatria do
adolescente, em seguida com toda a rede de profissionais psicossociais de
dois municípios e, mais adiante, por meio de projetos com redes regionais
multidisciplinares. A essência que permeava todos os projetos consistia na
união para o desenvolvimento conjunto de abordagens multiprofissionais de
um trabalho orientado para o empoderamento, a fim de promover uma boa
cooperação entre as famílias e suas redes pessoais. Assim, as contribuições de
Tom também incluem muitas vozes, e queremos agradecer a todos esses
codesenvolvedores, sem exceção. Tom gostaria de mencionar nominalmente
seus parceiros mais íntimos de pesquisa, Esa Eriksson e Robert Arnkil (que é
também seu irmão).
A redação deste livro foi possibilitada em 2003-2004, quando Jaakko tirou
uma licença de seu cargo na universidade e se empregou no Centro Nacional
de Pesquisa e Desenvolvimento para o Bem-Estar Social e a Saúde
(STAKES, na sigla em finlandês), onde Tom também trabalha. A grande
oportunidade de trabalharem juntos por 18 meses permitiu que este livro se
tornasse realidade. Somos gratos pela oportunidade que nos foi dada pelo
STAKES e queremos agradecer, em especial, à gerente de divisão Sirpa
Taskinen, por seu apoio e suas sábias decisões. Por último, mas não menos
importante, queremos agradecer a Mark Phillips, que fez um esplêndido
trabalho como nosso consultor linguístico no STAKES.
JAKKO SEIKKULA E TOM ERIK ARNKIL
Helsinque e Jyväskylä, maio de 2006
Introdução
Sobre redes e diálogos
As pessoas vivem em relações sociais, mesmo quando os profissionais as
abordam individualmente. Quando o profissional e o cliente têm um encontro
individual, a rede pessoal do cliente já constitui um público desse
procedimento, assim como a rede profissional. As redes particulares e
profissionais são dimensões das redes sociais. De maneiras variáveis, os
indivíduos têm acesso a relações em que mantêm sua identidade social e nas
quais recebem apoio espiritual e material, bem como informações, e formam
novas relações.
Quando perguntamos ao cliente pelas pessoas que lhe são próximas, essas
pessoas entram na conversa, por meio dos diálogos internos do cliente – e os
ecos de suas vozes se fazem presentes, mesmo quando não perguntamos.
Cada pergunta e cada comentário acrescentam vozes a esses diálogos. Fazer
perguntas e tecer comentários sobre aqueles que são importantes na vida do
cliente constituem um trabalho orientado para as relações, mesmo que não
haja intenção de uma orientação para redes. Nosso modo de falar surte efeitos
nos diálogos internos do(da) cliente e nos diálogos que se seguem entre ele(a)
e os que lhe são próximos.
O cliente também introduz na conversa os profissionais com quem já
esteve em contato. Ao comentarmos as palavras do cliente ou formularmos
perguntas sobre sua situação, também falamos, na verdade, com o restante da
rede profissional. A princípio, o cliente pode ser um intermediário, no sentido
de que compara o que dizemos com o que foi dito por terceiros. Os outros
profissionais também se fazem presentes como vozes em nossos diálogos
internos e ecoam nossas experiências com eles. Portanto, estamos numa rede
de relações, mesmo quando háapenas duas pessoas presentes. Estamos
sempre estabelecendo essas relações, à medida que as vozes dos outros
ecoam em nossas conversas. Neste livro, descrevemos o trabalho feito
quando essas pessoas são efetivamente convidadas para os diálogos.
O trabalho profissional se dá em relação ao que outros prestadores de
assistência fazem ou fizeram com o cliente. Nas sociedades modernas, as
pessoas têm ligações com órgãos, serviços e instituições, no nascimento, na
primeira infância, na infância, na idade escolar, na adolescência e na fase de
adultos jovens, como provedores, na meia-idade e como cidadãos idosos. É
simplesmente impossível encontrar uma pessoa que tenha surgido no mundo
e viva inteiramente fora de uma rede pessoal de relações, ou nunca tenha
estado em contato com sistemas profissionais.
