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Doença de Alzheimer

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TUTORIA P7 
MÓDULO 3
Problema 3
Objetivos: 
1. Definir e classificar demências. (Demências reversível)
2. Estudar epidemiologia, etiologia, fatores de risco, quadro clínico, diagnóstico e diagnóstico diferencial e tratamento de Alzheimer. 
ALZHEIMER 
HISTÓRICO
Em novembro de 1901, a paciente Auguste D., de 51 anos, foi admitida no Hospital de Frankfurt com sintomas que compreendiam ideias delirantes, dificuldades de nomeação, compreensão oral e de escrita, déficit de memória, desorientação no tempo e no espaço, além de prejuízo de sua autonomia. O psiquiatra e neuropatologista alemão Alois Alzheimer avaliou-a do ponto de vista clínico e, em 1906, teve a oportunidade de estudar as alterações de seu encéfalo em exame anatomopatológico post mortem. Nesse mesmo ano, Alzheimer apresentou em Tübingen (Alemanha) suas observações clinicopatológicas a respeito do caso, que foram publicadas sob forma de artigo em 1907.
Alzheimer descreveu a ocorrência de placas senis no cérebro da paciente, lesões já descritas anteriormente no tecido cerebral de pacientes falecidos com a então denominada “demência senil”, conhecida tanto do ponto de vista clínico quanto patológico desde o final de século XIX. Além disso, ele descreveu, pela primeira vez, o acúmulo de fibrilas no interior dos neurônios, lesões que posteriormente foram denominadas emaranhados neurofibrilares.
Foi essa aparente distinção neuropatológica observada no caso de Auguste D., aliada à idade de início mais precoce do que a habitualmente observada nos casos de demência senil, que provavelmente justificou o emprego do epônimo “doença de Alzheimer” para casos com tais características clinicopatológicas. Esse epônimo foi proposto pelo Prof. Emil Kraepelin, renomado professor de Psiquiatria na Alemanha e diretor do instituto em que Alzheimer trabalhava em Munique. Kraepelin foi o autor de um importante livro dedicado à especialidade, em cuja edição de 1910 o termo “doença de Alzheimer” aparece pela primeira vez.
A distinção entre demência senil e demência pré-senil ou DA permaneceu por muitas décadas. A partir de meados do século XX, estudos clinicopatológicos avaliando grandes séries de casos de demência demonstraram semelhanças clínicas e neuropatológicas entre as duas condições. Com o tempo, o termo DA passou a ser empregado para classificar os casos de demência degenerativa que apresentavam acúmulo de placas senis e de emaranhados neurofibrilares, independentemente da idade de início dos sintomas.
EPIDEMIOLOGIA
A DA é a forma mais frequente de demência em idosos e sua prevalência aumenta de modo expressivo com a idade. Estudos epidemiológicos realizados em diversos países mostram consistentemente que as taxas de prevalência de demência em geral e da DA em particular dobram a cada cinco anos a partir dos 60 anos. Esta também é a realidade no Brasil e em outros países latino-americanos. No caso do Brasil, dois estudos de base populacional concluíram que a DA foi responsável por 55,1% dos casos de demência identificados em uma coorte de 1.656 idosos com 65 anos ou mais e por 59,8% dos casos em uma coorte de 1.563 pessoas com idade acima de 60 anos. A prevalência da doença aumentou de forma significativa com a idade, passando de 0,16% entre os indivíduos com idades de 65 a 69 anos para 23,4% na faixa etária de 85 anos ou mais.
Com relação à América Latina, trabalho colaborativo que amealhou dados de oito estudos epidemiológicos realizados em seis países latino-americanos (incluindo os dois estudos brasileiros citados), confirmou que a DA é a etiologia mais frequente de demência no continente, com taxas variando de 49,9% na Venezuela a 84,5% no Chile.
A incidência de DA também se eleva de modo significativo com a idade, o que é confirmado por dois trabalhos brasileiros. No primeiro deles, foi encontrada incidência anual de 7,7 casos/1.000 habitantes. Em estudo mais recente, a taxa de incidência anual foi ainda mais elevada, de 14,8 casos/1.000.
Os estudos epidemiológicos demonstram que o avançar da idade é o fator de risco mais importante para o desenvolvimento da DA. Os fatores de risco bem estabelecidos para DA são idade e história familiar da doença (o risco aumenta com o número crescente de familiares de primeiro grau afetados
Reserva cerebral 
A reserva cerebral refere-se à quantidade de alterações que o cérebro pode suportar antes de expressar a doença clinicamente; enquanto que a reserva cognitiva leva em consideração a forma em que o cérebro recruta estratégias alternativas para a resolução de tarefas cognitivas. Desse modo, quanto maior a reserva cerebral e/ou cognitiva de determinado sujeito, maior tolerabilidade ele teria ao desenvolvimento clínico da doença.
O construto da Reserva Cognitiva (RC) é definido como a capacidade de ativação progressiva das redes neuronais em resposta das necessidades crescentes e define a capacidade do cérebro adulto minimizar as manifestações clínicas de um processo neurodegenerativo.
As pessoas experienciam desafios intelectuais ao longo da vida que contribuem para acumular Reserva, o que permite que as competências cognitivas se mantenham em idades mais tardias (Staff, Murray, Deary, & Whalley, 2004). A RC está concebida como uma construção dinâmica e o seu estado deve-se um conjunto de fatores, que incluem os fatores genéticos (Lee, 2007), os fatores socioeconómicos (Bisckel, & Cooper, 1994), escolaridade (Stern, 2006; Sobral & Paúl, 2013a), o tipo de trabalho que desempenhamos ao longo da vida (Qui et al., 2003) e participação em atividades de lazer (Sobral & Paúl, 2013a, 2013b). Nos fatores associados com os benefícios cognitivos durante a idade adulta, incluem-se a atividade física (Larson et al., 2006), o compromisso social (Scarmeas & Stern, 2003) e intelectual (Valenzuela, & Sachdev, 2006)
Entre os fatores adquiridos destacam-se hipertensão arterial, obesidade, níveis elevados de LDL e baixos de HDL colesterol na meia-idade, diabetes mellitus, tabagismo, traumatismo cranioencefálico e níveis elevados de homocisteína. Deve-se destacar a participação de condições vasculares, que não apenas estão relacionadas aos processos fisiopatológicos da DA, como condicionam maior risco para a ocorrência de lesões cerebrovasculares, que podem exercer efeito sinérgico às lesões degenerativas e, assim, contribuir para a expressão clínica da demência.
GENÉTICA
A maioria dos casos de DA é de ocorrência esporádica. Formas familiares, em que há padrão de herança autossômica dominante, também são descritas, perfazendo, no entanto, menos de 2% do total de casos da doença. Nestes indivíduos, já foram identificadas mutações nos cromossomos 1, 14 e 21, condicionando início dos sintomas usualmente antes dos 65 anos (DA pré-senil), mais frequentemente antes dos 60 anos. O gene que codifica a proteína precursora do amiloide encontra-se no cromossomo 21, e a síndrome de Down, em que há trissomia desse cromossomo, leva ao desenvolvimento de alterações patológicas características da DA a partir de certa idade. Os cromossomos 14 e 1, por sua vez, relacionam-se com as proteínas pré-senilinas 1 e 2, respectivamente.
Entre os casos de DA familial, em que anormalidades genéticas são identificadas, a maior parte (cerca de 50% dos casos) decorre de mutações no gene da pré-senilina 1, no cromossomo 14. Embora as mutações genéticas sejam responsáveis por uma pequena parcela dos casos, elas permitem compreender alguns mecanismos moleculares importantes relacionados à fisiopatologia da doença.
Outro fator genético de grande importância é a presença do alelo ε4 do gene da apolipoproteína E, proteína plasmática relacionada com o transporte do colesterol. O gene codificador apresenta três alelos (ε2, ε3, ε4) e seis genótipos ou polimorfismos possíveis. A sua distribuição é variável nas diversas etnias, e estudos epidemiológicos demonstram que, em pacientes com DA, a frequência do alelo ε4 é desproporcionalmente alta, tanto em pacientes com doença esporádica de início tardio, quanto familial. A presença de um alelo ε4 aumenta o risco de desenvolvimento
da doença em duas a três vezes, enquanto a homozigose para esse alelo aumenta o risco em cinco a 15 vezes. A associação entre a presença do alelo ε4 da apolipoproteína e a DA também já foi confirmada em estudos brasileiros.
