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FUNDAMENTOS DO AGRONEGÓCIO Rodolfo Coelho Prates G es tã o F U N D A M E N T O S D O A G R O N E G Ó C IO R od ol fo C oe lh o P ra te s Curitiba 2018 Fundamentos do Agronegócio Rodolfo Coelho Prates Ficha Catalográfica elaborada pela Fael. Bibliotecária – Cassiana Souza CRB9/1501 P912f Prates, Rodolfo Coelho Fundamentos do agronegócio / Rodolfo Coelho Prates. – Curitiba: Fael, 2018. 308 p.: il. ISBN 978-85-5337-037-5 1. Economia agrícola 2. Agroindústria I. Título CDD 338.1 Direitos desta edição reservados à Fael. É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael. FAEL Direção Acadêmica Francisco Carlos Sardo Coordenação Editorial Raquel Andrade Lorenz Revisão Editora Coletânea Projeto Gráfico Sandro Niemicz Imagem da Capa Shutterstock.com/Hennadii H Arte-Final Evelyn Caroline dos Santos Betim Sumário Carta ao Aluno | 5 1. Conceitos Gerais do Agronegócio | 7 2. Políticas Econômicas que Afetam o Agronegócio | 35 3. Políticas Específicas ao Agronegócio | 61 4. Panorama das Principais Cadeias Produtivas do Agronegócio no Brasil | 93 5. Competitividade Internacional dos Produtos do Agronegócio | 123 6. Marketing no Agronegócio | 151 7. Derivativos agropecuários | 179 8. Responsabilidade Social e Ambiental no Agronegócio | 207 9. Tecnologias Aplicadas ao Agronegócio | 233 10. Perspectivas do Agronegócio no Brasil | 259 Gabarito | 287 Referências | 299 Prezado(a) aluno(a), Independentemente do país, do nível de desenvolvimento ou do tamanho da população, a produção de bens agropecuários é essencial, pois todos nós necessitamos de alimentos e de outros bens gerados no campo. E isso se revela importante para o Brasil, que conta naturalmente com uma grande quantidade de recursos disponíveis à produção agropecuária, ou seja, o Brasil detém as condições favoráveis para a atividade agropecuária, como amplo território e grande disponibilidade de energia solar, por exem- plo. Atualmente, a agropecuária é um setor econômico altamente dependente de outros setores, particularmente da indústria (que fornece os insumos e transforma os bens agropecuários em outros bens) e de serviços. Essa junção forma o denominado agronegócio, que abrange atividades além da tradicional “porteira para dentro”. Carta ao Aluno – 6 – Fundamentos do Agronegócio Compreender o funcionamento e a dinâmica do agronegócio é uma tarefa essencial, não apenas para o produtor rural, mas para diversas ativi- dades profissionais que estejam direta ou indiretamente relacionadas com o agronegócio, como administradores, agrônomos, jornalistas, economis- tas e engenheiros, por exemplo. Dessa forma, a presente obra tem o objetivo de discutir e analisar as diferentes características do agronegócio. Ao completar a leitura da obra, você terá uma visão, ao mesmo tempo abrangente, sistêmica e minuciosa sobre as principais áreas que constituem o agronegócio. Vale também ressaltar que a escolha dos temas foi realizada cuidado- samente com o objetivo de trazer a discussão aos aspectos mais relevan- tes. Isso implica que algumas áreas não foram contempladas. No entanto, a compreensão dos conceitos, teorias, processos e relações apresentados nessa obra o qualifica a aprofundar o entendimento desse assunto tão rico e importante para a sociedade. Desejo que esta obra lhe forneça um caminho seguro para conhecer, de maneira mais pormenorizada, a complexidade do agronegócio, e que ela também lhe inspire a se aprofundar sobre o tema. O autor. 1 Conceitos Gerais do Agronegócio Toda pessoa, independentemente de onde mora, do nível de renda e da cultura, por exemplo, necessita de alguns bens essen- ciais à manutenção de sua vida, como abrigo, vestimentas e ali- mentos. Sem a combinação dos três bens essenciais, as condições de vida dessa pessoa estará severamente comprometida. Cada um desses bens é produzido por um setor na economia. O setor econô- mico da construção civil constrói residências, que é a forma con- temporânea de abrigo; o setores têxtil e de confecções elaboram as vestimentas; e o setor do agronegócio produz os alimentos. Por produzir bens considerados essenciais à vida humana, esses três setores estão presentes em todos os países do mundo. Contudo, é justamente o setor produtor de alimentos que assume uma posição de destaque, na medida em que apresenta grande diversidade de bens produzidos, uma estrutura de produção complexa e heterogênea e igualmente por ser uma atividade que ocupa grande quantidade da área de todos os países. Para termos uma base adequada para compreender os dife- rentes aspectos das atividades do agronegócio, este capítulo apresenta os elementos fundamentais do setor, bem como suas características e dinâmicas. Ressaltamos que é muito importante que tais conceitos sejam plenamente internalizados, pois os capí- tulos seguintes terão referência a eles. Fundamentos do Agronegócio – 8 – 1.1 Definição de agronegócio e de outros termos Para entendermos adequadamente o conceito de agronegócio é neces- sário ter a compreensão de outros termos correlatos que apareceram antes. O primeiro termo é agricultura, essa palavra de origem latina é composta do prefixo agro e do sufixo cultura. Agro deriva do termo ager e tem como significado terra, campo e território. Já cultura deriva do termo cultivo. Dessa forma, a composição desses dois termos forma o sentido específico de cultivar a terra1. Podemos compreender como agricultura as atividades realizadas pelo ser humano que, por meio do uso da terra, produzem bens vegetais destinados aos mais diversos propósitos. Assim, podemos compreender que a produção de grãos, legumes, verduras, flores e frutos, por exemplo, são atividades da agricultura. A agricultura é também um processo seletivo, em que o ser humano exerce um papel extremamente fundamental visando escolher das cen- tenas de milhares de espécies vegetais nativas no mundo aquelas que vão ao encontro de seus interesses e necessidades. Para ter ideia da vasta quantidade de plantas existentes no mundo, ao longo da Cordilheira do Andes são cultivadas 4.235 variedades diferentes de batatas pelos diferen- tes povos tradicionais que ali residem (ARAÚJO, 2018). Curiosamente, nós, consumidores finais, temos conhecimento apenas de algumas dessas variedades. Isso significa que houve uma grande seleção de espécies para atenderem determinados interesses e necessidades. Tal seleção foi baseada em vários aspectos, principalmente relacionados a produção, comerciali- zação e consumo. Sobre a produção, deseja-se que um bem agrícola tenha ciclo de produção curto, seja resistente à pragas e seja de fácil produção. Sobre a comercialização, ele deve resistir bem aos deslocamentos, ter boa aparência e permanecer o máximo possível de tempo sem alterar seus aspectos visuais e nutricionais. Em relação ao consumo, ele deve agra- dar aos hábitos e paladares dos consumidores. Assim, a reunião dessas características e de muitas outras forma o critério para selecionar quais variedades devem ser escolhidas. 1 Latin Dictionary and Grammar Aid (2018). – 9 – Conceitos Gerais do Agronegócio Além da produção de bens de natureza vegetal, as atividades do campo também acolhem as atividades relacionadas com a criação de animais. Esse ramo de atividades recebe o nome de pecuária, termo que deriva da palavra latina pecus, que significa cabeça de gado. Pecus é tam- bém a origem da palavra pecúnia, que significa dinheiro ou moeda. Essa relação do animal com o dinheiro se deve ao fato de que na antiguidade alguns animais eram utilizados como meio de troca e reserva de valor (PASSOS; NOGAMI, 2012), ou seja, eram utilizados como dinheiro. Embora a palavra gado esteja mais associada aos bovinos, a pecuária é a atividade que se relaciona a diversos animais, como frango, porco, ovelhas, cabras, cavalos, ovelhas etc. Ou seja, atividades que têm estreita relação com a zootecnia. Como a agriculturae a pecuária são atividades que necessitam de terra, elas guardam estreita relação entre si, de tal maneira que muitas uni- dades de produção combinam em alguma proporção as duas atividades, reunião denominada agropecuária. Segundo Bacha (2004, p. 14), o termo agropecuária se refere ao “grupo de atividades que usam a terra como fator de produção, seja para o plantio de culturas, para a criação de animais, o plantio de florestas, a aquicultura, por exemplo. Agricultura passa a ser um subsetor da agropecuária, e a pecuária é outro subsetor da agropecuária”. Até o advento da industrialização, a agropecuária era a principal ati- vidade econômica de uma sociedade, mas não a única, pois já existiam também o comércio e múltiplas formas de produção manual ou, em alguns casos, de manufatura, que se responsabilizavam pela produção de uma variedade muito grande de bens. Independentemente de quantas ativida- des econômicas existissem, era a produção agropecuária que ocupava o lugar central. Se a atividade, por alguma razão, entrasse em crise, todas as demais também entrariam; por outro lado, se ela atravessasse um momento de expansão, as demais também aproveitariam esse crescimento. Durante muitos milênios, a agropecuária foi uma atividade econômica centrada em si mesma, ou seja, não dependia de outros setores econômicos, e os bens gerados por ela não passavam por outras transformações até che- gar aos consumidores finais. Basicamente eram os próprios produtores os agentes que consumiam os bens produzidos. No entanto, com o surgimento Fundamentos do Agronegócio – 10 – da industrialização, o setor da agropecuária passou a depender de bens pro- duzidos pela indústria, como máquinas e equipamentos específicos para a produção vegetal e animal. Além disso, a indústria utilizava também a produção vegetal e animal como matéria-prima do seu processo produtivo. Com o passar o tempo, o processo de industrialização foi se tornando mais amplo e complexo, surgiram outras atividades relacionadas com o conhecimento, como pesquisa e inovação, e isso tudo se incorporou à ati- vidade agropecuária. Atualmente a agropecuária faz parte de uma rede imensa de atividades de todos os setores econômicos, incluindo os finan- ceiros. A essa imensa rede dá-se o nome de agronegócio. Segundo Bacha (2004, p. 14), “o termo agronegócio é a tradução do termo agribusiness e se refere ao conjunto de atividades vinculadas com a agropecuária”. Portanto, o setor de insumos à agropecuária, como sementes, fertilizantes, defensivos químicos, máquinas, equipamentos, consultoria agronômica e pesquisa e inovação, por exemplo, pertence ao agronegócio. E igualmente os setores que se responsabilizam, direta ou indiretamente pelos bens gerados pela agropecuária também fazem parte do agronegócio, como as atividades logísticas, as empresas de comerciali- zação, de transformação etc. Podemos então compreender o agronegócio como um conjunto muito vasto de atividades econômicas que se relacionam diretamente com os três grandes setores de uma economia: primário (produção agropecuária), secundário (produção industrial) e terciário (comércio e serviços). Para se ter uma compreensão panorâmica da dimensão do agronegó- cio, a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) estima que o Produto Interno Bruto (PIB) do setor representa aproximadamente 23% do PIB brasileiro2. Isso significa que praticamente um quarto de tudo que é produ- zido na economia brasileira passa pelo setor do agronegócio. A figura 1.1, a seguir, exibe uma representação das diversas ativi- dades econômicas que compõem o agronegócio. Podemos observar, à esquerda, os setores que fornecem insumos e equipamentos específicos para a atividade agropecuária. Inicialmente há os insumos agropecuários, 2 PIB e performance do agronegócio (2018). – 11 – Conceitos Gerais do Agronegócio compostos de sementes, fertilizantes, defensivos agrícolas, vacinas para animais etc. Associado a ele há o ramo de máquinas e equipamentos, como tratores, arados, plantadeiras, colhedeiras, equipamentos para irrigação, aviões para pulverização e todos os demais instrumentos utilizados tanto na agricultura quanto na pecuária. Observe que tanto os insumos agrope- cuários quanto as máquinas e equipamentos são produzidos pela indústria de transformação, que pode ser tanto doméstica quanto estrangeira. Se for estrangeira, haverá a necessidade de importar tais insumos ou máquinas. Figura 1.1 – Visão geral do agronegócio Insumos Agropecuários Maquinário Agropecuário Manipulação Processamento Agropecuária Marketing e Distribuição Agroindústria Atividades de Suporte Fonte: elaborada pelo autor. O potássio, que consiste em um dos principais componentes dos fer- tilizantes, é um exemplo de insumo que deve ser importado, pois ele é um mineral que praticamente não existe no Brasil. Dessa forma, há empre- sas especializadas que importam esse mineral para o Brasil e o revendem às empresas que produzem os fertilizantes. Na sequência, há a atividade agropecuária propriamente dita, que essencialmente se desenvolve no ambiente rural, tanto nas proximidades das cidades, como nos cinturões verdes que produzem verduras e legumes para atender ao mercado urbano, quanto em regiões bastante afastadas de qualquer cidade, povoado ou vila. A atividade da agropecuária consiste em combinar o uso da terra com os insumos e equipamentos e também com o trabalho humano. Fundamentos do Agronegócio – 12 – É importante frisar que a agropecuária é uma atividade que apresenta muitas diferenças relacionadas a técnicas de cultivo, dimensões da pro- priedade e quantidade de trabalho utilizada. Sobre tais diferenças, Prates (2017, p. 15) afirma que: A atual estrutura da produção agropecuária é extremamente diver- sificada, abrangendo pequenos produtores familiares que produ- zem com técnicas literalmente arcaicas até grandes produtores intensivos em tecnologia que estão voltados a atender às demandas mundiais. Entre esses dois extremos há uma miríade de possibili- dades, mas o que se nota no setor é uma elevada heterogeneidade entre as dimensões da produção, incluindo a terra, e igualmente das técnicas utilizadas para produzir. Coexistem técnicas que pos- sibilitam elevadas produtividades de terra e trabalho, por meio da intensidade do capital, com técnicas simples e rudimentares, desamparadas e desassistidas de qualquer tipo de conhecimento. Há propriedades agropecuárias com milhares de hectares, muitos tratores, aviões, drones e todos os equipamentos tecnológicos para a pro- dução. Geralmente, essas propriedades têm poucos trabalhadores, pois grande parte das atividades são realizadas por máquinas e equipamentos, elevando as produtividades da terra e do trabalho. Por outro lado, existem propriedades extremamente pequenas, que carecem de qualquer equipa- mento mais sofisticado e que utilizam o trabalho como principal fator de produção. Nessas propriedades, o trabalho manual se dá por meio de ins- trumentos muito rudimentares, como enxadas e foices. Entre os profissionais, a agropecuária é conhecida como a atividade “da porteira para dentro”. Isso significa que é uma atividade essencial- mente rural. Há também um sentido crítico nessa designação, pois se diz que muitos produtores agropecuários carecem de informações sobre as demais atividades que compõem todo o agronegócio, principalmente sobre a comercialização do bem produzido. Uma vez ocorrida a produção, ela se destina a outro setor da agroin- dústria, que é a manipulação e o processamento. A manipulação, geral- mente de verduras, legumes e frutos, é realizada visando à limpeza, à sele- ção e, eventualmente, à embalagem do bem produzido. O processamento é a transformação do bem agropecuário em outro tipo de bem. A soja é convertida em óleo, o frango vivo em carnes, e assim sucessivamente, – 13 – Conceitos Gerais do Agronegócio para uma grande quantidade de bens que não podem ser consumidos após deixar as propriedadesagropecuárias. Depois dessa etapa, há o marketing e a distribuição do bem para os postos de comercialização, a exemplo de supermercados e outros setores que atendem o consumidor final. O bem também pode ser exportado, ou seja, ser consumido por pessoas residentes em outros países. E perpassando por todos esses setores há as atividades de suporte, que podem ser relacionadas com consultorias agronômicas e veterinárias, atividades financeiras e mecanismos de política econômica direcionados para o setor, por exemplo. As atividades de suporte também são importan- tes na medida em que possibilitam aumentar a eficiência de todo o sistema. 1.1.1 Outros conceitos relacionados ao agronegócio Até o presente momento, analisamos três grandes conceitos: agricul- tura, pecuária e agronegócio. No entanto, existem outros termos e con- ceitos que são importantes para compreendermos melhor as relações que existem nesse setor econômico. Inicialmente é importante diferenciar os conceitos de minifúndio e latifúndio. Como eles estão relacionados à dimensão da propriedade rural, foi adotada uma medida, denominada módulo fiscal. Segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (2018): Módulo fiscal é uma unidade de medida, em hectares, cujo valor é fixado pelo INCRA para cada município levando-se em conta: (a) o tipo de exploração predominante no município (hortifruti- granjeira, cultura permanente, cultura temporária, pecuária ou florestal); (b) a renda obtida no tipo de exploração predominante; (c) outras explorações existentes no município que, embora não predominantes, sejam expressivas em função da renda ou da área utilizada; (d) o conceito de “propriedade familiar”. A dimensão de um módulo fiscal varia de acordo com o município onde está localizada a propriedade. O valor do módulo fiscal no Brasil varia de 5 a 110 hectares. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) adota a seguinte classificação sobre a dimensão das propriedades rurais: 1. minifúndio – imóvel rural com área inferior a 1 (um) módulo fiscal; Fundamentos do Agronegócio – 14 – 2. pequena propriedade – imóvel de área compreendida entre 1 (um) e 4 (quatro) módulos fiscais; 3. média propriedade – imóvel rural de área superior a 4 (quatro) e até 15 (quinze) módulos fiscais; 4. grande propriedade – imóvel rural de área superior a 15 (quinze) módulos fiscais. A classificação é definida pela Lei 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, e leva em conta o módulo fiscal (e não apenas a metragem), que varia de acordo com cada município. O Incra (2018) também fornece uma relação da área necessária para se considerar um módulo fiscal para os municípios brasileiros. A figura 1.2 apresenta a dispersão das dimensões dos módulos fiscais no Brasil. Nela é possível verificar que nas regiões Sul e parte da Sudeste a dimensão dos módulos fiscais é menor, entre 5 e 20 hectares3. Em partes das regiões Centro-Oeste e Nordeste estão os módulos fiscais de dimensão intermediária, compreendendo de 21 até 70 hectares. E nas regiões Norte a partes da Centro-Oeste estão os maiores módulos fiscais, que compreen- dem áreas entre 71 e 110 hectares. Alcântara Filho e Fontes (2009) salientam que a definição de mini- fúndio e latifúndio surgiu no contexto da reforma agrária, ainda na década de 1960. Segundo esses autores, Em 30 de Novembro de 1964, durante o governo do presidente- -Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, instituiu-se a primeira Lei de Reforma Agrária no Brasil, a Lei no 4504. Conhe- cida como Estatuto da Terra, essa lei surge devido à necessidade de distribuição de terras no Brasil, além de conceituar o campo, determinar os níveis de produtividade e caracterizar o uso social da terra. O Estatuto teve um caráter inovador, pois introduziu novos conceitos ligados a questão agrária. Foi através do estatuto que se mensurou o minifúndio e o latifúndio. Essa mensuração se daria através dos módulos fiscais, que variam de acordo com a região. Uma propriedade rural deveria ter entre 1 e 15 módulos rurais, caso contrário, seria minifúndio ou latifúndio, logo, passíveis de 3 Hectare é uma medida de área que corresponde a 10.000 m2, ou seja, uma área formada por um quadrado em que cada lado tem o comprimento de 100 metros. – 15 – Conceitos Gerais do Agronegócio desapropriação a fins de reforma agrária. Outra caracterização refere-se aos níveis de produtividade. Para essa foram traçadas as unidades mínimas de produção por módulo rural a fim de caracterizá-las como produtivas ou improdutivas (BRASIL, 1964). (ALCÂNTARA FILHO; FONTES, 2009, p. 67) Figura 1.2 – Dimensão em hectares dos módulos fiscais no Brasil Fonte: IBGE (2012); Incra (2012). Portanto, podemos concluir que minifúndio é um imóvel rural que, em algumas regiões, tem uma área inferior a 5 hectares e, em outras, tem Fundamentos do Agronegócio – 16 – área inferior a 20 hectares. Por outro lado, o latifúndio é uma área que começa a partir de 75 hectares em estados da região Sul; nos estados da região Norte, um latifúndio começa a partir de 1.050 hectares. No entanto, o uso popular do termo latifúndio se refere a uma grande extensão de terra sob uma mesma propriedade. Outro conceito importante é o de agricultura familiar. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA, 2018), a agricul- tura familiar pode ser entendida como aquela em que “a gestão da propriedade é compartilhada pela família e a atividade produtiva agro- pecuária é a principal fonte geradora de renda”. Souza et al. (2011, p. 106) definem a agricultura familiar como aquela em que os “agricul- tores familiares são aqueles que desenvolvem atividades em estabe- lecimentos cuja área não exceda a quatro módulos fiscais, dirigidos pela própria família, desempenhem os trabalhos com mão de obra predominantemente familiar, e cuja renda deve, predominantemente, originar-se dessas atividades” . É importante ressaltar que essa definição inclui uma dimensão física para o tamanho da propriedade rural, a qual não deve exceder quatro módulos fiscais. Por outro lado, certamente, a agricultura não familiar é aquela que não se caracteriza como agricultura familiar, ou seja, aquela em que a área de produção é superior a quatro módulos fiscais e onde há trabalhadores contratados no mercado de trabalho. Podemos compreender a agricultura não familiar como aquela realizada em latifúndios, em que o número de pessoas empregadas é significativamente maior do que o número de fami- liares envolvidos ou que a renda advém de outras fontes que não seja a produção agropecuária. Embora existam exceções, a agricultura familiar também se caracteriza por várias restrições adicionais, incluindo falta de acesso a mecanismos de crédito, baixa tecnologia empregada, pequena escala de produção e dificuldades adicionais de comercialização. Algumas dessas características também estão atuantes em grandes propriedades, mas geralmente não em conjunto. Por exemplo, uma grande propriedade pode se defrontar com problemas de comercialização, mas tem acesso ao crédito, dispõe de tecnologia mais atual e se beneficia por apresentar gan- hos de escala na produção. – 17 – Conceitos Gerais do Agronegócio Embora o termo utilizado seja agricultura familiar e agricultura não familiar, o contexto correto a que se refere é o da agropecuária. Sobre esses termos, Bacha (2004, p. 14) reconhece que são tratados como sinônimos: “O uso dos dois termos, agricultura e agropecuária, como sinônimos é ainda bastante normal no meio acadêmico”. Nesse sentido, é possível e coerente falar em agropecuária familiar e agropecuária não familar. 1.2 Da agricultura ao surgimento do agronegócio Embora o termo agronegócio, que é a tradução da palavra inglesa agribusiness, tenha sido introduzido em 1957 pelos norte-americanos Ray A. Goldberg e John H. Davis, o seu surgimento como processo técnico e produtivo é mais antigo, das primeiras décadas do século XX. Porém, a atividade não surgiu espontaneamente,mas incorporou à agropecuária já existente elementos da segunda Revolução Industrial, como os tratores, as colheitadeiras e todos os demais equipamentos de tração movida pelo motor de combustão, bem como todos os produtos gerados pela indústria química, a exemplo dos fertilizantes e dos defensivos químicos, também chamados de agrotóxicos. Ao conhecimento empírico, passado de gera- ção em geração pelos próprios produtores rurais, foi acrescido o conheci- mento científico gerado por universidades, centros de pesquisa e órgãos do governo. A comercialização ganhou contornos mais específicos, contanto com profissionais especializados em marketing e em canais de venda. Podemos dizer que, com o advento do agronegócio, a essência do bem continua a mesma, pois estamos diante de um conjunto muito amplo de bens produzidos pela agropecuária há milhares de anos, mas a sua roupagem se modificou amplamente. Portanto, é possível compreender o agronegócio como a fase atual da agropecuária, quando esta se uniu de maneira mais intensiva aos demais setores da economia. Há consenso entre os acadêmicos de que a agricultura surgiu há apro- ximadamente 10 mil anos. E, ao contrário do que podemos pensar, ela sur- giu paulatinamente, sendo desenvolvida e depois abandonada, passando por uma nova etapa de desenvolvimento para cair em desuso novamente e depois retornar. Esse ciclo de avanço e retrocesso ocorreu até ela se conso- lidar definitivamente como estrutura de produção das sociedades antigas. Fundamentos do Agronegócio – 18 – Conforme destaca Oliveira Júnior (1989, p. 5): A agricultura não surgiu como uma transformação brutal onde, como num passe de mágica, o homem, de caçador e coletor, virou agricultor. Algumas espécies (vegetais e animais) começaram a ser cultivadas e criadas e logo após foram abandonadas. Animais e plantas foram domesticados e em seguida retornaram a seu estado selvagem. Populações humanas diferentes domesticaram certas espécies por razões diferentes, para fins e usos diferentes. Uma mesma população escolheu espécies diferentes porque tinham razões diferentes para esta escolha. Nesse período inicial da agricultura, as plantas e animais escolhidos eram típicos da região, pois não havia ainda um sistema de transporte que pudesse levar plantas e animais de uma região a outra. Por meio de grande poder de observação, as plantas foram escolhidas para a produção agrí- cola, bem como animais para a pecuária. Vale ressaltar que, inicialmente, a pecuária visava à produção de leite, pois a de carne era proveniente da caça. O quadro 1.1 apresenta uma visão panorâmica sobre esse processo de escolha de plantas e animas no mundo. Quadro 1.1 – Plantas e animais característicos de cada região Regiões Plantas Animais Oriente Médio Cereais: trigo e cevada Leguminosas: lentilha, ervilha, fava Têxtil: linho Bovinos, ovinos, capri- nos e aves (galinhas) Europa Ocidental Cereais: trigo, cevada aveia e centeio Leguminosas: lentilha, ervilha, fava Têxtil: linho Bovinos, ovinos, capri- nos e aves (galinhas) América Central Cereais: milho Leguminosas: feijão Têxtil: algodão Porcos – 19 – Conceitos Gerais do Agronegócio Regiões Plantas Animais Amazônia Mandioca Países Andinos Batata Fonte: adaptado de Oliveira Júnior (1989). Essas plantas e animais marcam o início da atividade preponderante de domesticação em cada uma das regiões citadas. Mas deve-se ressaltar que a quantidade real foi muito maior, pois outras variedades tanto de plantas quanto de animais foram domesticadas pela humanidade, pelo menos em um tempo pequeno. É importante ressaltar que esses bens domesticados são os que chegaram até o nosso conhecimento atual, e não deve-se levar em consideração que muitos foram abandonados ao longo do tempo. Vale ressaltar que todas as áreas cultivadas tinham cobertura vege- tal original. Isso significa que a humanidade precisou desenvolver um método de substituição ou eliminação da cobertura vegetal original para poder iniciar a atividade de plantio. No caso da criação de animais, mui- tas áreas naturais têm como cobertura vegetal original as savanas, que consistem em extensas áreas cuja vegetação é formada por gramíneas. Nesse tipo de vegetação, as árvores ou arbustos estão dispersos, iso- lados ou em pequenos grupos. Dessa forma, o ambiente da savana e outros ambientes similares são propícios para a realização da atividade da pecuária. Para a agricultura, a prática utilizada consistia na derrubada e queima da cobertura vegetal original. Isso foi fundamental para que os raios solares pudessem alcançar o solo e, consequentemente, a planta que estava sendo cultivada, bem como para eliminar demais plantas que pudessem concorrer com as plantas de cultivo. Com os meios disponí- veis, ou seja, instrumentos rudimentares, os grupos derrubavam vegeta- ção e, após um período, queimavam-na. Esse sistema tornava a prepa- ração do terreno mais eficiente e rápida. Além disso, liberava minerais resultantes da queima, como o potássio, contribuindo para a fertilidade do solo. Fundamentos do Agronegócio – 20 – Figura 1.3 – Área do Cerrado brasileiro sendo queimada Fonte: CC BY 3.0/José Cruz/ABr. Essa técnica, embora milenar, ainda é plenamente utilizada para abrir novas áreas de cultivo e pastagem. No Brasil, é comum utilizar essa téc- nica nos Cerrados e na Amazônia. No entanto, por diversas razões, ela deve ser combatida. Esse tema será melhor discutido no capítulo 8. Outro procedimento adotado pelos povos antigos era o sistema de rotação e pousio. Esse procedimento consistia em dividir a área destinada à produção agrícola em parcelas. A cada ciclo agrícola havia a rotação de culturas de uma parcela para outra, assim não havia o plantio sequen- cial da mesma cultura na mesma área em ciclos agrícolas consecutivos. E sempre uma das parcelas era destinada ao pousio, ou seja, em um ciclo agrícola não se plantava nessa parcela, deixando que ela pudesse recupe- rar sua fertilidade. A figura 1.4 mostra um esquema onde se representam os ciclos agrícolas, a rotação das culturas e o pousio. Figura 1.4 – Ciclos agrícolas, rotação de cultura e pousio Pousio Cultura 1 Cultura 3 Cultura 2 Ciclo 1 Cultura 3 Pousio Cultura 2 Cultura 1 Ciclo 2 Cultura 2 Cultura 3 Cultura 1 Pousio Ciclo 3 Cultura 1 Cultura 2 Pousio Cultura 3 Ciclo 4 Fonte: elaborada pelo autor. – 21 – Conceitos Gerais do Agronegócio A figura 1.4 mostra uma área de produção agrícola dividida em qua- tro parcelas de mesma dimensão para a produção agrícola. No primeiro ciclo agrícola, que pode ser um ano ou o prazo entre um plantio e outro dependendo da região onde se está, o primeiro quadrante há a cultura 1 (posição nordeste) o segundo quadrante (podição noroeste) está em pou- sio; no terceiro quadrante (posição sudoeste) há a cultura 3 e no quarto quadrante (sudeste) está a cultura 2. No ciclo seguinte (segundo), o pousio ocupa o primeiro quadrante, no segundo quadrante está a cultura 3, no terceiro quadrante a cultura 2, e no quarto a cultura 1. Houve uma rotação, de tal forma que, por exemplo, a cultura 1, que estava no primeiro quadrante durante o ciclo 1, passou para o quarto quadrante no segundo ciclo. Esse sistema de rotação de culturas associado ao pousio, ou seja, ao descanso da terra, permitiu manter a fer- tilidade do solo e a manutenção dos níveis de produção. Em algumas regiões, principalmente do Oriente Médio, onde havia problemas relacionados com a escassez de água, foram desenvolvidos muitos sistemas de irrigação de superfície. Esses sistemas consistiam basi- camente de sulcos cavados na superfície do solo formando uma rede de canais que direcionavam a água. Associadas a essa rede de canais havia pequenas comportas, que faziam com que a água fosse dirigida até os campos de cultivo. O “bom- beamento” da água dos rios, poços ou outras fontes era feito de forma manual ou por meio de animais. Dependendo dos casos, eram também constru- ídos dutos,permitindo que a água chegasse a lugares distan- tes. A figura 1.5 exibe uma das diversas formas de irrigação utilizadas pelos povos da Anti- guidade. Nela é possível ver os canais de irrigação, as compor- tas que direcionam a água e o trabalho para abastecer de água todo o sistema. Figura 1.5 – Sistema de irrigação primitivo utilizado pelos egípcios na Antiguidade Fonte: www.sutori.com. Fundamentos do Agronegócio – 22 – Com o passar do tempo foram também introduzidas diversas ferra- mentas simples e rudimentares que ajudavam os produtores com o tra- balho no campo. De maneira ainda mais primitiva, as ferramentas eram inicialmente de madeira e rocha, depois, com o conhecimento das técni- cas de metalurgia, as ferramentas eram feitas com metal. Na figura 1.6 é possível visualizar algumas das ferramentas utilizadas na agricultura da Mesopotâmia. Figura 1.6 – Ferramentas antigas utilizadas na Mesopotâmia Fonte: ancientmesopotamians.com. Com algumas exceções, a grande maioria dos bens agropecuários produzidos era para o consumo dos próprios produtores e de habitantes próximos. Como o sistema de transporte era rudimentar, era tecnicamente e economicamente inviável transportar produtos para longas distâncias. A exceção na Antiguidade era o Mar Mediterrâneo, que possibilitou um intenso comércio de diversos bens, inclusive agropecuários, entre vários países. Nesse período destaca-se o comércio desenvolvido pelo Impé- rio Romano, em que algumas regiões se especializaram na produção de azeite, vinho e trigo, por exemplo. E essas regiões especialistas enviavam a produção