Do mesmo modo, as redes profissionais fazem parte do cenário em todos
os seus atos. Nossas medidas profissionais estão ligadas às medidas dos
outros. Podem complementar-se ou se combinar mal. Especialmente quando
o problema não está claro, pode haver diversos profissionais de vários
serviços trabalhando com o cliente ou com a família. No trabalho
psicossocial, as situações com múltiplos prestadores de assistência
constituem mais a regra do que a exceção.
Quando vemos as redes sociais como vínculos que permitem o acesso à
ajuda e ao apoio, à informação e a novas relações pessoais, todos os
profissionais do trabalho psicossocial já estão funcionando em rede. Nesse
sentido, é impossível não fazer um trabalho baseado em redes. A pergunta
não é se vamos fazê-lo, mas como fazê-lo.
O trabalho que cruza fronteiras profissionais nas situações inquietantes está
longe de ser simples. As redes podem “travar”, ou o trabalho pode produzir
resultados que ninguém pretendia. Entretanto, apesar da complexidade desse
trabalho transfronteiriço, presta-se pouquíssima atenção a ele no
desenvolvimento de práticas sistemáticas. A colaboração multilateral é vista,
ao contrário, como algo que ocorre espontaneamente. Em comparação com a
variedade de métodos, abordagens e formações para indivíduos e para
trabalhos em equipe, não há muito material disponível em termos de preparar
os profissionais para situações com múltiplas partes interessadas.
Neste livro são enfocados encontros entre redes pessoais e profissionais no
trabalho psicossocial e é discutido como esses encontros puderam se tornar
dialógicos. O trabalho em redes tem sido um tema na terapia e na assistência
social há pelo menos três décadas. As abordagens dialógicas foram
desenvolvidas em vários ramos da terapia individual e de grupo, da educação
e da orientação. Entretanto, os diálogos entre redes não têm sido discutidos
com a mesma amplitude. Pelo menos, até hoje não foram analisados e
relatados.
Quando vários atores se encontram para discutir e tratar uma situação
perturbadora, é difícil para uma única pessoa controlar a situação. Numa
situação preocupante, não é fácil aguentar a incerteza e a falta de controle. A
tentação do discurso monológico – centrado nas ideias e atos de terceiros – é
particularmente grande nessas circunstâncias.
Mikhail Bakhtin (1981) assinalou que o discurso competente é finito e
exige que o reconheçamos, que façamos dele nosso discurso. O diálogo, em
contraste, é aberto. Os sentidos são gerados e transformados de uma resposta
a outra. Quanto mais vozes são incorporadas num diálogo polifônico, mais
ricas são as possibilidades de que emerja a compreensão. O diálogo é um
modo de pensar junto, no qual a compreensão se forma entre os participantes
como algo que ultrapassa as possibilidades de uma única pessoa. Para
alcançar isso, os participantes precisam voltar-se para as respostas, ouvir e ser
ouvidos.
Em termos superficiais, as condições dos processos dialógicos não são as
mais favoráveis quando ocorre uma crise, quando as preocupações se tornam
enormes, quando as redes de múltiplos participantes travam, os clientes ficam
insatisfeitos, os parentes se preocupam e os profissionais culpam uns aos
outros. Em nossa experiência, contudo, é exatamente nessas situações que os
diálogos são necessários e é nelas que exibem suas maiores forças. Nos
capítulos que se seguem, discutiremos as precondições dos encontros
dialógicos em situações de rede e levantaremos as dimensões essenciais do
dialogismo.