Estudos de associação genética realizados nos últimos anos, avaliando populações numerosas, têm identificado alguns loci de suscetibilidade para a DA, como BIN 1, EXOC3L2/BLOC1S3/MARK4, CLU, TREM e PICALM. Individualmente, cada um desses genes confere pequeno aumento no risco de desenvolvimento da doença. Porém, evidências sugerem que a interação multigênica tenha grande importância na eclosão da forma esporádica da doença. As vias fisiopatológicas pelas quais atua essa intricada poligenia ainda são obscuras.
PATOGENIA 
https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0047-20852019000300161 
O estudo das formas familiares de doença de Alzheimer apoia um modelo no qual um peptídeo chamado beta amiloide, ou Ab, se acumula no cérebro com o passar do tempo, iniciando uma cadeia de eventos que resulta na doença de Alzheimer.
O Ab é criado quando a proteína transmembrana chamada proteína precursora de amiloide (PPA) é clivada sequencialmente pelas seguintes enzimas: conversora de b-amiloide e g-secretase (Fig. 22-24). A PPA também pode ser clivada pela a-secretase e g-secretase, que liberam um peptídeo diferente que é não patogênico. As mutações na PPA ou nos componentes da g-secretase (presenilina 1 ou presenilina 2) levam a doença de Alzheimer familiar ao aumentar a frequência em que o Ab é gerado. O gene APP está localizado no cromossomo 21, e o risco de doença de Alzheimer também é mais alto nas pessoas portadoras de uma cópia extra do gene APP, tal como os pacientes com trissomia do 21 (síndrome de Down) e pessoas com duplicações intersticiais pequenas do APP, presumivelmente porque isso também leva a maior geração do Ab.
O outro fator de risco genético importante é uma variante da apolipoproteína E chamada ε4 (ApoE4). Cada alelo da ApoE4 presente aumenta o risco de doença de Alzheimer em aproximadamente quatro vezes e também parece diminuir a idade de surgimento da doença. O modo como a ApoE4 influencia a acumulação do Ab é desconhecido; ela pode aumentar a agregação ou deposição do Ab ou diminuir a sua depuração.
Enquanto grandes depósitos de Ab são uma característica da doença de Alzheimer em estágio final, pequenos agregados de Ab também podem ser patogênicos, já que eles alteram a neurotransmissão e são tóxicos para os neurônios e terminações sinápticas. Grandes depósitos na forma de placas também levam à morte neuronal, disparam uma resposta inflamatória local que pode resultar em mais lesão celular e podem causar alteração na comunicação de região para região através de efeitos mecânicos sobre os axônios e dendritos.
A presença do Ab também leva à hiperfosforilação da proteína tau de ligação ao microtúbulo neuronal. Esse nível maior de fosforilação faz com que a tau seja redistribuída dos axônios para os dendritos e corpos celulares, onde se agrega em emaranhados que também contribuem para a disfunção neuronal e a morte celular.
FISIOPATOLOGIA E NEUROPATOLOGIA
O principal achado anatomopatológico macroscópico na DA é a atrofia cortical, especialmente em áreas neocorticais associativas e temporais mesiais (formação hipocampal). Já o exame microscópico revela perda neuronal, deposição de peptídeo b-amiloide sob a forma de placas neuríticas e emaranhados neurofibrilares contendo proteína tau hiperfosforilada. O acúmulo dessas lesões, particularmente dos depósitos amiloides, antecede em cerca de duas décadas a instalação da síndrome demencial, ocorrendo muitos anos antes do aparecimento das manifestações demenciais.
Considera-se que o acúmulo do peptídeo β-amiloide no tecido cerebral seja o evento fisiopatológico primordial na DA. Esse peptídeo é formado a partir da clivagem da proteína precursora do amiloide – codificada por um gene localizado no cromossomo 21 – pelas enzimas β e γ-secretases. Em situação fisiológica, a proteína precursora é clivada pela α-secretase, dando origem a um fragmento não amiloidogênico (não tóxico). Na DA, no entanto, atuam duas outras secretases (β e γ), com produção e liberação do peptídeo β-amiloide que se deposita no espaço extracelular, inicialmente sob a forma de oligômeros solúveis e, posteriormente, de placas difusas que contêm formas insolúveis do peptídeo. Os oligômeros têm efeito neurotóxico e promovem uma cascata de eventos (inclusive com a participação de mediadores inflamatórios) que culminam com a formação das placas neuríticas. Estas representam lesões maduras em que densos depósitos do peptídeo ß-amiloide acumulam-se na região central da placa, circundados por axônios, dendritos degenerados e micróglia ativada. O processo bioquímico que se inicia com a clivagem anômala da proteína precursora do amiloide e que redunda na formação das placas neuríticas é modelizado na “teoria da cascata amiloide”, principal modelo explicativo da fisiopatologia da DA.
Segundo a “teoria da cascata amiloide”, após o processo amiloidogênico, ocorre a patologia neurofibrilar, de natureza neurodegenerativa. Os emaranhados neurofibrilares têm como constituinte molecular principal a proteína tau hiperfosforilada. A proteína tau, em condições fisiológicas, está associada aos microtúbulos, participando da formação estrutural do citoesqueleto neuronal, responsável pelo transporte axonal. Essa proteína é codificada por um gene localizado no cromossomo 17. Na DA ocorre hiperfosforilação da proteína, que deixa de se ligar aos microtúbulos e forma filamentos helicoidais pareados insolúveis, que se agregam formando os emaranhados neurofibrilares. A densidade de emaranhados aumenta com o envelhecimento, tanto em indivíduos com demência quanto sem demência. Entretanto, a densidade de emaranhados neurofibrilares é maior nos pacientes com DA do que em indivíduos normais da mesma idade, nos quais a patologia neurofibrilar é restrita às estruturas límbicas.
O córtex entorrinal e a formação hipocampal são as primeiras áreas cerebrais acometidas pelos emaranhados neurofibrilares. Posteriormente, há comprometimento de núcleos colinérgicos localizados no prosencéfalo basal (particularmente do núcleo basal de Meynert), acarretando perda de inervação colinérgica para o córtex cerebral. Em fase posterior, o processo patológico se dissemina para áreas neocorticais associativas, com relativa preservação dos córtices primários. A expressão clínica da DA, nas suas diferentes fases, está intimamente relacionada com a topografia da patologia neurofibrilar. O exame neuropatológico constitui o padrão-ouro para o diagnóstico da DA, baseando-se na distribuição topográfica e na quantidade das lesões neuropatológicas descritas.
As alterações neuropatológicas e bioquímicas da DA podem ser divididas em duas áreas gerais: mudanças estruturais e alterações nos neurotransmissores ou sistemas neurotransmissores. As mudanças estruturais incluem os enovelados neurofibrilares, as placas neuríticas e as alterações do metabolismo amiloide, bem como as perdas sinápticas e a morte neuronal. As alterações nos sistemas neurotransmissores estão ligadas às mudanças estruturais (patológicas) que ocorrem de forma desordenada na doença. Alguns neurotransmissores são significativamente afetados ou relativamente afetados indicando um padrão de degeneração de sistemas. Porém sistemas neurotransmissores podem estar afetados em algumas áreas cerebrais, mas não em outras, como no caso da perda do sistema colinérgico corticobasal e da ausência de efeito sobre o sistema colinérgico do tronco cerebral. Efeitos similares são observados no sistema noradrenérgico.