para outras regiões do Império Romano por meio do trans- porte marítmo, constituindo um amplo e próspero comércio entre os paí- ses banhados pelo Mar Mediterrâneo (REZENDE, 2001). Entre os séculos IX e XI houve um aprimoramento no sistema de rotação de culturas e pousio na Europa feudal, gerando um incremento substancial na produção agrícola. Hunt (1981, p. 33) destaca que – 23 – Conceitos Gerais do Agronegócio O crescimento da produtividade agrícola significava que o exce- dente de alimentos e manufaturados tornava-se disponível tanto para os mercados locais como para o mercado internacional. Os progressos da energia e do transporte tornaram possível e lucrativo concentrar os indivíduos nas cidades, produzir em grande escala e vender os bens produzidos nos mercados mais amplos de longa distância. Assim, esses desenvolvimentos básicos na agricultura e na indústria foram pré-requisitos necessários para a disseminação do comércio, o que, por sua vez, estimulou mais ainda a expansão urbana e encorajou a indústria. Na citação apresentada, Hunt (1981) destaca a palavra indústria, mas devemos ressaltar que não se trata da concepção atual desse setor econô- mico, mas sim de algo mais relacionado com a manufatura. No entanto, a ideia central do autor é que tal mudança na agricultura estimulou o sur- gimento de novas atividades econômicas, como o comércio de longa dis- tância e uma forma inicial de indústria. Dessa forma, a produção agrope- cuária, que tinha como objetivo atender predominantemente a população local, passou a atingir outros mercados mais distantes, contribuindo para o ressurgimento do comércio. Além disso, tal crescimento de produtividade liberou pessoas do trabalho no campo para as cidades, que se tornaram o centro dinâmico da economia. As técnicas de produção agrícola e pecuária não sofreram grandes transformações até a virada do século XIX para o século XX. A produção se operacionalizava essencialmente por meio do uso da terra e do trabalho humano. Os animais de tração também foram intensamente utilizados e ainda são em algumas propriedades rurais. No entanto, a partir do século XX, a indústria já estava bastante avançada (vários países europeus e os Estados Unidos já estavam na Segunda Revolução Industrial), tendo se modificado quantitativamente e qualitativamente por um conjunto muito amplo de bens e por novos processos de produção, a exemplo da linha de montagem desenvolvida por Henry Ford. Na Segunda Revolução Industrial surgiram ou se consolidaram novos setores de atividades, como a siderurgia, o setor elétrico e o setor químico. Apareceram bens novos à disposição tanto da própria indústria quanto de consumidores, como telefone, lâmpada elétrica, motor a explosão, elevador, veículos terrestres e aviões, por exemplo. E dois setores da Segunda Revo- lução Industrial tiveram amplo impacto na agricultura. O primeiro deles foi Fundamentos do Agronegócio – 24 – o setor químico, que desenvolveu um conjunto de bens, como fertilizantes e defensivos contra pragas, que possibilitou aumento significativo da pro- dução. O segundo setor foi de máquinas e equipamentos, que inaugurou a mecanização da agricultura. Dessa forma, o trabalho humano passou a ser progressivamente substituído por máquinas e demais equipamentos. São exemplos de máquinas e equipamentos o trator, as plantadeiras automáticas, as colheitadeiras e um conjunto muito diversificados de bens que tornaram a atividade agrícola muito mais produtiva. A figura 1.7, a seguir, mostra um dos primeiros tratores de combustão interna desenvolvidos. Vale ressaltar que já existiam máquinas de tração para fins agrícolas, mas eram movidas a vapor, tendo baixa eficiência, tanto técnica quanto econômica. Com o desenvolvimento do motor a combustão interna (gasolina), o trator se tornou mais leve e eficiente, consolidando-se como um importante fator de crescimento da atividade agrícola moderna. Figura 1.7 – Um dos primeiros modelos de trator elaborado pela Companhia Norte- Americana John Deere na década de 1910 Fonte: johndeerejournal.com. A concepção de produção agropecuária nessa nova fase, principal- mente por conta do aumento da população e, consequentemente, do con- sumo, estava baseada em seis pontos fundamentais: 2 aumento de áreas cultivadas; 2 melhora contínua das variedades visando menor ciclo produtivo e mais produtividade; 2 mecanificação da produção; – 25 – Conceitos Gerais do Agronegócio 2 introdução ou expansão do uso de fertilizantes; 2 controle de pragas por meio do uso que elementos químicos ou agentes biológicos; 2 introdução ou expansão dos meios de irrigação. Esses seis aspectos tornaram a produção agropecuária muito mais tecnificada e dependente de outros setores econômicos. É nesse momento, início do século XX, que surge então o embrião do agronegócio e que pro- gressivamente vai incorporando outras atividades até se tornar um sistema bastante complexo, que movimenta uma quantidade imensa de recursos, utiliza a maior parte da superfície da terra, fornece emprego e renda para muitas famílias, mas também tem contribuído para a extinção de espécies, para a erosão de solos, para a seca de leitos de água e para o aquecimento global. Nos capítulos seguintes iremos analisar em detalhes os demais aspectos do agronegócio. 1.3 Importância do agronegócio na economia brasileira Sabemos que o Brasil é um país de dimensão continental, sendo o quinto maior em extensão territorial do mundo, tendo área menor apenas do que Rússia, Canadá, China e Estados Unidos. Além disso, dos países citados é o que mais recebe energia solar e igualmente o que tem as maio- res bacias de água doce do mundo. O clima do Brasil, tropical, favorece a atividade agropecuária, pois não se defronta com invernos rigosos que dificultam ou impossibilitam a atividade agrícola nessa estação climática4. Dadas essas informações, nota-se claramente que o Brasil tem, de fato, as condições necessárias para as produções agrícola, pecuária e, consequen- temente, da cadeia que abrange o agronegócio. 4 Nos países onde o clima é mais severo, as baixas temperaturas reduzem significativa- mente a incidência de pragas, tornando o uso de defensivos químicos (agrotóxicos) menos frequente. No Brasil, por conta da conjugação de temperaturas mais elevadas e umidade, a proliferação de pragas é grande, e igualmenteo é o uso de defensivos. Fundamentos do Agronegócio – 26 – Para compreender a inserção do agronegócio na economia brasileira necessitamos comparar o seu desempenho histório com os demais grandes setores econômicos. Isso pode ser visto na figura 1.8, que mostra a parti- cipação do Produto Interno Bruto (PIB) dos três grandes setores: agrope- cuária, indústria e serviços. Figura 1.8 – Evolução da participação dos três setores econômicos no PIB brasileiro: 1947-2013 0 22,5 45 67,5 90 1947 1952 1957 1962 1967 1972 1977 1982 1987 1992 1997 2002 2007 2012 Agropecuária Indústria Serviço Fonte: elaborada pelo autor com dados obtidos no Ipeadata. Nota: A disponibilização das participações dos três setores pelo Ipea não retirou as impu- tações dos serviços financeiros de intermediação. Em momentos de elevada inflação, a intermediação financeira pode superestimar a participação do setor de serviços. Na figura anterior, podemos observar que o setor de serviços manteve uma trajetória de participação constante no período de 1947 até meados da década de 1980, embora com algumas oscilações nesse período; a indús- tria teve uma nítida trajetória de crescimento; e a atividade da agropecuá- ria mostrou nesse período uma sensível retração. No período entre meados da década de 1980 até o presente momento, podemos notar uma elevação muito grande da participação do setor de serviços, uma queda intensa na produção industrial e a contínua perda de participação da agropecuária. – 27 – Conceitos Gerais do Agronegócio Como dito anteriormente, a atividade agropecuária é aquela com- preendida por se realizar “dentro da porteira”, ou seja, proveniente da atividade rural onde a participação do fator de produção terra é imprescin- dível. Por sua vez, o agronegócio compreende outros setores econômicos caracterizados por atividades industriais e de serviços. Dessa forma, não podemos confundir o agronegócio com a agropecuária, pois ele é muito mais amplo que a agropecuária. Por conta justamente dessa diferença, há a necessidade de ter medi- das específicas do setor do agronegócio. A evolução desse setor pode ser vista na figura 1.9, que exibe os valores do PIB do agronegócio para o período de 1996 a 2017. Figura 1.9 – Evolução do PIB real do agronegócio no período de 1996 a 2017 (em bilhões de reais) 900 1.025 1.150 1.275 1.400 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2014 2016 Fonte: elaborada pelo autor com dados obtidos no Centro de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Cepea/USP). Na figura 1.9, pode-se constatar que o setor vem apresentando uma clara tendência de crescimento no período que compreende um pouco mais de duas décadas, como é possível observar pela linha de tendência (linha reta). No entanto, a atividade apresenta um comportamento de osci- Fundamentos do Agronegócio – 28 – lação, ou seja, em determinados anos ela tem um desempenho melhor e, em outros, o desempenho é menor. Esse comportamento se deve a vários fatores, entre eles, naturais (climáticos) e econômicos (taxa de câmbio e desempenho da economia doméstica e internacional). Para compreender melhor o panorama do agronegócio, é importante analisar a participação de cada setor no conjunto de toda a economia. A figura 1.10 mostra o comportamento de cada setor nessas últimas décadas. Figura 1.10 – Evolução do PIB real dos setores do agronegócio no período de 1996 a 2017 (em bilhões de reais) 0 150 300 450 600 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2014 2016 Insumos Agropecuária Indústria Serviços Fonte: elaborada pelo autor com dados obtidos no Centro de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Cepea/USP). Por meio da figura 1.10, é possível perceber algumas tendências de maneira bastante nítida. O setor de insumos, que corresponde a todo maquinário, fertilizantes, sementes e defensivos, por exemplo, vem apre- sentando uma pequena tendência de alta nesses últimos 20 anos. A par- ticipação da agropecuária no PIB do agronegócio vem crescendo subs- tancialmente nesse período. Por outro lado, as atividades industriais vêm perdendo participação. E o setor de serviços não apresenta tendência de crescimento ou de declínio, embora com significativas oscilações. – 29 – Conceitos Gerais do Agronegócio Um aspecto nesse contexto é preocupante. Como foi discutido na figura 1.9, nota-se um crescimento do PIB do agronegócio, no entanto, quando analisamos a figura 1.10, constatamos que a agropecuária vem ganhando espaço, e a indústria vem perdendo. Isso significa que a cadeia do agronegócio está entregando os bens aos consumidores finais, tanto domésticos quanto estrangeiros, com menor nível de transformação. Essa tendência faz parte de um quadro mais geral da economia brasileira, a qual, progressivamente, vem perdendo a capacidade de produzir bens industriais. 1.4 Contribuição do agronegócio para o desenvolvimento econômico É indiscutível que toda atividade econômica, desde que seja lícita, pode contribuir para o desenvolvimento econômico de uma sociedade. O desenvolvimento é quando o crescimento econômico, expresso pela elevação quantitativa do produto, gera elementos qualitativos para todos os indivíduos da sociedade, melhorando, por exemplo, a educação, a saúde, o lazer etc., enfim, contribuindo efetivamente para a elevação da qualidade de vida das pessoas. No entanto, é comum encontrarmos situações em que o crescimento agrava alguns problemas, a exemplo da poluição ambiental e da precarização urbana. A importância do agronegócio pode ser entendida por elevar a efi- ciência e propiciar ganhos obtidos de produtividade da agropecuária. Por sua vez, a contribuição da agropecuária ao desenvolvimento está baseada em cinco funções básicas (BACHA, 2004). A primeira – e mais óbvia – é gerar alimentos à população. Essa é sua função primordial, principalmente diante de um cenário em que a população brasileira e a mundial estão cres- cendo. Além disso, alguns países estão passando por uma grande expan- são de renda, como é o caso da China, e isso impacta nos padrões alimen- tares. Normalmente, os países com ganhos de renda subsitutem proteinas vegetais por proteinas animais. Portanto, a agropecuária deve se ater às dinâmicas mundiais. A segunda função, ainda bastante importante para os países em desenvolvimento e para os países pobres, é fornecer capital, principal- Fundamentos do Agronegócio – 30 – mente financeiro, para os demais setores da economia. Como se bem sabe, foi do excedente gerado na agropecuária que possibilitou o desenvolvi- mento de outras atividades, principalmente a indústria. A terceira função é o fornecimento de mão de obra para os demais setores econômicos. Na verdade há uma espécie de inter-relação. À medida que a agricultura possibilitou o surgimento de outras atividades, os bens gerados por essas outras atividades tornaram a agricultura mais produtiva e menos intensiva em mão de obra, que pôde se dedicar a essas demais atividades. A quarta função é a geração de dividas (moeda estrangeira). A expor- tação de bens agropecuários e o ganho comercial com essa atividade pro- piciou a importação de diversos bens, desde bens de consumo não durá- veis, a exemplo de alimentos, até máquinas e equipamentos complexos. E a quinta função é absorver bens produzidos em outros setores da economia. Atualmente, com a consolidação dos mercados urbanos, essa função vem progressivamente perdendo importância. No entanto, até os anos 1960, a atividade rural era um importante mercado consumidor. Conclusão O agronegócio é uma atividade que expande as fronteiras da agrope- cuária, incorporando o setor que fornece insumos, o de transformação e o de serviços. Na verdade, o agronegócio pode ser compreendido como a fase atual de produção de alimentos. Obviamente ele deriva da agropecu- ária, mas como todas as atividades econômicas são dinâmicas, ao longo do tempo elas se tornam mais abrangentes e complexas. A agricultura e a pecuária podem ser consideradas as primeirasatividades econômicas. A indústria, na sua concepção atual, surgiu no século XVIII e propiciou grandes avanços à agropecuária, tornando-a mais produtiva e eficiente. O Brasil é um país bastante dependente do agronegócio, pois outros setores econômicos vêm, progressivamente, perdendo participação. Dessa forma, o agronegócio ganha importância para propiciar o desenvolvimento da sociedade brasileira. – 31 – Conceitos Gerais do Agronegócio Ampliando seus conhecimentos O texto a seguir, escrito pelo prof. Marcos Jank, mostra que o Bra- sil vem se especializando no agronegócio, e tal especialização neces- sita de complementariedade, que é obtida por meio de parcerias, como com a China. Estamos condenados a nos casar com a China Marcos Sawaya Jank Folha de São Paulo – 3 de fevereiro de 2018. São louváveis as raras iniciativas de reflexão sobre o longo prazo no Brasil. O Cebri (Centro Brasileiro de Relações Inter- nacionais) criou um grupo para discutir em profundidade dez temas estruturais da relação Brasil-China. Participei do debate sobre complementaridade e dependência no agronegócio. Quarenta anos após as primeiras reformas agrícolas conduzidas por Deng Xiaoping, podemos dizer com segurança que as trans- formações do agronegócio chinês foram profundas e impressio- nantes. A saber: 1. Segurança alimentar – a China trocou a diretriz da autossu- ficiência alimentar a qualquer custo por uma política de segu- rança alimentar estratégica orientada pelo mercado. Nesse contexto, ela se abriu inicialmente para a soja em grãos, que responde sozinha por 40% da exportação total e 80% da exportação agrícola do Brasil. Nossas exportações agro para a China e Hong Kong saltaram de US$ 6 bilhões para 30 bilhões nos últimos dez anos. Agora a China começa a rever a sua política de estoques estraté- gicos e preços administrados, o que deve levar gradualmente a Fundamentos do Agronegócio – 32 – maiores importações de milho, açúcar e carnes no futuro, ainda que com grandes dificuldades de acesso (cotas e barreiras téc- nicas e sanitárias) acopladas a travas de defesa comercial (sal- vaguardas no açúcar e antidumping no frango). O Brasil precisa diversificar a pauta de exportações e adicionar valor aos produ- tos exportados. 2. Investimentos para garantir a originação das matérias-primas – a internacionalização das empresas chinesas visa o controle das cadeias de suprimento genética, infraestrutura, armazena- mento, processamento e comercialização. Exemplos são as aqui- sições de empresas como Syngenta, Noble, Nidera e Fiagril. 3. Segurança do alimento, qualidade e sustentabilidade – hoje a grande obsessão da China é com qualidade, sanidade e susten- tabilidade ambiental da produção. Nessa área temos muito a contribuir nas relações bilaterais, mas é preciso melhorar o processo regulatório: processos e padrões mais transparentes, qualidade das respostas nos questionários, rastreabilidade de produtos, combate ao con- trabando, integração das cadeias produtivas com investimen- tos cruzados das empresas e um diálogo fluido para evitar as constantes arbitrariedades. 4. O papel do Brasil e da China no agronegócio mundial – inves- timentos em tecnologia, ganhos de escala e subsídios a insumos modernos transformaram a China em uma potência agrícola. O país virou o 3º maior exportador de agro do mundo, à frente do Brasil. O exemplo mais contundente está nas exportações de pescados, frutas e hortaliças, que já ultrapassa US$ 40 bilhões anuais. São centenas de categorias de produtos frescos e proces- sados exportados basicamente para o resto da Ásia. Os ganhos de produtividade total da agricultura chinesa são equivalentes aos obtidos pelo Brasil desde 1980 3% ao ano, o dobro da média mundial. Esse desempenho extraordinário exige uma visão estratégia concertada nos fóruns internacio- – 33 – Conceitos Gerais do Agronegócio nais que tratam de segurança alimentar, comércio, clima, água e energia. A coordenação praticamente inexiste, e a relação é dominada por conflitos pontuais de curto prazo. Estamos condenados a nos casar com a China, de alguma forma. Mas até aqui foi ela que deu corda e dominou a relação, pois pensa estrategicamente e sabe perfeitamente o que quer. Nós somos o oposto da China: ansiosos, imediatistas, individualis- tas e meio esquizofrênicos. Não sei se isso é curável, mas ano eleitoral é sempre uma oportunidade para refletir sobre a nossa desorganização endêmica e mudar hábitos. Atividades 1. Com base no texto, indique similaridades e diferenças entre os conceitos de agropecuária e agronegócio. 2. A atividade da agricultura combina técnicas de produção con- sideradas modernas e antigas. Elabore uma breve discussão sobre o uso de ténicas antigas e relacione com a dinâmica atual do agronegócio. 3. Explique a razão de a agricultura e a pecuária terem sido consi- deradas as primeiras atividades econômicas da sociedade. 4. Explique a importância da indústria para o agronegócio. 2 Políticas Econômicas que Afetam o Agronegócio O agronegócio é uma atividade que reúne todos os setores econômicos, gera produtos para consumidores e renda para pes- soas, comunidades, regiões e países. Por conta disso, alterações na economia, de forma geral, impactam o desempenho do agro- negócio ou de alguns de seus componentes específicos. Um dos principais agentes causadores de impacto no desem- penho de atividades econômicas é o governo, que, por meio de um conjunto bastante amplo de medidas, modifica o funciona- mento das atividades econômicas. Tais medidas podem ter des- dobramentos positivos ou negativos, dependendo do contexto e dos objetivos a serem alcançados. O propósito deste capítulo é esclarecer quais são essas medidas, como são operacionalizadas e quais são os impactos gerados no agronegócio. Fundamentos do Agronegócio – 36 – 2.1 A política fiscal A política fiscal, adotada pelas três esferas de governo (municipal, estadual e federal) é o conjunto de ações ligadas a procedimentos relacio- nados com gastos e geração de receitas por meio de tributos. O governo tem três mecanismos para tributar agentes econômicos, independente- mente de serem pessoas físicas ou pessoas jurídicas: taxa, contribuição e imposto. Embora todos eles impliquem em coletar dinheiro da sociedade, distinguem-se por terem finalidades diferentes. Conforme define Leite (1994, p. 186): “Taxa é a denominação que se dá ao tributo que tem como fato gerador o exercício, pelo governo, do poder de polícia e de fiscalização, ou o custeio de determinado serviço público posto à disposição da comunidade de modo geral”; “Contribuição é uma denominação aplicada aos tributos destinados a custear serviços públicos recebidos diretamente pelo contribuinte”; e “Imposto é a deno- minação que se dá ao tributo que tem como fator gerador um fenômeno econômico independente de qualquer atividade estatal”. Imposto é um tributo geral que não está atrelado a uma finalidade específica. Isso significa que é um recurso financeiro disponível para que o governo utilize de acordo com o próprio planejamento. Há inúmeros impostos divididos entre as três esferas de governo. O governo federal, por exemplo, tem à disposição os seguintes impostos: Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Imposto sobre a Importação de Produtos Estrangei- ros (II), Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza (IR), Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro ou relativas a Títu- los ou Valores Mobiliários e Imposto Territorial Rural (ITR) No agronegócio, o IPI afeta diretamente o setor de insumos e as empresas que transformam bens agropecuários. O imposto de importação impacta também alguns dos insumos consumidos pela atividade agrope- cuária, a exemplo de alguns fertilizantes e defensivos químicos. O IR é incidido sobre qualquer atividade econômica que gere renda. Já o governo estadual detém em seu poder três impostos: Impostosobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunica- – 37 – Políticas Econômicas que Afetam o Agronegócio ção (ICMS); Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA); e Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doações de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMd). O principal imposto incidido sobre as ativida- des do agronegócio é o ICMS, pois os produtos partem de uma origem até um destino e isso é a causa de sua tributação. Um importo que recai indi- retamente é o IPVA, que incide sobre veículos que transportam as merca- dorias, sendo que parte desse imposto é repassado sobre o preço do bem. E os impostos destinados ao município são: Imposto Predial e Terri- torial Urbano (IPTU); Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI); e Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS ou ISSQN). Sobre os demais tipos de tributos, taxas e contribuições, podemos afirmar que existe um amplo conjunto destinado aos mais diversos pro- pósitos. A título de ilustração, destacamos Taxa de Classificação, Ins- peção e Fiscalização de produtos animais e vegetais ou de consumo nas atividades agropecuárias (federal); Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental (municipal); Contribuição ao Sistema S, que é constituído por organizações como Sesi, Senai, Senac e Senar (Serviço de Apren- dizagem Rural); Contribuição ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Para compreendermos adequadamente o efeito de um tributo, toma- remos como base de análise as curvas de oferta e de demanda de mercado para um bem normal1. Pela teoria microeconômica, sabemos que oferta é a quantidade pro- duzida por empresas, em função do preço do bem produzido, dos fato- res de produção, de mudanças tecnológicas, de alterações nos preços de outros bens correlacionados, de mudanças climáticas e de expectativas dos preços no futuro. Por sua vez, a demanda representa a quantidade consumida de um bem em função do preço do próprio bem, do preço dos bens correlacionados e da renda do consumidor. 1 Para a economia, bem normal é aquele que tem seu consumo elevado quando o consumi- dor se defronta com um aumento em sua renda; esse tipo de bem constitui grande parte dos bens disponíveis para consumo. Bens considerados inferiores são aqueles cujo consumo cai diante de uma elevação da renda do consumidor, como carne de frango; e bens de con- sumo constante não são impactados por mudanças na renda. Fundamentos do Agronegócio – 38 – Figura 2.1 – Gráfico das curvas de oferta e demanda formando o equilíbrio de mercado Preço PE E QE Quantidade Demanda Oferta Fonte: elaborada pelo autor. Na figura 2.1 podemos observar a curva de oferta, que é positiva- mente inclinada, e a curva de demanda, que é negativamente inclinada. A intersecção das duas curvas forma o ponto E, que representa o equilíbrio nesse mercado. O equilíbrio diz que a esse nível de preço (PE – preço de equilíbrio) os produtores desejam vender QE (quantidade de equilíbrio) desse bem; por sua vez, a esse mesmo nível de preço os consumidores também desejam consumir QE. Como a quantidade que os produtores desejam vender é igual à quantidade que os consumidores desejam con- sumir, existe o equilíbrio de mercado, representado pelo ponto E. Vale ressaltar que, no ponto de equilíbrio de mercado, o preço pago pelos con- sumidores é exatamente igual ao preço recebido pelos produtores. Verificaremos agora quais são os efeitos sobre o equilíbrio de mer- cado decorrentes da imposição de um tributo – para facilitar a exposi- ção, suporemos que o tributo incide sobre o produtor2. Como a incidência 2 O Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) incide sobre o produtor. Há também tributos que incidem sobre os consumidores, como é o caso ICMS. A análise dos impactos desse tipo de tributo é ligeiramente diferente da apresentada, por isso sugerimos consultar livros de microeconomia para compreender adequadamente seu funcionamento. – 39 – Políticas Econômicas que Afetam o Agronegócio do tributo eleva os custos de produção, a curva de oferta se desloca para esquerda, como retratado na figura 2.2. Figura 2.2 – Impacto de um tributo no mercado Preço PE PTP PTC QEQT Quantidade B E A Demanda Oferta1 Oferta2 Fonte: elaborada pelo autor. A figura 2.2 tem como pressuposto o equilíbrio de mercado, em situa- ção análoga à exibida na figura 2.1. A incidência de tributos é similar ao aumento do custo dos fatores de produção, contribuindo para o desloca- mento da oferta para esquerda; assim, há mudança de posição, passando de Oferta1 para Oferta2. A presença do tributo faz que o equilíbrio de mercado seja modificado; então a nova intersecção das curvas de oferta (Oferta2) e de demanda ocorre no ponto A. O preço no ponto A é PTC, que é o valor que os consumidores pagarão para consumir esse bem. A nova quantidade produzida e consumida após o tributo é QT. No entanto, e diferentemente da condição de equilíbrio inicial (ponto E), o preço pago pelos consumidores é superior ao preço recebido pelos produtores, justamente por conta da incidência do tributo. O preço recebido pelos produtores é o ponto em que a linha vertical AQT intercepta a curva Oferta1, gerando o preço PTP. Após a incidência do tributo e por conta do aumento do preço, os consumidores passam a consumir menos (QT) e a pagar mais quando se Fundamentos do Agronegócio – 40 – compara com a situação inicial. Os produtores, por sua vez, passaram a produzir menos e a receber menos. A diferença entre o valor pago pelos consumidores e o valor recebido pelos produtores é justamente o tributo. Como agora estão sendo produzidas e consumidas QT unidades do bem, o tributo incide sobre todas essas quantidades, gerando uma receita para o governo que é equivalente à área formada pelo retângulo PTCA- BPTPB. Essa área é a diferença entre o preço pago pelos consumidores e o preço recebido pelos produtores PTC PTP-( ) multiplicada pela nova quantidade (QT). A área que representa os tributos pagos ao governo pode ser visualizada na figura 2.3. Mas vale ressaltar que os tributos não são as únicas fontes de receita, pois também são considerados os empréstimos realizados, que devem ser remunerados pela taxa básica de juros da eco- nomia no Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic). Figura 2.3 – Representação do valor arrecadado pelo governo por meio de tributos Preço PE PTP PTC QEQT Quantidade B E A Demanda Oferta1 Oferta2 Fonte: elaborada pelo autor. É importante ressaltarmos que, embora os produtores consigam repassar o custo do tributo aos consumidores, não o fazem integralmente, ou seja, também arcam com alguma perda pela incidência do tributo. Isso pode ser visto na figura 2.3. E vale lembrar que, antes do tributo, a – 41 – Políticas Econômicas que Afetam o Agronegócio quantidade vendida pelos produtores era QE ao preço PE; após a incidência do tributo, o preço recebido passou a ser PTP e a quantidade se tornou QT, ou seja, os produtores passaram a vender menos a um preço menor, dimi- nuindo toda sua rentabilidade. Exemplo numérico Suponhamos que a função inversa da demanda por um bem seja dada por p q= -400 e a função inversa da oferta, por p q= +80 . Como sabemos, para encontrar o ponto de equilíbrio e respectivamente o preço de equilíbrio e a quantidade de equilíbrio, devemos igualar a oferta e a demanda O D=( ): 80 3 400+ = −q q Temos agora uma equação cuja incógnita é apenas a quantidade. Resolvendo a equação para o preço, temos: 4 320q = q = 80 Assim, a quantidade de equilíbrio é igual a 80. Para encontrar o preço, basta substituirmos o valor da quantidade em qualquer uma das funções. Substituiremos na função de demanda: p = -400 80 p = 320 Portanto, o preço de equilíbrio é de 320 unidades monetárias. Suponhamos agora que o governo adote um tributo que incida sobre os produtores em R$ 40 por unidade. Como o impacto é sobreos produto- res, devemos somar esse valor à curva da oferta, gerando uma nova oferta: p q' = + +80 3 40 p q' = +120 3 Fundamentos do Agronegócio – 42 – Temos a nova função da oferta. O próximo passo é calcularmos nova- mente a quantidade de equilíbrio, igualando a demanda e a nova oferta: 120 3 400+ = -q q 4 280q = q = 70 p ' = -400 70 p ' = 330 Portanto, a incidência do tributo gerou um novo ponto de equilíbrio com preço de R$ 330 e quantidade de 70 unidades. É importante ressaltar- mos que os consumidores pagam R$ 330, mas nem todo esse valor é dos produtores, pois para cada unidade vendida é necessário pagar R$ 40 de tributos ao governo. Assim, o preço recebido pelos produtores é de R$ 290. Após a incidência do tributo, o governo obtém receita de R$ 40 para cada unidade, totalizando R$ 2.800. É justamente com esse recurso que o governo pode realizar gastos em suas múltiplas funções. A figura 2.4 exibe as propriedades geométricas apresentadas anteriormente e podemos notar as curvas de demanda e de oferta. Inicialmente, a curva de demanda (negativamente inclinada) inter- cepta a curva de oferta original (positivamente inclinada e situada mais à direita) no ponto E, o qual representa o equilíbrio de mercado, gerando o preço de R$ 320 e a quantidade de 80. Com a incidência do tributo, a curva da oferta se deslocou para a esquerda (nova oferta) e intercepta também a curva de demanda. Há um novo ponto de equilíbrio, gerando o preço de R$ 330 e a quan- tidade de 70 – esse é o preço pago pelos consumidores. Sobre esse preço devemos descontar o valor dos tributos, totalizando R$ 290, que é o preço recebido pelos produtores. – 43 – Políticas Econômicas que Afetam o Agronegócio Figura 2.4 – Representação gráfica do exemplo numérico 350 300 250 200 150 100 50 0 40 80 120 160 Nova Oferta Demanda Oferta Original PTC=330 PE=320 PTP=290 Fonte: elaborada pelo autor. Por meio dos recursos financeiros arrecadados pelos tributos, o governo realiza gastos para atender às múltiplas necessidades da socie- dade, incluindo gastos com saúde, educação, aposentadorias, auxílios, Fundamentos do Agronegócio – 44 – meio ambiente, sistema de transporte, segurança, ciência e tecnologia, limpeza etc. De forma agregada, a figura 2.5 mostra a evolução dos tri- butos que incidiram sobre a atividade agropecuária e os gastos realizados nesse setor. Figura 2.5 – Evolução dos gastos totais e da carga tributária referentes à agropecuária entre 2000 e 2010 (em milhões de reais) -9375 0 9375 18750 28125 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Gastos Tributos Saldo Fonte: adaptado de Regazzini; Bacha (2012). É possível observar que no período houve ligeira tendência de ele- vação tanto dos tributos quanto dos gastos. O saldo, que consiste na dife- rença entre o que o governo gastou e o que arrecadou, é aleatório e não exibe um comportamento constante, pois há anos em que o saldo é posi- tivo e anos em que é negativo. Quando o saldo é positivo, o governo transfere recursos do setor agropecuário para outros setores; quando o saldo é negativo, há uma trans- ferência de outros setores para a agropecuária. Sobre o desempenho dos gastos do governo federal no setor agropecuário no período de 2000 a 2010, Regazzini e Bacha (2012, p. 66) salientam que: Os resultados obtidos por este artigo permitem constatar que, ao longo da primeira década dos anos 2000 e do ano de 2010, o grau – 45 – Políticas Econômicas que Afetam o Agronegócio de apoio do Governo Federal ao setor agropecuário brasileiro redu- ziu-se moderadamente, uma vez que o volume de tributos federais pagos pelo setor cresceu mais rapidamente (6,62% a.a.) do que os gastos públicos federais voltados à agropecuária (que cresceram 4,08% a.a.). Mais do que isso, esse apoio tem apresentado valores negativos em termos líquidos, uma vez que tanto em 2010 – último ano analisado por este trabalho – quanto no acumulado do período (2000 a 2010), o gasto total da União com a agropecuária brasi- leira apresentou valor negativo em termos líquidos (isto é, quando descontados os recursos arrecadados do setor via tributação). Pelos resultados obtidos, é válido supor que os ganhos de competitivi- dade da agropecuária nacional resultantes do apoio do Governo Federal são inferiores à perda de competitividade associada às reduções das margens líquidas resultantes da tributação federal que incide sobre o setor. Dois instrumentos econômicos também utilizados pelo governo sobre o setor do agronegócio são as isenções fiscais e os incentivos fiscais. Segundo Bacha (2004, p. 37), a isenção fiscal é “a situação em que certas atividades ou setores são liberados, temporariamente, do pagamento da totalidade ou de certa parcela de certos impostos, respeitando a legisla- ção tributária existente”. Poderíamos citar como exemplo de isenção fiscal situações em que o governo decide não cobrar o ITR de um grupo de pro- dutores rurais por conta de uma grave seca que assolou a região e acabou com toda a produção. Já o incentivo fiscal, de acordo com Bacha (2014, p. 37), ocorre quando o Imposto de Renda pago por certa empresa ou pes- soa física em uma região retorna a essa pessoa desde que a mesma aporte esse recurso em investimentos realizados em outra região ou atividade. As décadas de 1960 a 1980 presenciaram grande coleção de programas de incentivos fiscais visando ao desenvol- vimento regional (do Nordeste e da Amazônia) ou de certas ativi- dades (caso do reflorestamento, da pesca, do turismo, da indústria aeronáutica). Atualmente, os incentivos fiscais restringem-se ao desenvolvimento regional. Perceba que os tributos incidem em todos os setores econômicos. A política fiscal, dessa maneira, consiste em ampliar ou reduzir o valor do tributo. Quando o governo o eleva, retira mais recursos financeiros dos produtores e dos consumidores; quando o reduz, deixa os agentes com Fundamentos do Agronegócio – 46 – mais recursos financeiros. Um estudo realizado por Maciel (2010) revela que a redução de tributos para os setores da agricultura, da pecuária, da produção florestal, da pesca e da aquicultura somou R$ 166 milhões em 2009, valor bastante irrisório quando comparado com o setor de comér- cio, de reparação de veículos automotores e motocicletas, cuja redução foi perto de R$ 14 bilhões. 