No trabalho psicossocial, integrar redes
significa atravessar fronteiras
As redes são um tema da psicoterapia e da assistência social desde a
década de 1970. Desenvolveu-se uma variedade de práticas orientadas para
elas. A “interligação de redes” também se tornou um slogan de outras áreas
do trabalho psicossocial, como a educação, o aconselhamento, a reabilitação
e assim por diante. A metáfora da rede é usada numa ampla variedade de
campos diferentes, que vão desde o ramo global dos negócios até a tecnologia
de informática, dos transportes até os neurônios, e das relações pessoais até o
capital social. Manuel Castells (1996) diz que vivemos numa “sociedade em
rede”.
De acordo com Bruno Latour (1996), há algumas propriedades simples que
são comuns a todas as redes. A palavra-chave é conectividade. As redes
podem transformar-se de mal conectadas a altamente conectadas, e viceversa.
Andrew Barry (2001) assinala que o conceito de rede não é usado meramente
para representar algo “que existe”. Esse conceito fornece uma base para a
realidade reimaginada e remoldada. Pensar em termos de redes permite a
atividade de planejamento em termos de redes.
John Barnes (1954) pode ser chamado, com toda justiça, de inventor do
conceito de rede social. Ele estudou um vilarejo norueguês e percebeu que
poderia seguir as ligações sociais que se entrecruzavam nas classes sociais,
nos limites familiares etc., se as encarasse como fibras dotadas de nós que
criavam redes sociais. Rose Speck e Carolyn Attneave (1973) foram
pioneiras na interligação de redes no campo do trabalho psicossocial.
Desenvolveram um conjunto de métodos chamados de “terapia em rede”,
para combinar os recursos das redes sociais.
Nem sempre as redes são iguais. As redes particulares ou pessoais dos
cidadãos – isto é, a família, a família extensa, a comunidade próxima, a
comunidade do trabalho etc. – podem modificar-se. John Barnes (1972)
achava que sua criação – o conceito de rede social – desapareceria, como
conceitos anteriores que estiveram em voga, mas até hoje isso não aconteceu.
O conceito é suficientemente preciso para fazer os olhos se voltarem para as
ligações e suficientemente vago para não definir essas ligações. A família
está em processo de transformação, e o significado exato desse conceito não é
inequívoco. O sentido de família não é o mesmo em todas as culturas e se
modificou ao longo do tempo. A importância da família extensa ou do
parentesco nas comunidades locais, para o indivíduo, também vem mudando,
e o mesmo acontece com as relações na comunidade de trabalho. Em geral, as
fontes do apoio e do controle sociais vêm se transformando. Os indivíduos
gozam de uma liberdade sem precedentes, em termos do controle tradicional
– mas, ao mesmo tempo, estão mais afastados que nunca do apoio tradicional.
Em meio a tudo isso, porém, o conceito de rede social continua vivo e firme.
A imprecisão da definição pode significar que ela é capaz de sobreviver às
transições da sociedade. Ao mesmo tempo, hoje as redes sociais não são
exatamente o que eram na década de 1950, por exemplo, numa aldeia
norueguesa de pescadores. Mesmo no processo recente ou pós-moderno de
individualização – nas relações mutáveis entre o indivíduo e a sociedade –,
faz sentido acompanhar o trajeto das fibras das relações e descobrir recursos
nessas relações.
Uma dimensão das redes sociais que passou por transformação
fundamental foi a da assistência profissional. Nos anos 1950, não havia nada
semelhante à profunda especialização vertical, ao sistema setorizado de
profissionais psicossociais que existe nas sociedades da modernidade tardia.
Depois da Segunda Guerra Mundial, surgiu a necessidade de proporcionar
saúde,educação, assistência social e outros serviços em larga escala. A
assistência sanitária, a educação etc., moldadas para o indivíduo, foram
substituídas por um tipo de organização e trabalho de produção em massa,
com um aprofundamento vertical da especialização. Surgiu um
compartimentado “sistema de silos” com fronteiras demarcando áreas de
atividade e profissões, tendo cada setor os seus arranjos de administração e
orçamento e havendo muito menos estruturas horizontais. Essas demarcações
também levaram à necessidade de cruzar fronteiras, ou de “trabalhar em redes
flexíveis” (ver Castells, 1996), e à necessidade de observar os resultados do
todo, e não apenas os de cada compartimento do silo.