À necropsia, a degeneração mais precoce e mais grave geralmente é observada no lobo temporal medial (córtex entorrinal/perirrinal e hipocampo), córtex temporal lateral e núcleo basal de Meynert. Os achados microscópicos mais típicos são placas neuríticas e ENF. Essas lesões acumulam-se em pequenos números durante o enve- lhecimento normal
do cérebro, mas dominam o quadro na DA. Há crescentes evidências que sugerem que as espécies amiloides solúveis, denominadas oligômeros, podem causar disfunção celular e represen- tam a molécula toxica inicial na DA. Subsequentemente, mais poli- merização amiloide e formação de fibrila produzem placas neuríticas (Fig. 29.3), as quais contêm um cerne amiloide central, proteoglica- nas, Apo 4, -antiquimotripsina e outras proteínas. A é uma pro- teína de 39 a 42 aminoácidos derivada proteoliticamente de uma pro- teína transmembrana maior, a proteína precursora de amiloide (APP), quando a APP é clivada pelas secretases  e . A função normal do amiloide A é desconhecida. A APP tem propriedades neurotróficas e neuroprotetoras. O cerne da placa é circundado por um halo, que contém neurites distróficas, tau-imunorreativas e micróglia ativada. O acúmulo de A nas arteríolas cerebrais denomina-se angiopatia amiloide. Os ENF são compostos de fibrilas citoplasmáticas neuro- niais que se coram pela prata compostas de proteína tau () anor- malmente fosforilada; elas surgem como pares de filamentos helicoi- dais à microscopia eletrônica. Tau liga-se a e estabiliza microtúbulos, sustentando o transporte axonal de organelas, glicoproteínas, neuro- transmissores e outras substâncias importantes por todo o neurônio. Após ser hiperfosforilada, tau não pode mais ligar-se adequadamente aos microtúbulos e suas funções são prejudicadas. Por fim, os pacien- tes com DA frequentemente apresentam DCL comórbida e patologia vascular. Bioquimicamente, a DA também está associada à redução dos níveis corticais de diversas proteínas e neurotransmissores, em es- pecial a acetilcolina, sua enzima sintética colina acetiltransferase e receptores colinérgicos nicotínicos. A redução da acetilcolina pode estar relacionada, em parte, com a degeneração de neurônios coli- nérgicos no núcleo basal de Meynert, que se projetam por todo o córtex. Há ainda depleção noradrenérgica e serotonérgica decorrente da degeneração do núcleo do tronco encefálico, como o locus ceru- leus e rafe dorsal.
GENÉTICA 
Constatou-se que vários genes exercem papéis patogê- nicos importantes pelo menos em alguns pacientes com DA. Um é o gene APP no cromossomo 21. Os adultos com a trissomia do 21 (síndrome de Down) apresentarão os achados neuropatológicos típicos da DA se sobrevive- rem além dos 40 anos de idade. Muitos manifestam demência pro- gressiva superposta ao seu deficiência mental inicial. A APP é uma proteína transmembrana, depois processada em unidades menores, que inclui o A, que é depositado nas placas neuríticas. O peptídio A resulta da clivagem de APP por  e -secretases (Fig. 29.4). Su- põe-se que a dose extra do gene APP no cromossomo 21 seja o fator desencadeante de DA na síndrome de Down no adulto e resulte em excesso de amiloide cerebral. Além disso, descobriram-se algumas famílias com doença de Alzheimer familiar (DAF) de início precoce que apresentavam mutações de ponto no gene APP. Embora muito raras, essas famílias foram os primeiros exemplos de transmissão au- tossômica dominante monogênica da DA. A investigação de grandes famílias com DAF em várias gerações motivou a descoberta de dois genes adicionais da DA, as pré-senilinas. A pré-senilina-1 (PS-1) situa-se no cromossomo 14 e codifica uma proteína chamada de S182. Mutações n neste gene causam DA de iní- cio precoce (antes dos 60 anos e, muitas vezes, dos 50), transmitida de modo autossômico dominante com alta penetrância. Mais de 100 mutações diferentes foram descobertas no gene PS-1 em famílias de ampla variedade de procedências étnicas. A pré-senilina 2 (PS-2) si- tua-se no cromossomo 1 e codifica uma proteína denominada STM2. Uma mutação do gene PS-2 foi encontrada pela primeira vez em um grupo de famílias norte-americanas de etnia germânica Volga. As mu- tações de PS-1 são bem mais comuns que as de PS-2. As pré-senilinas são altamente homólogas e codificam proteínas semelhantes que pa- reciam ter sete domínios transmembrana (daí a denominação STM, seven transmembrane), mas estudos posteriores sugeriram oito desses domínios, com uma nona região submembrana. A S182 e STM2 são proteínas neuroniais citoplasmáticas amplamente expressas em todo o sistema nervoso. São homólogas com a proteína de tráfego celular sel 12, encontrada no nematódeo Caenorhabditis elegans. Os pacien- tes com mutações nesses genes têm níveis plasmáticos elevados de A42, e as mutações de PS-1 em culturas celulares produzem o au- mento do A42 no meio. Há evidências de que a PS-1 participa da clivagem de APP no local da secretase  e mutações em um dos genes (PS-1 ou PS-2) podem comprometer esta função. Até o presente, as mutações de PS-1 se mostraram a causa mais comum de DAF com idade de início precoce, correspondendo a 40 a 70% dos casos dessa síndrome relativamente rara. Mutações de PS-1 tendem a produzir DA com idade de início menor (idade média de 45 anos) bem como evolução mais curta e mais rapidamente progressiva (duração média de 6 a 7 anos) do que a doença causada por mutações de PS-2 (início médio de 53 anos; duração de 11 anos). Embora alguns portadores de mutações incomuns de PS-2 apresentaram início da demência após os 70 anos, mutações das pré-senilinas raramente estão envolvidas nos casos esporádicos mais comuns de DA de início tardio observados na população geral. Atualmente existem testes genéticos comercialmente disponíveis para essas mutações incomuns. Essa via diagnóstica tem chance de ser reveladora somente na DA familiar de início precoce e deve ser realizada no contexto de aconselhamento genético formal, especialmente quando há pessoas assintomáticas em risco omossomo 19 está envolvido na patogenia das formas familiar de início tardio e esporádicas da DA. O Apo  participa do transporte de colesterol e possui três alelos: 2, 3 e 4. O alelo Apo 4 confere aumento do risco de DA na população geral, incluindo formas espo- rádicas e familiares de início tardio. Cerca de 24 a 30% da população branca sem demência têm pelo menos um alelo 4 (frequência do alelo de 12 a 15%), e cerca de 2% são homozigotos 4/4. Entre os pacientes com DA, 40 a 65% têm pelo menos um alelo 4, diferen- ça altamente significativa em comparação com controles. Por outro lado, muitos pacientes com DA não têm o alelo 4, e portadores de 4 podem jamais apresentar DA. Por isso, o 4 não é necessário nem suficiente como causa da DA. Não obstante, o alelo Apo 4, espe- cialmente no estado homozigoto representa o fator de risco genético mais importante para DA e atua como um modificador da doença dependente da dose, com um início mais precoce associado a homo- zigosidade de 4. Os mecanismos precisos através dos quais Apo 4 confere risco de DA ou acelera o início continuam obscuros, mas 4 pode produ- zir depuração de amiloide menos eficiente. O Apo  pode ser iden- tificado nas placas neuríticas e talvez esteja implicado na formação dos emaranhados neurofibrilares, já que se liga à proteína tau. O Apo 4 diminui as ramificações neuríticas em culturas de neurônios de gânglios das raízes dorsais, talvez indicando um papel deletério na resposta cerebral a lesão. Algumas evidências sugerem que o alelo 2 pode reduzir o risco de DA, mas resta esclarecer essa questão. A aplicação do teste do Apo  no diagnóstico de DA é controver- sa. Não está indicado como teste preditivo de DA em pessoas nor- mais porque seu valor preditivo exato é obscuro, e muitos indivíduos com o alelo 4 jamais apresentarão demência. Muitos heterozigotos e homozigotos do 4 cognitivamente normais exibiram redução da função das taxas metabólicas corticais cerebrais com PET, sugerin- do anormalidades pré-sintomáticas decorrentes de DA ou uma vul- nerabilidade hereditária da rede alvo da
DA. Em pessoas dementes que satisfazem os critérios clínicos de DA, a detecção de um alelo 4 aumenta a fidedignidade do diagnóstico. Contudo, a ausência de um alelo 4 não pode ser considerada evidência contra DA. Além disso, todos os pacientes com demência, incluindo os com o alelo 4, necessitam de uma investigação sobre as causas reversíveis da sua deficiência cognitiva. Não obstante, o Apo 4 continua a ser o marca- dor biológico mais importante associado ao risco de DA, e os estudos sobre o papel funcional de 4 e utilidade diagnóstica estão avançando rapidamente. O alelo 4 não está associado ao risco de DFT, DCL ou DCJ, embora algumas evidências sugiram que 4 podem exacerbar o fenótipo de distúrbios degenerativos não DA. Genes adicionais pro- vavelmente estão envolvidos na DA, especialmente como alelos de menor risco para formas esporádicas da doença. Estudos recentes de associação a todo o genoma envolveram a clusterina (CLU), proteína de montagem de clatrina ligada ao fosfatidilinositol (PICALM) e ge- nes receptores 1 (CR1) do componente do complemento (3b/4b) e pesquisadores estão trabalhando para compreender o papel potencial desses genes na patogenia da DA. CLU pode desempenhar um papel na produção de sinapse, PICALM participa na endocitose mediada pela clatrina e CR1 pode estar envolvido na depuração amiloide atra- vés da via do complemento.
