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1 Laís Kist de Almeida – ATM 2024/2 CENÁRIOS ESPECÍFICOS: ÁREA RURAL, SAÚDE INDÍGENA, POPULAÇÃO RIBEIRINHA E SAÚDE PRISIONAL Medicina na área rural: o O que é rural? As diferenças entre urbano e rural; o Acesso à saúde no meio rural; o A prática da Medicina Rural. Atendimento médico da população ribeirinha: o A população ribeirinha e suas características; o A prática da Medicina em populações ribeirinhas. Saúde Indígena: o Os povos indígenas; o Os povos indígenas e o acesso à saúde; o A Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas; o A prática médica na Saúde Indígena. Saúde Prisional: o A população prisional; o População prisional e o acesso à Saúde; o Problemas específicos da população prisional. SAÚDE DA POPULAÇÃO RURAL O que é rural? ➢ No Brasil, os povos e comunidades rurais são aqueles que tem o seu modo de vida e reprodução social relacionado ao campo, floresta, água, agropecuária e extrativismo. Existe uma diversidade muito grande desses grupos, cada um com suas especificidades. ➢ Camponeses, trabalhadores rurais, quilombolas, ribeirinhos, pescadores e marisqueiras, reservas extrativistas em áreas florestais ou aquáticas. ➢ Essas populações usam os recursos naturais para a sua subsistência com a mão de obra familiar. Assim, o processo de adoecimento dessas pessoas está relacionado a esse contexto, que difere, em certa forma, do cenário urbano. ➢ Nem sempre é fácil definir se uma região ou população é rural ou não; ➢ Não é um isolamento absoluto entre os espaços rurais e as áreas urbanas; ➢ Rural não é sinônimo de agrícola; ➢ As áreas rurais têm densidade populacional relativamente baixa; ➢ Definição legal de ruralidade, de 1938, utilizada no Censo oficial: baseada em uma definição administrativa (rural é a área externa ao perímetro urbano no distrito), considera todas as sedes de municípios como cidade. ➢ 85% - urbano; 15% - rural. ➢ Considera todas as sedes de município como área urbano (o que nem sempre é). Por isso, existem outras propostas para definição do que é uma área rural. Baseada na combinação entre a densidade demográfica e o tamanho populacional total da área, considera 3 tipos de área: rural (baixa densidade demográfica e baixo tamanho populacional), urbana (alta 2 Laís Kist de Almeida – ATM 2024/2 densidade demográfica e alto tamanho populacional) e rururbano (área intermediária. Por essa classificação, a população brasileira é 57% urbano, 30% rural e 13% rururbano. Considerando essa definição, temos o dobro de área rural. Diferenças entre rural e urbano Em geral, são menores em áreas rurais do que em urbanas: • As taxas de alfabetização, uso de cinto de segurança, acesso à água potável, tratamento de lixo e esgoto; • Taxas de má nutrição e doenças relacionadas à deficiência de nutrientes (vitamina A e anemias); • Prevalência de tabagismo; • Doenças infectocontagiosas, como esquistossomose, leishmaniose e tétano; • Acidentes com animais peçonhentos; • Intoxicações por agrotóxicos; • Taxas de vacinação menores; • Acesso à saúde mais precário. População que vive, normalmente, longe de áreas urbanas e, em todo o mundo, geralmente tem menor acesso aos serviços de saúde. Então, significa que hoje, aproximadamente, metade da população do mundo é rural. Entretanto, somente 23% dos trabalhadores de saúde trabalham na área rural – o que significa que os profissionais da saúde são usualmente preparados para trabalhar em áreas urbanas. 56% das pessoas em áreas rurais não são cobertas por serviços de atenção primária. Mundialmente, existe uma defasagem de profissionais de saúde em zonas rurais e remotas. Enquanto em Manaus, por exemplo, há 1 médico para 574 habitantes, no interior do Amazonas há 1 médico para 8.944 habitantes. Assim, vemos que as diferenças entre rural e urbano já começam no acesso à saúde. O número de pessoas que nunca consultou com um profissional de saúde é maior em áreas rurais do que em áreas urbanas. Se considerarmos toda a população mundial, 50% das pessoas habitam em zonas rurais. No entanto, se observarmos a distribuição de médicos no mundo, apenas 24% trabalham em zonas rurais; enquanto 76% trabalham em zonas urbanas. Assim, observando os déficits de profissionais de saúde no mundo (10,3 milhões), podemos perceber que o déficit urbano é de cerca de 3 milhões de profissionais; enquanto o déficit rural é de 7 milhões de pessoas. A prática da Medicina Rural • Na área rural, os profissionais de saúde precisam ser mais resolutivos e ter um leque maior de procedimentos do que em centros urbanos, uma vez que as disponibilidades de outros profissionais e os recursos são mais escassos. Os