2.2 A política monetária Podemos entender como política monetária as ações adotadas pelo governo, por meio do Banco Central, que impactam a oferta de moeda. Como a moeda atualmente está relacionada com todos os tipos de tran- sação, impacta diretamente o funcionamento da economia. Além disso, a quantidade de moeda existente em uma economia define a taxa de juros, em conjunto com a demanda por moeda. E, como sabemos, a taxa de juros interfere em um conjunto muito amplo de atividades econômicas, princi- palmente sobre os investimentos. É possível dizer que todos os agentes demandam moedas. As razões para tal demanda estão relacionadas com a necessidade de realizar tran- sações, com a precaução e com a especulação3. A demanda por moeda, assim como a demanda por bens, é negativamente inclinada em relação ao preço da moeda, que é justamente a taxa de juros. Por sua vez, a auto- ridade monetária (Banco Central) determina a quantidade de moeda em circulação na economia, compondo a oferta, que é representada por uma linha reta vertical. A figura 2.6 mostra as curvas de demanda por moeda e de oferta por moeda. 3 Para compreender melhor os motivos pelos quais os agentes demandam moeda, sugeri- mos consultar qualquer livro de macroeconomia ou de introdução à economia que discuta macroeconomia. – 47 – Políticas Econômicas que Afetam o Agronegócio Figura 2.6 – O equilíbrio no mercado monetário Taxa de juros r QE Quantidade de moeda E Demanda por moeda Oferta de Moeda Fonte: elaborada pelo autor. Dada certa demanda por moedas e uma oferta, a intersecção das duas curvas constitui o equilíbrio nomercado monetário, determinando a taxa de juros de equilíbrio (r). O Banco Central define apenas a quantidade de moeda em circulação na economia e a taxa de juros deve também levar em consideração a demanda por moeda. Em um regime de metas de inflação4, como o adotado no Brasil, a quantidade de moeda que o Banco Central coloca no mercado faz que a inflação se direcione para o centro da meta estabelecida. Se a inflação se mostra mais alta do que a meta, o Banco Central retira moeda do mercado. Isso tem duas consequências. A primeira é diminuir a inflação; a segunda é elevar a taxa de juros da economia. Se a inflação está baixa, o Banco Central pode colocar dinheiro no mercado e fazer que a taxa de juros caia – essa condição pode ser vista na figura 2.7, em que o governo amplia a quantidade de moeda na economia de Q1 para Q2. Esse movi- 4 O Regime de Metas de Inflação foi adotado no Brasil em 21 de junho de 1999 pelo De- creto Presidencial n. 3.088, assinado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso. Desde então, periodicamente, geralmente uma vez ao ano, o Conselho Monetário Nacional deter- mina a meta e os respectivos intervalos para a inflação. Fundamentos do Agronegócio – 48 – mento de ampliação desloca a curva da oferta monetária para a direita, gerando um novo ponto de equilíbrio (r2) em um nível inferior ao ponto anterior (r1). Assim, podemos perceber que a ampliação da quantidade de moedas gera queda na taxa de juros. Figura 2.7 – Representação de uma política monetária expansionista Taxa de juros r1 r2 Q1 Quantidade de moeda E1 Demanda por moeda Oferta1 E2 Q2 Oferta2 Fonte: elaborada pelo autor. Um aspecto importante dentro da taxa de juros é a distinção entre taxa de juros nominal e taxa de juros real. O juro nominal é o preço da moeda, ou seja, quanto um agente deverá pagar por ter tomado emprestada determinada quantia de moeda. Mas se na economia houver inflação5, que nada mais é do que a perda do poder de compra da moeda, a quantidade que esse agente deverá pagar vai diminuindo. A relação entre a inflação e as taxas de juros nominal e real é: 1 1 1+( ) +( ) = +( )r r* Em que r * é a taxa de juros real; r é a taxa de juros nominal; e é a taxa de inflação. Todas as variáveis devem ser expressas em valores 5 Em outro contexto, pode-se compreender a inflação como o aumento sistemático e gene- ralizado dos preços de uma economia. – 49 – Políticas Econômicas que Afetam o Agronegócio decimais. Caso alguma taxa seja de 10%, o valor incluído na expressão é 0,1; se for 1%, deve ser 0,01. Para conhecermos a taxa de juros real de uma economia a partir da taxa de juros nominal e da taxa de inflação, devemos realizar o seguinte procedimento: r r * = +( ) +( ) − 1 1 1 Portanto, a taxa de juros real é aquela que elimina a inflação do juro nominal. Tomemos como exemplo os seguintes valores: r = =9 0 09% , e =2 0 02% , , com os quais a taxa de juros real é: r* , , , ,= +( ) +( ) - = - = 1 0 09 1 0 02 1 1 0686 1 0 0686 Note que a taxa de juros nominal foi de 9%. Como a inflação no perí- odo foi de 2%, o que contribuiu para corroer o poder de compra da moeda, a taxa de juros real foi de 6,86%, inferior ao da taxa nominal. Há casos em que a taxa de juros real pode ser negativa. Sobre isso, Bacha (2004, p. 50) esclarece que “uma taxa de juros real negativa significa um subsídio ao tomador de empréstimo e ocorre uma transferência de renda do agente que concede o crédito ao tomador de crédito”. A taxa de juros é um importante elemento da economia, pois deter- mina os investimentos no país, independentemente do setor econômico: quanto maior for a taxa de juros, menor será o investimento. O agronegó- cio, como visto, é o encadeamento de diversos setores da economia, sendo que um deles é necessariamente a agropecuária. Em trabalho sobre o impacto da taxa de juros sobre somente o desem- penho da atividade agropecuária, Barros e Spolador (2004, p. 2) consta- taram que Os resultados mostram que uma política monetária mais restri- tiva, que eleve em 10% a taxa de juros, tem um efeito recessivo sobre a taxa de crescimento do PIB da agropecuária de cerca de 54%. Esse efeito se manifesta tanto pelo maior custo na obtenção Fundamentos do Agronegócio – 50 – de crédito para financiar a produção, como no custo de oportuni- dade dos investimentos no setor representado por maiores retornos financeiros alternativos em outras atividades. Além disso, juros altos reduzem o emprego e renda do país, contraindo o consumo doméstico de produtos agropecuários. Pode-se concluir, portanto, que as altas de juros são responsáveis por boa parte do desempenho irregular do agronegócio na década passada. Além disso, embora o setor agrícola venha, nos últimos dois anos, apresentando resul- tados muito superiores ao da economia em geral, em face de uma melhoria de sua lucratividade, um cenário macroeconômico mais favorável, que envolve uma taxa de juros mais baixa, será um fator adicional relevante para a expansão do agronegócio brasileiro. Como qualquer atividade econômica, os ganhos de produtividade são decorrentes de novas formas mais eficientes de produção, que, por sua vez, são introduzidas por meio de investimentos que precisam de taxa de juros adequadas para que o setor produtivo se sinta estimulado a implantá-los. Assim, taxas de juros menores estimulam os investimentos e, consequen- temente, a ampliação e a melhoria de todos os segmentos do agronegócio. 2.3 Política cambial Como vimos no Capítulo 1, o agronegócio tem relações com ativi- dades econômicas de outros países, seja por meio da importação de insu- mos, seja pelas exportações de commodities, como soja ou bens com valor agregado mais elevado, a exemplo de carnes processadas e congeladas. E um dos fatores fundamentais que afetam as importações e as exportações é a taxa de câmbio. Podemos compreender a taxa de câmbio como a taxa de conversão de uma moeda em outra moeda ou como o preço para se obter a moeda estrangeira. Geralmente a taxa de câmbio é representada da seguinte maneira: quantidade de reais/unidade de moeda estrangeira. Se a moeda em questão for o dólar norte-americano, a taxa de câmbio é expressa como R$ 3,00/US$; se for em relação ao euro, a taxa de câmbio é de R$ 4/€; se for em relação à libra, de R$ 5/£; e assim se procede em relação a todas as moedas existentes. A taxa de câmbio pode ser entendida como um preço, ou seja, diz quanto devemos abrir mão de nossa moeda – 51 – Políticas Econômicas que Afetam o Agronegócio para conseguir obter a moeda estrangeira. Vale ressaltar que o Banco Cen- tral6 mantém uma página na internet na qual informa a taxa de câmbio para um grande número de moedas estrangeiras. A política cambial é a regra adotada pela autoridade monetária (Banco Central) para definir o valor da taxa de câmbio. Segundo Tripoli e Prates (2016, p. 118), A política cambial é um dos elementos que mais interfere sobre o comércio entre os países. E essa interferência ocorre justamente pelo fato dela definir os mecanismos que definem o preço ou o valor da taxa de câmbio, que por sua vez, define o preço dos bens domésticos nos mercados estrangeiros (exportações) e o preço dos bens estrangeiros no mercado doméstico (importações). Segundo o Banco Central Brasileiro, a política cambial é o conjunto de ações governamentais diretamente relacionadas ao comportamento do mercado de câmbio, inclusive no que se refere à estabilidade rela- tiva das taxas de câmbio e do equilíbrio no balanço de pagamentos. A política cambial interfere sobre o mercado de câmbio. A diferença entre o mercado de câmbio e o mercado de bens é que o bem transacio- nado pela primeira são moedas estrangeiras. Atualmente também é possí- vel definir taxa de câmbio para criptomoedas. O mercado de câmbio é bastante similar ao mercado de bens, pois também há agentes que ofertam moedas e agentes que demandam moedas. Os exportadores, as empresas internacionais querealizam investimentos domésticos e os turistas estrangeiros, por exemplo, constituem o grupo de agentes econômicos que trazem moedas de outros países: ofertam câmbio ou ofertam divisas. Por outro lado, os importadores, os turistas brasileiros em visita a outros países e as empresas multinacionais que enviam o lucro a suas matrizes são alguns dos muitos agentes econômicos que se caracte- rizam como agentes que demandam divisas. A interação entre os agentes que ofertam divisas e os que deman- dam divisas constituem o mercado de câmbio. E a política cambial define justamente a regra para se estabelecer o preço da moeda estrangeira em termos da moeda doméstica. Há basicamente três tipos de funcionamento do mercado cambial, também chamados regimes cambiais: câmbio livre, bandas cambiais e câmbio fixo. 6 <http://www.bcb.gov.br/pt-br#!/n/TXCAMBIO>. Fundamentos do Agronegócio – 52 – O regime de câmbio livre é aquele que age por conta das próprias for- ças de mercado, da oferta de câmbio e da demanda de câmbio. O governo não interfere no preço determinado pela interação dos agentes; por conta disso, o valor da taxa de câmbio oscila ao longo do tempo. Essa oscilação pode ser uma valorização, também chamada de apreciação, ou uma des- valorização, que também pode ser chamada de depreciação. A figura 2.8, que independe do regime cambial, exibe os mecanismos de alteração do valor da taxa de câmbio. Figura 2.8 – Mecanismos de alteração do valor da taxa de câmbio Desvalorização ou Depreciação Valorização ou Apreciação Valor Inicial R$ 3,00/US$ Valor Final R$ 3,10/US$ Valor Final R$ 2,90/US$ Fonte: elaborada pelo autor. Partindo de um valor inicial em que a taxa de câmbio é expressa em termos de quantidade de reais por unidade de dólar, de R$ 3/US$. Se hou- ver necessidade de mais quantidade da moeda interna (reais) para adquirir uma unidade de dólar, o real perde poder de compra, perde seu valor, e há uma desvalorização, como no caso em que passou para R$ 3,10/US$. Caso haja necessidade de uma quantidade menor de reais para a com- pra de um dólar, o real ganha poder de compra, pois com uma quantidade menor de moeda se compra a mesma quantidade de moeda estrangeira – nesse caso, há valorização da taxa de câmbio. Esse é o caso da situação em que o valor da taxa de câmbio passou de R$ 3/US$ para R$ 2,90/US$. – 53 – Políticas Econômicas que Afetam o Agronegócio Em um regime de câmbio livre, com milhares de agentes ofertando e demandando divisas, os valores da taxa de câmbio oscilam a todo momento, com muitas valorizações e desvalorizações. Em alguns con- textos, e apesar das oscilações, podem apresentar uma trajetória mais consolidada de desvalorização ou de valorização. A figura 2.9 mostra a evolução da taxa de câmbio em relação à moeda norte-americana ao longo do mês de fevereiro de 2018. Figura 2.9 – Valores da taxa de câmbio em relação ao dólar norte-americano em fevereiro de 2018 3,15 3,175 3,2 3,225 3,25 3,275 3,3 3,325 05/02/2018 12/02/2018 19/02/2018 26/02/2018 Fonte: https://economia.uol.com.br/cotacoes/cambio/dolar-comercial-estados-unidos/. No primeiro dia de fevereiro, o valor da taxa estava ligeiramente acima de R$ 3,175/US$. Logo após houve pequena queda, marcando uma valorização da taxa, para, na sequência, apresentar um comportamento de desvalorização, alcançando R$ 3,300/US$ perto do dia 10. Após esse perí- odo, houve ligeira valorização da taxa de câmbio e relativa estabilidade, mesmo diante de algumas oscilações, até o encerramento do mês. Mais importante do que monitorar as oscilações que ocorrem na taxa de câmbio é verificar sua tendência. Se tomarmos como referência a “tra- Fundamentos do Agronegócio – 54 – jetória” mensal da taxa de câmbio, perceberemos uma ligeira desvalori- zação, na medida em que a taxa iniciou o mês com valor de R$ 3,180/ US$ e encerrou com valor de R$ 3,224/US$. Em um regime de câmbio livre, em que as forças de mercado (oferta e demanda) determinam o valor, é uma tarefa árdua antecipar a trajetória da taxa de câmbio. Mesmo diante de tal dificuldade, é possível, com base em elementos teóricos, perceber alguns caminhos. Quem primeiro formulou essa relação do valor da taxa de câmbio com outros elementos da economia foi o filósofo e historiador escocês do século XVIII, David Hume. Segundo a ideia de Hume (TRIPOLI; PRA- TES, 2016), em um regime no qual é permitida a flutuação cambial, seu valor oscilará por conta dos ingressos e das saídas de moeda estrangeira decorrentes das transações que o país realiza com os demais países. A figura 2.10 descreve a trajetória da taxa de câmbio. Figura 2.10 – Ajuste da taxa de câmbio Fonte: elaborada pelo autor. Partindo de uma situação em que o país se defronta com uma taxa de câmbio desvalorizada, o preço dos bens importados se torna caro para – 55 – Políticas Econômicas que Afetam o Agronegócio os residentes e o preço dos bens que o país exporta é baixo para os paí- ses importadores. Isso faz que as exportações aumentem e as importações diminuam, tornando a economia superavitária. Com a economia nessa condição, há o ingresso líquido de moedas estrangeiras, tornando-as mais abundantes, e há aumento do poder de compra da moeda doméstica, ou seja, uma valorização da taxa de câmbio. Portanto, de uma situação em que a taxa de câmbio se encontrava desvalorizada ocorrem alguns ajuntes na economia em que o resultado é justamente o oposto. Vale ressaltarmos que, se a economia se encontrar na condição em que a taxa de câmbio estiver valorizada, haverá ajustes que a tornarão desvalorizada. O regime cambial de câmbio livre é a “permissão” concedida ao mercado pela autoridade monetária para que funcione livremente, sem qualquer tipo de intervenção. No longo prazo, todos os setores podem ter ganhos, embora nem sempre possam no curto prazo. Por exemplo, suponhamos que a economia atravesse uma fase em que a taxa de câmbio esteja valorizada. Como vimos, isso favorece as importações e prejudica as exportações. Diante desse cenário, setores com rentabilidade prove- niente dos mercados internacionais atravessarão um período de fragili- dade financeira, e geralmente o agronegócio se enquadra nessa condição, pois grande parte dos bens do agronegócio é destinada aos mercados inter- nacionais, como Estados Unidos, União Europeia e China. Um segundo tipo de regime é o câmbio fixo, no qual a autoridade mone- tária, de acordo com seus critérios, determina qual é o valor da taxa de câmbio. Isso mostra um grau de elevada intervenção governamental nos assuntos eco- nômicos, já que os mecanismos de oferta e de demanda são inócuos. Embora tal estabilidade possa permitir um cenário de planejamento, pois o valor da taxa é previsível, o governo necessita ter, para algumas situações, um valor considerável de divisas em suas reservas para prevenir ataques especulativos. E o terceiro regime cambial é denominado bandas cambiais, também chamado de regime limitadamente flexível, no qual há a atuação das for- ças de oferta e de demanda em conjunto com ações da autoridade monetá- ria. No regime de bandas cambiais, a autoridade monetária determina dois valores fixos: a banda superior, que é o limite superior, e a banda inferior, Fundamentos do Agronegócio – 56 – constituindo o limite inferior. Dentro desses limites, as forças de oferta e de demanda por divisas atuam, mas, caso o valor da taxa de câmbio ultrapasse os limites, o governo intervém: se o valor da taxa de câmbio ultrapassar a banda superior, o governo vende divisas ao mercado, o que faz que a moeda estrangeira se torne mais abundante e contribua para a queda do valor do câmbio; se o valor da taxa de câmbio for inferior ao da banda inferior, o governo compra divisas. A figura 2.11 representa essa situação com curvas de oferta e de demanda por divisas. O cruzamento dessas curvas determina o equilíbrio, bem como o valor da taxa de câmbio e a quantidade. Caso o valor alcance o limite superior ( ES), a autoridade monetária injeta divisas no mer- cado, gerando a diminuição do valor da taxa de câmbio. Figura 2.11 – Representação do sistema de bandas cambiais Fonte: elaborada pelo autor. Independentemente do regime cambial, é salutar para as atividades do agronegócio que o valor da taxa de câmbio seja desvalorizado. Sobre isso, Bacha (2004, p. 54) esclarece duas razões para que uma valorização prejudique principalmente a agropecuária: Diminui a receita em reais obtidas pelo segmento agrícola expor- tador, subsidiando os importadores, pois esses compram dólares – 57 – Políticas Econômicas que Afetam o Agronegócio com menos reais. Esse é um mecanismo de transferência de renda da agropecuária para outros setores; Reduz o preço em reais de produtos agropecuários estrangeiros importáveis, o que força, via a concorrência, a redução do preço em reais de produtos agropecuários no mercado interno. 2.4 Políticas comerciais As políticas comerciais são as medidas de um país que regulamentam o comércio com os demais países. Segundo Tripoli e Prates (2016, p. 88), As políticas comerciais referem-se às decisões do governo de uma país sobre como comercializar com outros países, ou seja, se isso ocorrerá de forma mais aberta (livre comércio) ou mais fechada (comércio restringido ou bloqueado). A política comercial é um dos assuntos mais controversos no mundo, a ponto de existir uma organização – Organização Mundial do Comércio (OMC) – justa- mente para criar condições de igualdade entre as nações e impedir que alguma delas seja prejudicada. Todos os países adotam alguma medida de política comercial, inde- pendentemente de serem desenvolvidos, em desenvolvimento ou não desenvolvidos. A diferença é que os instrumentos adotados e as regras construídas visam oferecer proteção aos setores econômicos mais sensí- veis (frágeis) ao comércio internacional. E um dos mecanismos mais uti- lizados pelos países são as tarifas de importação. A tarifa nada mais é do que o Imposto de Importação e atua por meio da elevação do preço do bem internacional, dificultando a entrada de bens importados. Há basicamente três tipos de tarifas: 2 ad valorem – valor percentual cobrado sobre o preço do bem: 30% sobre todos os bens eletrônicos, por exemplo; 2 específico – valor monetário que incide sobre unidade, peso ou volume: US$ 25 sobre telefones celulares, por exemplo – é importante ressaltarmos que a tarifa específica independe do preço do produto, pois pode ser de menos de US$ 10 até mais de US$ 1.000; Fundamentos do Agronegócio – 58 – 2 mista – combinação das tarifas ad valorem e específica: US$ 25 por unidade mais 30% sobre o preço, por exemplo. O Brasil pode ser considerado um país relativamente fechado ao comércio internacional, afirmação que pode ser comprovada pelos valo- res médios das tarifas praticadas no País (Tabela 2.1): a média tarifária do Brasil é de 31,4%. Os demais países do Mercosul, por estarem sob a mesma regra de política comercial, têm médias tarifárias semelhantes. Sem dúvida há países mais fechados, a exemplo da Bolívia, cuja tarifa foi de 40%, e da Índia, com média de 48,6%. Por outro lado, há paí- ses com média tarifária bastante baixa, como o Canadá, os Estados Unidos e a União Europeia. Tabela 2.1 – Valor tarifário médio para países selecionados País Valor tarifário médio em 2013 (%) África do Sul 19,0 Argentina 31,9 Bolívia 40,0 Brasil 31,4 Canadá 6,8 Chile 25,1 China 10,0 Cuba 21,0 Estados Unidos 3,5 Índia 48,6 Israel 22,4 Japão 4,7 México 36,2 Paraguai 33,5 Peru 29,5 Rússia 7,7 – 59 – Políticas Econômicas que Afetam o Agronegócio País Valor tarifário médio em 2013 (%) Suíça 9,0 União Europeia 5,2 Uruguai 31,5 Fonte: Tripoli e Prates (2016). Muitos países com média tarifária baixa, a exemplo da União Euro- peia, realizam grande discriminação de bens, taxando mais produtos do agronegócio. Como o Brasil é um grande exportador de bens do agronegó- cio, as empresas desse setor devem se atentar para as políticas comerciais dos países importadores dos bens brasileiros. Como destacam Conceição e Conceição (2014, p. 15), Em resumo, houve, durante a década de 1990, um crescimento positivo no saldo da balança comercial agrícola brasileira, resul- tado principalmente da abertura comercial ocorrida no período. No entanto, é importante destacar que esta maior abertura da política comercial brasileira foi fruto de um processo de libe- ralização em escala mundial. Se, nas décadas de 1970 e 1980, a política comercial brasileira se fechava aos fluxos de comércio internacional, acontecia o mesmo com a maioria dos países, prin- cipalmente os desenvolvidos. O que diferenciou basicamente as políticas comerciais foi o grau de proteção aos setores internos, muito maior nos países mais desenvolvidos, o que se transformou em mais um empecilho para a inserção da agricultura brasileira no mercado internacional. Saiba mais Custo do crédito agrícola supera juros básicos, mas oferta pode subir – Mauro Zafalon na Folha de S.Paulo em 1 de fevereiro de 2018. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/colunas/vaivem/2018/02/1954622- custo-do-credito-agricola-supera-juros-basicos-mas-oferta-pode-subir. shtml>. Acesso em: 21 abr. 2018. Fundamentos do Agronegócio – 60 – Atividades 1. Qual é a importância da política fiscal? 2. Por que a elevação da taxa de juros afeta negativamente o agronegócio? 3. Tomando como base uma economia que se encontra em um con- texto de valorização cambial, explique o processo de ajuste para que se torne desvalorizada: 4. O que aconteceria com as exportações brasileiras de bens do agro- negócio se os demais países elevassem sua tarifa de exportação? E o que aconteceria caso houvesse uma desvalorização cambial? 3 Políticas Específicas ao Agronegócio No capítulo 2, foram apresentadas as principais políticas econômicas e analisado como elas interferem sobre o agronegó- cio. No entanto, pelo caráter geral de tais políticas, elas impac- tam todo o ambiente econômico, ou seja, todas as atividades de natureza econômica, estando elas ligadas ou não com o agrone- gócio. A adoção de determinada política cambial, por exemplo, interfere no fluxo de todos os bens que são importados ou expor- tados, independentemente de serem provenientes do agronegó- cio. Farelo de soja, minério de ferro e aviões têm impactos seme- lhantes. A elevação da taxa de juros impacta negativamente sobre o investimento de todas empresas, independentemente do setor, da região, do porte, do número de funcionários e da intensidade tecnológica, por exemplo. Por outro lado, existem medidas de política econômica que são específicas para a agropecuária, mas que acabam tendo impactos em demais setores do agronegócio. A política de pre- ços mínimos, por exemplo, garante margem de rentabilidade ao produtor rural, e isso pode impactar nos ganhos financeiros de setores a montante. Fundamentos do Agronegócio – 62 – Nesse capítulo, analisamos em detalhes quais são essas medidas de política econômica específicas, quais suas naturezas, seus mecanismos e igualmente suas consequências. A adoção de tais políticas pode ser jus- tificada por várias razões. Primeiramente pelo fato dos produtores rurais serem bastante heterogêneos, pois os bens produzidos são muito distintos, o tamanho da propriedade rural, o nível tecnológico, o destino da produção etc.; dessa forma, alguns produtos agropecuários, por serem considerados essenciais, necessitam de apoio específico. Em segundo, por pressões polí- ticas advindas de entidades de classes ou de grupos políticos com inte- resses no agronegócio. Um terceiro aspecto está ligado à uma atividade essencial, pois ela “suporta”, por meio da produção de alimentos, outras atividades econômicas. E uma quarta razão está relacionada com interesses do governo em ocupar ou desenvolver determinadas regiões do país. 3.1 O Acordo de Taubaté – a primeira grande política à agropecuária A principal atividade econômicado Brasil entre o final do século XIX e início do século XX foi a cafeicultura. Essa atividade foi importante por várias razões: 2 por ter colocado novamente o Brasil dentro das relações econô- micas mundiais; 2 pelo fato do café ter gerado os recursos financeiros e não finan- ceiros necessários para a industrialização; 2 por ter gerado um mercado de consumo no Brasil, decorrente da implantação e da consolidação da mão de obra assalariada; 2 por ter sido a causa imediata da imigração, contribuindo à diver- sidade étnica e cultural do Brasil; 2 por ter sido a razão da expansão ferroviária, principalmente no estado de São Paulo, possibilitando a integração entre cidades e regiões. Embora existissem no mesmo período outras atividades agropecuá- rias, como o algodão, a cana-de-açúcar, a erva-mate, o cacau e a borracha, – 63 – Políticas Específicas ao Agronegócio por exemplo, todas essas atividades não tiveram o dinamismo nem o pro- tagonismo da atividade cafeeira. A tabela 3.1 mostra o crescimento das exportações de café a partir da segunda metade do século XIX e início do século XX. Tabela 3.1 – Exportações brasileiras de café entre 1851 até 1905 (mil sacas de 60 kg de café) Períodos Exportações Crescimento (%) 1851-1860 2.615 1861-1870 2.859 9,3 1871-1880 3.586 25,4 1881-1890 4.621 28,9 1891-1900 7.043 52,4 1901-1905 11.784 63,3 Fonte: adaptada de Ribeiro (2011). A produção do café era predominantemente destinada aos merca- dos internacionais, principalmente aos norte-americano e europeus. Pelo fato de a bebida ser um estimulante, contribuia para que os trabalhadores pudessem suportar as longas jornadas de trabalhos nas grandes indústrias que estavam se estabelecendo. Isso fez com que o produto se consolidasse nos mercados de tais países. A exportação também contou com o avanço do comércio internacional, principalmente pela introdução de navios a vapor, que tornaram as rotas mais rápidas e também mais baratas. A expansão da demanda além da oferta contribuiu, num primeiro momento, para a elevação do preço do café. Essa elevação do preço refletiu no aumento da oferta. O grande problema era que a ampliação da oferta foi além da demanda, problema este agravado nos primeiros anos do século XX. A produção de café no Brasil teve uma expansão tão grande que o país se tornou o principal produtor no mundo, produzindo cerca de 75% de toda a produção mundial. Conforme ressalta Bacha (2004), as desvalorizações suscessivas da taxa de câmbio distorciam os preços domésticos do café. Isso criou uma espécie de ilusão aos cafeicultores que, mesmo diante de uma cenário Fundamentos do Agronegócio – 64 – pouco favorável, continuavam a expandir as fazendas de produção. Esse grande crescimento da atividade teve graves consequências nos primeiros anos do século XX. Conforme ressalta Vignoli (2003, p. 127), A superprodução de café que se delineava no ano de 1901, em 1906 era uma realidade: a produção saltara de 16,14 milhões para mais de 20 milhões de sacas. O aumento do volume dos estoques, já que o consumo pouco crescera, exercia uma pressão sobre os preços, o que provocava uma perda de renda para os setoers liga- dos ao café. Desde logo ficava claro à elite cafeeira a necessidade uma política que defendesse o setor da queda de preços. Essa polí- tica, chamada de valorização, foi consubstanciada no Convênio de Taubaté, realizado em 1906. Como havia uma diferença entre a oferta e demanda, sendo aquela superior a esta, no Convênio de Taubaté, realizado na cidade que denomi- nou o convênio, em 1906, ficou acordado que os governos dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais comprariam os excedentes por meio da caixa de conversão (uma espécie de banco). Assim, pelo menos temporariamente, haveria o equilíbrio entre a oferta e a demanda de café. Os recursos para a aquisição do excedente seriam obtidos por meio de empréstimo proveniente de credores internacionais. O pagamento dos juros seria realizado pela implementação de um imposto cobrado sobre cada saca de café exportada. E o governo deveria elaborar medidas visando desencorajar a expan- são da atividade cafeeira. Caso contrário esse problema se prolongaria. Sobre os resultados do acordo, Bacha (2004, p. 116) diz que “os resultados dessa primeira medida de valorização foram: preços altos para o café, ganhos de receita cambial para o país e um lucro de 10 milhões de libras esterlinas para a caixa de conversão. Os altos preços internacionais do café motiravam a ampliação do plantio de cafeeiros em outros países e dentro do Brasil”. Dos três pontos principais estabelecidos pelo Convênio de Taubaté, apenas o controle da expansão da atividade não foi efetivamente imple- mentado. Essa falha propriciou o aumento da área da cafeicultura, con- tribuindo ainda mais para problemas futuros. Esses problemas foram se agravando até 1929, quando houve a crise mundial, propiciada pela que- – 65 – Políticas Específicas ao Agronegócio bra da bolsa de valores de Nova York. Nesse contexto, o governo federal brasileiro realizou uma intervenção bastante drástica, destruindo por meio da queima, boa parte do excedente de café. A partir da crise dos anos 1930, a cafeicultura deixou de ser a ativi- dade protagonista da economia brasileira, cedendo espaço para a expan- são da indústria. Mas é conveniente ressaltar que a indústria conseguiu se desenvolver justamente por conta da atividade cafeeira. 