QUADRO CLÍNICO 
file:///sysroot/home/beatriz/Downloads/Anatomia_da_Doenca_de_Alzheimer.pdf 
Os sintomas da DA se instalam de forma insidiosa, com piora progressiva. Na maioria dos casos, a principal característica inicial é o déficit de memória episódica, muitas vezes sob a forma de comprometimento cognitivo leve amnéstico e de outros domínios. Esse perfil clínico reflete a distribuição topográfica da patologia neurofibrilar nas fases iniciais, com comprometimento do córtex entorrinal e da formação hipocampal.
Posteriormente, com o envolvimento de áreas neocorticais associativas frontais, temporais e parietais, surgem as demais alterações cognitivas e comportamentais, com preservação de funções motoras e sensitivas primárias até as fases mais avançadas. O exame neurológico não possui padrão típico em estágios leves a moderados da DA, de modo que a identificação de anormalidades ao exame (p. ex., hemiparesia, parkinsonismo), especialmente em quadros leves, deve suscitar a suspeita de outra etiologia demencial.
Os sintomas da DA em seus estágios iniciais incluem dificuldade em se lembrar de acontecimentos recentes, compromissos, recados, repetição de perguntas, perda de objetos pessoais, característicos do déficit de memória episódica mencionado anteriormente. É comum também haver alterações de memória operacional e de memória semântica, com redução da fluência verbal e dificuldades de nomeação, sobretudo no uso de palavras menos frequentes. Desorientação espacial em locais menos conhecidos, disfunção executiva e dificuldades de cálculo também são frequentes nas fases leves a moderadas.
Alguns pacientes, no entanto, podem apresentar manifestações clínicas atípicas, inclusive sem comprometimento significativo de memória nas fases iniciais. Este perfil ocorre, sobretudo, em casos de início pré-senil, em que formas de apresentação não amnéstica podem surgir em mais de um terço dos casos.
 Reconhecem-se três apresentações atípicas de DA: a variante frontal ou disexecutiva (com manifestações cognitivo-comportamentais que emulam a demência frontotemporal), a atrofia cortical posterior (com proeminente acometimento visual-espacial precoce) e a afasia logopênica (com déficit de linguagem em primeiro plano).
As alterações cognitivas acarretam comprometimento funcional significativo, primeiramente em atividades instrumentais da vida diária, como cozinhar, gerenciar as finanças pessoais ou os próprios medicamentos. É comum haver anosognosia, a não ser em estágios muito iniciais, de modo que é essencial a obtenção de histórico clínico junto a familiar ou acompanhante que convive com o indivíduo.
Além das alterações cognitivas, a DA acarreta sintomas comportamentais em cerca de 80% dos casos. Embora esses aspectos comportamentais se modifiquem com a doença, apatia, depressão e agitação são as manifestações mais comumente encontradas. Alucinações, delírios (sobretudo de roubo) e agressividade também são observados, especialmente nos estágios moderado a avançado da doença.
Com a progressão da doença, há deterioração de múltiplos domínios cognitivos e comprometimento de atividades básicas da vida diária, como higiene pessoal, com dependência crescente. Podem ocorrer alterações do ciclo vigília–sono. Mioclonias, parkinsonismo, disfagia, incontinência esfincteriana e, mais raramente, crises epilépticas, ocorrem nas fases avançadas. 
O óbito habitualmente ocorre após evolução de sete a 15 anos (podendo ser maior), geralmente por complicações comuns em pacientes acamados, como pneumonia aspirativa, infecção do trato urinário com sepse, ou tromboembolismo.
DIAGNÓSTICO 
O diagnóstico da DA, particularmente quando já há demência, é essencialmente clínico. No entanto, avanços substanciais vêm ocorrendo nos últimos anos com o desenvolvimento de marcadores biológicos que permitem a detecção da DA mesmo em suas fases pré-demenciais.
Na prática clínica atual, no entanto, o diagnóstico se baseia na presença das alterações cognitivas, comportamentais e funcionais descritas, aferidas por meio de instrumentos específicos, e na exclusão de outras causas de demência, por meio de exames laboratoriais e de neuroimagem estrutural.
Os exames complementares têm como objetivo principal descartar causas potencialmente tratáveis de demência ou eventuais comorbidades. O Departamento Científico de Neurologia Cognitiva e do Envelhecimento da Academia Brasileira de Neurologia considera como obrigatórios na investigação complementar de pacientes com demência os seguintes exames laboratoriais: hemograma completo, creatinina, hormônio tireoestimulante, albumina, transaminases hepáticas, vitamina B12, ácido fólico, cálcio, reações sorológicas para sífilis (VDRL) e, em pacientes com idade inferior a 60 anos, com apresentações clínicas atípicas ou com sintomas sugestivos, reação sorológica para o vírus HIV. O exame do líquido cefalorraquidiano (LCR) está indicado em casos de demência de início pré-senil, com apresentação ou curso clínico atípicos, com hidrocefalia comunicante e quando há suspeita de doença inflamatória, infecciosa ou priônica do sistema nervoso central. Exame de neuroimagem estrutural, tomografia computadorizada ou – se possível – ressonância magnética de crânio, também está indicado.
Os métodos que têm se revelado os melhores candidatos a biomarcadores na DA são a dosagem de proteínas no LCR e diferentes modalidades de neuroimagem (estrutural, funcional e molecular).
Em relação ao LCR, os estudos têm mostrado que na DA há elevação significativa dos níveis de tau total e de tau hiperfosforilada, juntamente com níveis reduzidos de ß-amiloide, parâmetros estes altamente sensíveis e específicos para a detecção da doença, mesmo em sua fase pré-demencial. Esses marcadores também são úteis no diagnóstico diferencial entre DA e outras doenças, como a demência frontotemporal. A ampla utilização desses marcadores, contudo, ainda é dificultada por limitações metodológicas quanto à padronização de pontos de corte dos níveis dessas proteínas.
A ressonância magnética de crânio, por sua vez, por meio de análise qualitativa ou quantitativa (volumetria), pode mostrar atrofia de estruturas temporais mesiais (formação hipocampal) e consequente dilatação do corno temporal dos ventrículos laterais. Dentro de contexto clínico apropriado, tais achados aumentam a probabilidade do diagnóstico de DA (Fig. 64.1).
Doença de Alzheimer. Imagens axiais de RM ponderadas em T1 através do mesencéfalo de atleta normal de 86 anos (A) e homem de 77 anos com DA (B). Observe que os dois indivíduos têm alargamento brando dos sulcos e discre‐ ta dilatação dos cornos temporais
dos ventrículos temporais. Porém, há redução do volume do hipocampo no paciente com DA (setas) em comparação com o volume do hipocampo normal para a idade (A). Imagens de PET com fluorodesoxiglicose de controle normal (C) e paciente com DA (D). Observe que o paciente com DA exibe redução do metabolismo de glicose nas regiões temporoparietais posteriores bilateralmente (setas), achado típico nesta afecção. DA, doença de Alzheimer; PET, tomografia por emissão de pósitrons.
Em relação à neuroimagem funcional, a tomografia por emissão de pósitrons (PET) com a fluorodeoxiglicose como marcador é exame de custo elevado e ainda pouco disponível no nosso meio, mas que pode revelar hipometabolismo temporoparietal posterior, padrão considerado típico da DA. Este padrão de comprometimento posterior também pode ser observado na tomografia computadorizada por emissão de fóton único (SPECT), embora neste caso indicativo de hipofluxo regional. A sensibilidade diagnóstica do SPECT, no entanto, é mais baixa.