profissionais devem estar preparados para atender uma população com perfil diferente, sabendo que em cada comunidade encontrarão pessoas únicas moldadas pelo contexto em que vivem. • Diferença no perfil de doenças, principalmente, a questão dos acidentes por animais peçonhentos e da alta incidência de intoxicações agudas e subagudas; • Isolamento profissional relativo; 3 Laís Kist de Almeida – ATM 2024/2 • Convivência social maior com os pacientes e colegas; • Longitudinalidade – A tendência é que os médicos que praticam a medicina rural têm uma maior longitudinalidade com seus pacientes e com a comunidade onde estão inseridos; • Diferenças culturais – linguagem, noções de família, conceitos de doença e saúde e menor busca por prevenção; • Dificuldades de acesso a exames e especialistas; • Necessidades de habilidades técnicas diferenciadas – médico capacitado: o Interpretação de exames sem laudos de especialistas; o Realização de procedimentos cirúrgicos, diagnósticos e terapêuticos; o Familiaridade com o manejo inicial de emergências, já que o tempo até o hospital é maior; o Ampliação das habilidades ao manejo integral e sociofamiliar da pessoa, em todas as fases da vida. Fatores relacionados à decisão de um profissional de saúde de ir trabalhar em áreas rurais O governo tem feito medidas para estimular a integralização dos profissionais da saúde, fazer com que os médicos vão trabalhar nas zonas rurais. Mas, diversos fatores estão relacionados à decisão do profissional de permanecer nessas áreas (decisão de mudar, permanecer ou deixar a área rural): → Origem do profissional e valores; → Aspectos familiares e comunitários; → Condições de vida e trabalho – infraestrutura, equipe de trabalho, acesso à medicamentos, telemedicina, serviço obrigatório restrito; → Relacionado à carreira; → Aspectos econômicos; → Serviço obrigatório e restrito; Saúde da população ribeirinha Vive em zona rural; O termo ribeirinho designa qualquer população que vive às margens dos rios; Tradicionalmente, as comunidades ribeirinhas são compostas de vários agrupamentos familiares; Vivem em casas de madeira, adaptadas ao sistema de cheias e de vazantes dos rios. Fotografias de moradias tradicionais da população ribeirinha. Palafita; flutuante e habitação terrestre tradicional. Características da população ribeirinha Pouco ou restrito acesso às mídias escrita e falada, mesmo com todos os aportes tecnológicos atuais; Elevado índice de analfabetismo e dificuldades no acesso a escolar; Transporte todo feito via fluvial – fator importante para o planejamento de ações, sobretudo quando associado à dispersão e ao isolamento geográfico; A base da alimentação: farinha e peixe, frutas da floresta, carne de caça e produtos da roça (feijão, milho, mandioca); mas é comum o consumo de produtos industrializados (óleo, café, açúcas e macarrão); 4 Laís Kist de Almeida – ATM 2024/2 Condições sanitárias muito precárias, não existindo, na maior parte da comunidade, abastecimento de água, fossas sanitárias e adequado destino do lixo doméstico. A prática da Medicina em populações ribeirinhas➢ Fortes tradições culturais de práticas místico-religiosas em saúde; ➢ Pajés (curandeiros), os rezadores, os benzedeiros e as parteiras, como terapeutas locais; ➢ Diagnósticos de feitiço, quebranto, mau-olhado, espinhela caída, susto, rasgadura, vermelho, espírito e doença do ar; ➢ Doenças entendidas como consequências das relações com a natureza e/ou com os outros membros da comunidade; ➢ Uso de ervas e plantas medicinais na cura ou no alívio de doenças; ➢ O cuidado das populações ribeirinhas, portanto, exige criatividade e a superação do vício no discurso científico; ➢ Dificuldades no acesso à saúde; ➢ Necessidade do desenvolvimento de habilidades para a prática de Medicina Rural (como realização de procedimentos, interpretação de exames sem laudo de especialistas e manejo inicial de urgências; ➢ Além das próprias características geográficas e demográficas, as condições socioeconômicas e culturais contribuem para o aparecimento de patologias como: malária, leishmaniose, hanseníase, tuberculose, arboviroses, infecções de transmissão hídrica ou associadas à água (febre tifoide e gastroenterites). Unidades móveis fluviais (UBSF): embarcação fluvial adaptada para funcionar como uma unidade de saúde, havendo a necessidade de a equipe pernoitar na própria unidade para desempenhar suas funções; Equipe: um médico, um enfermeiro, um cirurgião-dentista, um farmacêutico, dois técnicos ou auxiliares de enfermagem, um auxiliar de saúde bucal e/ou técnico de higiene dental, um técnico de laboratório e até 12 ACSs rurais; Estrutura física: consultório médico, consultório