3.2 A política de garantia de preços mínimos (PGPM) O Convênio de Taubaté visando valorizar o preço do café “inaugu- rou” um procedimento que perdura até o presente, mas que atualmente tem maior abrangência e é instrumentalmente mais ampla. Segundo Bacha (2004, p. 66), “a política de garantia de preços mínimos é um mecanismo específico de política de rendas para a agropecuária, que visa minimizar as flutuações de preços recebidas pelos produtores reais”. A garantia de preços mínimos e, consequentemente, de uma rentabilidade mínima visam dar condições de manutenção da oferta do bem. Além disso, contribui também para a retenção de pessoas no ambiente rural e dificulta a concen- tração fundiária. O atual órgão responsável pela formulação dos preços mínimos é a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que é uma empresa pública criada ainda na década de 1990 e subordinada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Uma vez determinadas as propostas dos preços mínimos, elas são enviadas ao Ministério da Agri- cultura, Pecuária e Abastecimento. A definição do preço mínimo é tomada em conjunto com o Ministério do Planejamento, o Ministério da Fazenda e também o Conselho Monetário Nacional. Todos eles definem os preços mínimos de comercialização referentes aos produtos agrícolas, pecuários e extrativos. Além da PGPM, a Conab também opera a política de Garantia de Preços Mínimos para os Produtos da Sociobiodiversidade (PGPM-Bio), que visa dar condições para as populações rurais relacionadas com o Fundamentos do Agronegócio – 66 – extrativismo sustentável. Segundo Lima, Cardoso Júnior e Lunas (2017, p. 40), a PGPM-Bio é um tipo de subvenção econômica que visa equalizar os preços de alguns produtos extrativos que sejam comercializados com valores inferiores àqueles estipulados pelo Governo Federal. Os produtos da sociobiodiversidade estão presentes em todo o território nacio- nal e são obtidos diretamente dos variados ecossistemas brasilei- ros ou a partir de pequenas benfeitorias artesanais, como é o caso da castanha-do-brasil na região Norte e o da erva-mate na região Sul, e necessitam da criação de mercados ou do fortalecimento dos mercados já existentes. Independentemente de sua destinação (produtos tradicionais da agro- pecuária ou produtos da sociobiodiversidade), a política de preços míni- mos se operacionaliza por meio da intervenção sobre os mecanismos de livre mercado, ou seja, sobre a oferta e demanda. Para compreendermos melhor esse funcionamento, vejamoscomo se opera as forças de oferta e demanda no livre mercado. Começaremos nossa análise por meio do equi- líbrio de mercado, representado pela figura 3.1. Figura 3.1 – Gráfico do equilíbrio de mercado Preço PI EI QI Quantidade Demanda Oferta Fonte: elaborada pelo autor. – 67 – Políticas Específicas ao Agronegócio Um mercado é constituído por agentes que produzem e vendem – oferta – e por agentes que compram e consomem – demanda. Os produto- res, que consistem do lado da oferta, são estimulados a produzirem quando os preços são mais elevados; e os consumidores são estimulados a consu- mirem quando os preços são mais baixos. Esses comportamento podem ser representados pelas curvas de oferta, que é positiva, e demanda, que é negativa. O cruzamento delas forma o Equilíbrio de Mercado (ponto EI). Nesse ponto, ocorre uma “equalização de forças”, ou seja, a quantidade que as empresas desejam vender a determinado nível de preço é igual à quantidade que os consumidores desejam consumir, a esse mesmo nível de preço. Com a condição de equilíbrio alcançada, há a determinação do preço (PI) e da quantidade (QI). Como a produção e o consumo oscilam ao longo do tempo, é natural que o equilíbrio seja dinâmico, ou seja, que ele determine valores distintos tanto para o preço quanto para a quantidade ao longo do tempo. As mudanças no equilíbrio decorrem de um conjunto de fatores que afetam tanto a oferta (custo dos insumos, clima, número de produtores, preço de bens correlacionados) quanto a demanda (preço de bens correlacionados, renda, preferências). Vamos supor que de um período a outro houveram algu- mas condições favoráveis para a ocorrência de uma safra mais produtiva. Isso pode ser por conta da queda do preço dos insumos, por uma nova vari- dade de sementes com maior produtividade ou por condições climáticas adequadas. Esses fatores geram um deslocamento da curva da oferta para a direita, conforme pode ser visualizado na figura 3.2. No período anterior a essa nova safra, o equilíbrio inicial Preço PF PI QFQI Quantidade EI EF Demanda OfertaF OfertaI Figura 3.2 – Expansão na oferta Fonte: elaborada pelo autor. Fundamentos do Agronegócio – 68 – estava no ponto (EI), bem como o preço inicial (PI) e a quantidade inicial (QI). A nova safra, mais produtiva, gerou o descolamento da oferta para a direita, atingindo um novo ponto de equilíbrio – equilíbrio final (EF). Nesse equilíbrio, podemos notar que a safra favorável tornou o preço mais baixo (PF) e a quantidade maior (QF). Pode haver também uma “quebra” de safra. Nesse caso, a oferta se deslocaria para a esquerda, gerando preços mais elevados e quantidades menores. Essa possibilidade pode também ser decorrente do aumentos dos custos de produção ou uma diminuição do número de produtores, tanto de bens da agricultura quanto da pecuária. Como a produção é formada por muitos produtores heterogêneos, não é possível uma coordenação da quantidade a ser plantada. Isso resulta, em vários casos, que uma parcela deles suportarão um nível de preço baixo. Uma safra muito elevada, pode afetar os preços de tal forma que o preço pago aos produtores não cubra os custos da colheita. Esse é o caso de um produtor de erva-mate, conforme retrata a reportagem do jornal Folha de S.Paulo (2017). Desde criança, João Nilson da Silva, 67, planta e colhe erva-mate, planta usada no preparo do chimarrão, bebida símbolo do Rio Grande do Sul, também consumida no Uruguai e na Argentina. Silva cresceu entre os ervais da família, em Venâncio Aires (a 104 km de Porto Alegre). Detentora do título de “capital nacional do chimarrão”, agricultores da cidade estão destruindo os pés de erva- -mate devido à queda do preço pago aos produtores. As ervateiras, empresas que preparam e embalam a erva para a venda, pagam R$ 8 aos agricultores por arroba (15 quilos). Em 2014, o valor da arroba chegou a R$ 18. Cada arroba resulta em sete quilos de erva-mate para venda. Nos supermercados gaúchos, a erva-mate é vendida por R$ 10 o quilo, em média. Em 2013 e 2014, o consumidor pagou cerca de R$ 15 por um quilo do produto. Silva arrancou seis hectares de erva-mate no ano passado. “Foi difícil até decidir arrancar as plantas. Eu me criei cortando erva. Agora não dá mais, o valor pago está muito baixo, meus mús- – 69 – Políticas Específicas ao Agronegócio culos não aguentam mais e não tenho ninguém para me substituir”, desabafa o agricultor. “O grande vilão da história é o preço pago para o produtor”, diz Sandra Wagner, diretora do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Venâncio Aires. De acordo com a diretora, a valorização da arroba gerou uma corrida na produção e agora há excesso de produção, o que desvaloriza o produto. Em 2014, o Rio Grande do Sul colheu 276.232 toneladas de erva- -mate, ante 128.300 toneladas em 1990. Como a planta é colhida, em média, de dois em dois anos, quem correu para plantar no auge agora vê o produto desvalorizado. Além disso, Sandra afirma que, dos R$ 8,00 recebidos pela arroba, os agricultores ficam com apenas R$ 4,50. Isso porque R$ 2,50 são desembolsados para pagar a mão de obra, e R$ 1, o frete. A escassez de mão de obra também dificulta a produção. “Não é uma cultura mecanizada e poucas pessoas fazem.” Se a colheita é manual, para arrancar os ervais, é preciso de ajuda extra. Silva gastou R$ 4.000 para arrancar seus ervais porque pre- cisou alugar maquinário, mas considera o valor menor do que o prejuízo que teria no futuro. A diretora diz que a maioria dos agricultores está substituindo a erva-mate por plantação de aipim, que se adapta bem ao solo da região. Silva, porém, está plantando milho. “Está ficando um milho bonito de ver”, conta o produtor. Como os produtores não têm uma estrutura que possa planejar e coor- denar suas produções, a única informação disponível para tomarem a deci- são de quanto produzir é o preço. No entanto, a decisão de investimento em plantio ou aquisição de animais ocorre em um tempo, muitas vezes, bastante longo. E essa diferença pode agravar ainda mais o problema, pois o preço elevado no momento do investimento, implica o estímulo para uma grande quantidade de produtores aumentarem a produção. Isso fará com que o preço, no momento da colheira ou abate de animais, esteja baixo. Por sua vez, preço baixo no momento do investimento, diminui o número de produtores, gerando uma retração da produção. No momento da safra, a colheita e o abate serão baixos e os preços elevados. A figura 3.3 a seguir exibe esse padrão. Fundamentos do Agronegócio – 70 – Figura 3.3 – Ciclos periódicos de preços e produção Preço Produção t t+1 t+2 t+3 Fonte: adaptada de Bacha (2014). A figura 3.3 mostra a evolução ao longo do tempo da relação entre produção e preço de um bem agropecuário. Para facilitar a exposição, vamos supor que o bem é o milho. E vamos assumir também que não há interferência dos produtores de outros países na determinação do preço doméstico1. No momento t, o produtor toma a decisão com base no preço, sobre qual será a quantidade produzida no momento t + 1. Como o preço no momento t estava elevado, a área plantada também foi grande. No momento da colheita, em t + 1, houve uma grande produção, e essa produ- ção elevada fez com que o preço do bem caísse. Por sua vez, em t + 1, finalizada a colheita, é o momento de decidir novamente sobre a quantidade plantada. Como o preço do milho em t + 1 está baixo, há uma redução da área plantada. Isso gera uma safra menor em t + 2, contribuindo para o aumento do preço em t + 2. Esse ciclo se repete, principalmente em culturas não perenes. No entanto, esse mesmo comportamento pode ser verificado em culturas mais longas, como é o caso da produção de eucalipto. Segundo Rocha, Santos e Soares (2015), “os preços do eucalipto, em São Paulo, apresentaram variação no período estudado, atingindo seu preço máximo em outubro de 2009, sendo ven- 1 Essa suposição, para alguns casos, é bastanteinverossímil, como para a soja, cujo preço é determinado mundialmente pela Bolsa de Chicago nos Estados Unidos. O capítulo 8 trata com mais detalhes dessa questão. – 71 – Políticas Específicas ao Agronegócio dido a R$ 52,00, e seu preço mínimo em janeiro e fevereiro de 2010, quando foi vendido a R$ 25,00 o estéreo2”. Diante dessa oscilação, o governo, por meio da Conab, estabelece o preço mínimo, que é determinado por meio de uma metodologia de custos de produção3. A Conab, para a determinação do custo, adota os custos explícitos e os implícitos, como seguem (Conab): a) custos explícitos, cujos valores podem ser mensurados de forma direta, são determinados de acordo com os preços praticados pelo mercado, admitindo-se que os mesmos representam seus verdadeiros custos de oportunidade social. Situam-se nesta cate- goria os componentes de custo que são desembolsados pelo agri- cultor no decorrer de sua atividade produtiva, tais como insumos (sementes, fertilizantes e agrotóxicos), mão de obra temporária, serviços de máquinas e animais, juros, impostos e outros. b) custos implícitos – não são diretamente desembolsados no pro- cesso de produção, visto que correspondem à remuneração de fatores que já são de propriedade da fazenda, mas não podem deixar de ser considerados, uma vez que se constituem, de fato, em dispêndios. Sua mensuração se dá de maneira indireta, através da imputação de valores que deverão representar o custo de oportunidade de seu uso. Nesta categoria enquadram-se os gastos com depreciação de benfeitorias, instalações, máquinas e implementos agrícolas e remuneração do capital fixo e da terra. A política de preço mínimo está também associada a um preço mais alto, que indica que o bem apresenta escassez no mercado. Quando o preço de mercado é igual ou abaixo do preço mínimo, o governo adquire os bens agrícolas, que passa a fazer parte dos estoques governamentais. Nos períodos em que o preço está elevado, o governo leiloa tais bens. A 2 Estéreo é uma medida de volume destinada à madeiras, e consiste em um metro cúbico de madeira empilhada. O metro cúbico de madeira é também um volume, mas com madei- ra cerrada, o que elimina os espaços. Um estéreo de madeira é menor que um metro cúbico. 3 A metodologia para o custo de produção da Conab pode ser encontrada no seguinte endereço eletrônico: <http://www.conab.gov.br/conabweb/download/safra/metodologia- decustodeproducaoconab.pdf>. Fundamentos do Agronegócio – 72 – figura 3.4 mostra graficamente as situações de mercado quando o governo deve executar a política de preços mínimos e quando ele deve leiloar. Figura 3.4 – Intervenção do governo por meio dos preços mínimos e leilões Preço Q equilíbrio Quantidade Demanda P leilão P equilíbrio P mínimo E Oferta Preço Q equilíbrio Quantidade Demanda P equilíbrio P mínimo E Oferta P leilão Fonte: elaborada pelo autor. O gráfico à esquerda mostra a situação em que o governo adota a política de preços mínimos. O governo não age quando o equilíbrio se encontra entre o preço mínimo (P mínimo) e o preço de leilão (P leilão). Se o preço, por alguma razão, cair abaixo do preço mínimo, o governo realiza as aquisições. A retirada do produto de circulação do mercado o torna escasso e, consequentemente, o seu preço se eleva. Por outro lado, caso o preço de equilíbrio esteja muito elevado (gráfico à direita), acima do que o governo também estabelece, ele leiloa os produtos4. Como há um ingresso de produtos no mercado, eles se tornam mais abundantes e seus preços caem. E caso os produtos permaneçam dentro dos preços mínimo e de leilão, não há razões para que o governo proceda a alguma medida de intervenção. Vale ressaltar que o governo adota a Política de Garantia de Preços Mínimos5 quando há recursos financeiros disponíveis para essa interven- 4 A Conab, em sua página eletrônica, tem uma série de documentos informativos sobre como o leilão é operacionalizado. 5 No período de 2016/2017 e 2017/2018, foram contemplados os seguintes produtos na Política de Garantia de Preços Mínimos: algodão, arroz, caroço de algodão, feijão, juta, mandioca, milho, soja, sorgo, uva, borracha natural, cacau, laranja, leite, café, trigo, acaí, – 73 – Políticas Específicas ao Agronegócio ção. No entanto, já houve momentos em que a política ficou comprome- tida por falta de recursos financeiros, como em alguns anos da década de 1990 e em 2005. 3.3 Política de Seguro Rural A produção agropecuária, como qualquer atividade econômica, está sujeita a risco. E há, basicamente, dois tipos principais de riscos que o setor se defronta. O primeiro está associado com a possibilidade de perdas decorrentes da queda de preços. Para minimizar esse primeiro problema os produtores contam com a Política de Garantia de Preços Mínimos e também com instrumentos financeiros da Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&FBovespa), como hedge e opções6. O segundo tipo se deve às que- das de produtividade e, consequentemente, de produção. Visando dimi- nuir o impacto desse tipo de perda, os produtores se defrontam com o seguro de safra agrícola. As razões para a utilização do seguro agrícola se devem basicamente por problemas relacionados com o clima ou doenças que afetem negati- vamente a produção. Porém, o seguro rural não cobre apenas a atividade agrícola, ele abrange a pecuária, o patrimônio, os produtos e o crédito de comercialização. Além disso, há também o seguro de vida dos produtores. Segundo a Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2018), há três grandes modalidades de seguro rural, conforme segue. I. Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural – PSR Esse programa consiste em garantir ao produtor rural estabilidade de sua renda. Além disso, ao arcar com parte dos custos do seguro rural, o governo possibilita ao produtor maior acesso a esse mecanismo de prote- ção. Segundo o Relatório Estatístico do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural de 2016, o programa apresenta os seguintes objetivos: andiroba, babaçu, baru, buriti, carnaúba, castanha-do-brasil, juçara, macaúba, mangaba, murumuru, pequi, piaçava, pinhão, umbu, 6 Esses instrumentos são detalhados no capítulo 8. Fundamentos do Agronegócio – 74 – 2 “Reduzir o custo de aquisição do seguro (prêmio) pelo produtor; 2 Massificar a utilização do seguro rural no país, aumentando o número de lavouras e hectares amparados; 2 Estabilizar a renda dos produtores rurais, reduzindo a demanda por renegociação e prorrogação de dívidas”. A tabela 3.2 mostra os percentuais de subvenção e limites financeiros adotados em 2016 pelo Programa de Subvenção. Tabela 3.2 – Percentuais de subvenção e limites financeiros adotados em 2016 pelo Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural Modalidade de Seguro Grupos de Atividades Tipo de Cobertura Nível de Cobertura Subvenção (%) Limites Anuais (R$) Agrícola Trigo Multirrisco > 60% 55% R$ 72 mil Grãos Multirrisco 60%-65% 45% Frutas, Olerícolas, Café e Cana- -de-açúcar Riscos Nomeados --- 35% Florestas --- --- 45% R$ 24 mil Pecuário R$ 24 mil Aquícola R$ 24 mil Valor Máximo Subvencionável (CPF/ano) R$ 144 mil Fonte: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (2016). II. Programa de Garantia da Atividade Agropecuária – Proagro O objetido desse programa é exonerar o agricultor beneficiário do crédito rural das obrigações financeiras do crédito rural em situações de perdas de receitas decorrentes de problemas naturais, como danos climáti- cos e doenças. Esse programa se destina igualmente a plantações e criação de animais. – 75 – Políticas Específicas ao Agronegócio Por se tratar dos produtores beneficiários do crédito rural, é apro- priado compreender melhor esse mecanismo de financiamento. De acordo com o capítulo XIII da Lei 8.171 de Janeiro de 1991, o crédito rural é um instrumento financeiro destinado à atividade rural. Os seus objetivos consistem em: 2 estímulo aos investimentosà produção rural, armazenamento, beneficiamento, extrativismo não predatório e instalação de agroindústria; 2 favorecimento do custeio das atividades acima mencionadas; 2 estímulo à adoção de métodos eficientes de produção destinados ao aumento da produtividade; 2 aquisição de terras e sua regularização por parte de pequenos produtores rurais; 2 desenvolvimento de atividades florestais e pesqueiras; 2 apoio ao sistema de pecuária intensivo; 2 apoio da atividade orgânica. O Proagro foi criado em 1973 (Lei 5.969/1973) e sofreu modifica- ções em 1991 (Lei 8.171/1991). Em 1997, por conta da elaboração do Zoneamento Agrícola por Risco Climático, elaborado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, as recomendações do referido zoneamento foram exigidas para o enquadramento dos empreendimentos no Proagro. Uma nova alteração ocorreu em 2004, momento da criação do Proagro Mais, que passou a atender os pequenos produtores vincu- lados ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Fami- liar (Pronaf). Segundo Bacha (2004, p. 77), O Proagro tem duas grandes fases: de sua origem até 13-8-1991 e a partir de 14-8-1991. A primeira fase refere-se ao Proagro Velho e a segunda fase ao Proagro Novo. A primeira fase caracteriza-se Fundamentos do Agronegócio – 76 – por grandes saldos deficitários do Proagro e presença de fraudes. Até meados de 1979, o Proagro só era oferecido como cobertura a operações de crédito agrícolo. Ou seja, era um seguro do cré- tido rural. A partir de 3-9-1979, o Proagro passou a cobrir também as lavouras feitas com recursos próprios do produtor que estavam previstos no contrato de crédito (ou seja, os recursos próprios vin- culados ao crédito). O Proagro é uma espécie de seguro rural, que, segundo o Banco Cen- tral, abrange a cobertura dos seguintes tipos de perdas: 2 seca, exceto em lavouras irrigadas; 2 chuva excessiva, geada ou granizo; 2 variação excessiva de temperatura; 2 ventos fortes ou frios; 2 doença ou praga sem método conhecido e economicamente viável de combate, controle ou profilaxia; 2 decorrentes de suspensão de uso de água decretado pelo Poder Público, desde que o plantio tenha sido feito nos períodos e demais condições indicadas pelo Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC); 2 por ocorrência de seca, desde que seja comprovado o esgota- mento natural dos mananciais utilizados para a irrigação. Nesse caso, o beneficiário deve optar expressamente por essa cobertura na contratação. Esses dois últimos pontos são apenas para as lavouras irrigadas. Por outro lado, o Proagro não cobre: 2 evento ocorrido fora da vigência do amparo do Proagro ou do Proagro Mais; 2 incêndio de lavoura; 2 erosão do solo; – 77 – Políticas Específicas ao Agronegócio 2 plantio realizado fora das condições indicadas pelo Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC) – período de semeadura/ plantio, tipo de solo e cultivares; 2 falta de práticas adequadas de controle de pragas e doenças endêmicas; 2 deficiência nutricional provocada por falta de adubação adequada; 2 uso de tecnologia inadequada; 2 exploração de lavoura há mais de três anos, na mesma área, sem a devida prática de conservação e fertilização do solo; 2 cancro da haste e nematoide de cisto na lavoura de soja implan- tada com variedades consideradas suscetíveis a essas doenças; 2 doenças conhecidas por: “gripe aviária” (Influenza Aviária) e “mal da vaca louca” (Bovine Spongiform Encephalopathy – BSE); 2 em lavouras irrigadas: seca ou estiagem e chuva na fase da colheita ou geada, quando considerados eventos comuns e conhecidos para a época e a região. Qualquer produtor rural, independentemente do porte, da área de atu- ação ou da região pode se beneficiar do Proagro. As cooperativas também podem fazer parte do programa. Para isso o produtor ou a cooperativa deve procurar um agente do Proagro, que são instituições financeiras auto- rizadas a operar o crédito rural. Pelo fato do Proagro ser uma política do Governo Federal, uma par- cela do orçamento da União é alocada no programa. Além dos recursos provenientes da União, o programa conta também com as contribuições dos beneficiários e receitas obtidas com títulos públicos federais. Em relação ao número de beneficiários, no período compreendido pelos anos agrícolas que se extende de 2013 a 2016, o Proagro, indepen- dentemente da modalidade, beneficiou mais de 1,3 milhão de empreen- dimentos, totalizando uma área de quase 20 milhões de hectares. Esses dados podem ser vistos na tabela 3.3. Fundamentos do Agronegócio – 78 – Tabela 3.3 – Número de adesões para o Proagro Tradicional e Proagro Mais Em R$ mil Ano agrícola Proagro Tradicional Quantidade adesões Valor Enqua- drado Área Enqua- drada (ha) Valor Enqua- drado médio 2013-2014 50.411 3.391.730 2.439.961 67,282 2014-2015 50.349 4.209.579 3.066.117 83,608 2015-2016* 43.583 3.861.039 2.403.826 88,590 Total 144.343 11.462.349 7.909.904 79,410 Em R$ mil Ano agrícola Proagro Mais Quantidade adesões Valor Enqua- drado Área Enqua- drada (ha) Valor Enqua- drado médio 2013-2014 421.958 7.719.132 4.001.637 18,294 2014-2015 394.857 8.196.639 4.065.036 20,759 2015-2016* 347.527 9.422.564 3.705.884 27,113 Total 1.164.342 25.338.335 11.772.557 21,762 Em R$ mil Ano agrícola Total = Proagro Tradicional + Proagro Mais Quantidade adesões Valor Enqua- drado Área Enqua- drada (ha) Valor Enqua- drado médio 2013-2014 472.369 11.110.862 6.441.599 23,522 2014-2015 445.206 12.406.219 7.131.153 27,866 2015-2016* 391.110 13.283.603 6.109.709 33,964 Total 1.308.685 36.800.684 19.682.461 28,120 Participação por Valor % Proagro Tradicional Proagro Mais 30,53 69,47 33,93 66,07 29,07 70,93 31,15 68,85 Fonte: Banco Central do Brasil. – 79 – Políticas Específicas ao Agronegócio Em termos de adesões, valor e área, nota-se claramente que o Proagro Mais atende um número maior. Porém, em relação ao valor médio, é o Proagro Tradicional que se destaca, justamente pelo fato de estar em uma categoria em que as propriedade rurais são maiores. Ao longo dos anos agrícolas, é também possível observar que todos os valores médios tiveram aumento, independen- temente da modalista. Por exemplo, o valor médio do Proagro Tradicional sal- tou de 67,2 no ano agrícola 2013/2014 para 88,5 no ano agrícola 2015/2016. Isso representa um aumento de 31,6%. Já em relação ao Proagro Mais, houve aumento, para esse mesmo período, de 48%. E o crescimento total foi de 44%. Isso mostra que, embora a quantidade de adesões tenha caído em ambas as modalidades, há maior comprometimento financeiro com o programa. Uma vez assegurada a adesão ao programa, qualquer dano, total ou parcial, está amparado pelo Proagro. O agente que se defrontou com a perda deve proceder por meio da Comunicação de Perdas, que é a forma- lização do pedido para o ressarcimento. Os dados da tabela 3.4 mostram as comunicações de perdas. Tabela 3.4 – Comunicação de perdas Em R$ mil Ano agrícola Proagro Tradicional Quantidade Valor Enqua-drado Valor enqua- drado médio 2013-2014 7.889 597.641 75,76 2014-2015 8.088 665.468 82,28 2015-2016* 4.326 450.188 104,07 Total 20.303 1.713.297 84,39 Em R$ mil Ano agrícola Proagro Mais Quantidade Valor Enqua-drado Valor enqua- drado médio 2013-2014 54.416 1.177.861 21,65 2014-2015 37.055 940.682 25,39 2015-2016* 18.280 608.060 33,26 Total 109.751 2.726.604 24,84 Fundamentos do Agronegócio – 80 – Em R$ mil Ano agrícola Total = Proagro Tradicional + Proagro Mais Quantidade Valor Enqua-drado Valor enqua- drado médio 2013-2014 62.305 1.775.503 28,50 2014-2015 45.143 1.606.150 35,58 2015-2016* 22.606 1.058.248 46,81 Total 130.054 4.439.900 34,14 Fonte: Banco Central do Brasil. Em relação ao total de perdas, cerca de 130 mil, nota-se que apro- ximadamente 10% das adesões se defrontaram com algum tipo de perda. Quando analisamos a evolução, nota-se que a quantidade de comunicação de perdas da modalidade Mais diminuiuna safra 2014- 2015 em relação a anterior, e houve aumento do número da modalidade Tradicional. Os valores médios tiveram uma elevação para ambas as modalidades, passando de aproximadamente R$ 75mil para R$ 82 mil na modalidade tradicional e de cerca de R$ 21 mil para pouco mais de R$ 25 mil. O relatório do Banco Central aponta que a principal causa de per- das está relacionada com chuvas excessivas. Nota-se claramente que de 2013 até 2016 (para 2016 os dados não cobrem todo o ano) houve dimi- nuição das quantidades de ocorrência. Isso se deve prioritariamente à modalidade Proagro Mais, pois ao programa Tradicional há uma incon- clusão sobre a tendência. Há uma grande concentração de comunicação de pernas nos estados da região Sul, respondendo por praticamente 90% de todas as ocorrências. Nem todos os comunicados de perdas são ressarcidos. O valor pago no ano agrícola 2013/2014 foi de R$ 946 milhões, caindo para R$ 768 milhões no ano agrícola seguinte, conforme pode ser visto na tabela 3.5. Essa diminuição foi também acompanhada pelas quantida- des. Em 2013/2014 foram pagas mais de 55 mil indenizações, caindo para quase 39 mil em 2014/2015. Embora o valor e a quantidade – 81 – Políticas Específicas ao Agronegócio tenham diminuídos, o valor médio cresceu de cerca de R$ 17 mil para R$ 19,8 mil. Tabela 3.5 – Indenizações do Proagro Em R$ mil Ano agrícola Proagro Tradicional Quantidade Valor Valor médio 2013-2014 6.730 262.454 39,00 2014-2015 6.645 269.137 40,50 2015-2016* 1.345 56.987 42,37 Total 14.720 588.578 39,98 Em R$ mil Ano agrícola Proagro Mais Quantidade Valor Valor médio 2013-2014 49.014 684.403 13,96 2014-2015 32.204 499.546 15,51 2015-2016* 8.729 181.565 20,80 Total 89.947 1.365.514 15,18 Em R$ mil Ano agrícola Total = Proagro Tradicional + Proagro Mais Quantidade Valor Valor médio 2013-2014 55.744 946.857 16,99 2014-2015 38.849 768.683 19,79 2015-2016* 10.074 238.552 23,68 Total 104.667 1.954.092 18,67 Fonte: Banco Central do Brasil. A tabela 3.6 mostra, de maneira panorâmica, o desempenho finan- ceiro do Proagro. O principal fator que afeta tal desempenho são os even- tos causadores de perdas, como os de natureza climática. Isso, notada- mente, altera o desempenho de um ano agrícola para outro. Embora os dados apresentem apenas dados relacionados com os três últimos ciclos Fundamentos do Agronegócio – 82 – (sendo o último de maneira parcial), nota-se uma pequena melhora do desempenho financeiro do programa. Isso pode ser visto por meio da rela- ção indenização/adesão tanto para a quantidade quanto para o valor. Vale ressaltar que quanto menor tal relação melhor é o desempenho financeiro do programa. Tabela 3.6 – Desempenho financeiro do Proagro Em R$ mil Ano Agrícola Enquadramentos (Adesões) Quantidade adesões Valor enqua- drado Valor enqua- drado médio 2013-2014 472.369 11.110.862 23,52 2014-2015 445.206 12.406.219 27,87 2015-2016* 391.110 13.283.603 33,96 Total 1.308.685 36.800.684 28,12 Em R$ mil Ano Agrícola Coberturas (Indenizações) Quantidade Valor Indeni-zado Valor Indeni- zado médio 2013-2014 62.305 1.775.503 28,50 2014-2015 45.143 1.606.150 35,58 2015-2016* 22.606 1.058.248 46,81 Total 130.054 4.439.900 34,14 Relação Indenização/ Adesão (Quantidade) % Relação Indenização/ Adesão (Valor) % 13,19% 15,98% 10,14% 12,95% 5,78% 7,97% 9,70% 12,30% Fonte: Banco Central do Brasil. – 83 – Políticas Específicas ao Agronegócio Tomando o indicador referente à quantidade, percebe-se que a rela- ção evoluiu de 13,19% no ano agrícola de 2013/2014 para 10,14% no ano seguinte. Já em relação ao valor, a relação saiu de 15,98% no primeiro ano da série para 12,95% no segundo. III . Programa Fundo Garantia Safra O Programa Fundo Garantia Safra é uma iniciativa do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) destinado aos agricultores familiares. Inicialmente o programa foi criado para aten- der os agricultores da Região Nordeste e do norte dos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo. Essa grande região é a mais afetada pelas secas e chuvas extremas. No entanto, a Lei 12.766/2012 autorizou o Poder Executivo Federal a incluir demais agricultores familiares localizados em outros municípios fora da área definida inicialmente. Essa nova legislação assegura que não é qualquer município que pode participar do fundo, mas apenas aqueles que se defrontam sistematicamente com perdas provocadas por estiagem prolongada ou excesso de chuvas. Para que o agricultor possa se enquadrar no fundo, ele deve ter renda de até 1,5 salário mínimo por mês. Além disso, sua propriedade não deve ultrapassar cinco hectares, os quais devem ser cultivados com arroz, fei- jão, milho, mandioca, algodão ou alguma outra cultura propícia de desen- volvimento na região semiárida do Brasil. As contribuições para o fundo envolvem, além do próprio agricultor, todas as esferas de governo da seguinte forma: 2 agricultores familiares: R$ 17,00; 2 municípios: R$ 51,00 por agricultor localizado no município que aderir ao fundo; 2 estados: R$ 102,00, por agricultor localizado no estado que ade- rir ao fundo; 2 União: mínimo de R$ 340,00 por agricultor que aderir ao fundo. Fundamentos do Agronegócio – 84 – Conforme a resolução n. 1, de 22 de Junho de 2017, o valor do bene- fício do Garantia Safra é de R$ 850,00, divididos em cinco parcelas de R$ 170,00. A adesão ao fundo deve ocorrer antes do plantio, que varia entre regiões e igualmente entre culturas. Os últimos dados do programa mostram que no ano de 2014 houve a adesão de 1.173.001 ao programa. Um crescimento de praticamente 20% em relação ao ano anterior, quando o número de adesão foi de 977.552. Conforme pode ser visto na figura 3.5, a adesão ao programa vem cres- cendo nos últimos anos. Figura 3.5 – Quantidade de famílias aderidas e beneficiadas ao Programa Garantia Safra 0 300000 600000 900000 1200000 1500000 2009/10 2010/11 2011/12 2012/13 2013/14 Adesão Agricultores Agricultores pagos Fonte: Secretaria Especial de Agricultura Familiar a do Desenvolvimento Agrário. Em relação aos valores pagos aos agricultores, nota-se que ele apre- senta um comportamento cíclico, ou seja, há anos em que são poucas as unidades agrícolas beneficiadas e há outros anos em que o número é maior. Por exemplo, nota-se também na figura 3.5 que no ano agrícola 2010/2011 houve uma pequena parcela de agricultores que necessitaram receber o benefício. Já no ano seguinte, 2011/2012, praticamente todos os agricultores vinculados receberam. – 85 – Políticas Específicas ao Agronegócio 3.4 Política de pesquisa e extensão agropecuária O desenvolvimento da