O contexto mais amplo dos diálogos de redes é o encontro entre a vida real
dos cidadãos e o sistema profissional compartimentalizado. A organização
setorial procura lidar com os problemas de individualização da modernidade
tardia. Como é possível transpor fronteiras – dentro do sistema profissional e
em direção aos clientes e suas redes pessoais – de um modo que combine os
recursos?
Quando tudo corre bem, o sistema multiprofissional abrange partes
complementares bem encaixadas. Os profissionais sabem com quem entrar
em contato quando precisam de especialização suplementar. Quando as
coisas correm mal, há insegurança quanto às responsabilidades, negociações
intermináveis, muitas idas e vindas, tentativas de uns dizerem aos outros o
que devem fazer e, enquanto isso, aqueles que buscam ajuda sempre ficam
em pior situação. Se tudo corre bem, o sistema dá aos cidadãos ajuda e
orientação especializadas. Quando corre mal, ele não escuta o cliente, define
as pessoas de modos que lhes são estranhos, toma providências que não
combinam com a situação de vida dos clientes, ou os joga em direções
opostas.
Atravessar as fronteiras é necessário dentro do sistema profissional e entre
profissionais e não profissionais. Essas dimensões se fundem. Quando a rede
pessoal do paciente é convidada a participar do tratamento, essas pessoas não
são convidadas para ser tratadas, mas para dar ajuda e apoio. Suas vozes são
necessárias para formar uma compreensão mútua sobre a natureza confusa da
questão. É difícil estabelecer uma distinção absoluta entre o especialista e o
“leigo” nessas situações. É escusado dizer que o médico continua a ser
médico, o psicólogo, a ser psicólogo, e o assistente social, a ser assistente
social. Seu conhecimento especializado não evapora por causa da travessia
das fronteiras. Entretanto, nos diálogos, o tratamento não se apoia unicamente
neles. Na verdade, a rede pessoal – os “leigos” – contribui para seus recursos.
A crise psíquica, ou outras situações preocupantes como essa, não afetam
apenas o cliente; afetam também as pessoas que lhe são próximas. Num
diálogo recíproco, é possível chegar a uma compreensão que nenhuma das
partes, isoladamente, poderia alcançar ou atingir. Como resultado, a rede
pessoal do paciente torna-se um recurso no tratamento e uma criadora
conjunta do processo. Quando as redes se encontram, pode emergir um saber
especializado comum às partes.1 Essa expertise ultrapassa a capacidade de
qualquer ator isolado.
Fizemos um trabalho de pesquisa e desenvolvimento de diálogos de redes
durante cerca de duas décadas, Jaakko trabalhando na assistência psiquiátrica,
Tom estudando o trabalho multiprofissional feito com crianças, adolescentes
e famílias em assuntos relacionados com a assistência social. Neste livro,
descrevemos e analisamos os Diálogos Abertos – abordagem desenvolvida
por Jaakko e seus colaboradores – e os Diálogos Antecipatórios – abordagem
desenvolvida por Tom e seus colaboradores. Estamos cientes de que há várias
outras abordagens dialógicas e de que outras vêm sendo desenvolvidas o
tempo todo. Usamos nossas experiências como material para reflexões mais
gerais sobre as dimensões do dialogismo. Como o dialogismo não se
manifesta “em geral” ou fora da atividade real, queremos descrever
cuidadosamente as práticas que formam a base de nossas conclusões.
Presumimos que o diálogo tem muito a oferecer a outras práticas que não
aquelas de que falamos, porém se o faz e de que maneira é uma decisão que
compete aos que trabalham nesses contextos e os conhecem por dentro.