de enfermagem, consultório odontológico, ambiente para armazenamento e dispensação de medicamentos, laboratório, sala de vacina, sala de procedimento, sala de esterilização, expurgo, banheiro para o público, banheiro exclusivo para os funcionários, cabines com leitos em número suficiente para toda a equipe, refeitório e cozinha. SAÚDE INDÍGENA Os povos indígenas “Comunidades, povos ou nações indígenas são aqueles que, apresentando uma continuidade com sociedades précoloniais que se desenvolveram em seus territórios no passado, constituem segmentos não dominantes da sociedade e manifestam o compromisso de preservar e desenvolver suas culturas e transmitir para gerações futuras seus territórios ancestrais, suas identidades étnicas, tendo por base sua existência contínua como povos, de acordo com seus padrões culturais, instituições sociais e sistemas jurídicos” (Organização das Nações Unidas). “Todo indivíduo de origem e ascendência pré-colombiana que se identifica e é identificado como pertencente a um grupo étnico cujas características culturais o distinguem da sociedade nacional” (Estatuto do Índio, 1973). 5 Laís Kist de Almeida – ATM 2024/2 Desde o descobrimento do Brasil, até 1970, a população indígena diminuiu muito e muitos povos foram extintos. Somente após a promulgação da constituição federal de 1988, os indígenas tiveram conhecimento de cidadania e autonomia dos seus povos. No Brasil, segundo o último censo do IBGE: ➢ Mais de 890 mil índios (0,4% da população brasileira); ➢ Distribuídos em 505 terras indígenas, ocupando 12,5% do território nacional; ➢ Presentes em todos os estados do país; ➢ Imensa sociodiversidade, incluindo 305 grupos étnicos falantes de 274 idiomas; ➢ Eram considerados incapazes pelo Estado até a Constituição Federal de 1988. Em 2010, a Secretaria Especial de Saúde Indígena foi criada no âmbito do SUS – reivindicação das comunidades que não recebiam os cuidados adequados. As primeiras práticas existenciais de saúde de indígenas iniciaram em 1957, com a criação dos Serviços de Unidades Sanitárias Aéreas (SUSA) – vacinação, atendimento odontológico, controle de tuberculose e outras doenças transmissíveis. Segundo dados do Censo 2010, atualmente são mais 817 mil indivíduos, que representam 220 diferentes povos, cerca de 0,4% da população brasileira. Suas culturas diversificadas compunham um rico mosaico de tradições portadoras de valores importantes para o mundo moderno, como o respeito pela Natureza e um modo de vida sustentável. 6 Laís Kist de Almeida – ATM 2024/2 Dessa forma, houve a necessidade da criação de órgãos: ➢ SESAI – Secretaria Especial de Saúde Indígena: responsável por coordenar e executar a: ➢ Política Nacional de Atenção à Saúde da População Indígena (PNASPI), que é responsável por 24: ➢ Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs): divididos por critérios territoriais e não necessariamente por estados, tendo como base a ocupação geográfica das comunidades indígenas. Execução de ações de atenção à saúde. A estrutura dos atendimentos conta com postos de saúde, pólo-base e Casas de Saúde do Índio. Portaria 1.801 de 09/11/2015 Acolher e auxiliar os indígenas referenciados pela Rede de Serviços do SUS. Subsistema de Atenção à Saúde Indígena • Criado em 1999, por meio da lei número 9.836/99 (Lei Arouca); • Composto pelos DSEIs que se configura em uma rede de serviço implantada nas terras indígenas para atender a população a partir dos critérios geográficos, demográficos e culturais. SESAI → Departamento de Gestão da Saúde Indígena (DGESI); → Departamento de Atenção à Saúde Indígena (DASI); → Departamento de Saneamento e Edificações de Saúde (DSESI); A Prática Médica na Saúde Indígena • Sistema de Informações da Atenção à Saúde Indígena - restrito aos profissionais e gestores que o utilizam, problemas relativos à confiabilidade dos dados e à comunicação com os demais sistemas de informação; • Estruturas de saúde precárias e insumos e equipamentos escassos; • Complexidade logística e alta rotatividade de profissionais – falta de criação de vínculos que impede que os profissionais compreendam os aspectos culturais da comunidade; • Ausência de diretrizes que articulem “medicinas tradicionais” e o sistema médico oficial; • Especificidades culturais: o grau de receptividade à medicina ocidental depende do padrão cultural de seu sistema médico tradicional e das práticas estranhas não serem antagônicas às noções sobre corpo humano, sobre causa e prevenção das doenças. A Prática Médica na Saúde Indígena – perfil epidemiológico ➢ Alta incidência de infecções respiratórias e gastrointestinais agudas, malária, tuberculose, doenças sexualmente transmissíveis (hepatite B e HIV) e doenças preveníveis por vacinas; ➢ Alta prevalência de anemia e desnutrição, e crescente prevalência de obesidade e sobrepeso; ➢ Alcoolismo, suicídio; ➢ Saúde bucal precária; ➢ Baixa incidência de mortalidade por neoplasias, embora os índices estejam em crescimento; ➢ Mortalidade geral: causas mal definidas, causas externas (suicídio, acidentes e agressões) e doenças infecciosas – pouca confiabilidade dos dados a respeito da saúde indígena; ➢ Mortalidade infantil (heterogêneo) – doenças respiratórias e infecciosas. 