cadeia de produção do agronegócio está assen- tado em um conjunto muito amplo de organizações que geram conheci- mento, bem como técnicas, variedades e procedimentos relacionados com diversas etapas produtivas. Tais organizações são essencialmente de natureza governamental, podendo ser da esfera Federal, Estadual e, em alguns casos, até Municipal, mas há também aquelas de natureza privada. Todas elas visam prioritariamente transferir conhecimento aos produtores, tornando-os mais qualificados e, consequentemente, mais produtivos e efi- cientes na execução da produção agropecuária. Conforme salienta Bacha (2004, p. 79), “as políticas públicas de pes- quisa e extensão agropecuária surgem de decisões da política fiscal que geram órgãos prestadores de serviços específicos à agropecuária. Desse modo, a dinâmica das pesquisa e extensão agropecuárias públicas é afe- tada pelas decisões dos governos sobre seus gastos com essas atividades”. A criação de organizações de pesquisa relacionada com a agropecuá- ria é relativamente longa. Logo após a vinda da coroa portuguesa ao Bra- sil, em 1808, foi criado o Jardim Botânico no Rio de Janeiro. O objetivo do Jardim Botânico foi realizar experimentos sobre a adaptação de espé- cies exóticas no Brasil. Nas décadas de 1850 e 1860, no período impe- rial, foram criados osImperiais Institutos de Agricultura, inicialmente no Estado da Bahia, seguido por Rio de Janeiro, Pernambuco, Sergipe e Rio Grande do Sul. Mais próximo do fim do século XIX foi criado em Campi- nas (São Paulo) a Imperial Estação Agronômica de Campinas. Szmerecsányi (1990, p. 51), ao considerar a importância das diver- sas atividades realizadas pelos Imperiais Institutos de Agricultura, des- taca as desenvolvidas particularmente pelo Imperial Instituto Flumi- nense de Agricultura: Suas instalações eram utilizadas principalmente para as seguintes atividades: a) produção de mudas e sementes; b) introdução de espécies animais melhoradas; c) testes de máquinas e equipamentos agrícolas, vários dos quais fabricados no próprio local; d) ensaios e experimentos com culturas tradicionais e gramíenas forrageiras; e) ensaios de irrigação; etc. Entre as mais importantes contribui- ções científicas do Instituto Fluminense, pode-se mencionar: 1) a Fundamentos do Agronegócio – 86 – introdução e seleção de novas variedade de cana-de-açúcar; e 2) o melhoramento de pastagens com vistas à utilização de várzeas alagadiças para a bovinocultura. Já no âmbito dos serviços presta- dos aos agriculturoes, destacavam-se a distribuição de sementes e mudas de café, cacau, cana-de-açúcar etc., as quais eram fornecidas não apenas aos fazendeiros do Rio de Janeiro, mas também aos das províncias vizinhas, notadamente as de São Paulo e Minas Gerais. O instituto possuía também um laboratório químico bem montado (para os padrões da época), o qual fazia análise de plantas e solos. Nota-se claramente o comprometimento de tais organizações com o desenvolvimento da atividade agropecuária, essencial, à época, para o desenvolvimento econômico do país, pois, no século XIX e parte signifi- cativa do século XX, a principal atividade econômica do Brasil provinha da agricultura, especialmente aquelas que eram domesticamente produzi- das e exportadas para outros países, a exemplo do café. Atualmente há um conjunto bastante amplo de organizações públicas que realizam pesquisas direcionadas exclusivamente à atividade agrope- cuária. Muitas delas fazem partes de universidades, como a Escola Supe- rior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), que foi criada em 1901 e depois incorporada à Universidade de São Paulo. Ressalta-se que nas pri- meiras décadas do século XX, houve uma grande dominância na pesquisa das organizações localizadas no Estado de São Paulo, incluindo a própria Esalq e o então Instituto Agronômico de Campinas, que foi a denomina- ção da Imperial Estação Agronômica de Campinas, a partir de 1895. Uma importante organização de amplo apoio à agropecuária é a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). A Embrapa foi fundada em 1973 e é vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. O seu objetivo consiste em desenvolver a agricultura e a pecuária adaptada à condição tropical do Brasil. E suas ações são orientadas a produtos, a pro- cessos, a serviços, à metodologias, à práticas agropecuárias e à sistemas. A tabela 3.7 exibe os tipos de produtos e as respectivas quantidades desenvolvi- das pela Embrapa. Nota-se a atenção dispendida para novos cultivares, bem como atividades relacionadas com mapeamento e zoneamento. Tabela 3.7 – Tipos e quantidades de produtos desenvolvidos pela Embrapa Tipo de produto Quantidade Agente de controle biológico 8 – 87 – Políticas Específicas ao Agronegócio Tipo de produto Quantidade Alimento 1 Bebida 4 Cultivar 381 Fertilizantes, corretivo, substrato 2 Inoculante 10 Mapeamento, zoneamento 169 Multimídia 4 Máquina, implemento, equipamento 96 Raça animal, animal, sêmen, embrião 10 Software 68 Vacina 3 Fonte: Embrapa. A tabela 3.8 apresenta os tipos e as quantidades de serviços prestados pela Embrapa. Destacam-se as análises, como a análise da qualidade do leite e o impacto da mecanização da colheita da cana-de-açúcar nas áreas de elevada declividade do Estado de São Paulo, e os treinamentos e capa- citações, a exemplo da capacitação em propagação de fruteiras, ou cultivo e processamento de mandioca. Tabela 3.8 – tipos e quantidade de serviços prestados pela Embrapa Tipos de serviços Número Análise 148 Consultoria 57 Monitoramento 33 Serviço web 75 Treinamento e capacitação 252 Fonte: Embrapa. A tabela 3.9 mostra os tipos de processos e as respectivas quantidades desenvolvidas. Nota-se a predominância do desenvolvimento de proces- Fundamentos do Agronegócio – 88 – sos distinados ao processamento de alimentos. Como exemplo, podemos citar o processo de produção de massas alimentícias frescas e secas com farinhas mistas de milho, sorgo e raspa de mandioca, o sistema para ela- boração de suco de uva integral em pequenos volumes e o processo de produção de nuggets de tilápia enriquecido com fibras e utilizando extrato de bagaço de uva como conservante. Tabela 3.9 – Tipos de processos e quantidades desenvolvidos pela Embrapa Tipo de processos Quantidades Processo para obtenção de aditivo, embalagem, filme comestível 11 Processo para obtenção de agrotóxicos e afins químicos e biológicos 3 Para obtenção de alimento processado 221 Para obtenção de fertilizante, corre- tivo, remineralizador e substrato 1 Para obtenção de inoculante 2 Para obtenção de agentes químicos ou biológicos 4 Para obtenção de planta, animal ou microrganismo 3 Para obtenção de ração ou outro ali- mento para animais 3 Fonte: Embrapa. A Embrapa também desenvolve um conjunto bastante amplo e diver- sificado de práticas agropecuárias. Há, no seu catálogo, o registro de 626 práticas. Cultivo de milho em sistema de plantio direto no Amazonas, em área de pastagem degradada, manejo integrado da cultura do arroz em sis- tema de sequeiro favorecido e boas práticas para a produção da castanha- -do-brasil em florestas naturais da Amazônia são exemplos das práticas agropecuárias desenvolvidas pela Embrapa. – 89 – Políticas Específicas ao Agronegócio A tabela 3.10 mostra os tipos de sistemas desenvolvidos pela Embrapa. O esforço maior é para sistemas de cultivos, tendo sido desen- volvidos 31 sistemas diferentes. Entre esses sistemas, podemos salientar o sistema orgânico para a produção de abacaxi, o sistema de produção da batata, o sistema de produção de mudas, os sistemas modulares para produção de plantas irrigadas com água salobra, o cultivo de oliveira, o sistema de cultivo de arroz orgânico irrigado e o sistema de produção de mudas de citros, por exemplo. Tabela 3.10 – Tipos e quantidades de sistemas desenvolvidos pela Embrapa Tipos de sistema Quantidades Sistema de criação 2 Sistema de cultivo 31 Sistema de produção em consorciação de culturas ou policultivos 8 Sistema de produção em monocultura 1 Sistema de produção em sucessão de culturas 1 Sistema de produção integrada 2 Sistema integrado de produção 7 Fonte: Embrapa. Embora a maior quantidade de atividades desenvolvidas pela Embrapa esteja relacionada com a atividade agropecuária, podemos encontrar tam- bém um conjunto de atividades consideradas “para fora da porteira”, como o desenvolvimento de produtos relacionados com a agroindústria, que está à jusante da atividade rural. E há também atividades à montante, como o desenvolvimento de fertilizantes, corretivos e substratos. Assim, mais do que uma empresa que se dedica ao avanço da atividade da agropecuária, podemos dizer que a Embrapa também avança o conhecimento das várias atividades do agronegócio. Fundamentos do Agronegócio – 90 – Ampliando seus conhecimentos Pobre Brasil Antonio Delfim Netto – Folha de S.Paulo – 24 de janeiro de 2018. A Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) foi gestada em 1971/72 no governo do presidente Emílio Médici, em resposta à necessidade urgente de acelerar a produtivi- dade do setor agrícola. No período 1970/73, o PIB crescera à média de 11,2% ao ano e o setor industrial (então um dos mais sofisticados do mundo emergente), à taxa de 12,6% ao ano. O setoragrícola crescia a pouco mais de 6% ao ano, mas com muita variabilidade. Como consequência, o saldo em conta-corrente com relação ao PIB, que no triênio anterior (1967-69) havia sido da ordem de 1,2%, saltara para um déficit de 2,7% ao ano, um número preocupante. Mais preocupante eram as perspectivas. O então ministro de Finanças da França, Valéry Giscard d’Estaing (um grande amigo do Brasil), havia nos confidenciado que os produ- tores de petróleo organizavam um cartel (a Opep) que elevaria o preço do produto. A situação do Brasil era dramática. A Petro- bras, sob o comando do general Ernesto Geisel, estava estag- nada havia anos na produção de apenas 20% do nosso consumo, o que antecipava um grave endividamento. De fato, no período 1975/79, acumulamos um déficit em conta-corrente médio anual de 4,1% do PIB. Por isso, enfrentamos a crise mundial de 1979 (devido ao ajuste dos EUA) profundamente endividados, mas com o PIB ainda crescendo a 6,8% ao ano. Era mais evidente do que nunca que a restrição externa condi- cionava a possibilidade de crescimento do país. A política eco- nômica em vigor (1967-73) privilegiava as exportações indus- triais (a participação das exportações industriais do Brasil com – 91 – Políticas Específicas ao Agronegócio relação às do mundo crescia 15% ao ano) e era óbvio que preci- sávamos estimular o aumento da produtividade agrícola para atender a demanda interna e a externa. O grande economista Eugênio Gudin insistia que “copiar” a produção industrial era fácil (o mundo estava cheio de exem- plos), mas não havia como “copiar a inexistente agricultura tro- pical” que era nosso destino. A Embrapa nasceu em 1973 para “inventá-la” e foi um formidável sucesso da intervenção estatal bem “focada”. Parece que é muito difícil resistir à lei da entropia. Ela sugere que toda organização esgota sua energia inicial na crescente desor- ganização, o que é agravado, no caso das estatais, pela interfe- rência da política partidária. A resistência à entropia exige uma ampla criação de nova energia, como é o caso, por exemplo, do Banco do Brasil, com sua intensa capacitação interna com recur- sos próprios. Mas quem depende do Orçamento público é, mais dia, menos dia, vítima da “maldição entrópica” que está escon- dida no DNA do Estado. Pobre Brasil… Atividades 1. Sobre o Convênio de Taubaté, analise a seguinte proposição: “o Convênio, a princípio, foi uma medida econômica benéfica ao sistema cafeeiro e à economia brasileira, pois permitiu a remuneração da atividade, bem como a expansão da atividade. Por outro lado, no longo prazo, trouxe sérias complicações, pois ampliou a distância entre a oferta e a demanda mundiais pela bebida”. Julgue a veracidade da proposição, justificando a sua resposta. 2. Com base na figura 3.3, avalie e argumente se o preço do bem é um bom sinalizador para os agricultores tomarem decisões a respeito da quantidade a ser produzida. Fundamentos do Agronegócio – 92 – 3. Explique as diferenças entre o Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural e o Programa de Garantia da Ativi- dade Agropecuária. 4. Descreva a importância da atividade de pesquisa e extensão desenvolvida pela Embrapa. 4 Panorama das Principais Cadeias Produtivas do Agronegócio no Brasil Dada a dimensão territorial do Brasil, bem como sua posi- ção geográfica no globo, o país é qualificado como de grande potencial para o agronegócio. De fato, o Brasil é um dos maiores produtores do agronegócio do mundo. Além disso, produz uma quantidade imensa de varidades tanto nativas quanto exóticas. Contudo, para a produção agropecuária chegar à mesa dos consumidores, ela passa por várias etapas econômicas, envol- vendo transportes, processamento e transformação, por exem- plo. São atividades que geram empregos, renda, investimentos e lucro. Dessa forma, no presente capítulo, estudaremos algumas das principais cadeias produtivas do agronegócio brasileiro, incluindo a da soja, do milho, dos bens florestais e cadeia sucroal- cooleira. Compreender essas cadeias possibilita compreender de maneira mais apurada o seu funcionamento e possibilita também ter uma visão geral do funcionamento do agronegócio. Fundamentos do Agronegócio – 94 – 4.1 Cadeia da soja A primeira planta de soja introduzida no Brasil que se tem documen- tado chegou em 1882, ao Estado da Bahia. Ela fora trazida dos Estados Unidos e não se adaptou às condições naturais em uma região de baixa latitute. Alguns anos depois, em 1891, novas variedades foram novamente trazidas para o estado de São Paulo, onde conseguiu relativa produção. Em 1900, a soja foi plantada no Rio Grande do Sul, o estado com maior similaridade climática com o sul dos Estados Unidos, onde se adaptou melhor. Mesmo assim, até os anos de 1960 foi considerada uma cultura insignificante, voltada para a alimentação bovina e suína. Ao longo da década de 1950, o Governo Federal lançou um pro- grama para aumentar a produção de trigo, e a soja foi também beneficiada, pois ela intercalava, durante o verão, a produção de trigo que ocorria no inverno. Nos anos 1960, iniciou uma significativa expansão da cultura, alcançando quase 1 milhão de hectares. Os estados da região Sul do Bra- sil e o estado de São Paulo detinham 99,5% da produção e, na década de 1970, a soja já se destacava entre as maiores culturas do Brasil. Os elevados lucros provenientes da soja tiveram impacto bastante significativo sobre o preço da terra. Dessa forma, muitos produtores da região Sul venderam suas propriedades e adquiriram quandes exten- sões de terras na região Centro-Oeste. Diferentemente do Sul, essas novas terras eram inférteis, e as variedades trazidas não se adapta- ram. É nesse contexto que organizações de pesquisa, em particular a Embrapa, viabilizaram a adaptação da soja no ambiente do Cerrado. Atualmente, a cultura da soja se espalha por todas as regiões do Brasil. A figura 4.1 mostra a distribuição da cultura da soja do Brasil. Inicial- mente percebe-se que ela está presente em todas as regiões do país: Norte, Nordesde, Centro-Oeste, Sudesde e Sul. Em relação aos estados da região Norte, ela não está presente apenas nos estados do Acre e do Amazonas. Na região Nordeste, ela também não está presente nos esta- dos do Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Sergipe. E na região Sudeste não há a presença da soja nos estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo. – 95 – Panorama das Principais Cadeias Produtivas do Agronegócio no Brasil Figura 4.1 – Distribuição da cultura da soja no Brasil Fonte: IBGE (2015). Conforme é também possível observar na figura 1, é na região Cen- tro-Oeste a área de maior concentração da produção, em conjunto com regiões fronteiriças entre o Nordeste, o Norte e o Centro-Oeste. Essa região é denominada Mapitoba, por conta da área que ocupa abrangendo os estados do Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia. A região do Mapitoba é considerada a mais recente fronteira agrícola do país. A cultura da soja atualmente é altamente mecanizada e tecnológica. Para que a mecanização possa ser utilizada de maneira mais intensiva, é necessário que a topografia do terreno seja plana. E essa condição é encon- trada justamente em grande parte da região Centro-Oeste, no bioma do Cer- rado. A figura 4.2 mostra a colheita de soja em fazenda localizada em Tan- gará da Serra, no estado do Mato Grosso. Percebe-se claramente na figura a topografia favorável e a possibilidade do uso intensivo de máquinas. Fundamentos do Agronegócio – 96 – Figura 4.2 – Colheita da soja em Tangará da Serra, Mato Grosso – 2014 Fonte: Fonte: Shutterstock.com/Alf Ribeiro. Para demonstrar o quanto a produção da soja, e também de outras culturas, é tecnológica, muitas fazendas estão utilizando a tecnologia denominada NDVI (Normalized Difference Vegetation Index), que em português significa Índice de Vegetação da Diferença Normalizada. Essa tecnologia analisa as condiçõesda cultura por meio de imagens obti- das por sensores remotos, como fotos aéreas, satélites e, principalmente, drones. Dentre as possibilidades de detecção da tecnologia NDVI estão os efeitos de falta ou excesso de água na cultura, danos provocados pelo ataque de pragas, estimativas da produtividade, determinação de dosa- gens de insumos etc. Uma vez colhida, a soja abastece uma cadeia extremamente ampla de empresas dos mais diversos setores. A figura 4.3 descreve, de maneira esquemática, a cadeia do agronegócio da soja. Obviamente, a cultura da soja demanda insumos, a exemplo de sementes, fertilizantes, defensivos, máquinas e consultorias agronômicas, por exemplo. Ressalta-se que há igualmente a necessidade de serviços logísticos, que transportam todos os bens necessários à área de produção. – 97 – Panorama das Principais Cadeias Produtivas do Agronegócio no Brasil Figura 4.3 – Cadeia do agronegócio da soja Indústria de Insumos • Sementes • Fertilizantes • Defensivos • Máquinas • Outros Produção Agrícola • Regiões tradicionais • Novas regiões (Cerrado) Organizadores • Armazenadores /corretores • Cooperativas • Trading Esmagadores e refinadores • Empresas privadas • Cooperativas Indústria de derivados de óleo Distribuição • Atacado • Varejo • Mercado institucional Mercado externo Indústria de rações Outras Indústrias • Alimentos • Química • Farmacêutica • Etc Indústria de carnes Consumidor final Fonte: adaptado de Lazzarini e Nunes (2000). Uma vez que a soja é plantada e colhida, ela é retirada da área de produção e transportada para outros destinos. No entanto, esse transporte não necessariamente é feito logo após a colheita, pois há várias unidades de produção que detêm armazéns para a estocagem da soja. Essa estoca- gem é realizada para esperar preços mais favoráveis de venda, pois no momento da colheita o preço tende a cair por conta da abundância do bem no mercado. Uma vez que a soja é vendida, ela se destina, basicamente, para a indústria de processamento, como os esmagadores e refinadores, e para o mercado externo. Obviamente há intermediários entre o agricultor e a indústria, como as cooperativas, que também podem atuar como indústria, e os traders, agentes responsáveis pela comercialização da soja nos mer- cados internacionais. Os traders também podem cuidar de todos os aspec- tos relacionados aos trâmites alfandegários, de transporte e de seguros necessários para a exportação. Vale ressaltar que há também várias coo- perativas que atuam igualmente como empresas traders. Não se descarta a possibilidade de compra (importação) da soja proveniente de outros paí- ses, a exemplo do Paraguai, que também detém uma larga produção. Fundamentos do Agronegócio – 98 – Na indústria de processamento, as possibilidades de bens derivados da soja são inúmeros (PAULA; FAVERET FILHO, 1998). Tomemos, por exemplo, a proteína crua derivada da soja, que serve para a fabricação de farinhas e granulados. Um dos usos dessas farinhas e granulados visa ao uso industrial, um segundo uso se destina à produção de alimentos, como ingredientes para padaria (pão branco, pão especial, doces, bolachas, roscas, bolos, pastéis, empadas, etc.), massas alimentícias (macarrão), produtos de carne (linguiça e salsicha), cereais, misturas preparadas (panquecas), bebi- das (substituto do leite), alimentação de bebês, confecções (balas) e alimen- tos dietéticos (sopas, proteínas concentradas e analérgicos). Um segundo uso da proteína crua de soja é a proteína isolada, que pode ser de uso comestível ou uso industrial. Para uso industrial, ela serve como adesivo (revestimento de papel, emulsão de água para tintas), formador de espuma (extintor de incêncio, indústria têxtil e indústria de papel) e fabricação de fibra (lã vegetal e fibra de piaçaba). A tabela 4.1 mostra a quantidade de alimentos industrializados que contém derivados de soja e/ou de milho. E nota-se a presença intensa de derivados tanto da soja quanto do milho nos alimentos. Tabela 4.1 – Exemplo do uso da soja em alimentos derivados da carne Subgrupo de alimentos do Grupo de Carnes, segundo a RDC nº 359/2003 Alimentos dos subgrupos Alimentos com ingredientes derivados de soja e milho % 1 Almôndegas a base de carnes 9 7 77,8 2 Anchovas em conserva 2 1 50,0 3 Apresuntado e Corned Beef 3 2 66,7 4 Atum, sardinha, pescado, mariscos, outros peixes em conserva, com ou sem molhos 28 5 17,9 5 Caviar 3 0 0,0 6 Charque 1 0 0,0 – 99 – Panorama das Principais Cadeias Produtivas do Agronegócio no Brasil Subgrupo de alimentos do Grupo de Carnes, segundo a RDC nº 359/2003 Alimentos dos subgrupos Alimentos com ingredientes derivados de soja e milho % 7 Hambúrguer a base de carnes 25 16 64,0 8 Linguiça, salsicha, todos os tipos 91 47 51,6 9 Kani-kama 3 1 33,3 10 Preparações de carnes tempe- radas, defumadas, cozidas ou não 29 9 31,0 11 Preparações de carnes com farinhas ou empanadas 36 28 77,8 12 Embutidos, fiambre e presunto 87 42 48,3 13 Peito de peru, blanquet 11 11 100,0 14 Patês (presunto, fígado, bacon, etc.) 29 24 82,8 15 Carnes in natura e aves conge-ladas temperadas 139 51 36,7 Total 496 244 49,2 Fonte: http://www.redebrasilatual.com.br/saude/2017/09/industria-omite-presenca-de- transgenicos-em-carnes-e-derivados. Concluída a etapa industrial, o bem derivado da soja é transferido para a distribuição, abrangendo o atacado, o varejo e também o mercado institucional. E o último elo é justamente o consumidor final, o qual pode ser tanto do mercado doméstico quanto dos mercados internacionais. Nota-se a grande quantidade de usos para a soja produzidos pelas indústrias. É por isso que ela é a cultura mais disseminada que há no mundo. Além disso, a sua área de cultivo vem se expandindo continua- mente. A figura 4.4 exibe a expansão da cultura do soja desde 2001, tanto no Brasil quanto no mundo. Fundamentos do Agronegócio – 100 – Figura 4.4 – Evolução das áreas colhidas de soja no Brasil e no mundo (milhões de hectares) 0 35 70 105 140 Área colhida Brasil Área colhida Mundo Relação Fonte: Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura. A linha verde da figura 4.4 exibe o comportamento da área colhida de soja no mundo, e podemos perceber claramente uma expansão. De fato, em 2001, a área colhida de soja no mundo era de aproximadamente 76 milhões de hectares. Nota-se uma expansão contínua até o ano de 2006, quando alcançou pouco mais de 95 milhões de hectares. Em 2007, houve uma retração da área para 90,1 milhões de hectares, e a partir de 2008, houve a recuperação da tendência de crescimento. Em 2016, o último ano da série, a área ocupada pela soja foi de 121 milhões de hectares, o que corresponde a 1,21 milhão de quilômetros quadrados, que é equivalente a todo o território da África do Sul (1,22 milhão km2). A participação do Brasil na produção de soja (linha azul) também vem crescendo continuamente nesses últimos anos. Em 2001, a área colhida de soja era de aproximadamente 14 milhões de hectares. A área se expan- diu continuamente até 2005, atingindo quase 23 milhões de hectares. Nos anos de 2006 e 2007, a atividade se contraiu e retomou a sua expansão a partir de 2008. Em 2014, a área ultrapassou os 30 milhões de hectares e – 101 – Panorama das Principais Cadeias Produtivas do Agronegócio no Brasil em 2016 a área de colheita foi superior a 33 milhões de hectares, equiva- lente às áreas dos estados de São Paulo e de Santa Catarina. Notadamente, a expansão da área da soja brasileira vem crescendo. Em 2001, a área ocupada com soja no Brasil correspondia a 18,2% da área mundial. Embora seja possível constatar algumas oscilações nesses últimos anos, é possível constatar que a área brasileira em relação à área mundial vem se expandindo rapidamente. Em 2016, tal relação já é supe- rior a 27%, ou seja, de toda a área produzindo soja no mundo, mais de um quarto está no Brasil. Como a área ocupada pela sojavem crescendo nos últimos anos, é de se esperar que a produção também cresça. A figura 4.5 mostra a evo- lução da produção de soja no Brasil e no mundo. De fato, nesses 16 anos do século XXI, a produção da soja mundial cresceu 88% (linha verde), saltando de 177 milhões de toneladas para 334 milhões de toneladas. Essa trajetória de crescimento foi ligeiramente afetada em três períodos, em 2007, 2009 e 2012, quando a produção apresentou uma queda. Figura 4.5 – Evolução da produção da soja no Brasil e no mundo (milhões de toneladas) 0 100 200 300 400 Produção Brasil Produção Mundo Relação Brasil/Mundo Fonte: Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura. Fundamentos do Agronegócio – 102 – Nesse mesmo período, a produção da soja no Brasil (linha azul) sal- tou de aproximadamente 38 milhões de toneladas para 96 milhões de tone- ladas. Isso significa um crescimento de 153% na produção, frente a um crescimento de 136% de área colhida. Essa diferença está relacionada com o crescimento da produtividade. Ao longo do período analisado, notam-se anos em que houve uma pequena diminuição da produção, como nos anos de 2004, 2009 e 2012. A relação da produção brasileira com a produção do mundo também vem crescendo, como é possível observar na linha amarela. Em 2001, a relação era de 21% e, em 2016, de 28,7%. Destaca-se o ano de 2015, quando mais de 30% da soja mundial foi proveniente da produção brasileira. Figura 4.6 – Produtividade da soja no Brasil e no Mundo (toneladas por hectares) 0 1 2 3 4 Produtividade Brasil Produtividade Mundo Relação Brasil Mundo Fonte: Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura. A produtividade da soja vem crescendo nesses últimos anos, como pode ser visto na figura 4.6. A produtividade da soja brasileira é superior à média mundial, no entanto observa-se que, no ano de 2005, houve uma ligeira inversão, quando a produtividade média mundial foi superior à bra- sileira. Nos últimos 16 anos, a produtividade brasileira cresceu 7,1%, e a mundial cresceu, para o mesmo período, 19,4%. – 103 – Panorama das Principais Cadeias Produtivas do Agronegócio no Brasil 4.2 Cadeia do milho Em vários aspectos, o milho se assemelha à soja, pois são similares as formas de cultivo, transporte, industrialização e consumo. Essa seme- lhança se assenta também em números, pois o milho e a soja representam mais de 80% da produção de grãos do Brasil1. Por outro lado, vale ressal- tar que grande parte da soja é para abastecer o mercado internacional, já o milho é praticamente uma produção voltada a atender às necessidades do mercado interno, embora recentemente possa ser observado o aumento significativo da exportação de milho. O milho é uma das culturas mais antigas de que se tem relato, pois foi domesticado entre 12.000 e 8.000 a.C. Há evidências arqueológicas do cultivo do milho há 8.700 anos a.C. onde atualmente é o sudoeste do México. Em 6.000 a.C., a cultura do milho chegou no continente sul-ame- ricano, onde se espalhou por várias e vastas regiões. Portanto, é natural que o milho tenha sido plenamente incorporado à alimentação humana e igualmente à alimentação animal. Antes mesmo do início da colonização portuguesa, o milho já era um alimento disseminado entre os povos nati- vos. Como ressalta reportagem publicada pela Esalq (2015, p. 94): No Brasil, o milho era cultivado pelos índios muito antes do desem- barque dos portugueses no sul da Bahia. Sobretudo as tribos tupis e guaranis tinham no cereal o principal ingrediente de sua dieta, em forma de mingau, assado, cozido, na forma do cauim (bebida fermentada) ou ainda como pipoca. A canjica originalmente era uma pasta de milho puro, que depois recebeu o acréscimo de leite, açúcar e canela pelos portugueses, ganhando adaptações, como o mungunzá (nome africano para milho cozido com leite) e o curau, feito com milho mais grosso; a pamonha era um bolo grosso de milho ou arroz, envolvido em folhas de bananeira. Após a che- gada dos portugueses e o início do processo colonial, seu consumo aumentou e novos produtos à base de milho se incorporaram aos hábitos alimentares dos habitantes de todo o território nacional. Por conta de ser uma cultura bastante antiga, é natural supor que ela ocupe todo o território brasileiro. De fato, conforme podemos constatar na figura 4.7, a cultura do milho está presente em praticamente todo o Brasil. 1 A pesquisa Produção Agrícola Municipal realizada pelo IBGE (2008) constatou que 36,4% dos grãos é de milho e 44,7%, de soja. Fundamentos do Agronegócio – 104 – Figura 4.7 – Rendimento da produção do milho no Brasil – 2011 Fonte: panorama.cnpms.embrapa.br. Como a cadeia de produção do milho é bastante semelhante à da soja, é possível também fazer uso da figura 4.3 para compreender as diversas etapas dentro do processo de produção. Inicialmente, a cultura do milho necessita de insumos, os quais alguns são equiparados ao cultivo da soja. A figura 4.7 exibe as grandes áreas produtoras de milho. Elas estão con- centradas na região Sul, principalmente no estado do Paraná; na região sudeste, onde a região a oeste de Minas Gerais se destaca; na região Cen- – 105 – Panorama das Principais Cadeias Produtivas do Agronegócio no Brasil tro-Oeste, notadamente nos extremos leste e oeste de Goiás; e na parte oeste da Bahia. Uma vez tendo a produção realizada, o milho é transportado para a indústria de processamento ou para o mercado externo. Da mesma maneira que a soja, há agentes intermediários, como as cooperativas e os traders. De modo geral, a utilização do milho pode ser sintetizada da seguinte maneira: a) consumo animal (aves de corte, aves de postura, suinocultura, bovinocultura, outros animais); b) consumo humano; c) consumo industrial; d) sementes; e) exportação; f) demais usos. A figura 4.8 mostra a demanda por milho. Inicialmente, podemos perceber que o grande uso do milho é para o consumo de animais, in natura ou rações. Essa parcela corresponde a 53% de todo o estoque de milho. Uma segunda par- cela significativa é desti- nada para uso industrial, que corresponde a 7% do total produzido. Alimen- tos matinais, bebidas e bebidas alcoólicas, mine- ração, substituto de iso- por, colorífico, tecelagem, explosivos, fertilizantes, fundição, molhos, papel, papelão, lixas, papéis abrasivos, sacos de papel multifoliado, antibióticos, enzimas e produtos de fermentação 53% 7% 2%4% 1% 33% Consumo animal Consumo Industrial Consumo humano Demais usos Sementes Exportação Figura 4.8 – Demandas por milho – safra 2017/2018 Fonte: elaborada pelo autor com dados da Abimilho. Fundamentos do Agronegócio – 106 – são algumas aplicações de derivados do milho. A tabela 4.1, apresen- tada anteriormente, também mostra o uso de derivados do milho em produtos a base de carne. O consumo humano e demais usos correspondem, respectivamente, a 2% e a 4% da produção total de milho. Já as exportações são responsáveis por 33% da produção doméstica. Na safra de 2010/2011, o total exportado foi de 9,4 milhões de toneladas, e em 2017/2018, o Brasil exportou 32 milhões de toneladas, o que representa um aumento de 240% – menos de 1% é destinado a sementes. A figura 4.9 mostra a evolução da área colhida de milho no Brasil e no Mundo. Como é possível observar, o Brasil teve uma pequena elevação da área entre os anos de 2001 e 2016. No início no período analisado, a área era de 12,3 milhões de hectares, já em 2016 estava em 14,9 milhões, representando um crescimento de 21,1%. Figura 4.9 – Evolução das áreas colhidas de milho no Brasil e no mundo (milhões de hectares) 0 50 100 150 200 Área Colhida Brasil Área Colhida Mundo Fonte: Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura. – 107 – Panorama das Principais Cadeias Produtivas do Agronegócio no Brasil Já a produção mundial teve uma expansão bem mais acentuada. Em 2001 a área de milho era de 137 milhões de hectares. Em 2016 já alcan-çava praticamente 188 milhões. Esse avanço representa um crescimento de 36,9% apenas nesse período. Por sua vez, a produção brasileira, para esses mesmos anos apresentou crescimento de 52%, como pode ser visu- alizado na figura 4.10. Figura 4.10 – Evolução da produção de milho no Brasil e no mundo (milhões de toneladas) 0 300 600 900 1200 Produção Brasil Produção Mundo Fonte: Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura. Em 2016, a produção brasileira foi de 41,9 milhões de toneladas, e em 2016, chegou a 64,1 milhões. Uma pequena retração em relação aos anos ime- diatamente anteriores, pois em 2015 registrou uma produção de 85 milhões de toneladas. Nesse mesmo período a produção mundial saltou de 615 milhões para 1060 milhões de toneladas, representando um crescimento de 72%. Embora o crescimento da produção de milho não tenha acompanhado o crescimento da produção mundial, o mesmo não aconteceu com a pro- dutividade brasileira, que teve um significativo crescimento nos últimos anos, conforme pode ser visto na figura 4.11. Fundamentos do Agronegócio – 108 – Figura 4.11 – Produtividade de milho no Brasil e no Mundo (toneladas por hectares) 0 1,5 3 4,5 6 Produtividade Brasil Produtividade Mundo Fonte: Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura. Em 2001 a produtividade brasileira era de 3,4 toneladas por hectare, enquanto a média mundial de 4,4 toneladas por hectare. Em 2015 a produ- tividade brasileira alcançou 5,53 toneladas por hectare, a mesma da média mundial. Em 2016 a produtividade brasileira caiu para 4,2 toneladas por hectare enquanto a média mundial se elevou para 5,6 toneladas por hectare. 