Mais recentemente, a neuroimagem molecular possibilitou a identificação in vivo da amiloidose e da neurodegeneração associada à patologia tau. Exames de PET com ligantes radioativos que se fixam aos depósitos proteicos de amiloide (como o agente denominado PiB [Pittsburgh Compound B]) e de tau (como o ligante flortaucipir) possibilitam a visualização dos depósitos proteicos associados à doença. Seu uso ainda é essencialmente restrito a centros de pesquisa, mas há elevado potencial para aplicação clínica em futuro próximo, especialmente com o advento de novas terapias que irão requerer a seleção de pacientes com demonstração biológica de fisiopatologia do tipo DA.
A avaliação cognitiva é fundamental para o diagnóstico da DA, podendo ser feita com testes de rastreio, como o Miniexame do Estado Mental, e complementada por testes de avaliação breve ou mesmo por avaliação neuropsicológica formal, particularmente nos casos que apresentam comprometimento leve ou com perfil cognitivo atípico. Considerando o tempo de 30 minutos para a avaliação cognitiva durante uma consulta, o Departamento Científico de Neurologia Cognitiva e do Envelhecimento da Academia Brasileira de Neurologia indica os seguintes instrumentos como válidos para uso em nosso meio.
	Escolaridade 
	Escore 
	>11 anos 
	29
	9-11
	28
	5-8
	26,5
	1-4
	25
	Analfabeto
	20
Para avaliação dos sintomas comportamentais, o Inventário Neuropsiquiátrico pode ser empregado, enquanto o desempenho funcional pode ser aferido por meio de escalas específicas de avaliação funcional.
O diagnóstico da DA, tanto na prática clínica quanto em estudos epidemiológicos e protocolos de pesquisa, se baseava até 2011 nos critérios estabelecidos pelo National Institute of Neurological and Communicative Disorders and Stroke and the Alzheimer’s Disease and Related Disorders Association (NINCDS-ADRDA) e publicados em 1984. Esses critérios requeriam a identificação de uma síndrome demencial como critério necessário para diagnóstico de DA.
Diante do avanço dos conhecimentos a respeito da fisiopatologia e da evolução clínica da doença, bem como das aplicações dos biomarcadores em estudos prospectivos, o National Institute on Aging e a Alzheimer’s Association (EUA) publicaram recentemente uma revisão destes critérios. Inicialmente foram propostas modificações dos critérios diagnósticos de demência (Quadro 64.2), seguidos dos níveis de probabilidade diagnóstica de DA (Quadro).
TRATAMENTO
O tratamento farmacológico atualmente disponível para a DA é de natureza sintomática, com drogas que atuam nas vias colinérgicas (inibidores da colinesterase ou IChE) ou glutamatérgicas (antagonista de receptores NMDA do glutamato).
Três IChE são utilizados na prática clínica, sendo indicados para o tratamento da DA leve a moderada: donepezila, galantamina e rivastigmina.
· A donepezila também está aprovada para o tratamento da DA grave
· Galantamina está indicada para o tratamento da DA com doença cerebrovascular associada. As três drogas inibem a acetilcolinesterase (e, no caso da rivastigmina, também a butirilcolinesterase), enzimas responsáveis pela inativação da acetilcolina, aumentando assim a disponibilidade do neurotransmissor na fenda sináptica.
Não há evidências de superioridade terapêutica de um agente sobre outro. Ensaios clínicos controlados com placebo demonstraram eficácia e segurança das três drogas no tratamento dos sintomas cognitivos e comportamentais da DA, com benefícios também sobre o desempenho funcional. Pacientes que não se beneficiam com um determinado IChE podem apresentar resposta satisfatória com outra medicação.
Os principais eventos adversos dos IChE são náuseas, vômitos e diarreia, decorrentes de estimulação colinérgica periférica. A titulação lenta da dose é a medida mais efetiva na redução desses efeitos, embora em alguns casos não seja suficiente e o tratamento deva ser interrompido, podendo-se fazer a troca de um agente por outro. A recomendação é de que as doses sejam aumentadas a cada quatro semanas, ou mesmo após períodos maiores, dependendo da ocorrência de eventos adversos. Os IChE podem causar síncope e bradicardia em pacientes suscetíveis, de modo que é recomendável que pacientes com antecedente de arritmias cardíacas ou com anormalidades no eletrocardiograma sejam avaliados por cardiologista antes da introdução do medicamento. 
Nas fases moderada a grave da doença, a memantina (antagonista não competitivo dos receptores NMDA do glutamato) é eficaz, levando à melhora cognitiva e funcional e à redução do grau de dependência. A posologia inicial recomendada é de 5 mg/dia, com aumento de 5 mg/dia a cada semana. A posologia final recomendada é de 10 mg a cada 12 horas (ou 20 mg uma vez ao dia) e a tolerabilidade é usualmente muito boa.
A memantina pode ser combinada a qualquer um dos três IChE em pacientes com DA moderada a grave, oferecendo benefícios clínicos e funcionais superiores ao efeito do IChE isoladamente, sem maior incidência de eventos adversos.
Sintomas comportamentais, desde apatia até delírios, alucinações e agitação/agressividade, são bastante comuns na doença e podem melhorar com o uso de IChE ou, ocasionalmente, também com memantina. Assim, essas drogas devem ser consideradas como a primeira opção no tratamento farmacológico desses sintomas na DA. Antidepressivos, sobretudo os inibidores seletivos de recaptação de serotonina (particularmente o citalopram) podem ser úteis em quadros de depressão associada ou mesmo, em alguns pacientes, sobre sintomas como irritabilidade e agitação.
Em situações de piora comportamental aguda, é fundamental excluir causas clínicas (como infecções, especialmente do trato urinário) ou mesmo neurológicas não relacionadas ao processo neurodegenerativo de base (p. ex., hematoma subdural ou acidente vascular cerebral), passíveis de tratamento específico. Para os pacientes que não respondem ao tratamento com IChE ou memantina, a prescrição de antipsicóticos é bastante frequente na prática clínica. No entanto, o uso desses medicamentos neste contexto clínico não tem aprovação por parte das agências reguladoras, além de já terem sido associados a aumento de mortalidade em pacientes idosos com demência.
O acompanhamento do paciente com DA por equipe multiprofissional, composta por enfermeiros, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, neuropsicólogos e terapeutas ocupacionais, entre outros, complementa o tratamento farmacológico. As diferentes formas de intervenção providas por esses profissionais e dirigidas tanto aos pacientes quanto a seus familiares e cuidadores podem trazer benefícios significativos no manejo da doença, melhorando a qualidade de vida dos envolvidos, reduzindo a carga sobre o cuidador e o índice de institucionalização.
Basicamente, demência é uma condição adquirida que representa um decréscimo em relação ao nível cognitivo prévio do indivíduo e com comprometimento das funções sociais e funcionais. Atualmente, considera-se que deva haver comprometimento de duas funções cognitivas ou de comportamento.
As demências são problema de saúde pública, uma vez que representam altos gastos diretos (aposentadoria, internações, custos de medicação) e indiretos (p. ex., retirada de cuidadores do trabalho).
As demências podem ser divididas por diferentes categorizações:
• Pela causa: degenerativas e não degenerativas.
• Pela localização principal: corticais e subcorticais.
• Pela idade de início: precoce (início antes dos 65 anos de idade) e tardio (após os 65 anos).
• Pela resposta ao tratamento: potencialmente tratáveis e irreversíveis.
• Pelo tempo de evolução: rapidamente ou lentamente progressivas.
Muito frequentemente essas categorias podem se apresentar num mesmo paciente; por exemplo, doença de Alzheimer (degenerativa), de início precoce (antes dos 65 anos), acompanhada por hipotireoidismo (condição que corrobora para o déficit cognitivo e potencialmente tratável). Alguns tipos de demência predominam num grupo etário mais jovem (p. ex., a demência frontotemporal – DFT) e outras em idade mais avançada, o protótipo é a doença de Alzheimer (DA).
Um estudo randomizado, duplo-cego e controlado com placebo do extrato de Ginkgo biloba observou modesta melhora da função cognitiva em indivíduos com DA e demência vascular. Infelizmente, um estudo multicêntrico abrangente de prevenção durante 6 anos sobre o uso do Ginkgo biloba não encontrou redução da progressão para demência no grupo tratado.