Este livro apresenta métodos e técnicas, mas não é um manual de
instruções. Abordamos o dialogismo como um modo de pensar e agir que
pode ser enriquecido por toda sorte de métodos que promovam a escuta e o
pensar em conjunto. Na última parte do livro, discutimos as pesquisas – como
avaliar os efeitos dos diálogos em rede e como utilizar os resultados dessas
pesquisas para desenvolver mais o trabalho.
Estrutura e conteúdo do livro
Parte I
Na primeira das três partes em que se divide o volume, começamos por
relatar nossas surpresas: os rumos inesperados que seguimos em resposta a
impasses teóricos e práticos. Não chegamos às práticas dialógicas seguindo
um planejamento. Jaakko desenvolveu práticas como integrante de uma
equipe de um hospital psiquiátrico. Enquanto isso, Tom desenvolvia práticas
em colaboração com diferentes equipes. Foi quase sempre a prática que
conduziu os trabalhos, ao passo que a teoria comumente orientou o olhar.
No capítulo 1, descrevemos sucintamente os caminhos que levaram aos
Diálogos Abertos e Antecipatórios. Não se tratou de caminhos diretos.
Cremos que mostrar as reviravoltas explica melhor a ideia do que apresentar
uma imagem burilada das inovações, como se elas tivessem surgido
completas, prontas para serem implementadas.
Discutimos no capítulo 2 os fatores que podem fazer com que as reuniões
de redes resultem em um completo fiasco. Nossa suposição é que, como nós,
muitos tenham experimentado as rivalidades que acontecem em reuniões
multilaterais – como saber quem tem competência para definir o assunto,
digamos –, ou as tentativas de definir o problema como algo comum a todas
as partes, como quem falasse em uma perspectiva panorâmica. Ou,
similarmente, muitos devem ter tido experiência com participantes que
acolheram calorosamente a cooperação, mas, ao mesmo tempo, procuraram
assegurar-se de não se envolver, ou vivido a experiência de as interações
numa reunião entre profissionais se assemelharem estranhamente aos padrões
interativos encontrados pelos participantes no trabalho com clientes. Como
evitar as armadilhas dos processos com muitas partes interessadas? Este é um
tema central do presente livro.
Parte II
As normas dos Diálogos Abertos, que são sucintamente apresentadas na
Parte II, foram criadas com base em análise das características essenciais no
tratamento psiquiátrico centrado em redes bem-sucedido. Não foram traçadas
de antemão como regras a serem seguidas. Os Diálogos Abertos são um
modo de organizar o tratamento e um modo especial de discutir os assuntos
quando as redes se reúnem. As experiências resumidas nessas diretrizes
foram colhidas durante muitos anos do trabalho de elaboração, auxiliado
desde o início por pesquisas feitas na Lapônia Ocidental, na Finlândia.
Assim, o capítulo 3 oferece um relato de como o tratamento psiquiátrico
centrado em redes pode ser organizado como um todo. No capítulo 4,
descrevemos os Diálogos Antecipatórios, que foram desenvolvidos, em
primeiro lugar, no contexto do trabalho multiprofissional com crianças,
adolescentes e famílias. Eles são um modo de trazer para o centro das
atenções a vida cotidiana da criança/adolescente/família e de planejar a
cooperação, tendo essa vida cotidiana por eixo central. Desenvolveu-se um
método especial de “evocar o futuro”, para criar uma compreensão expressa
por muitos em situações carregadas de preocupação.
No capítulo 5 apresentamos uma comparação entre os Diálogos Abertos e
os Antecipatórios. Também nos distanciamos um pouco deles, por algum
tempo, para discutir dimensões mais gerais do dialogismo. Entretanto, visto
que nossas experiências se ligam sobretudo a essas práticas, nós as usamos
como material de nossas reflexões. No capítulo 6, voltamos os olhos para a
teoria, discutindo odialogismo mediante a avaliação, antes de mais nada, dos
conceitos de Mikhail Bakhtin. Tentamos descobrir o que há nos diálogos que
traz cura e ajuda.
Parte III
A terceira e última parte do livro versa sobre os estudos concernentes à
eficácia e às possibilidades de transferência ou generalização das boas
práticas.