4.3 Cadeia da madeira Um dos setores mais complexos do agronegócio e de maior abran- gência é o setor florestal. Podemos constatar, por exemplo, que nem todas as pessoas consomem carne ou derivados de soja, mas todas as pessoas, independentemente do local onde residem ou da classe social, consomem produtos madeireiros, seja por meio dos móveis na casa ou do papel do caderno. As possibilidades são inúmeras. É também conveniente relembrar que o primeiro bem explorado no Brasil foi o pau-brasil, que é uma espécie nativa. Portanto, produtos florestais madeireiros e não madeireiros, como frutos, vêm sendo – 109 – Panorama das Principais Cadeias Produtivas do Agronegócio no Brasil explorados, praticamente, desde a chegada dos portugueses no território hoje pertencente ao Brasil. Normalmente, as pessoas imaginam que a madeira é consumida na sua forma mais bruta, como madeira serrada, toras etc., mas atualmente a tecnologia disponível permite utilizar a madeira, principalmente plantada, para outras finalidades. Por exemplo, a lignina, que é produzida a partir da madeira, substitui o estireno, que é derivado do petróleo. A vantagem da lignina, além de ser um recurso renovável, é dez vezes mais resistente que o derivado do petróleo. Um segundo exemplo é o etanol de segunda geração, que pode ser produzido a partir do pó da madeira. Há também as nanofibras, obtidas por meio da quebra das moléculas de celulose em nanocristais, e seu uso se destina a suplementos alimentares, embalagens comestíveis e na indústria automotiva. A figura 4.12 apresenta uma visão panorâmica a respeito da cadeia produtiva florestal, tanto de produtos madeireiros quanto de produtos não madeireiros. Figura 4.12 – Cadeia produtiva florestal Insumos Floresta Plantada Floresta Nativa Produtos Madeireiros Floresta Plantada Floresta Nativa Produtos Não Madeireiros L en h a C ar v ão v e g et al M ad e ir a se rr ad a P ro d . m ad ei ra s ó li d a M a d ei ra p ro c es sa d a In d ú st ri a q u ím ic a In d ú st ri a fa rm a cê u ti ca In d ú st ri a a u to m o b il ís ti ca In d ú st ri a a li m en tí ci a Mercados interno e externo Fo nt e: a da pt ad o de S N IF (2 01 8) . Fundamentos do Agronegócio – 110 – Novamente podemos perceber que o setor demanda insumos, que podem ser tanto específicos ao setor quanto compartilhados com demais setores. Por exemplo, existem equipamentos que são acoplados em trato- res que automaticamente cortam a árvore, retiram galhos e cascas e ainda cortam em toras de tamanho desejável. Esses equipamentos são específi- cos para o setor florestal, e não são utilizados na produção de outros bens. A cadeia produtiva do setor florestal pode ser dividida em duas gran- des áreas: 1. produtos madeireiros – todo o material da árvore que pode ser aproveitada para serrarias, lenha, postes e estacas, ou seja, apro- veita-se o material lenhoso; 2. produtos não madeireiros – todos os elementos da árvore que não sejam provenientes do material lenhoso, como resinas, cipó, óleos e sementes, por exemplo. Tanto setores de produtos madeireiros quanto não madeireiros podem ser proveniente de florestas nativas ou de “florestas plantadas”, ou seja, da silvicultura. As florestas são aquelas que se desenvolveram natural- mente sem a interferência humana. Já a silvicultura é a cultura de espécies arbóreas obedecendo a racionalidades técnicas e econômicas. Existem algumas espécies que são mais utilizadas na silvicultura, como o pinus e principalmente o eucalipto, que pode ser visto na figura 4.13. Figura 4.13 – Silvicultura de eucalipto Fonte: Shutterstock.com/Alf Ribeiro. – 111 – Panorama das Principais Cadeias Produtivas do Agronegócio no Brasil O popular eucalipto é de origem australiana e de demais ilhas da Oceania. Embora cerca de 20 espécies sejam utilizadas economicamente, existem mais de 730 espécies. Por apresentar crescimento rápido e exce- lente capacidade de adaptação, o eucalipto vem sendo extensivamente cul- tivado, seja em pequenas extensões, para atender às necessidades da pro- priedades, seja para fins comerciais, incluindo laminação, serraria, papel e celulose e energia, por exemplo. A maior concentração das plantações de eucalipto está na região Sudeste, com mais de 50% de tudo que é produ- zido no Brasil. E como é possível constatar na figura 4.14, a constituição botânica do eucalipto propicia maior adensamento, tornando o rendimento por hectare bastante elevado. O pinus, por sua vez, é uma planta proveniente predominantemente da América do Norte e de algumas áreas do México, mas são encontra- das espécies também na América do Sul, como é o caso do Chile. No entanto, as cultivadas no Brasil, principalmente nos estados da região Sul, são provenientes dos Estados Unidos. O uso do pinus é similar ao do eucalipto. Uma vez con- cluída a etapa de pro- dução rural, os bens alimentam a cadeia produtiva, conforme pode ser visto na figura 4.14, que apre- senta um detalhamento maior dos produtos e subprodutos derivados da madeira. A quantidade de bens derivados dos pro- dutos florestais é inú- mera, e atende aos mais diversos fins, incluindo Flores Frutos Folhas Mel Semente Óleos • Óleos Essenciais • Corantes naturais para tecido Galhos Biomassa Casca Cavaco Madeira Madeira serrada Resina Lâminas Madeira roliça • Carvão • Energia • Desinfetantes, detergentes e tintas • Aromatizantes e flavorizantes • Compensado • Painéis de Madeira • Celulose Árvore Figura 4.14 – Produtos madeireiros e não madeireiros de base florestal Fonte: adaptado de Ibá (2018). Fundamentos do Agronegócio – 112 – a alimentação. Por exemplo, a celulose é utilizada em sorvetes, caldas, xaropes, sucos e creme de leite. Sua finalidade é melhorar a consistên- cia dos produtos. Ela é também incorporada em queijos ralados visando impedir a absorção de umidade. No setor de medicamento, a celulose pode ser utilizada na elaboração de cápsulas de remédios, já que é ple- namente comestível. Como ressaltado anteriormente, um dos derivados da madeira é o nanocristal de celulose, que, pela alta resistência e baixo peso, vem sendo incorporado em produtos aeronáuticos. Além disso, as pessoas estão consumindo cada vez mais painéisde madeira, a exemplo de MDF (Medium-Density Fiberboard, Placa de fibra de média densidade) e HDF (High Density Fiberboard, placa de fibra de alta densidade), e menos madeira. Isso permite que haja melhor aproveitamento dos produtos flo- restais. Tanto o MDF quando o HDF pertencem ao setor de madeira reconstituída, pois eles são elaborados por meio do pó ou de pequenas partículas de madeira. Mas um dos principais bens produzidos pelo setor são os papéis, como os destinados à embalagens, os papéis especiais, o papel-cartão, o papel de impresa e os papéis sanitários, por exemplo. Em relação ao setor de papéis, o Brasil ocupa a 9a posição do mercado mundial. Em 2014, pro- duziu 10,4 milhões de toneladas, sendo 82% desse valor destinado ao mer- cado interno e o restante (18%) ao mercado externo. A figura 4.15 exibe a localização das empresas produtoras de papel e celulose, e podemos perceber que há uma concentração nas regiões Sul e Sudeste, pois também é nessas regiões que estão concentradas as produções de eucalipto e pinus, conforme salientado anteriormente. – 113 – Panorama das Principais Cadeias Produtivas do Agronegócio no Brasil Figura 4.15 – Localização das empresas produtoras de papel e celulose Fonte: http://www.ipef.br/estatisticas/relatorios/anuario-iba_2015.pdf. A tabela 4.2 mostra dados sobre produção, consumo doméstico e exportação de bens madeireiros em 2014. Podemos observar que cerca de dois terços da produção de celulose é destinada ao mercado externo. Por sua vez, papel, bem de maior valor agregado, pouco é exportado. O mesmo acontece com painéis de madeira reconstituída e madeira serra. Tabela 4.2 – Produção, consumo interno e externo de bens madeireiros (2014) Produto Produção (milhões) Mercado doméstico (%) Exportação (%) Celulose 16,46 ton 36 64 Fundamentos do Agronegócio – 114 – Produto Produção (milhões) Mercado doméstico (%) Exportação (%) Papéis 10,4 ton 82 18 Painéis de madeira reconsti- tuída (MDF/MDP/HDP) 7,98 m3 95 5 Madeira serrada 9,23 m3 87 13 Fonte: Ibá (2015). Um cuidado que deve estar cada vez mais presente em relação aos produtos florestais é a conservação e preservação das florestas, pois elas prestam importante serviço ambientais, como o ciclo da água. Esse tema será melhor explorado no capítulo 8. 4.4 Cadeia sucroalcooleira A cana-de-açúcar foi uma das primeras plantas traziadas ao Brasil. Sua chegada ocorreu em 1532 e inaugurou o ciclo do açúcar, que foi o promeiro ciclo econômico no Brasil, extendendo-se do século XVI ao século XVIII, quando o Brasil era território colonizado por Portugal. O açúcar produzido era destinado aos mercados internacionais. Passado o ciclo do açúcar, vieram outros ciclos econômicos, como o do ouro, em Minas Gerais, e o do café, em São Paulo. Mas nem por isso a cana deixou de ser cultivada e o açúcar de ser produzido. Normalmente, conhecemos poucos produtos derivados da cana-de- -açúcar, como o próprio açúcar, a rapadura, o melado, a aguardente, e o álcool combustível. No entanto, por conta dos processos industriais, há uma grande quantidade de bens produzidos a partir da cana-de-açúcar que podem ser obtidos a partir do bagaço e do melaço, por exemplo. A unidade principal de processamento da cana-de-açúcar é a usina de açúcar, mas há também engenhos de menor porte que produzem aguardente e outros destilados, como o próprio rum. A figura 4.16 mostra onde a atividade está localizada no território brasileiro. É importante observar que a produção da cana-de-açúcar deve estar próxima à usina, pois os custos de transporte aumentam substancial- – 115 – Panorama das Principais Cadeias Produtivas do Agronegócio no Brasil mente o custo de produção e, consequentemente, dos produtos derivados da cana-de-açúcar. Figura 4.16 – Mapa da produção de cana-de-açúcar e das usinas Fonte: http://www.unica.com.br/mapa-da-producao/ Da mesma forma que demais cadeias do agronegócio, o da cana-de- -açúcar necessita de insumos das mais diversas naturezas, como agrícolas, implementos, máquinas e equipamentos, industriais e embalagens, por exemplo. Além disso, necessita igualmente de conhecimento técnico, nor- malmente atendido por engenheiros agrônomos. A produção da cana-de-açúcar ocorre “dentro da porteira” e, uma vez colhida, ela é transferida para a usina, que irá cuidar de todas as etapas de processamento até chegar nos bens desejados, como o álcool ou o açúcar. Fundamentos do Agronegócio – 116 – Uma representação da cadeia produtiva da cana-de-açúcar é apresentada na figura 4.17. Notadamente, os principais bens produzidos a partir da cana-de- -açúcar são o açúcar e o álcool. O açúcar é um bem destinado tanto ao mercado doméstico quanto o internacional, e seu principal concorrente é o açúcar produzido da beterraba. Já o álcool tem finalidade energética e visa substituir os combustíveis derivados do petróleo. Mas há um amplo conjunto de produtos elaborados por meio da cana-de-açúcar que são uti- lizados como matéria-prima de outros setores industriais. Figura 4.17 – Representação da cadeia produtiva da cana-de-açúcar Plantio Colheita Lavagem/ desfibramento Moagem Bagaço Mel Açúcar mascavo Concentração do caldo Melaço • Vinhaça • Álcool Açúcar demerara Açúcar refinado Moagem e secagem FermentaçãoCristalização Rapadura Destilação Álcool Comercialização e exportação Insumos Outros derivados Fonte: adaptado de Sebrae (2008). A figura 4.18 mostra a evolução da área plantada no Brasil e no mundo com cana-de-açúcar. Em 2001, a área cultivada com cana era de 4,95 milhões de hectares. Nesses 16 anos de dados, podemos constatar que ela subiu para 10,22 milhões de hectares em 2016. Nota-se um cres- cimento superior a 100% nesse período. Já o crescimento da área plantada no mundo era de 20,5 milhões de hectares em 2001 e em 2016 subiu para 26,7 milhões, apresentando um crescimento aproximado de 30%. Atual- – 117 – Panorama das Principais Cadeias Produtivas do Agronegócio no Brasil mente, o Brasil é responsável por cerca de 40% de toda a área ocupada pela cana-de açúcar no mundo. E isso é favorecido por vários elementos, entre eles as características topográficas e climáticas. Figura 4.18 – Evolução das áreas colhidas de cana-de-açúcar no Brasil e no mundo (milhões de hectares) 0 7,5 15 22,5 30 Área Colhida Brasil Área Colhida Mundo Fonte: Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura. A figura 4.19 nos mostra o quanto o Brasil e o mundo vêm produ- zindo de cana-de-açúcar. Como a área cultivada está crescendo, é natural que a produção apresente o mesmo comportamento de crescimento. Figura 4.19 – Evolução da produção de cana-de-açúcar no Brasil e no mundo (milhões de toneladas) 0 500 1000 1500 2000 Produção Brasil Produção Mundo Fo nt e: O rg an iz aç ão d as N aç õe s U ni da s pa ra A lim en ta çã o e A gr ic ul tu ra . Fundamentos do Agronegócio – 118 – Em 2001, o Brasil produziu 344 milhões de toneladas, enquanto o mundo produziu 1,25 bilhão de toneladas. Nesse ano, a produção brasi- leira representou cerca de 27% da produção mundial. Em 2016, a produ- ção brasileira alcançou 768 milhões de toneladas e a mundial foi de 1,89 bilhão de toneladas, que significa 40% da produção mundial. Nesse perí- odo, a produção brasileira cresceu aproximadamente 123%, e a produção mundial cresceu cerca de 50%. Em relação à produtividade, podemos observar pela figura 4.20 que, no Brasil, ela era de 70 toneladas por hectare e teve um crescimento, atin- gindo 80 toneladas por hectare em 2009; a partir de 2010, caiu novamente para valores próximos a 2001. Em 2015 e 2016, ela aumento novamente. A média de produtividade no mundo é inferior à do Brasil, no entanto, podemos constatar que ela cresceu até 2007, atingindo cerca de 70 tonela- das por hectare, e se estabilizou. Figura 4.20 – Produtividade da cana-de-açúcar no Brasil e no Mundo (toneladas por hectares) 0 22,5 45 67,5 90 ProdutividadeBrasil Produtividade Mundo Fonte: Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura. – 119 – Panorama das Principais Cadeias Produtivas do Agronegócio no Brasil Ampliando seus conhecimentos Cadeias produtivas Embora o conceito da cadeia produtiva na agricultura esteja bastante difundido, a prática deixa muito a desejar. Uma cadeia produtiva agrícola começa na prancheta de um pesquisador cientifico criando novas tecnologias, e termina na gôndola de um supermercado. E se divide, conforme a clássica visão de Ray Goldberg e sua equipe de Harvard, em 3 capítulos: o que vem antes da porteira das fazendas, o que se passa dentro das fazendas e o depois da porteira. O primeiro – antes da porteira – se caracteriza pelos insumos e serviços indispensáveis à produção rural: a própria pesquisa cien- tífica, a extensão rural, os fertilizantes, defensivos, os corretivos, as sementes, as máquinas e equipamentos, o crédito, o seguro rural... O terceiro – depois da porteira – contém o transporte da produ- ção, sua armazenagem, a industrialização, embalagem, distri- buição e comércio interno ou externo. E ambos dependem intensamente do segundo, que conta com o plantio, os tratos culturais e a colheita, tudo sob gestão vigorosa de recursos gerenciais e humanos, da área comercial, da área ambiental, fiscal, tributária, trabalhista, técnica, mecânica e um sem número de ações que fazem da atividade rural de hoje uma verdadeira industria a céu aberto. A soma das cadeias produtivas é o agronegócio, que, no Brasil, é igual a 29% do PIB, gera 37% de todos os empregos, responde por 36% das nossas exportações e por 92% do saldo da nossa balança comercial. E dele fazem parte os agentes responsáveis pelos fatores já referidos. Fundamentos do Agronegócio – 120 – Mas o centro de tudo é o produtor rural, de qualquer tama- nho, do familiar ao empresarial. Se ele não existisse, para que fabricar tratores, caminhões, adubos, defensivos, colhedoras? Não haveria toda a massa de emprego nestas fábricas, nem nas instituições de pesquisa, nem nos bancos, nem nas fábricas de alimentos, nos supermercados. Para que fabricar geladeiras se não houvesse alimentos? Ou microondas, ou pratos, talheres, copos, fogões? Na verdade, não há cidadão, que não dependa da agricultura, muito mais do que imagina. Não só porque está vivo em razão do que come. Mas por muito mais: calça jeans não existiria sem algodão, camisas e gravatas de seda precisam de plantações de amora, sapatos são de couro, como bolsas, cintos, carteiras, estofamentos, e couro é boi; papel é árvore, assim como móveis, construções, assoalhos e forros; pneus e cabos vêm da borracha; assim como a camisinha que evita a aids; agasalhos de lã vem da ovelha, e assim por diante. Não haveria TV, rádio nem jornal sem anunciantes, assim como empregos de marqueteiros. Que anunciam roupas, sapatos, bebidas, carros (que se movem com etanol e pneus de borracha), moda, alimentos, liquidações de eletrodomésticos, e tudo isso depende da agricultura. Como pode alguém ser contra o agronegócio? Seria como estar contra a própria sobrevivência. Uma cadeia produtiva só é eficiente, seu produto final só será competitivo em termos de preço e qualidade, se a distribuição da renda no seu interior for equilibrada, de modo que todos os elos sejam remunerados adequadamente. Para isto, a renda do agricultor é essencial, e isto não tem acontecido. Uma pena! Porque neste exato momento em que o leitor ter- mina esta leitura, milhares de homens e mulheres espalhados por este imenso sertão brasileiro estão plantando ou colhendo algo para vivermos em paz. Disponível em: <http://eesp.fgv.br/sites/eesp.fgv.br/files/323.pdf>. Acesso em: 24 abr. 2018. – 121 – Panorama das Principais Cadeias Produtivas do Agronegócio no Brasil Atividades 1. Com base na cadeia produtiva da soja, descreva a do milho. 2. Grande parte da produção brasileira é destinada aos mercados internacionais. Por que o mundo está consumindo cada vez mais soja? Justifique sua resposta. 3. Realize uma pesquisa nos mecanismos de busca da internet e descreva cinco bens florestais não madeireiros. 4. Compare as produtividades das culturas de soja, milho e cana- -de-açúcar. 5 Competitividade Internacional dos Produtos do Agronegócio Umas das palavras da moda nos últimos anos é a competi- tividade. A repetição dela no meio acadêmico, governamental, empresarial e jornalístico se tornou uma espécie de mantra, de tal forma que todas as ações devem ser orientadas à competi- tividade. A razão de esse conceito ter se tornado um elemento tão presente decorre da globalização da economia, quando os mercados se tornaram cada vez mais abertos e integrados. Nesse ambiente global, a luta por market share vem se tornando cada vez mais acirrada entre empresas, indústrias e igualmente entre nações. Nesse sentido, o termo competitividade pode ser apli- cado indistintamente a essas três esferas. De modo geral, a ideia de competitividade está relacionada com a capacidade de um agente (empresa, setor ou país) ter sucesso em mercados onde há concorrência. É importante des- tacar o elemento concorrencial, pois há várias situações em que a empresa detém o monopólio do mercado, e nesse tipo de con- texto não faz sentido em falar sobre concorrência e competitivi- dade. A economia brasileira e o agronegócio não estão ilesos do ambiente concorrencial e tampouco da busca por maiores níveis de competitividade. Fundamentos do Agronegócio – 124 – A competitividade vai além do conceito de produtividade, pois este fornece uma métrica da relação entre produtos finais e recursos utilizados. A competitividade surge da comparação com as demais empresas. Nesse sentido, é plausível afirmar que uma empresa competitiva se defronta com elevada produtividade, mas a afirmação contrária não é verdadeira, pois uma empresa pode ser altamente produtiva e não ser competitiva, já que a competitividade é determinada tanto por fatores internos à empresa quanto por fatores externos, a exemplo das condições logísticas, burocrá- ticas e macroeconômicas, por exemplo. De modo a compreender melhor a competitividade do agronegócio brasileiro, este capítulo apresenta, inicialmente, os conceitos de concor- rência dentro do escopo da economia e também de competitividade, na sequência discute um método para calcular a competitividade. Por fim, o capítulo analisa a competitividade de alguns dos principais bens do agro- negócio que são exportados. 5.1 Estruturas de mercado e concorrência Para compreendermos adequadamente o conceito de competitivi- dade, é necessário termos um conhecimento prévio sobre a concorrência; e para compreendermos melhor a concorrência, precisamos nos defrontar com as estruturas de mercado. Comecemos pelo conceito de mercado. Normalmente associa-se ao termo mercado um local onde agentes econômicos realizam trocas envol- vendo ou não a moeda. No entanto, essa ideia de mercado necessita de um local geográfico onde os vendedores encontrem os compradores. As tran- sações realizadas atualmente podem tanto ter uma base geográfica quanto se realizar virtualmente. Nesse sentido, uma ideia mais apropriada de mer- cado é o ambiente em que agentes realizam transações envolvendo ativos1. 1 Ativo é tudo que possui valor. Os ativos se caracterizam pela sua rentabilidade, ou seja, pela sua capacidade de valorização ao longo do tempo, e pela sua liqui- dez, que é sua capacidade de se converter em outro ativo. A moeda, por exemplo, é um ativo de liquidez infinita, pois ela se converte em qualquer outro ativo, mas sua rentabilidade é nula. – 125 – Competitividade Internacional dos Produtos do Agronegócio Esses ativos podem ser tangíveis, como bens (celulares, geladeira, auto- móvel etc.), intangíveis, como os serviços, e também ativos financeiros. Comoexiste uma quantidade muito grande de produtos (bens e servi- ços) há também uma grande quantidade de mercados, pois para cada bem há um mercado. E cada um desses mercados apresenta uma particulari- dade: alguns são globais, outros locais, alguns envolvem valores mone- tários extremamente elevados, outros são praticamente desmonetizados; alguns ocorrem com elevada frequência, outros raramente; alguns mantêm sua característica ao longo de décadas, outros mudam constantemente. Tais particularidades dependem da natureza do produto transacionado. O mercado de telefones celulares (smartphones), por exemplo, está em constante mudança – surgem novos aparelhos com novas característi- cas e novas funcionalidades. Em comparação, o mercado de sal de cozinha é bastante estável, e poucas inovações são introduzidas no produto final, embora seja importante ressaltar que o processo de produção do sal de cozinha pode estar em constante aperfeiçoamento. Para compreender melhor o funcionamento dos mercados, a econo- mia os dividiu em estruturas de acordo com suas características fundamen- tais, levando em consideração o número de produtores, a característica do produto, o grau das barreiras de entrada e a interferência sobre o preço. De acordo com essas características fundamentais, os mercados foram dividi- dos em quatro estruturas básicas: concorrência perfeita, monopólio, oligo- pólio e concorrência monopolista. O quadro 1 mostra as características de cada uma das estruturas. A primeira estrutura é a concorrência perfeita. Podemos inicial- mente perceber que nesse mercado há um grande número de produtores. Sobre isso, dizemos que os produtores são agentes atomizados, pois a quantidade que um produtor isolado produz é extremamente pequena quando se compara com a produção de todos os produtores. A segunda característica é que o bem que todos eles produzem é homogêneo, ou seja, não há como dintinguir um bem produzido por um ou por outro produtor. Portanto, nessa estrutura de mercado não faz sentido o con- ceito de marca. Além disso, não há barreiras para novos produtores entrarem nesse mercado. Isso faz com que o número de produtores se Fundamentos do Agronegócio – 126 – altere ao longo do tempo, dependendo, obviamente, do preço do bem em questão. Por fim, os produtores não conseguem determinar o preço pelo qual desejam vender o seu produto. Eles são considerados tomadores de preço, ou seja, ao preço estabelecido pelo mercado, os produtores conseguem vender toda a sua produção. Várias commodities agrícolas se enquadram nessa estrutura de mercado. Quadro 5.1 – Estruturas de mercado e suas características Concorrência Perfeita Monopólio Oligopólio Concorrência Monopolista Número de produtores Muito grande Único Poucos Grande Caracterís- tica do bem Homogêneo Diferenciado Homogêneo ou diferenciado Levemente diferenciado Barreiras de entrada Nenhuma Muito elevada Elevada Baixa ou nenhuma Interferência sobre o preço Nenhuma Muito alta Elevada Pequena Fonte: adaptado de Passos e Nogami (2003). Embora a concorrência perfeita seja a única estrutura de mercado a ter o nome de concorrência, podemos dizer que não há concorrência entre os produtores, justamente porque eles são agentes atomizados e tomado- res de preço. O que distingue a viabilidade da empresa que está dentro da estrutura de concorrência perfeita é justamente a sua capacidade de pro- duzir com custo abaixo do preço de mercado. Caso ele consiga, terá lucro e se manterá no mercado; caso contrário, defrontar-se-á com prejuízo e sairá do mercado. A segunda estrutura de mercado é o monopólio. Como a própria denominação indica, há apenas uma empresa no mercado. Por conta disso, o produto vendido por ela é único, ou seja, bastante diferenciado dos demais. Além disso, a possibilidade de outras empresas ingressarem nesse mercado é baixa, por conta de elevadas barreiras de entrada. Entre essas barreiras podemos destacar: – 127 – Competitividade Internacional dos Produtos do Agronegócio 2 acesso exclusivo a fontes de matéria-prima; 2 legislação que proíbe outras empresas – patentes e direito autoral; 2 economia de escala2; 2 monopólio estatal. Em razão da empresa monopolista ser a única a ofertar o produto, ela tem possibilidade de cobrar preços mais elevados. Dessa forma, ela consegue ter uma influência muito elevada sobre o preço. Além do mais, é comum que empresas monopolistas que atuam em diferentes locais cobrem preços diferentes. Essa cobrança se baseia na condição de obter o máximo lucro em cada um dos diferentes locais. Já a empresa que está na estrutura de mercado de oligopólio se caracteriza por ter pouca concorrência, ou seja, há poucas empresas con- correndo nesse mercado. O bem produzido pode ser tanto homogêneo, como alumínio, quando diferenciado, a exemplo de aviões de transporte de passageiros. Em ambas as situações, a entrada de novas empresas é difícil, por conta de elevadas barreiras. E a interferência sobre o preço é também elevada. É justamente nessa estrutura de mercado que há maior rivalidade entre as empresas, tornando-as concorrentes agressivas e, às vezes, até mesmo predatória entre si. Por outro lado, pelo fato de haver poucas empresas nesse mercado, é bastante comum a prática de cartel. A cartelização é um processo de acordo entre as empresas de modo a evitar a rivalidade entre elas. Uma forma bastante típica de cartel é a diminuição das quantida- des ofertadas no mercado visando à elevação dos preços. Assim, todas as empresas conseguem obter maiores lucros. Embora a prática de cartel seja relativamente comum, ela é coibida pelos governos, justamente visando preservar o direito do consumidor. 