DEMÊNCIAS 
EPIDEMIOLOGIA DAS DEMÊNCIAS
Em revisão sistemática do período 1994 a 2000, publicada em 2007 (Lopes et al., 2007), em que foram analisados 42 artigos selecionados, de todos os continentes, foram observadas prevalências variadas, dependendo do país e da localização geográfica dentro do país. A taxa média entre idosos com idade igual ou superior a 65 anos foi 2,2% na África, 5,8% na Ásia, 6,2% na América do Norte, 7,1% na América do Sul, até 8,9% na Europa. É interessante realçar que a prevalência de demência aumentou com a idade em todas as regiões, exceto na América do Norte, sendo que no grupo de idade superior a 100 anos houve diminuição em relação ao grupo de idosos mais jovens. Em estudos mais recentes (Vas et al., 2001), como na Índia, a prevalência de demência foi de 0,43% nos indivíduos acima de 40 anos e 2,44% ao considerarem os com 65 anos ou mais. No Japão, na zona rural, a prevalência de demência foi de 11%, sendo a causa mais frequente, a DA (7% dos indivíduos acima de 64 anos). Na Espanha, também na zona rural, a prevalência foi de 9,4%, tendo sido a DA responsável por 69,1% dos casos. Numa análise crítica dos estudos realizados na China (Dong et al., 2007), foi observada uma prevalência de DA de 1,6% dos sujeitos com idade igual ou superior a 60 anos, sendo de 3,2 % entre os analfabetos.
Em análise de dados coletados na América do Sul, a prevalência média de demência foi de 7,1%, sendo maior entre analfabetos (11%) (Nitrini et al., 2009). Este dado repete-se na maior parte dos estudos, em que existe uma prevalência maior entre os não alfabetizados. Provavelmente, esse achado justifica-se pela maior reserva cerebral e cognitiva, retardando o aparecimento de demência para idades mais elevadas, e, também, pela concomitância de baixo nível educacional a baixos níveis socioeconômicos, limitado acesso ao tratamento de fatores de risco para doenças vasculares e outras doenças sistêmicas ou carenciais.
No estudo de Suemoto et al. realizado no banco de encéfalo da FMUSP observou-se que 44% dos cérebros de indivíduos que faleceram com idade superior a cinquenta anos tinham critérios neuropatológicos para demência, sendo que a causa mais frequente foi a DA (50%) seguida de demência vascular (35%) ambas sozinhas ou em associação a outras patologias; semelhante a outros achados em países desenvolvidos.
HISTÓRIA E EXAME NEUROLÓGICO NAS DEMÊNCIAS
Para determinarmos a etiologia do comprometimento cognitivo, o histórico clínico e o exame neurológico são de extrema importância. Ao contrário de outras doenças, em que o paciente pode relatar com precisão seus sintomas, nos casos de déficits cognitivos o histórico deve ser avaliado tanto do ponto de vista do paciente quanto do relato do acompanhante, de preferência alguém que more ou conviva com o paciente e que seja capaz de comparar o momento atual com épocas anteriores ao início do distúrbio. Muitos dos pacientes podem apresentar anosognosia (sem percepção ou percepção inadequada quanto à própria condição) o que dificulta a narrativa pelo próprio indivíduo; outros podem apresentar problemas de memória ou de linguagem, acarretando falhas na história.
O processo de entrevista com o informante consiste na abordagem inicial junto com o paciente e, após, sempre que possível, entrevistá-lo na ausência do paciente, já que o informante pode ficar inibido em falar das dificuldades na presença do paciente, principalmente quando há alterações comportamentais como desinibição ou hipersexualidade, e também para evitar um demasiado estresse do paciente com demências em fases moderadas, que pode se agitar ao ouvir o relato da extensão de seus déficits cognitivos.
O tempo e modo de início são importantes, bem como a taxa de evolução do comprometimento, os quadros degenerativos, em geral, apresentam início e evolução insidiosos. Considera-se que indivíduos com um a dois anos de história e estágio muito comprometido sejam portadores de demência rapidamente progressiva (em geral em semanas a meses), cujas causas devem ser amplamente afastadas, devido à maior possibilidade de tratamento etiológico ou secundária a doença priônica. Quadros cognitivos e/ou comportamentais de início súbito remetem a causas vasculares, traumáticas ou infecciosas.
Muitas vezes há uma falsa associação dos familiares a um início abrupto de uma doença que vinha se desenvolvendo de forma insidiosa e o paciente conseguia de alguma forma compensar os déficits e, deste modo, o início é associado a algum estresse emocional importante ou a outras doenças.
Fatores de risco associados à comprometimento cognitivo devem ser exaustivamente perscrutados. Tais como:
• Doenças neurológicas prévias: epilepsia, acidente vascular cerebral, encefalites, hemorragias meníngeas, traumatismos cranianos.
• Doenças sistêmicas: vasculites, hepatopatia, doenças tireoidianas, síndromes mal-absortivas, hipertensão arterial, dislipidemia, diabete.
• Doenças infecciosas: hepatites, HIV, sífilis, encefalites me­di­cações utilizadas, principalmente as com ação anticolinérgica: antidepressivos; antipsicóticos; agentes gastrointestinais – atropina, hiosciamina; agentes para incontinência urinária – oxibutinina, tolterodina.
• Adesão a drogas: alcoolismo e outras drogas, como crack, cocaína etc.
Outro ponto de extrema importância é a avaliação das atividades de vida diária; as básicas e as instrumentais. Como básicas consideramos: alimentação, vestir-se, higiene; como instrumentais, tarefas mais complexas, como preparar um lanche, controlar dinheiro, comentar notícias, capacidade de lidar com equipamentos eletrônicos etc. Pode-se fazer essa avaliação por meio de questionários estruturados ou de forma mais aberta, perguntando que tipo de atividades o paciente possuía e que atividades tem ou é capaz de realizar no seu cotidiano atualmente. O importante é considerar o declínio em relação ao funcionamento prévio.
O exame neurológico é um dos pontos fundamentais para o diagnóstico das demências, e deve avaliar todos os aspectos:
• Atitude/fácies.
• Equilíbrio estático e dinâmico.
• Motricidade – trofismo, inspeção, palpação, tônus, força mus­cular, coordenação, presença de movimentos involuntários e reflexos.
• Sensibilidade – tátil, dolorosa, profunda e, se possível, térmica.
• Linguagem.
• Praxias – imitação de gestos sem sentido, imitação de gestos com sentido, realização de ação com objetos.
• Gnosias – visual, tátil, auditiva.
• Funções neurovegetativas – principalmente incontinência urinária e hipotensão postural.
• Nervos cranianos.
No consenso elaborado pelo Grupo de Neurologia Cognitiva e do Envelhecimento da Academia Brasileira
de Neurologia, alguns testes, que estão demonstrados ao longo do texto, foram sugeridos por terem seu uso já estabelecido e adaptação realizada para o nosso meio (Chaves et al., 2011). Podem ser divididos como testes de rastreio, funcionais, de avaliação comportamental e baterias multifuncionais, que são um pouco mais ampliadas. Além desta avaliação mais simplificada, é sugerida a realização da avaliação neuropsicológica completa, se disponível, principalmente nos casos iniciais e para se estabelecer diagnósticos diferenciais e programação de futura reabilitação cognitiva.
INSTRUMENTOS DE RASTREIO
Na prática clínica devemos utilizar instrumentos de rastreio e de avaliação das várias funções. Além disso, uma entrevista com os familiares deve dar informações suficientes para a avaliação da funcionalidade do paciente, tanto em atividades instrumentais da vida diária e atividades básicas, estas últimas refletindo mais a gravidade da doença.
Os testes devem ter traduções adaptadas, ter consistência interna determinada, estabilidade temporal e níveis de corte para nossa população, baseados em idade e escolaridade.
A avaliação neuropsicológica deve ser realizada por profissional habilitado e experiente e pode ser solicitada em casos de dúvida, dificuldade ou incerteza diagnóstica para indivíduos com grande habilidade intelectual, em que os testes habituais possam ter resultados falso-negativos.
Instrumentos que podem ser utilizados para rastreio cognitivo – Recomendações
• Mini-Exame do Estado Mental (Padrão).
• CASI-S (Cognitive Abilities Screening Instrument-Short Form) (Norma).
• Bateria Breve de Rastreio Cognitivo (BBRC) (Norma).
• Exame Cognitivo de Addenbrooke Revisado (ACE-R) (Norma).