No capítulo 7, usando os Diálogos Abertos como material, perguntamos se
é possível distinguir entre os processos dialógicos que deram bons resultados
e aqueles que não os produziram. Parece que existem diálogos e diálogos, o
que ilustra diferenças nas práticas com Diálogos Abertos. Investigamos se as
pesquisas podem ajudar a detectar fatores que favoreçam o desenvolvimento
de bons diálogos.
No capítulo 8, estudamos os resultados dos tratamentos feitos com o uso de
Diálogos Abertos, à luz de dados de acompanhamento sobre o funcionamento
psicossocial dos pacientes. Os resultados são intrigantes – isto é, são muito
diferentes das práticas e resultados que constituem a base habitual das
recomendações de tratamento psiquiátrico e, em muitos aspectos, são o
oposto deles. A necessidade da medicação com neurolépticos pode ser
minimizada no trabalho que envolve redes; a recuperação dos pacientes e sua
capacidade de lidar com o social melhoram. Os resultados sugerem que há
uma alternativa para os tratamentos psiquiátricos tradicionais de controle dos
pacientes.
No capítulo 9 discutimos o que pode ter causado as diferenças entre os
resultados, ao mesmo tempo que ampliamos o panorama. Examinamos os
pressupostos fundamentais da pesquisa baseada em evidências. Por trás das
recomendações da Sociedade Finlandesa de Psiquiatria sobre tratamentos
válidos, há projetos de pesquisa que não incorporam as características mais
essenciais dos diálogos. Os projetos que simplificam as variáveis ativas estão
em vias de se tornar o parâmetro do saber científico. São necessárias
pesquisas mais amplas, baseadas em evidências, que também reconheçam
algo diferente de meros encontros monológicos em que os atores intervêm
sobre objetos. No fim do capítulo, discutimos o problema da transferência ou
generalização das boas práticas. As boas práticas não podem ser
simplesmente duplicadas. A diferença dos contextos e dos agentes deve ser
sempre levada em conta. Hoje em dia, há cada vez mais discussões sobre a
necessidade de pesquisas que sejam mais contextualizadas do que as
pesquisas de laboratório e, por isso, possam produzir um conhecimento mais
válido em termos sociais. A necessidade de criar arenas e espaços de
aprendizagem que cruzem fronteiras tem sido enfatizada na discussão recente
da política das pesquisas, assim como a necessidade de promover os diálogos
nessas arenas. Em nossas palavras finais, no epílogo, refletimos sobre as
transformações nas relações de poder.
Este livro ganhou forma através de um processo mútuo. Ambos
escrevemos capítulos e seções em resposta a nossas discussões. Depois,
estudamos, debatemos e elaboramos minuciosamente o material. A
introdução e o capítulo 1 compõem-se de seções escritas pelos dois autores.
O capítulo 2 é baseado no manuscrito de Tom, e o capítulo 3, no de Jaakko.
Tom escreveu o esboço original do capítulo 4, ao passo que o capítulo 5 teve
suas seções redigidas por ambos os autores. Os capítulos 6, 7 e 8 são obra de
Jaakko, em sua maior parte, e o capítulo 9 e o epílogo foram escritos por
Tom. O mais importante para nós, entretanto, é termos escrito um trabalho
conjunto que integra cada um de nossos pontos de vista particulares.
Parte I
1 Diálogos nas fronteiras entre e
dentro das redes profissionais e
pessoais
Buscamos primordialmente soluções práticas. Jaakko trabalhou desde o
começo “dentro” das práticas que estava pesquisando, como membro de uma
equipe de tratamento psiquiátrico. Para ele, os fenômenos de ordem prática
quase sempre precederam a análise teórica das experiências. Para Tom, o
desenvolvimento de conceitos foi central, embora em estreito contato com a
prática. Ele não era membro das equipes assistenciais que pesquisou e que
trabalham com crianças, adolescentes e famílias. No entanto, as práticas
dialógicas em rede foram desenvolvidas em estreita cooperação com esses
profissionais de base.