2 Economia de escala implica que os custos unitários são baixos quando a em- presa produz quantidades elevadas. Dessa forma, empresas entrantes tendem a produzir pequenas quantidades, tornando o custo de produção mais elevado, o que dificulta sua permanência no mercado. Fundamentos do Agronegócio – 128 – Finalmente, a quarta estrutura de mercado é a concorrência monopo- lista. Ela recebe essa denominação por ter características da concorrência perfeita e do monopólio. Da mesma forma que a concorrência perfeita, há um grande número de empresas nesse mercado. E como no monopólio, o produto de cada uma delas é levemente diferenciado, o que torna o pro- duto de uma empresa substituto de outra. Por conta dessas duas caracte- rísticas, cada empresa consegue ter uma pequena capacidade de influência sobre o preço. Nessa estrutura, elementos como localização e qualidade do produto, por exemplo, são elementos de grande importância. Cada uma das estruturas aqui mencionadas está relacionada à oferta. Por outro lado, é também conveniente esclarecer algumas estru- turas similares que compõem a demanda. Da mesma forma que há o monopólio, ou seja, uma única empresa responsável pela venda, há tam- bém o monopsônio, que é a situação em que apenas uma empresa com- pra. Se a empresa monopolista deseja vender o seu produto pelo maior preço possível, a empresa em monopsônio deseja adquirir o produto pelo menor preço possível. É também comum a presença de oligopsônio, que são poucas empre- sas que adquirem determinado produto. A lógica é a mesma do monopsô- nio, no entanto, a pressão sobre o preço é um pouco mais fraca. Para tornar a estrutura de mercado mais compreensível, tomemos como exemplo a cadeia da soja. Sabemos que a produção da soja necessita de insumos, como máquinas e equipamentos, fertilizantes e defensivos químicos. E constatamentos que poucas empresas fornecem, por exemplo, tratores. Dessa forma, o setor de tratores está em oligopólio. O mesmo acontece com vários dos demais insumos necessários à produção da soja. A produção da soja, especificamente, conta com um número muito grande de produtores, originando um bem homogêneo, sem barreiras de entrada ou de saída e cujo preço é determinado pelo mercado, ou seja, pela oferta total (demercado) e pela demanda total (de mercado). Dessa forma, os produtores de soja estão em concorrência perfeita. Sequencialmente, após a produção, a soja é transportada da fazenda até a unidade de processamento ou até um porto para a exportação. Caso seja destinada ao processamento para a fabricação de óleo de soja, per- – 129 – Competitividade Internacional dos Produtos do Agronegócio cebe-se que há um número reduzido de empresas desse tipo. Então, os produtores se defrontam com uma estrutura de oligopsônio. Mas vale ressaltar que, mesmo havendo poucas empresas de processamento, elas não têm influência no preço da soja, que é determinado, como salientado anteriormente, pelas forças de mercado. É importante frisar que esse é um caso particular, ou seja, por conta da existência de outras formas de comercialização, a exemplo da exportação. As empresas que processam soja são as mesmas que vendem óleo de soja. Assim, se elas estão na con- dição de oligopsônio na compra, elas se tornam empresas em oligopólio para a venda. Um segundo exemplo é o setor de vinhos. Mesmo no Brasil, onde o consumo de vinho não é elevado quando comparado com outros países ou outros tipos de bebidas, existe uma quantidade muito grande de vinícolas, e todas elas produzem vinhos muito variados. Por conta disso, os preços dos vinhos são tão diferentes entre si. 5.2 Concorrência e competitividade Segundo a teoria econômica, quando há concorrência entre empresas, há um esforço contínuo para que o produto originado seja mais eficiente e igualmente elaborado por processos também mais eficientes. Não somente há um ganho econômico, mas também um ganho social, na medida em que a sociedade se beneficia dos resultados do esforço empresarial. Por- tanto, haver concorrência é um indicativo de que a economia é “saudável”. Podemos entender como concorrência o esforço e a rivalidade que existem entre agentes econômicos visando aumentar as suas vendas, os seus lucros, o controle de parcelas maiores do mercado (market share) e o poder econômico. Tais agentes podem ser empresas, setores e igualmente nações. É também compreensível que esses agentes concorram para ter acesso a recursos, pois o domínio sobre recursos implica custos mais bai- xos e, consequentemente, lucros mais elevados. Particularmente no ambiente empresarial, para haver concorrên- cia é necessário que exista nesse mercado pelo menos duas empre- sas, pois não é possível haver concorrência diante de uma estrutura Fundamentos do Agronegócio – 130 – de mercado de monopólio. Além do mais, é também necessário que a legislação do país tenha medidas que estimulem a concorrência e que punam severamente qualquer tentativa ou ação para burlar a concor- rência, a exemplo de conluios e cartéis entre empresas que operam no mesmo mercado ou tentativas de criar monopólios. Além disso, é tam- bém comum processos de fusão e aquisição, por conta da diminuição do número de empresas, serem alvo de investigações e inquéritos para constatar se tais fusões e aquisições estão enfraquecendo a concorrên- cia empresarial. No Brasil, quem zela pelo ambiente concorrencial é o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão governamental vin- culado ao Ministério da Justiça. Suas atribuições são determinadas pela Lei 12.529/2011. O Cade atua em três funções específicas: 2 preventiva – analisar e posteriormente decidir sobre as fusões, aquisições de controle, incorporações e outros atos de concen- tração econômica entre grandes empresas que possam colocar em risco a livre concorrência; 2 repressiva – investigar, em todo o território nacional, e pos- teriormente julgar cartéis e outras condutas nocivas à livre concorrência; 2 educativa – instruir o público em geral sobre as diversas condu- tas que possam prejudicar a livre concorrência; incentivar e esti- mular estudos e pesquisas acadêmicas sobre o tema, firmando parcerias com universidades, institutos de pesquisa, associações e órgãos do governo; realizar ou apoiar cursos, palestras, semi- nários e eventos relacionados ao assunto; editar publicações, como a Revista de Direito da Concorrência e cartilhas. Nos países desenvolvidos, a concorrência e a legislação que a sus- tenta é mais bem aceita. Em países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, nota-se uma pequena tradição em defesa da concorrência. Essa preferência por privilégios se manifesta por meio de interferências em diversos mecanismos, como interferências políticas e organizacionais, incluindo empresarial, para reverter as decisões do Cade. – 131 – Competitividade Internacional dos Produtos do Agronegócio Em um ambiente econômico onde exista concorrência, as empresas, para se manterem no mercado, necessitam adotar um conjunto de práti- cas que lhes permita ter condições reais para se destacarem positivamente das demais empresas. Empresas que conseguem tal feito são denominadas empresas competitivas. Siudek e Zawojska (2014) afirmam que competitividade é uma pala- vra de origem latina. O termo petere significa procurar, atacar e desejar. Já o termo con representa junto, em conjunto. Portanto, na acepção original, competitividade é a ação de procurar ou desejar junto. No entanto, é usada em diferentes contextos com diversos significados. No contexto econô- mico, esse termo foi introduzido no vocabulário na década de 1970 diante da “batalha” entre empresas americanas e japonesas. Se concorrência apresenta uma compreensão mais precisa, o mesmo não acontece com competitividade. Siudek e Zawojska (2014) também apresentam um conjunto de definições de competitividade. Algumas des- sas definições podem ser vistas no quadro 5.2. Quadro 5.2 – Diferentes definições de competitividade Autor Definição Flekterski (1984) Competitividade é a capacidade de um setor de desenhar e vender seus bens a um preço, a uma qualidade e outras caracte- rísticas que são mais atraentes do que as características paralelas dos produtos ofe- recidos pelos concorrentes. Buckley et al. (1988) A competitividade de uma empresa significa sua capacidade de produzir e vender produ- tos e serviços de qualidade superior e custos mais baixos do que seus concorrentes domés- ticos e internacionais. Competitividade é o desempenho de longo prazo do lucro de uma empresa e sua capacidade de compensar seus funcionários e fornecer retornos superiores aos seus proprietários. Fundamentos do Agronegócio – 132 – Autor Definição Krugman (1990) Se competitividade tem algum significado, é simplesmente outra maneira de expressar produtividade. A habilidade de um país em melhorar seu padrão de vida depende quase que inteiramente da habilidade de aumentar sua produtividade. Competitividade é uma palavra sem significado quando aplicada à economia nacional. Barker, Köhler (1998) A competitividade do país é o grau em que ele pode, sob condições de mercado justas e livres, produzir bens ou serviços que satis- façam o teste dos mercados internacionais, ao mesmo tempo que mantém e expande os lucros reais de sua população a longo prazo. Adamkiewicz-Drwiłło (2002) A competitividade de uma empresa significa adaptar os seus produtos ao mercado e aos requisitos de concorrência, particularmente em termos de gama de produtos, qualidade, preço, bem como canais de vendas e méto- dos de promoção ideais. Altomonte et al. (2012) A competitividade externa ou internacional é a capacidade de trocar os bens e serviços abundantes no país de origem pelos bens e serviços escassos neste país. Fonte: adaptado de Siudek e Zawojska (2014). Pelo quadro 5.2 notamos que, como afirmado anteriormente, a competitividade pode ser um conceito aplicado às empresas, aos seto- res e às nações. E isso pode ser visto, por exemplo, nas definições de Adamkiewicz-Drwiłło (2002), que enfatiza a capacidade de adaptação da empresa. Numa escala mais abrangente, a setorial, Flekterski (1984) destaca que o setor, para ser competitivo, deve oferecer os produtos de maneiramais atrativa que as demais empresas. E Altomonte et al. (2012), – 133 – Competitividade Internacional dos Produtos do Agronegócio salienta que a competividade advém da abundância que a nação tem de determinados produtos. Independentemente do conceito de competitividade, é fundamental compreender as razões que tornam um agente econômico mais competi- tivo do que outro. De acordo com Farina (1999, p. 149), A evolução da participação no mercado é um indicador de resul- tado que tem a vantagem de condensar múltiplos fatores deter- minantes do desempenho. Custos e produtividade são indicado- res de eficiência que explicam em parte a competitividade. No entanto, inovação em produto e processo para atender adequa- damente demandas por atributos específicos de qualidade exigi- dos por consumidores ou clientes também explicam um desem- penho favorável, que se não prescinde de custos e produtividade, podem ser elementos determinantes da preservação e melhoria das participações de mercado. Como bem observa a autora, a competitividade é resultante de várias dimensões, como custos, produtividade e capacidade de inovação. Da mesma forma que há empresas inovadoras, podemos transcender esse conceito aos países. Isso implica que existem países cuja economia favo- rece empresas a inovarem, e isso se deve a um conjunto de elementos, como a presença de mão de obra qualificada, de organizações de pesquisa e de ciência e tecnologia e de baixo custo de capital. Dessa forma, a inova- ção não está atrelada somente à empresa, mas sim a toda a nação, caracte- rizando a inovação sistêmica. No entanto, vale ressaltar que mesmo países considerados inovadores apresentam também empresas com baixo nível de inovação. 5.3 Teorias econômicas relacionadas a competitividade Há várias teorias econômicas que explicam a competitividade. Pode- mos destacar, por exemplo, a desenvolvida pelo economista Schumpeter (1912). Segundo Schumpeter, “a capacidade de criar novas soluções e a predisposição para assumir riscos e a testá-las no mercado sublinham o processo de concorrência e de empreendedorismo. Diferenças no nível de capacidade de inovação e empreendedorismo resultam em diferenças na Fundamentos do Agronegócio – 134 – posição competitiva de qualquer agente econômico” (apud Siudek; Zawo- jska, 2014, p. 95). Porém, há também teorias do comércio internacional que se relacio- nam ao conceito de competitividade. Dessas teorias, destacam-se, entre outras, as de Smith – teoria das vantagens absolutas, de Ricardo – teoria das vantagens comparativas, e a de Hecksher-Ohlin – teoria da dotação relativa dos fatores de produção. Para os propósitos desse capítulo, nos concentraremos nas duas primeiras. Segundo Smith (1996), cada país engajado no livre comércio se beneficia pela especialização da produção do bem que faz com mais eficiência, ou seja, o bem que possui vantagem. Dessa forma, a especia- lização possibilita que cada país exporte o bem (ou conjunto de bens) em que possui vantagem e importa o bem (ou conjunto de bens) em que tem desvantagem. Para compreender melhor essa teoria, vamos analisar por meio de um exemplo numérico. A tabela 5.1 mostra um modelo inspirado na teo- ria desenvolvida por Smith. Nesse modelo há dois países (Inglaterra e Portugal) que produzem dois bens (tecido e vinho), os quais são produzi- dos apenas com o fator trabalho. O número na tabela indica a quantidade de trabalho necessária para produzir os bens em cada país. Por exemplo, Inglaterra gasta 90 horas para produzir uma unidade de tecido (que pode ser um metro quadrado). Tabela 5.1 – Horas necessárias para produzir tecido e vinho na Inglaterra e em Portugal Bens Tecido Vinho Países Inglaterra 90 120 Portugal 100 80 Fonte: Tripoli e Prates (2016). Para compreendermos a análise, devemos verificar qual bem cada país tem vantagem. Começaremos pelo tecido. Por meio da tabela, pode- mos constatar que a Inglaterra utiliza 90 horas para produzir uma unidade de tecido, enquanto Portugal emprega 100 horas. Dessa forma, pelo fato – 135 – Competitividade Internacional dos Produtos do Agronegócio de a Inglaterra utilizar menos horas, podemos constatar que ela é mais eficiente que Portugal. Em relação ao vinho, notamos que Inglaterra usa 120 horas enquanto Portugal emprega 80. Dessa forma, Portugal é mais eficiente que a Inglaterra na produção de vinho. Segundo Smith, se Inglaterra e Portugal puderem comercializar entre si, cada país irá se especializar no bem que possui maior eficiência, isso significa que o país deve deixar de produzir o bem de menor eficiência ou de menor vantagem. Dessa forma, Inglaterra deve interromper a produção de vinho e se especializar na produção de tecido. Por outro lado, Portugal deve concentrar todos seus recursos na produção de vinho. Uma vez que os países se especializaram, eles terão acesso ao outro bem por meio do comércio internacional. A teoria de Smith argumenta que, para haver comércio, cada país deve ter vantagem na produção de um bem. Mas o que aconteceria se o mesmo país tiver vantagem na produção dos dois bens? Em outras pala- vras, o comércio continuaria existindo se o mesmo país fosse mais efi- ciente na produção de ambos os bens? Segundo a teoria de Smith, nesse caso, não há possibilidade de comércio entre os países, pois, como salien- tado anteriormente, cada país de ter alguma vantagem. No entanto, a resposta para essa pergunta é muito mais complexa do que possa parecer, e ela foi bastante importante no desenvolvimento teórico. Embora na concepção de Smith não haveria comércio, David Ricardo, demonstrou que há possibilidade de comércio. Tabela 5.2 – Horas necessárias para produzir tecido e vinho na Inglaterra e em Portugal. Bens Vinho Vinho Países Inglaterra 100 120 Portugal 90 80 Fonte: Tripoli e Prates (2016). A tabela 5.2 é semelhante à tabela 5.1, com a diferença de que agora Portugal tem vantagem na produção de ambos os bens. Notemos que Inglaterra gasta 100 horas na produzir tecido, enquanto Portugal utiliza 90 Fundamentos do Agronegócio – 136 – horas. E a Inglaterra usa 120 horas para produzir vinho, enquanto Portugal necessita de 80 horas. Dessa forma, de fato, Portugal é mais eficiente que a Inglaterra na produção de ambos os bens. Nesse contexto, Smith argumentaria que não há possibilidade de comércio, pois não seria vantajoso para Portugal comercializar com um país menos eficiente. E é justamente para avançar essa concepção que Ricardo construiu a teoria das vantagens comparativas. Para Ricardo, não é o valor absoluto da quantidade de trabalho que importa na determinação da vantagem, mas sim a quantidade relativa, desde que as produtividades relativas sejam diferentes. Determinemos a vantagem do tecido. Para isso, devemos dividir a quantidade de horas necessárias em Portugal pela quantidade de horas empregadas pela Inglaterra. Dessa forma, temos 90/100, que resulta em 0,90. Esse valor representa que Portugal utiliza 90% do tempo que a Ingla- terra utiliza para produzir a mesma quantidade de tecido. Portanto, pode- mos constatar que há uma economia de 10% quando o tecido é produzido por Portugal. Em relação ao vinho, novamente devemos dividir a quantidade de horas empregadas por Portugal pela quantidade de horas da Inglaterra. Assim, 80/120, o que gera 0,66. Esse número mostra que Portugal pro- duz vinho com 66,6% do tempo que seria utilizado quando o vinho fosse produzido em Portugal. Isso resulta em uma economia de aproximada- mente 33,4% Quando realizamos a comparação, podemos constatar que é mais vantajoso Portugal se especializar na produção de vinho, pois ele con- segue ter uma economia ainda maior. Ao deixar a produção de tecidos a cargo da Inglaterra, Portugal pode se beneficiar por meio de ter alcançado maior eficiência em sua economia. Ricardo (1996, p. 136) expressa assim seu pensamento sobre a teoria que formulou: Parece-nos, portanto, que um país que possua vantagens consideráveisem maquinaria e qualificação [do trabalho], e que, por isso mesmo, esteja apto à manufatura de bens com muito menos trabalho que seus vizinhos possa, em troca por tais bens, – 137 – Competitividade Internacional dos Produtos do Agronegócio importar uma parte dos cereais necessários ao seu consumo, mesmo que sua terra seja mais fértil e que os cereais pudessem ser cultivados com a utilização de menos trabalho do que no país do qual ele é importado. 5.4 Vantagem comparativa revelada simétrica A teoria das vantagens comparativas de Ricardo, embora tenha contribuído substancialmente para a compreensão do comércio, não se presta para análises empíricas visando determinar a competitividade. Para contornar esse problema, Balassa (1963) introduziu o conceito de vantagem comparativa revelada, que é justamente uma forma de deter- minar se o país apresenta vantagem comparativa em um determinado bem. A ideia subjacente é comparar a proporção do bem exportado com a exportação mundial, levando em consideração a participação do país nas exportações mundiais. De acordo com Kume e Piani (2005), a vantagem comparativa reve- lada VCR( ) é dada por: VCR X X X X i j ij tj im tm = (1) Em que, VCRij representa o índice de vantagem comparativa revelada do bem i no país j; Xij é o valor das exportações do bem i no país j; Xtj é o valor das exportações totais no país j; Xim é o valor das exportações do bem i por todos os países do mundo; Xtm é o valor das exportações de todos os bens do mundo. Fundamentos do Agronegócio – 138 – Como todos os valores envolvidos na expressão da vantagem compa- rativa revelada são positivos, o resultado será também um valor positivo. Dessa forma, se VCRij for maior que 1, o país j será competitivo em rela- ção ao bem i; se for igual a 1, terá a mesma competitividade que a média dos demais países; e se for entre 0 e 1, não será competitivo. Percebam que quando o país for competitivo, ele poderá ter qualquer número maior que 1. Visando facilitar a análise e igualmente a compara- ção, foi criado o índice de vantagem comparativa revelada simétrica, que assume valores entre –1 e 1. VCRS VCR VCRij ij ij = - + 1 1 (2) Dessa forma, se VCRSij é maior que 0, o país j é competitivo em relação ao bem i; se 0, tem a mesma competitividade dos demais países e se menor que 0 não é competitivo. Para ilustrar o procedimento de cálculo, tomemos os dados das expor- tações brasileiras e mundiais de café no ano de 2011, conforme pode ser visualizado na tabela 5.3. Tabela 5.3 – Diferentes valores das exportações em 2011 Variável Valor (US$ bilhões) Exportação brasileira de café - Xij 8 Exportação mundial de café - Xtj 27,14 Exportações totais do Brasil - Xim 256,04 Exportações totais mundiais - Xtm 17.889,27 Fonte: Tripoli e Prates (2016). – 139 – Competitividade Internacional dos Produtos do Agronegócio Com os dados da tabela 5.3 podemos substituir na expressão 1, que nos gera: VCRij = = 8 27 14 256 04 17 889 27 20 59 , , . , , (3) Substituindo o resultado da expressão 3 na expressão 2, temos: VCRSij = - + = 20 59 1 20 59 1 0 907 , , , (4) Com os resultados do índice de vantagem comparativa revelada simétrica (0,907), podemos dizer que o café teve um elevado índice de competitividade nos mercados internacionais em 2011. Vale ressaltar que o índice varia ao longo do tempo, pois as exportações também variam. Isso decorre de fatores naturais, como o clima, e também de fatores eco- nômicos, a exemplo da taxa de câmbio. Dessa forma, variações do índice ao longo do tempo é um comportamento normal. 5.5 Análise da competitividade internacional dos principais bens do agronegócio A figura 5.1 mostra a competitividade e evolução da competividade de dois dos principais produtos consumidos na alimentação brasileira. Como é possível observar, no período analisado, há baixa competitividade tanto do trigo quanto do arroz. No entanto, ao longo do tempo, podemos perceber que eles vêm aumentando sua competitividade, mesmo assim se comportam na média dos demais países exportadores do produto. Fundamentos do Agronegócio – 140 – Figura 5.1 – Evolução da competitividade do trigo e do arroz (índice de VCRS). -1,125 -0,75 -0,375 0 0,375 Trigo Arroz Fonte: elaborada pelo autor com dados da FAO. Particularmente em relação ao trigo, percebemos que ele, progressi- vamente, mesmo diantes de algumas oscilações, vem ganhando competi- tividade nos mercados internacionais. Uma análise mais pormenorizada mostra que está deixando de ser um bem não competitivo. Nos últimos anos da análise ele se equiparou à competitividade média mundial. Como bem se sabe, tradicionalmente, o país é um grande importador de trigo. Já o arroz tem um comportamento ligeiramente superior ao do trigo, pois apresenta índices positivos de competitividade, chegando a superar 0,25, como nos anos de 2011 e 2012. Em relação ao milho e ao óleo de milho (figura 5,2), podemos perce- ber que, no primeiro ano da análise, ambos apresentavam índice negativo de competitividade (–0,77 para o milho e –0,80 para o óleo de milho), ou seja, a exportações desses bens eram muito inferiores à média mundial. No entanto, a partir de 2001, nota-se uma grande evolução do índice de competitividade de ambos. Logo em 2001, o índice do milho foi para 0,71, mostrando aumento significativo de sua competitividade. Em 2005, per- cebe-se uma queda acentuada de sua competitividade. Essa queda decorre – 141 – Competitividade Internacional dos Produtos do Agronegócio de uma redução da produção, na ordem de 5,51% em relação ao ano de 2004 (IBGE, 2006). Como o milho não é um bem expressivo na pauta de exportação brasileira, ou seja, grande parte é destinada ao consumo interno, essa diminuição da produção impactou nas exportações e, conse- quentemente, no índice de competitividade. Nos anos seguintes, como é possível observar na figura 5.2, o milho se tornou extremamente competi- tivo, alcançando um índice de 0,86 em 2013. Figura 5.2 – Evolução da competitividade do milho e do óleo de milho (índice de VCRS) -0,9 -0,45 0 0,45 0,9 1,35 Milho Óleo de Milho Fonte: elaborada pelo autor com dados da FAO. Um comportamento semelhante aconteceu com o óleo de milho; no entanto, o crescimento de sua competitividade foi mais moderado que o do milho. Em 2000, a competitividade do óleo foi de –0,80, passando para –0,46 em 2001 e –0,04 em 2002. A partir de 2003, o óleo de milho se tor- nou competitivo e com relativa estabilidade, pois podemos observar uma ligeira queda até o ano de 2013. Depois de ter alcançado índice de compe- titividade de 0,49 em 2009, teve um declínio, chegando a 0,25 em 2013. Em relação aos produtos tradicionais derivados do açúcar, como o açúcar refinado e o açúcar de confeiteiro, podemos perceber comporta- mentos distintos, conforme constatado na figura 5.3. Tanto o açúcar bruto Fundamentos do Agronegócio – 142 – (VHP, do Inglês “Very High Polarization” – polarização muito alta – é o açúcar básico para ser transformado em outros tipos, como o refinado) quanto o refinado têm altos índices de competitividade. E mais do que isso, eles são bastante estáveis ao longo do tempo. O índice de competiti- vidade do açúcar bruto, por exemplo, oscilou entre 0,91 e 0,95 no período analisado. Já a competitividade do açúcar refinado é um pouco menor, oscilando entre 0,86 e 0,89. É importante ressaltar que esse comporta- mento é consistente em todo o período analisado, ou seja, os índices de competitividade, embora com pequena variação, são bastante estáveis. Figura 5.3 – Evolução da competitividade do açúcar, açúcar refinado e açúcar de confeiteiro (índice de VCRS) 0 0,25 0,5 0,75 1 1,25 Açúcar bruto Açúcar Refinado Açúcar de Confeiteiro Fonte: elaborada pelo autor com dados da FAO. Já o açúcar de confeiteiro vem perdendo competitividade ao longo do período analisado. No ano de 2000, o índice decompetitividade era de 0,43, alcançando 0,49 em 2001. A partir de 2002, podemos observar uma queda progressiva, alcançando a marca de 0,08 em 2013. Esse valor significa que o bem praticamente perdeu toda sua competitividade, ou seja, que a proporção das exportações brasileiras se equiparou com a média mundial. – 143 – Competitividade Internacional dos Produtos do Agronegócio Em relação ao complexo da soja, que é constituído pela própria soja, pelo óleo de soja e pelo farelo de soja, podemos notar que no período ana- lisado, em seu conjunto, perderam competitividade, embora todos apre- sentem elevados índices. Na figura 5.4 podemos perceber que a soja apre- sentou uma pequena tendência de queda, porém, no último ano da série, sua competitividade alcançou o mesmo nível dos anos iniciais, índice pró- ximo de 0,93. Figura 5.4 – Evolução da competitividade do complexo da soja (índice de VCRS) 0,8 0,85 0,9 0,95 Soja Óleo de Soja Farelo de Soja Fonte: elaborada pelo autor com dados da FAO. O farelo de soja apresenta uma tendência mais acentuada de queda de competitividade. Nos seis primeiros anos (2000 a 2005), o índice de competitividade do farelo esteve acima de 0,9. Nos anos seguintes foi pro- gressivamente perdendo competitividade até alcançar, em 2013, o índice de 0,88. Não é uma queda expressiva, mas mostra uma trajetória. Em relação ao complexo da soja, o caso mais grave é o do óleo de soja. Embora tenha tido um aumento de competitividade nos anos iniciais, atingindo índices próximos a 0,92, a partir de 2004, ele vem progressiva- mente perdendo competitividade. Fundamentos do Agronegócio – 144 – A análise conjunto de todo o complexo da soja revela que bens pro- duzidos a partir do produto estão perdendo espaço nos mercados mun- diais, enquanto a soja in natura se mantém. Esse comportamento mostra que, no caso da soja, o Brasil está exportando mais a soja in natura em detrimento das exportações de bens com maior valor agregado. Ou seja, está se especializando em commodities. Um produto bastante importante na pauta de exportações brasileira é o suco de laranja. Tradicionalmente o Brasil é um grande exportador, o que pode ser observado pelos elevados índices de competitividade. No entanto, percebe-se pela figura 5.5 que o índice apresenta uma clara trajetória de queda. Figura 5.5 – Evolução da competitividade do suco de laranja concentrado (índice de VCRS) 0,9 0,92 0,94 0,96 0,98 1 Suco de Laranja Concentrado Fonte: elaborada pelo autor com dados da FAO. E percebe-se também uma queda mais acentuada a partir de 2009. Essa queda decorre de um processo complexo envolvendo os Estados Uni- dos e o Brasil no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). Na ocasião, os EUA entraram com um processo antidumping3 sobre as 3 Dumping é a prática que vender um bem no mercado internacional a preços infe- riores aos praticados no mercado doméstico. É uma prática combatida pela OMC. – 145 – Competitividade Internacional dos Produtos do Agronegócio exportações brasileiras do produto. O painel aberto na OMC se posicionou favorável ao Brasil. Por conta desse processo, além de uma queda mundial do bem nos mercados mundiais e um elevado nível de estoque de suco de laranja, podemos perceber uma acentuada queda que teve início em 2009 e se extendeu até 2012, quando o índice de competitividade se igualou ao perí- odo antes de crise. A figura 5.6 mostra a competitividade do café, bem como de seus derivados diretos, como o café tostado e o extrato de café. Podemos cons- tatar inicialmente que o café brasileiro apresenta elevada competitividade, apresentando índices de 0,90 a 0,92. Além disso, percebe-se uma trajetória bastante estável ao longo do tempo. Figura 5.6 – Evolução da competitividade do café, café tostado e extrato de café (índice de VCRS) -1 -0,5 0 0,5 1 1,5 Café Café Tostado Extrato de Café Fonte: elaborada pelo autor com dados da FAO. Esse mesmo comportamento é também para o extrato de café, embora com nível de competitividade ligeiramente inferior, mas também com bastante estabilidade ao longo do período analisado. Por outro lado, Fundamentos do Agronegócio – 146 – quando analisamos o café torrado percebemos que ele apresenta um índice de competitividade bastante ruim (negativo em todos os anos). Isso signi- fica que o desempenho das exportações de café tostado é muito inferior à média das exportações mundiais. Além do mais, como podemos perceber, a partir de 2006, o índice vem progressivamente caindo. A competitividade dos produtos derivados do cacau vem caindo ao longo do tempo, como é possível ver na figura 5.7. O cacau (feijão de cacau), no período analisado, sempre apresentou índices muito baixos de competitividade. Isso é uma constatação positiva, pois mostra que a exportação privilegia bens elaborados a partir do cacau que têm maior valor agregado. Na figura 5.7, podemos observar que nos últimos anos o índice de competitividade é próximo a –1. Em relação aos produtos de chocolate, observamos que o Bra- sil tinha competitividade similar aos demais países até 2005. A partir desse ano, podemos constatar queda acentuada de sua competitividade, atingindo um índice de –0,47 em 2013, que é o mais baixo para todo o período. Figura 5.7 – Evolução da competitividade do cacau e seus derivados (índice de VCRS) -1,5 -1 -0,5 0 0,5 1 Produtos de chocolate Cacau Manteiga de cacau Pasta de cacau Fonte: elaborada pelo autor com dados da FAO. – 147 – Competitividade Internacional dos Produtos do Agronegócio A manteiga de cacau e a pasta de cacau são os bens de maior competitivi- dade. Mesmo assim, mostram uma trajetória de queda. Em 2000, a manteiga de cacau apresentou índice de 0,74, enquanto a pasta de 0,59. Com o passar do tempo, podemos também percever uma queda acentuada, principalmente da manteiga. Em 2013, a manteiga de cacau teve um índice de 0,08, inferior ao da pasta de cacau, cujo índice foi de 0,12. Dessa forma, notamos a perda generalizada da competitividade do cacau e de seus derivados. Em relação à carne bovina, podemos constatar duas características bastante distintas, conforme mostra a figura 5.8. Inicialmente, percebe- mos que a carne bovina (com osso, podendo ser fresca, refrigerada ou congelada) tem um índice de competitividade muito baixo. Mais uma vez nota-se que isso é uma característica positiva, pois são exportadas carnes com nível de processamento mais elevado e com maior valor agregado. Figura 5.8 – Evolução da competitividade da carne bovina (índice de VCRS) -1,5 -1 -0,5 0 0,5 1 1,5 Carne Bovina Carne Bovina Sem Osso Carne Bovina Preparada Fonte: elaborada pelo autor com dados da FAO. A carne bovina preparada4 apresenta o maior nível de competitividade entre os produtos de origem bovina, os índices oscilam entre 0,89 e 0,93. 4 Carne e miúdos que são cozidos, cozidos no vapor, grelhados, fritos, assados ou cozidos de outra forma. Inclui refeições preparadas que contêm mais de 20% de Fundamentos do Agronegócio – 148 – Além disso, percebe-se uma estabilidade ao longo de todo o período anali- sado. A carne bovina sem osso apresenta também elevados índices de com- petitividade, embora ligeiramente inferiores aos da carne bovina preparada. A carne proveniente de suínos5 (carne de porco e seus cortes) tem trajetóricas completamente distintas, conforme mostra a figura 5.9. Figura 5.9 – Evolução da competitividade da carne suína (índice de VCRS) -0,6 -0,3 0 0,3 0,6 0,9 Carne de Porco Cortes de Carne de Porco Fonte: elaborada pelo autor com dados da FAO. Os cortes da carne de porco apresentam índices mais elevados de competitividade. Em 2000, era de cerca de 0,5; nos anos seguintes, o índice teve ligeiro aumento, alcançando 0,65 em 2002 e 0,73 em 2005. Manteve-se com pequenas oscilações até 2013, quanto apresentou índice de 0,68. Ressalta-se que em 2011 houve pequena queda do índice, por conta, em parte, do bloqueio imposto pela Argentina6. carnee miudezas por peso. 5 Carne de porco é aquela proveniente de animais domésticos ou selvagens (por exemplo, javalis), frescos, refrigerados ou congelados. Cortes de carne de porco excluem ossos e gordura. 6 Folha de S.Paulo (2018). – 149 – Competitividade Internacional dos Produtos do Agronegócio Já a competitividade da carne de porco em si apresenta um com- portamento de crescimento e queda no período. No início do período de análise, apresentava índice negativo, o qual apresentou grandes melhoras nos primeiros anos da década de 2000, atingindo valores superiores a 0,5, como nos anos de 2002 e 2005. Logo em seguinda, atravessa um período de queda contínua de competitividade. Nos anos finais, a partir de 2011, o índice de competitividade teve valores negativos. Destaca-se o último ano, cujo índice foi de –0,30, inferior ao de 2000, que foi de –0,25. Ampliando seus conhecimentos Custo logístico no agronegócio derruba competitividade brasileira O setor agropecuário lidera o crescimento econômico brasileiro. Neste ano, o país vai colher uma supersafra de grãos de 240 milhões de toneladas. Entretanto, o agronegócio patina em pro- blemas históricos, como o gargalo do escoamento da produção. O setor ganhou produtividade nos últimos 50 anos, mas o alto custo logístico provocado por falhas de infraestrutura faz o pro- duto perder competitividade no mercado internacional. “O custo do produtor, da saída da porteira da fazenda até o porto, é cerca de quatro vezes maior que nos EUA ou na Argen- tina. O mundo não vai pagar 20% ou 30% a mais”, afirmou Luiz Fayet, consultor da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). O tema foi destaque no fórum Agronegócio Sustentável, promo- vido pela Folha. Três países (Brasil, Argentina e Estados Unidos) concentram 80% da produção de soja no mundo e 90% do mercado de exportação. A competitividade nacional fica na rabeira do trio. De acordo com estudo da Embrapa, se o Brasil conseguisse solu- Fundamentos do Agronegócio – 150 – cionar os problemas relacionados ao transporte de soja e milho para exportação, como rodovias precárias, filas nos portos e trens inadequados, os produtores teriam aumento de rentabi- lidade de até 35%. LEITE, L. Custo logístico no agronegócio derruba competitividade brasileira. Jornal Folha de São Paulo. São Paulo, 17 set. 2017. Atividades 1. Explique a diferença entre produtividade e competividade. 2. Em quais estruturas de mercado pode ser encontrada concorrência? 3. Dada a tabela seguinte, determine os valores da competividade medida pelo índice da vantagem comparativa revelada simétrica. Vinho Exportação brasileira do bem 13.002 (US$ mil) Exportação mundial do bem 34.696.694 (US$ mil) Exportação total do Brasil 242,03 (US$ bilhões) Exportação total do mundo 19.070 (US$ bilhões) 4. Quais dos bens analisados no capítulo apresenta maior estabili- dade (menor oscilação) no índice de competitividade? Explique o que isso representa. 