O Montreal Cognitive Assessment (MoCA) pode ser utilizado, porém necessita mais estudos de normatização em diferentes escolaridades em nosso meio.
INVESTIGAÇÃO NAS DEMÊNCIAS
Após a suspeita inicial de comprometimento cognitivo, obrigatoriamente deve-se proceder à investigação etiológica.
Exames de sangue
Segundo as recomendações, devem ser realizados os seguintes exames de sangue para o afastamento de causas secundárias (Padrão).
• Hemograma.
• Glicemia.
• Ureia.
• Sódio.
• Potássio.
• Creatinina.
• Albumina.
• Transaminases (ALT e AST).
• Gama Glutamiltransferase (Gama-GT).
• Cálcio.
• TSH e T4 livre.
• Reações sorológicas para sífilis.
• Vitamina B12 sérica.
• Sorologia para HIV (< 60 anos ou quadros atípicos ou na suspeita clínica).
A critério clínico outros exames podem ser solicitados.
Neuroimagem estrutural
A tomografia de crânio (TC) e/ou ressonância magnética (RM) devem ser utilizadas para avaliação inicial dos pacientes com demência, sendo a RM o método de escolha pela sua maior sensibilidade.
Em exames de neuroimagem estruturais:
• Redução volumétrica do hipocampo, córtex entorrinal e cíngulo posterior na DA.
• Redução volumétrica em regiões frontais e temporais na DFT.
• Redução volumétrica global e/ou em lobos occipitais em demência com Corpos de Lewy.
Neuroimagem molecular
Exames de imagem molecular podem exibir hipometabolismo em diferentes regiões, dependendo da etiologia e do processo degenerativo subjacente.
Líquido cefalorraqueano
O exame do líquido cefalorraqueano é importante no diagnóstico diferencial de causas secundárias de demência. Também podem ser dosadas proteínas indicativas de processo patológico de DA.
• Doenças infecciosas do sistema nervoso que se manifestam com comprometimento cognitivo: sífilis, tuberculose, cisticercose, AIDS, herpes, meningites crônicas.
• Doença de Creutzfeldt-Jakob (dosagem de proteína 14-3-3 e de proteína tau).
• Doenças neoplásicas, paraneoplásicas, linfoproliferativas.
• Doenças inflamatórias e autoimunes (anti-NMDA, anti-LGI1, anti-GAD, anti-GABA, entre outros).
• Hidrocefalia de pressão normal (tap-test).
DEMÊNCIAS DEGENERATIVAS
Doença de Alzheimer
A causa mais comum de demência degenerativa é a Doença de Alzheimer. Caracteriza-se pelo início insidioso de comprometimento da memória (com déficit predominante de aprendizado de novas informações) na maior parte dos casos, seguindo-se alterações nas funções executivas, visuoconstrutivas e de linguagem. Inicia-se mais frequentemente após os 65 anos. Tem seu diagnóstico baseado no quadro clínico e perfil de comprometimento cognitivo; exames de sangue com ausência de alterações sistêmicas, infecciosas ou metabólicas que possam levar à déficit cognitivo; ressonância magnética (preferencialmente) ou tomografia de crânio com atrofia das regiões temporais mediais. Em casos de difícil diagnóstico, alguns biomarcadores poderão auxiliar: SPECT e PET com hipoperfusão e hipometabolismo, respectivamente, nas regiões temporoparietais bilaterais, no cíngulo posterior e região do pré-cuneus. Onde é disponível pode-se utilizar o PET com marcador para depósito amiloide e tau.
A fisiopatologia da doença de Alzheimer caracteriza-se pelo acúmulo do peptídeo beta-amiloide, que inicialmente se agrega em oligômeros, que já exercem uma ação deletéria na ação sináptica colinérgica e alteração na potenciação de longo-prazo; mecanismo envolvido na formação de memórias. O acúmulo de beta-amiloide tem efeitos neurotóxicos diretos; leva a dano oxidativo por ação na peroxidação lipídica, oxidação de proteínas e formação de oxigênio e nitrogênio reativos; tem interferência no transporte e síntese de glutamato, com aumento de radicais livres pela excitotoxicidade; e causa dano inflamatório aos neurônios por ação da micróglia reativa quando ocorre o depósito amiloide no extracelular. A patologia característica é a formação de placas amiloides no espaço extracelular, novelos neurofibrilares compostos de proteína tau hiperfosforilada e perda neuronal. A formação de acúmulo de beta amiloide ocorre por diminuição da produção da proteína amiloide solúvel, que se dá por ação da enzima alfa-secretase e desvio da produção a formação de beta amiloide insolúvel (através da ação da beta e gama-secretases).
A DA é uma doença em que existe um estado hipocolinérgico, por acometimento dos neurônios colinérgicos localizados no prosencéfalo basal, no núcleo basal de Meynert, acarretando uma perda da inervação cortical colinérgica. Além da diminuição na síntese da acetilcolina no núcleo basal por perda neuronal, existe alteração na atividade da colina acetiltransferase. Portanto, um dos principais tratamentos sintomáticos seria aumentar a acetilcolina disponível, por meio de suplementação com precursores colinérgicos, estimulação direta dos receptores nicotínicos e muscarínicos pós-sinápticos, aumento da liberação de acetilcolina por ação nos autoreceptores e inibição da degradação sináptica da acetilcolina. Este último mecanismo é o princípio do tratamento disponível atualmente (Brucki et al., 2011; Teixeira & Caramelli, 2012).
Atualmente a DA é diagnosticada baseada nos critérios do National Institute of Neurological and Communicative Disorders and Stroke – Alzheimer´s Disease and Related Disorders Association (NINCDS-ADRDA), publicados em 2011 (McKhann et al.), na tentativa de uniformizar o diagnóstico; porém, este se baseia na perda cognitiva suficiente para ter um comprometimento funcional e nas atividades sociais em relação ao nível prévio do indivíduo, pressupondo então o quadro demencial, desde que outras causas de comprometimento cognitivo sejam afastadas.
Demência com corpos de Lewy
A segunda causa de demência de causa degenerativa em idosos é a demência com corpos de Lewy (DCL). Em estudos neuropatológicos a DCL aparece com uma frequência de 15 a 20% de todas as necrópsias em idosos (McKeith et al., 2004). Em estudos populacionais, a prevalência de DCL varia de 2,8 a 30,5% entre os quadros de demência. No Brasil, no estudo epidemiológico realizado na cidade de Catanduva, a DCL foi diagnosticada em 1,7% dos casos de demência (Herrera et al.).
A DCL tem como características histopatológicas os corpos de Lewy intracelulares e neuritos de Lewy, formados pela agregação anômala de alfa-sinucleína; com a presença abundante de placas senis e esparsos novelos
neurofibrilares (McKeith et al., 2004). A característica central – demência – é essencial para o diagnóstico de provável ou possível. O perfil cognitivo mescla características corticais e subcorticais. Predominam desde o início, déficits de atenção, funções executivas e funções visuoespaciais. A memória pode estar comprometida de modo mais leve, nos casos iniciais. Outras características frequentes e importantes para o diagnóstico são as alucinações, flutuações da cognição e o parkinsonismo. Considera-se conveniente o período de um ano entre o início da demência e o parkinsonismo para o diagnóstico de DCL, diferenciando-a da Doença de Parkinson com demência em que o quadro motor precede em anos o comprometimento cognitivo (McKeith et al., 2005).
Os critérios diagnósticos para DCL foram recentemente atualizados (McKeith et al., 2017):
Demência frontotemporal
Mudanças da personalidade, caracterizadas por desinibição nas atividades sociais, perda da autocrítica, irritabilidade ou apatia, e alterações das funções executivas são as manifestações mais comuns. A possibilidade de confusão com síndromes psiquiátricas não orgânicas é muito grande.
Degeneração lobar frontotemporal é a denominação geral para um grupo de doenças que se caracterizam por esse fenótipo (ou por comprometimento da linguagem, como será visto adiante), mas que dependem de diferentes mecanismos genéticos e bioquímicos que começam a ser desvendados. Cerca de metade dos casos está associada a alterações da proteína tau, que sofre hiperfosforilação, o que interfere na sua função importante para a integridade do citoesqueleto neuronal. Esses casos recebem a designação de taupatias. Uma proporção significativa dos casos tem mutações no gene da proteína tau, situado no cromossoma 17. Recentemente, uma nova mutação foi identificada no gene progranulina, também situado no cromossoma 17. Também foram identificados casos em que não há depósitos de proteína tau, mas de outra proteína – a TDP-4336. A degeneração lobar frontotemporal incide principalmente na idade pré-senil e menos da metade dos casos apresenta história familial.