7 Laís Kist de Almeida – ATM 2024/2 SAÚDE DA POPULAÇÃO PRISIONAL • A população prisional cresce, em média, 7% ao ano, valor 10 vezes maior do que o crescimento do total da população brasileira; • A maioria são homens jovens, de baixa escolaridade cumprindo pena principalmente por roubo, tráfico de drogas, furtos e homicídios; • Oriunda na maioria das vezes de comunidades desfavorecidas, essa população já apresenta condições de saúde precárias antes mesmo do encarceramento; • Condições de higiene inadequadas, celas mal ventiladas e superpopulosas contribuem para o agravamento da sua condição de saúde. • Como no Brasil não há pena de prisão perpétua, a população prisional por definição é transitória (presos podem ficar de poucos dias até muitos anos, mas é alta a reincidência); • O momento da entrada no sistema prisional é primordial para a identificação e tratamento de diversas condições de saúde, especialmente: o aquelasem que a interrupção do tratamento é crítica, como diabetes em uso de insulina; o dependência química cuja síndrome de abstinência pode trazer risco de morte, como o álcool; o doenças infecciosas, como HIV, hepatites B e C, sífilis e tuberculose; o para a população feminina, testes de gravidez; • O eventual retorno à comunidade costuma ser um momento crítico na continuidade do tratamento de doenças crônicas e em recaídas em dependentes químicos. A população prisional – acesso à saúde ➢ Comunicação e o contato entre detentos e equipe de saúde nem sempre são facilitados; ➢ Geralmente, os detentos solicitam atendimento a outro detento, que repassa os pedidos aos agentes de segurança e depois, os pedidos são encaminhados à equipe de saúde – deve-se tentar ao máximo que a solicitação seja feita diretamente ao profissional de saúde, sem intermediários; ➢ Quanto aos medicamentos, podem ocorrer obstáculos pelo pessoal de segurança em relação a quais medicamentos podem ficar com o paciente; ➢ Dificuldades de transporte a outros níveis de atenção – necessidade de ampliar as capacidades de cuidado clínico in loco, assim como serviços remotos; ➢ Possibilidade de acompanhamento do médico do presídio nas consultas e internações hospitalares dos detentos; documentos, como receitas, exames solicitados e tratamentos propostos por outros profissionais, retornam necessariamente à equipe de saúde da unidade prisional. A Saúde Prisional – problemas específicos • Tuberculose: suspeitar bastante, devido à elevada prevalência; realizar radiografia de tórax na entrada e a cada três anos para rastreamento; dificuldade na investigação de contatos devido às mudanças de celas e segregação de casos diagnosticados de tuberculose dos demais; preocupação com as questões arquiteturais – ventilação, incidência solar, superlotação – e de capacidade diagnóstica da unidade de saúde; • Medicações psicotrópicas: queixas de insônia são bastante frequentes; mas o uso de benzodiazepínicos e hipnóticos é bastante desencorajado – potencial de abuso, riscos de intoxicação, uso indiscriminado e comércio de medicamentos; 8 Laís Kist de Almeida – ATM 2024/2 • Simulação: é comum a simulação de sintomas mentais e neurológicos, especialmente alucinações e crises convulsivas, o intuito geralmente é obter medicação, para uso próprio ou comércio entre os demais detentos; • Comportamentos disruptivos: fenômeno particular do confinamento – notadamente autolesão (cortar a própria pele), mas também quebrar canos das celas, sujar-se de fezes ou causar incêndio; • Tabagismo: importante problema na área da saúde prisional; prevalência de 75,9% de tabagismo em prisões na Austrália, cerca de 4 vezes a da população geral; o fumo passivo representa sérios riscos para a saúde dos que não fumam; • Questões legais: muitas vezes, são as informações do médico assistente que mais pesam na decisão; doença mental grave que se manifesta após o cumprimento da pena - o detento pode ser transferido para alas psiquiátricas penais especiais; em cenários de doenças graves - indulto humanitário (pena é extinta) ou prisão domiciliar por motivo de doença.
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