Apesar de descrevermos com detalhes as práticas dialógicas com que nos
temos envolvido, nosso objetivo também é discutir as dimensões mais gerais
do dialogismo. Afinal, a habilidade técnica não basta. A postura, a visão e o
modo de pensar de cada um são igualmente importantes, se não mais. E o
trabalho em rede também não é uma simples série de métodos em rede, mas,
antes, uma compreensão do significado das relações para um indivíduo – uma
orientação para as redes. É claro que as ferramentas terapêuticas não deixam
de ter importância. Algumas formas de discussão são mais favoráveis do que
outras para gerar diálogos. As diretrizes sobre os Diálogos Abertos e os
Diálogos Antecipatórios ganharam forma no correr de um longo período. O
percurso não foi linear, porém. Numas duas ocasiões, tivemos que revisar
totalmente as nossas ideias. A seguir relatamos essas reviravoltas no caminho
do desenvolvimento, para destacar como chegamos às ideias centrais.
Não há definições comuns do problema,
afinal
Os Diálogos Antecipatórios foram desenvolvidos em complexas situações
multiprofissionais em que o processo de ajuda parecia não estar levando a
parte alguma, a despeito das tentativas de vários prestadores de assistência de
fazer o que era profissionalmente correto. Tom estava estudando os contatos
entre o sistema profissional compartimentalizado e a vida cotidiana
abrangente dos cidadãos. Os Diálogos Antecipatórios foram desenvolvidos
numa série de projetos em diversos municípios da Finlândia, conduzidos pela
equipe de Tom no Centro Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento para o
Bem-Estar Social e a Saúde (STAKES, na sigla em finlandês). O ponto de
partida de Tom estava nas ciências sociais: políticas sociais e sociologia. Ele
não é clínico. Seu colega ao longo dos anos foi Esa Eriksson, que é psicólogo
e terapeuta familiar.
As “situações multiproblemáticas” criam relações dos clientes com
diversos serviços. Os contextos em que há múltiplos órgãos assistenciais são
complexos, e tal complexidade decerto não se reflete apenas na família. A
combinação eficaz de diferentes serviços pode ser prejudicada, mesmo
quando o trabalho dos diversos profissionais é bem fundamentado e de boa
qualidade. De certo modo, o sistema profissional, aparentemente bem
organizado, desorganiza-se quando depara com fenômenos que não podem
ser compartimentalizados de um modo paralelo àquele como se divide o
sistema especializado. Esses problemas não são incomuns. Os casos podem
girar em torno de tentativas reiteradas de procurar controlar os outros e levá-
los a fazer o que é visto como necessário. Os Diálogos Antecipatórios foram
desenvolvidos para revitalizar essas situações. Junto com os profissionais da
linha de frente, Tom e Esa e sua equipe tentaram elaborar métodos que
pudessem ser úteis em situações em que as partes envolvidas pareciam estar
repetindo padrões de atividade malsucedidos. O trabalho profissional com
crianças, adolescentes e famílias proporcionava uma abundância desse tipo de
material.
Tom e Esa conduziram juntos uma série de projetos com profissionais da
linha de frente, a partir de meados da década de 1980. O primeiro projeto foi
com três serviços de assistência social e uma clínica para dependentes de
drogas. A parceria seguinte envolveu o pessoal de dois serviços de assistência
social e uma clínica psiquiátrica para adolescentes. A terceira comunidade de
desenvolvimento a se envolver foi grande: todos os profissionais – de clínicas
de pré-natal à psicoterapia, de creches a clínicas de orientação da família, de
escolas à proteção da infância – trabalhavam com crianças, adolescentes e
famílias em dois municípios. A comunidade seguinte foi ainda uma pouco
maior: os profissionais equivalentes e mais a força policial de 14 municípios
e distritos rurais. Por fim, o conjunto de

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