A variante comportamental caracteriza-se por início insidioso e progressão lenta de perda cognitiva na qual o déficit predominante consiste de perda de julgamento com desinibição, impulsividade, perda do comportamento social e afastamento social. Os critérios diagnósticos mais recentes publicados estão resumidos no Quadro 62.4.
O diagnóstico baseia-se na forma de apresentação, nas alterações de comportamento e nos exames de neuroimagem tanto estrutural (TC e RM) como funcional (SPECT, PET), que demonstram, na maioria dos casos, atrofia frontotemporal ou padrões de hipometabolismo frontotemporal e/ou do cíngulo anterior.
Comprometimento da linguagem pode ser a primeira manifestação ou predominar por longo tempo o quadro clínico, quando ocorre por pelo menos dois anos, denomina-se de afasia progressiva primária. Três tipos ou variantes de afasia progressiva primária são descritos: variante agramática (não fluente), variante semântica (fluente, que habitualmente evolui para demência semântica) e variante logopênica (Mesulam et al.).
Os critérios diagnósticos estabelecem que o diagnóstico de APP seja realizado em duas etapas. A primeira inclui a definição de APP e a segunda o tipo de variante da APP.
Critérios de Inclusão e exclusão para o diagnóstico de APP
DEMÊNCIAS NÃO DEGENERATIVAS E/OU POTENCIALMENTE REVERSÍVEIS
A causa mais frequente de demência não degenerativa ou de demência secundária é a doença vascular cerebral. Os achados para demência vascular variam entre os estudos e entre países.
A demência vascular (DV) é muito frequente em países em que o controle dos fatores de risco para doenças vasculares é escasso, e também no Oriente, com prevalências de até 50% no Japão e China. Nos estudos, representa 15 a 20% de todos os casos de demência em séries de vários países (Román, 2004). Em estudo populacional brasileiro, sua prevalência entre idosos foi de 9,4% (Herrera et al., 2002).
A DV seria o estágio final do comprometimento cognitivo vascular (CCV), termo mais abrangente, que visa estabelecer o diagnóstico antes do aparecimento da demência. O quadro clínico do CCV depende do calibre dos vasos acometidos e dos territórios de irrigação afetados (Román, 2004). Várias lesões podem levar ao quadro de CCV (Quadro 62.5).
Com a prevenção primária e secundária de fatores de risco para doenças vasculares, a DV, ou melhor, o CCV pode ser considerado também uma demência potencialmente reversível, ou pelo menos, potencialmente estabilizável.
Além da DV outras causas não degenerativas são: pós-trauma cranioencefálico, pós-infecciosa, por carências vitamínicas, de causas metabólicas entre outras.
Muitas dessas demências são consideradas potencialmente tratáveis ou reversíveis. Vários trabalhos têm verificado sua prevalência. Cummings & Benson revisaram sete séries de casos e acharam algumas causas principais de demências potencialmente reversíveis: desordens metabólicas, hidrocefalia obstrutiva, infecções, condições tóxicas, hematomas subdurais, neoplasias. Entre 5 e 47% dos pacientes com diagnóstico de demência tinham uma causa potencialmente reversível. Outras causas podem ser consideradas, como desordens intracranianas (hematoma subdural, tumor), doenças sistêmicas (vasculites, insuficiência hepática, insuficiência renal, déficits vitamínicos) e desordens psiquiátricas (depressão). Outros estudos verificaram diferentes prevalências, dependendo da época em que cada estudo foi realizado, com diferentes possibilidades diagnósticas, e também há variação quanto ao tipo de estudo, se populacional ou em centro de referência de distúrbios cognitivos.
Clarfield, num primeiro artigo, em 1988, observou uma prevalência de 11% de quadros reversíveis, enquanto em 2003 esta prevalência diminuiu para menos de 1%. Provavelmente, isso ocorreu devido à melhor investigação, à precocidade do diagnóstico e ao melhor conhecimento de causas que possam levar a quadros de comprometimento cognitivo.
Em um estudo que avaliou 1.000 pacientes, os autores verificaram uma condição potencialmente reversível em 19% e uma potencialmente reversível condição concomitante em 23% dos casos (Hejl et al., 2002).
No Brasil, no que se refere a estudos realizados em serviços de referência em distúrbios cognitivos, temos diferentes prevalências entre as etiologias que podem levar a demências secundárias, dependendo da faixa etária estudada e do local de referência. Silva e Damasceno observaram que, de 261 casos de demência diagnosticados, 11,9% eram secundários à demência hidrocefálica (hidrocefalia de pressão normal e hidrocefalia aguda) e 4,6% secundários à TCE. Vale e Miranda observaram que, entre 186 pacientes, 8,6% dos casos eram secundários ao álcool; 5,38% secundários à hidrocefalia de pressão normal; 3,76% secundários a traumatismos cranioencefálicos; e 2,15% secundários à neurolues, entre outros. Em outro estudo que buscou identificar demências de causas potencialmente reversíveis, observou-se que, entre 275 pacientes, 28 casos (8%) foram considerados como tal, sendo o diagnóstico mais frequente o de neurossífilis (nove casos). Fujihara e colaboradores verificaram que, de 141 pacientes com demência pré-senil, as causas secundárias mais prevalentes foram: traumatismo cranioencefálico (9,2%); secundária ao álcool (5%); hidrocefalia de pressão normal (4,2%).
As principais causas estão listadas a seguir:
• Deficiência de vitamina B12 e folato.
• Hipotireoidismo.
• Depressão (pseudodemência).
• Doenças infecciosas (sífilis, tuberculose).
• Hidrocefalia de pressão normal.
• Tumores.
• Hematoma subdural.
• Intoxicação medicamentosa.
• Álcool.
• Insuficiência renal, hepática, pulmonar.
• Insuficiência adrenal.
• Hiperparatireoidismo.
• Vasculites.
Podemos considerar que a reversibilidade do quadro cognitivo dependerá da precocidade do diagnóstico, da idade do paciente e da gravidade do quadro cognitivo. Portanto, deve-se realizar investigação ampla nos pacientes, afastando-se
causas tratáveis de demência.
Outra causa de comprometimento cognitivo é a encefalite límbica, anteriormente ligada a quadros paraneoplásicos, recentemente descrita junto a alterações de anticorpos específicos, como contra receptores NMDA, anticanais de potássio voltagem dependentes.
DEMÊNCIAS DE INÍCIO PRECOCE
Este tipo de demência caracteriza-se pelo início antes do 65 anos de idade. Esta divisão foi convencional, baseando-se na idade em que as pessoas se aposentam. Em alguns estudos ainda recebe o nome de pré-senil. Existem poucos estudos de prevalência; porém, todos são unânimes nos achados de que a prevalência é mais baixa nas faixas etárias mais precoces. No estudo de Harvey, realizado no Reino Unido, a prevalência foi de 54 por 100.000 entre 30 e 65 anos; e de 98 por 100.000 entre 45 e 65 anos. Neste estudo o diagnóstico mais comum foi de DA, seguida por demência vascular (DV) e degeneração lobar frontotemporal (DLFT). Em estudo realizado no Japão, a causa mais frequente foi de demência vascular (Hodges, 2001).
Sempre que se suspeita do diagnóstico de demência de início precoce, torna-se premente uma investigação ampla de possíveis causas reversíveis, principalmente metabólicas, infecciosas e de doenças autoimunes. Deve-se na investigação, sempre incorporar o teste para o vírus da imunodeficiência adquirida e o exame de líquido cefalorraquidiano. Entre 235 pacientes acompanhados na Mayo Clinic com idades entre 17 e 45 anos, as principais causas encontradas foram degenerativas (demência frontotemporal, doença de Huntington e outras) e autoimunes ou inflamatórias (esclerose múltipla, encefalopatia autoimune, lúpus) (Rossor et al., 2010). Vale ressaltar que 18,7% dos pacientes permaneceram sem um diagnóstico definido da causa da demência, apesar de uma extensa investigação, comprovando que nos casos precoces o diagnóstico pode ser bastante difícil (Kelley et al., 2008).

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