6 Marketing no Agronegócio Um levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Pla- nejamento Tributário1 (IBPT) aponta que, em 2018, há no Brasil mais de 20 milhões de empresas. Obviamente, nessa relação estão presentes empresas dos mais diversos setores, finalidades, tamanhos, níveis tecnológicos, idades, alcances geográficos etc. Há empresas que têm milhares de funcionários, e outras consti- tuídas apenas pelo proprietário; algumas que faturam centenas de milhões, enquanto outras sequer apresentam faturamento sufi- ciente para manter uma única família; algumas são centenárias, enquanto outras são recentes; algumas são globais e têm filiais em vários países do mundo, enquanto outras atendem apenas o mercado do bairro onde estão localizadas. Apesar de tantas diferenças que podem ser encontradas entre as empresas, há, sem dúvida, algo em comum entre elas: todas desejam participar ativamente da cadeia de valor que existe na economia. Por meio da dimensão do número de empresas existentes, podemos perceber que é uma tarefa extremamente árdua uma empresa se destacar dentre tantas, principalmente se ela for pequena, nova, com baixo capital e sem experiência. No entanto, sob um olhar mais atento, podemos constatar que essa 1 https://www.empresometro.com.br/Home/Metodologia Fundamentos do Agronegócio – 152 – dificuldade não se restringe apenas às empresas mais frágeis. De fato, com exceção de algumas empresas estatais, a imensa maioria delas precisa adotar estratégias para se tornarem ativas economicamente ou manterem essa condição ao longo do tempo. O agronegócio é um dos vários ramos de atividades econômicas, e, portanto, é também composto por empresas que necessitam de um amplo esforço para permanecerem no circuito econômico. Como já foi dito em capítulos anteriores, não basta apenas produzir. É necessário conhecer toda a “roda” da economia, ou seja, o funcionamento dos mercados, e também se posicionar corretamente dentro deles, sabendo o que vender, a quem vender e em que condições vender, por exemplo. Para compreender melhor tais elementos, o presente capítulo apresenta alguns dos fundamentos do marketing. Inicialmente são discu- tidos os conceitos fundamentais do marketing para, na sequência, analisar como eles são operacionalizados dentro do segmento do agronegócio. 6.1 Conceitos de marketing De maneira geral, podemos compreender o marketing como sendo uma estratégia de interação entre agentes, que visa criar valor a todos os envolvidos. Nessa concepção, as organizações (empresas) são os prin- cipais agentes responsáveis pela criação de valor. Kotler, Kartajaya e Setiwan (2016, p. 31) ressaltam que “o marketing é atividade, o conjunto de práticas e processos que visam criar, comunicar, oferecer e trocar ofertas que possuem valor aos consumidores, clientes, parceiros, e sociedade em geral”. Kotler (1988, p. 3) ainda ressalta que o “marketing é um processo social e gerencial através do qual indivíduos e grupos obtêm aquilo que desejam e de que necessitam, criando e trocando produtos e valores uns com os outros”. Podemos compreender que o processo de obtenção de bens e serviços é realizado por meio das trocas, e o mercado é o ambiente que as possibi- lita. Assim, a contribuição do marketing é compreender outros processos que não são formalmente estudados pela economia sobre o funcionamento pormenorizado dos mercados. Por exemplo, McCarthy e Perreault (1997, – 153 – Marketing no Agronegócio p. 24) afirmam que o mercado é formado por “um grupo de consumidores potenciais, com necessidades similares, que está disposto a trocar algo de valor com vendedores que oferecem vários bens e/ou serviços – isto é, meios de satirfazer aquelas necessidades”. Esses mesmos autores afir- mam que o marketing se estabelece pela intersecção entre organizações e processos sociais. Nesse aspecto, as ações de marketing são “destinadas a realizar os objetivos de uma organização, partindo das necessidades do consumidor ou cliente, e dirigindo-lhes um fluxo de bens e serviços a par- tir de um fabricante ou produtor” (p. 22). Assim, a economia parte do pressuposto de que as pessoas têm necessidades que serão atendidas por produtos elaborados por organiza- ções (empresas). A interação entre eles determinará o preço e a quanti- dade. Assume-se também que todos os agentes envolvidos têm perfeitas informações sobre o funcionamento dos demais agentes, e, consequente- mente, dos mercados. Já o marketing está interessado em compreender, de maneira pragmática, quais grupos de pessoas têm determinadas necessida- des; qual o melhor meio para se chegar a eles; e o que e quanto eles estão dispostos a trocar para terem suas necessidades atendidas. O escopo do marketing, segundo Pereira et al. (2009), apresenta 3 grandes dimensões: a) dicotomia positiva e normativa; b) organizações lucrativas ou não lucrativas; c) ambiente macro ou micro. O quadro 6.1 apresenta as características fundamentais de cada uma dastrês dimensões sobre o escopo do marketing. Quadro 6.1 – Escopo do marketing Positivo Normativo Setor lucrativo Micro • Comportamento do consumidor; • Decisão das empresas sobre preço, produto, promoção e canais de distribuição. Como as organizações deve- riam estabelecer o composto de marketing e decidir sobre preço, produto, promoção, distribuição e marketing internacional. Fundamentos do Agronegócio – 154 – Positivo Normativo Macro • Padrões de consumo agregado; • Abordagem institucional do marketing; • Marketing no mercado de com- modities; • Aspectos legais do marketing; • Marketing comparativo; • Eficiência no marketing; • Marketing e desenvolvimento econômico; • Poder e conflito nos canais de distribuição; • Universalidade da função de marketing; • Consistência com os interesses dos consumidores. • Melhoria da eficiência do marketing; • Custo excessivo de distribuição; • Propaganda socialmente desejável; • Soberania do consumidor; • Estimulação da demanda; • Leis reguladoras do marketing; • Sistemas verticais do marketing; • Marketing e responsabilidade social. Setor não lucrativo Micro • Consumo de bens públicos; • Estudos de caso de marketing de bens públicos; • Determinação de preço; • Concepção de produto; • Canais de distribuição. • Estabelecimento do composto de marketing e decisão sobre preço, produto, promoção, distribuição e marketing internacional; • Organizar os esforços de marke- ting; • Controlar os esforços de marketing; • Planejar as estratégias de marketing. Macro • Configuração institucional para bens públicos; • Influência sobre eleições; • Influência da propaganda dos ser- viços públicos sobre o consumidor; • Eficiência do sistema de distri- buição de serviços públicos; • Reciclagem dos serviços públicos. • Estímulo da demanda por servi- ços públicos; • Desejo social do baixo conte- údo informacional da propoganda política; • Pertinência de propaganda das forças armadas a respeito do recrutamento. Fonte: adaptado de Pereira et al. (2009, p. 531). – 155 – Marketing no Agronegócio O marketing parte do pressuposto de que as pessoas possuem necessi- dades. E é justamente visando atender a tais necessidades que se conforma a noção de clientes, os quais apresentam um vínculo com as empresas. Podemos entender necessidade como algo que representa uma exigência, cujo não atendimento irá nos provocar uma sensação de mal-estar. Car- valho (2000) acrescenta que as necessidades podem ser tanto individuais quanto coletivas. As necessidades individuais são divididas em absolutas e relativas. As necessidades individuais absolutas são aquelas comuns a todos os seres humanos, como as necessidades biológicas; já as necessidades indi- viduais relativas são diferentes para cada pessoa, e influenciadas por hábi- tos, religião, costumes sociais, ideologias etc. Já as necessidades coletivas se referem a um grupo social, ou seja, à coletividade. São exemplos de necessidades coletivas: educação, saneamento, saúde e educação. Vale ressaltar que algumas das necessidades coletivas geralmente são atendi- das pelos bens que se enquadram dentro do conceito econômico de bens públicos. Os bens públicos se caracterizam por serem não disputáveis, ou seja, quando o custo adicional de produção de mais uma unidade do bem é zero. Consideremos a iluminação das ruas durante a noite. Uma vez que a lâmpada está instalada e em funcionamento, o custo de uma pessoa a mais se beneficiar da iluminação gerada é zero. Além disso, os bens públicos também são considerados não exclusivos, ou seja, o consumo por uma pessoa não impede que ela seja consumido por uma outra pessoa. Mas nem todas as necessidades coletivas são atendidas por bens públicos, como a educação, por exemplo. Uma vez que a necessidade do consumidor está identificada, a empresa elabora um produto que atende à necessidade do consumidor, e deve se atentar ao chamado mix de marketing. Segundo Kotler (1998, p. 97), o mix de marketing é um “conjunto de ferramentas que a empresa usa para atingir seus objetivos de marketing no mercado-alvo”. Dessa forma, o mix de marketing tem um objetivo pragmático e operacional, ou seja, são variáveis que as empresas podem mensurar e, a partir delas, escolher o mercado-alvo mais apropriado a seu produto. O mix de marketing reúne 4 dimensões básicas que representam as diversas variáveis que interferem na relação entre a empresa e o consu- Fundamentos do Agronegócio – 156 – midor. Pelo fato das quatro dimensões do mix de marketing envolverem produto, preço, promoção e praça, ele é também conhecido como 4 P’s. O quadro 6.2 apresenta as variáveis que compõem cada uma das dimensões. Quadro 6.2 – Dimensões e variáveis do mix de marketing Produto Preço Promoção Praça • Variedade; • Qualidade; • Características; • Marca; • Embalagem; • Tamanho; • Design; • Serviços asso- ciados; • Garantia; • Devolução. • Preço real; • Desconto; • Concessões; • Prazo; • Crédito. • Publicidade; • Propaganda; • Esforço de vendas; • Relações públicas; • Marketing direto. • Canais; • Variedade; • Ponto de venda; • Estoque; • Cobertura; • Transporte. Fonte: adaptado de Kotler (1998). A seguir, discutiremos cada uma das dimensões do mix de marketing. Além de explicá-las, detalhando aspectos importantes, apresentaremos também a contextualização no âmbito do agronegócio. 6.2 A dimensão produto O quadro 6.2 apresenta as variáveis que qualificam os produtos e também os diferenciam. Qualidade, marca, tamanho, design, garantias, entre outros, são atributos que tornam o produto único frente à imensa variedade de produtos existentes. No entanto, há outros elementos que também necessitam ser destacados. A dimensão produto igualmente reúne as características tangíveis e/ou intangíveis do que será transacionado. Devemos lembrar que tanto – 157 – Marketing no Agronegócio bens quanto serviços são produtos. Independente de qual dos dois seja, podemos constatar que uma quantidade muito grande deles é disponibili- zada, com características muito diversas. Tais características diferem quanto à finalidade, classificando os pro- dutos como bens de consumo duráveis, a exemplo da geladeira e dos automóveis; ou não duváriveis, como alimentação e vestuário. Também é possível diferenciar quanto ao uso final ou intermediário. Por exem- plo: se um produto necessita passar por no mínimo mais de uma etapa no processo de produção para ser consumido, ele é considerado um bem intermediário; caso contrário, é um bem final, ou seja, um bem que pode ser disponibilizado ao consumo das famílias. Ninguém consome soja da forma como ela é produzida nas fazendas, pois ela precisa passar por por várias etapas do processo de produção para ser transformada em produtos como óleo ou leite. Nesse sentido, a soja é um bem intermediário e o óleo de soja ou o leite de soja são bens finais. Os produtos também podem ser perecíveis ou não perecíveis. Perecí- veis são aqueles produtos que se degradam em um curto período de tempo. Os não perecíveis necessitam de maior tempo para que isso aconteça. Nor- malmente os produtos produzidos pelas atividades do agronegócio, por estarem diretamente relacionados à alimentação, são bens perecíveis. Mas vale destacar que existem técnicas de conservação que mantém a quali- dade dos bens por maior tempo, como as embalagens a vácuo. Uma característica importante se relaciona à essencialidade do produto. Os bens essenciais estão ligados às necessidades individuais e absolutas. Por exemplo: alimento é mais essencial que shows de música. A essencialidade tem uma implicação bastante importante na relação com o preço, que será discutida logo a seguir. No caso do agronegócio, nos defrontamos com produtos provenientes de vários setores da atividade econômica. Os insumos utilizados na agropecuária são provenientes de uma estrutura de mercado geralmente oligopolizada e, nesse sentido, são diferenciados entre si,principalmente pela marca, design, serviços prestados no pós-venda, garantias, qualidade etc. A variedade dos produtos é baixa e podemos encontrar bens que são substitutos entre si, como é o caso de tratores, fertilizantes e defensivos, por exemplo. Fundamentos do Agronegócio – 158 – Na atividade agropecuária propriamente dita, há uma grande variedade de bens. E, indiscutivelmente, é na agricultura que podemos encontrar a imen- sidão de tais varidades. Como já discutido anteriormente, há no mundo cerca de 400 mil espécies diferentes de plantas, sendo que aproximadamente 300 mil delas são comestíveis. No entanto, o número de plantas efetivamente con- sumidas é menor do que mil. Embora o número aparente seja pequeno frente ao total de plantas com consumo potencial, há inúmeras variedades de cada planta, tornando igualmente grande o número de bens que podem ser produzi- dos pela agricultura. É possível encontrar o mesmo bem com as mais diversas qualidades, pois a produção de muitos desses bens não é padronizada. Com algumas exceções, os bens oriundos da atividade agropecuária não possuem marcas. Além do mais, uma parcela significativa da produção agropecuária é de commodities, e que são, portanto, bens homogêneos com qualidade e tamanho muito semelhantes. Recentemente houve a introdu- ção dos bens transgênicos, principalmente na produção de commodities. Segundo Alves (2004, p. 4): a palavra transgênico é utilizada para designar um ser vivo que foi modificado geneticamente, recebendo um gene ou uma seqüência gênica de um ser vivo de espécie diferente. Para a execução de tal processo utiliza-se a tecnologia DNA recombinante. Como exemplos de transgênicos temos uma imensa gama de alimentos consumidos diariamente em diversos países sem que se tenha ciência dos processos de produção. Cada vez mais nos defrontamos com transgênicos incorporados aos alimentos. Embora ainda o tema careça de maior aprofundamento sobre os riscos, por conta da diminuição dos custos, ele vem sendo progressivamente adotado pelas empresas alimentícias. No mês de outubro de 2017, uma comissão do Senado brasileiro aprovou uma mudança: o Projeto de Lei 34/2015, que trata sobre a divul- gação dos alimentos que contenham bens transgênicos, que foi regulamen- tado pela Lei n. 11.105 de 2005, a qual estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados. Em matéria divulgada na própria página do Senado Federal brasileiro2, podemos encontrar a seguinte descrição: 2 https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/09/19/comissao-de-agricultura- -aprova-menor-rigor-para-identificar-transgenicos – 159 – Marketing no Agronegócio O Projeto de Lei da Câmara (PLC) 34/2015, que reduz exigências para identificação de alimentos transgênicos, foi aprovado pela Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA). O relatório do senador Cidinho Santos (PR-MT), favorável à proposta, foi apro- vado nesta terça-feira (19) em votação simbólica. A proposição desobriga os produtores a informar a existência de organismos geneticamente modificados (OGMs) no rótulo dos produtos, se a concentração for inferior a 1% da composição total da mercadoria. Caso a concentração seja superior a este limite, os fabricantes devem incluir a informação no rótulo; mas sem a letra “T” inserida num triângulo amarelo como ocorre atualmente. Nota-se que a presente lei minimiza as informações sobre o uso de bens transgênicos ao consumidor. Por outro lado, uma importante diferen- ciação, embora ainda incipiente e com dimensão restrita a consumidores de renda mais elevada, ocorre entre os produtos da agropecuária, que é o sistema de produção orgânico. Dias et al. (2015, p. 164) apresentam a seguinte definição: “Os alimentos orgânicos”, ou, mais apropriadamente, “alimentos organicamente produzidos” resultam de um sistema de produção de alimentos, processamento e embalagem que exclui amplamente sintéticos, produtos químicos e materiais em todas as suas etapas, de agricultor para consumidor. Em vez de depender fortemente de fontes externas de produtos químicos e fertilizantes, os agricultores orgânicos tendem a usar insumos gerados a partir da própria fazenda para atingir rendimentos adequados, manter o solo saudável e para realizar o controle de pragas. Em um sistema orgânico, insetos pre- dadores naturais, rotação de culturas, e trabalho humano são utiliza- dos para o controle de pragas e ervas daninhas. Fontes de nutrientes adicionais incluem compostos e estercos. É muito difícil um consumidor distinguir o alimento orgânico (pro- duto agropecuário) do tradicional (como também é diferenciar o trans- gênico). Por isso, é fundamental o papel das organizações certificadoras (Organismo da Avaliação da Conformidade Orgânica – OAC), que ates- tam que o bem é realmente produzido dentro das técnicas orgânicas. No endereço eletrônico3 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abasteci- 3 http://www.agricultura.gov.br/assuntos/sustentabilidade/organicos/regulariza- cao-da-producao Fundamentos do Agronegócio – 160 – mento (MAPA), há um conjunto de informações para que o produtor possa regularizar a produção orgânica. A regularização da produção orgânica, conforme prevê a legislação, pode ser por meio da certificação expedida por uma OAC, a qual deve estar devidamente credenciada no MAPA. Além disso, o produtor pode também se organizar em um grupo de produtores orgânicos e se cadastrar no MAPA visando a venda sem a certificação por uma OAC. No entanto, há uma diferença entre a certificação e o cadastramento no MAPA. A venda para empresas atacadistas, varejistas, restaurantes, hotéis, supermercados e lojas é somente permitida para quem tem a cer- tificação, e deve exibir publicamente o selo federal do SisOrg, conforme podemos observar na figura 6.1. Figura 6.1 – Selo que deve ser exibido onde são realizadas as vendas de produtos orgânicos Fonte: ibd.com.br. Para quem não tem o certificado, a venda é autorizada somente nas feiras e direto ao consumidor final, desde que os produtores tenham a declaração de cadastro no MAPA. Caso o produto se apresente como orgânico, não apresente o selo e esteja à venda em um estabelecimento comercial, como lojas ou supermercados, o MAPA (MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO, 2016) apresenta as consequências: 2 O produto será apreendido e a loja, avisada por escrito sobre os cuidados a tomar. 2 Quando o produto sem selo está em uma embalagem original, o responsável é sempre o produtor; neste caso, ele será autuado e poderá ser multado. – 161 – Marketing no Agronegócio 2 Quando o produto estiver em outra embalagem, como da própria loja ou mercado, ou a granel (aberto), respondem pela irregulari- dade tanto o produtor como o responsável pelo ponto de venda. A seguir estão as organizações certificadoras credenciadas no MAPA para a produção orgânica: 2 Associação de Agricultura Natural de Campinas e Região (ANC); 2 Associação dos Agricultores Biológicos do Estado do Rio de Janeiro (ABIO); 2 Associação Ecovida de Certificação Participativa (Rede Ecovida); 2 ABD – Associação Biodinâmica (ABD); 2 Instituto de Tecnologia do Paraná (TECPAR); 2 ECOCERT Brasil Certificadora Ltda.; 2 IBD Certificações Ltda.; 2 Instituto de Mercado Ecológico – IMO CONTROL; 2 Instituto Nacional de Tecnologia (INT); 2 Instituto Chão Vivo de Avaliação da Conformidade 2 Organização Internacional Agropecuária (OIA) Além da produção orgânica, uma segunda estratégia para tornar o produto diferenciado entre os demais é por meio da Indicação Geográfica (IG). Segundo Maiorki e Dallabrida (2015, p 14), a “Indicação Geográf- ica (IG) refere-se a uma qualidade atribuída a um produto originário de um território cujas características são inerentes a sua origem geográfica. Representa uma qualidade relacionada ao meio natural ou a fatores huma- nos, que lhes atribuem notoriedade e especificidadeterritorial”, e cabe ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) o devido registro. A IG é uma forma de diferenciar o produto e de agregar valor. Isso é alcançado por meio da manutenção dos produtores de determinado local, mantendo a qualidade e dando cerceamento do uso indevido da denomi- nação do local por outros produtores (INPI, 2013). Segundo Rezende et al. (2017), há critérios mínimos para delimitar uma determinada área de Fundamentos do Agronegócio – 162 – indicação geográfica e de diferenciação. Esses critérios são apresentados no quadro 6.3. Quadro 6.3 – Requisitos para sugestão do processo de registro de Indicação Geográfica Quesitos Fatores Características Delimitação da área de Indicação Geográfica Humanos Saber fazer – materiais, métodos e técnicas utilizados para produção do produto são únicos, ou seja, são específicos da atividade e região. Tradição – existe uma tradição pro- dutiva na região, possível de ser com- provada por meio de documentos. Tipicidade – o processo produtivo ou o produto são típicos da região, podendo não ser encontrados com as mesmas características em outras localidades. Naturais Clima – exerce influência sobre características e qualidade do pro- duto, tornando-o distinto. Solo – pode exercer influência sobre a produtividade do produto. Vegetação – pode exercer influên- cia sobre características e qualidade do produto, tornando-o distinto. Relevo – pode exercer influência sobre a produtividade do produto. Diferenciação do Produto Notoriedade Ser um produto percebido como tendo qualidade diferenciada, dis- tinto, famoso, seja por meio de fatores humanos, seja por fatores naturais. Fonte: Rezende et al. (2017). Conforme apontam Rezende et al. (2017), o primeiro registro con- cedido no Brasil sobre Indicação Geográfica ocorreu em 1999, dando à – 163 – Marketing no Agronegócio região dos Vinhos Verdes, entre os rios Minho e Douro, a denominação de origem. Conforme os mesmos autores, no INPI há o registro no Brasil de 41 Indicações de Procedência e de 10 Denominações de Origem. Desta- cam-se o Vale dos Vinhedos no Rio Grande do Sul (vinhos tinto, branco e espumante); Vale dos Sinos, também no Rio Grande do Sul, (couro aca- bado); região do cerrado mineiro (café); Costa Negra, no Ceará (cama- rões); Serro e Canastra, em Minas Gerais (queijo); Alta Mogiana, em São Paulo (café); Pantanal, área nos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul (mel), dentre outros. A Indicação Geográfica consituiu um importante mecanismo de diferenciação do produto e de aumento do seu valor. Ressalta-se que no Brasil há uma imensa potencialidade para esse tipo de ação, mas, infelizmente, ainda é pouco explorado. Por se tratar de uma região que agrega vários produtores, há a necessidade da cooperação e do auxílio mútuo entre elas para que possam tornar a região classificada como “indicada geograficamente”. Uma vez que a produção sai do ambiente rural, uma parcela se des- tina diretamente ao consumidor e uma outra ingressa em alguma cadeia produtiva, dependendo do produto. Normalmente há grandes empresas do setor alimentício e de outros setores que transformam os bens. O capítulo 4 descreveu algumas dessas cadeias de transformação. No setor alimentício, por exemplo, podemos constatar que as empre- sas estão organizadas em duas estruturas de mercado: oligopólio e concor- rência perfeita. Isso significa que os produtos são, em determinado grau, “naturalmente” diferentes entre si. Nesse contexto, a marca se torna um elemento de grande importância, bem como elementos que geram reputa- ção a ela, como a qualidade do seu produto. Destacam-se as embalagens, o tamanho e as características do bem. Em relação às marcas, a tabela 6.1 mostra a participação das marcas do setor alimentício e de bebidas entre as 60 marcas mais valiosas do mercado brasileiro. Dentre as 60, constata-se a presença de 13 marcas do setor alimentício e de bebidas, o que representa aproximadamente 21%. Notadamente o setor ocupa um destaque bastante grande entre as marcas. Fundamentos do Agronegócio – 164 – Tabela 6.1 – Valor das principais marcas do setor do alimentício Marca Valor (US$ milhões) Posição no ranking original Skol 8.146 1 Brahma 4.385 3 Antarctica 2.854 6 Sadia 1.884 7 Bohemia 1.570 8 Seara 549 21 Schin 460 25 Perdigão 371 29 Vigor 366 30 Ypióca 340 33 Bauducco 281 39 Adria 211 49 Friboi 208 50 Total 21.625 # Fonte: Infomoney4 Vale destacar que a soma de todos os valores das marcas ultrapassa 21 bilhões de dólares. Inicialmente, nota-se a presença das empresas cer- vejeiras, pois dentre as cinco principais marcas, 4 estão nessa atividade. Essas mesmas cinco marcas estão entre as dez melhores posicionadas no ranking. Logo na sequência, há as empresas do setor de carnes pro- cessadas. Aparecem também empresas do setor de laticínios, massas e demais alimentos. E em relação às empresas que processam os produtos oriundos da agropecuária, podemos constatar que há empresas com diversos alcan- 4 http://www.infomoney.com.br/negocios/grandes-empresas/noticia/6537209/marcas- -mais-valiosas-brasil-juntas-elas-valem-bilhoes – 165 – Marketing no Agronegócio ces geográficos, variando do local ao internacional. Isso significa que elas têm grandes diferenças em relação ao faturamento, bem como estra- tégias de posicionamento no mercado. Por exemplo: uma das maiores empresas de fabricação de produtos de carne lançou recentemente uma nova linha de carnes processadas, com preços 15% menores do que a média do mercado. Essa estratégia, segundo reportagem do Jornal Folha de São Paulo5, visa melhor aproveitamento da matéria-prima. O seg- mento de atuação engloba linguiças, hambúrguer, presunto, empana- dos e mortadela. Notadamente essa nova linha de produtos se destina à população de baixa renda. 6.3 A dimensão preço A dimensão preço é de extrema importância, pois é ela que estabelece as relações de troca, ou seja, de compra e venda do produto. O preço é o elemento que faz com que ambos os agentes envolvidos em uma tran- sação tenham a sensação de terem obtido valor por meio da transação. Supondo uma ação de compra e venda, ou seja, aquela transação que envolve o pagamento monetário: quem vende um determinado produto por um preço específico, julga que o valor monetário recebido é maior que o valor intrínseco do produto. Por outro lado, quem compra o produto tem a percepção contrária, ou seja, de que o valor do produto é maior que o valor monetário. Dessa forma, ambos os agentes têm o sentimento de que a transação gerou valor. Notadamente, uma transação bem-sucedida para o produtor implica que o preço do produto deve estar acima dos custos para sua produção. Portanto, o ponto inicial de determinação do preço implica em conhecer todos os fatores que geram custo. O custo dos bens assume, entre outras, três variáveis principais: tempo, distância e processamento. A figura 6.2 mostra tais variáveis. 5 http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/01/1949083-brf-lanca-marca-para-baixa- -renda-com-sobras-de-sadia-e-perdigao.shtml Fundamentos do Agronegócio – 166 – Figura 6.2 – Variáveis que afetam o custo Processamento Tempo Distância Fonte: elaborada pelo autor. Como exemplo, consideremos o caso do leite, que é um alimento consumido pela grande maioria das pessoas e está presente na maioria das residências. O leite puro, no instante após ser ordenhado na fazenda, terá um custo e, consequentemente, um preço. Para que o leite mantenha suas propriedades ao longo do tempo, ele necessita de conservação apropriada, ou seja, refrigeração, e isso representa um custo adicional. Assim, o leite puro, na mesma fazenda onde foi ordenhado, mas dois dias depois, terá um preço mais elevado por conta dos custos de refrigeração para mantê-lo dentro dos padrões de qualidade exigidos. Se o leite for adquirido fora do local onde foi produzido, por exemplo em um supermercado, implica que uma distância foi percorrida até chegar aolocal de venda ao consumidor final. O transporte também implica em custo, o que, por sua vez, eleva o preço do produto. Obviamente, maio- res distâncias geram custos maiores. A escolha das modalidades logísticas apropriadas pode minimizar o custo de transporte, mas, mesmo assim, não modifica a regra de quanto maior a distância maiores os custos. A última variável é o processamento, ou seja, as transformações do produto original que geram um novo produto. Assim, podemos pensar que o queijo ou o iogurte são elaborados por meio do processamento do leite. Dessa forma, o processamento também implica em custos mais elevados e, consequentemente, maior preço. A figura 6.3 exemplifica as dimensões que afetam o custo e o preço do leite. – 167 – Marketing no Agronegócio Figura 6.3 – Variáveis que definem o custo e o preço do leite l i m Fonte: elaborada pelo autor com imagens de Shutterstock.com/ Toa55/Choksawatdikorn/ imass/ Roman Babakin. A figura 6.3 apresenta quatro imagens, todas elas relacionadas ao leite. A imagem superior mostra o leite sendo ordenhado. Nesse momento é quando o custo está relacionado apenas às atividades da pecuária. A ima- gem inferior esquerda mostra a conservação do leite. Essa etapa refere-se à dimensão tempo. A imagem inferior central mostra o queijo, que é uma das possibilidades de processamento do leite. E a imagem inferior direita mostra o leite sendo transportado, que se refere à dimensão distância. Dessa forma, a cada variável isolada temos o aumento de preço. E há também a combinação entre essas três variáveis. Assim, poderíamos pen- sar no queijo como leite processadado, que é vendido num grande centro consumidor distante do local de origem e depois de seis meses. É natural que o custo de produção tenha um acréscimo considerável e, portanto, o seu preço também seja aumentado. Embora a empresa possa estabelecer elementos que facilitem a com- pra pelo consumidor, como descontos, concessões de prazo ou de crédito, é necessário que tais “facilidades” garantam uma margem positiva, ou seja, que o preço seja superior aos custos. Fundamentos do Agronegócio – 168 – Um segundo aspecto importante é quando relacionamos o preço do produto com sua essencialidade. A economia denomina essa relação elas- ticidade preço da demanda. A medida de elasticidade preço da demanda é dada pela variação percentual da quantidade do produto em relação à variação percentual do preço do produto. A figura 6.4 mostra o comporta- mento da demanda em relação à elasticidade. Figura 6.4 – Gráfico da demanda para um produto essencial (esquerda) e para um não essencial (direita) Preço Quantidade ∆p ∆q Preço Quantidade ∆p ∆q Fonte: elaborada pelo autor. Na figura 6.4 podemos constatar dois gráficos. O gráfico da esquerda representa um produto essencial. Notem que uma dada varia- ção no preço (∆p) gera uma pequena variação na quantidade consumida (∆q). Já no gráfico da direita, que exibe o comportamento de um produto não essencial, uma variação no preço (∆p) produz uma grande variação na quantidade. Se o produto é essencial, as pessoas necessitam consumir esse pro- duto independentemente do seu preço. Já em relação ao produto não essencial, um aumento em seu preço faz com que os consumidores deixem de consumi-lo e, portanto, ele é bastante sensível às variações de preço. Um elemento que também tem implicação direta sobre a elasticidade do produto é a presença de outras empresas que produzem o bem e a pre- sença de bens similares ou substitutos. Isso faz com que dado um aumento de preço, os consumidores busquem outra marca ou outro produto similar. – 169 – Marketing no Agronegócio Quando consideramos os bens alimentícios de forma agregada, pelo fato deles serem essenciais, eles são inelásticos. No entanto, os bens ali- mentícios isoladamente apresentam comportamento mais elástico. Isso se deve ao fato deles se defrontarem com uma elevada gama de produtos substitutos. Como exemplo, todos os bens que possuem amido podem ser substitutos entre si. O mesmo acontece com a proteína. Dessa forma, um aumento no preço da carne bovina faz com que os consumidores dei- xem de consumir esse bem e passem a consumir, por exemplo, a carne de frango ou de porco. Isso implica que não há muitas margens de lucro para os produtores desses tipos de produtos. Para produtos tipificados como commodities, o produtor não deter- mina o preço do seu bem, pois essa tarefa é realizada pelo mercado, ou seja, pela interação entre todos os produtores e a demanda, que é formada por todos os consumidores desse bem. Como ressaltado no capítulo 5, produtores que estão dentro da estrutura de concorrência perfeita são con- siderados tomadores de preço. Isso significa que eles não estabelecem o preço de venda, apenas aceitam ou não vender o bem pelo preço existente no momento. Para o setor de insumos, embora também esteja em acirrada concor- rência, pois a estrutura na qual as empresas estão inseridas é tipicamente de oligopólio, as margens dependem também da estratégia adotada pelas demais empresas. Caso deflagrem uma concorrência por preço, elas irão baixar suas margens de lucratividade. Por outro lado, elas também podem se organizar na forma de cartel, que terá como consequência a elevação dos preços dos seus produtos. Vale ressaltar que os produtos orgânicos ou de indicação geográfica conseguem preços mais elevados do que os que não se enquadram nessa categoria. Esse valor diferencial é também destinado à quantidade de tra- balho incorporada na produção, pois produtos orgânicos, em geral, exi- gem uma quantidade muito maior de trabalho do que os produtos conven- cionais. A diferença de valor entre orgânicos e convencionais é também influenciada pelos incentivos tributários governamentais para os produ- tores que utilizam defensivos químicos (agrotóxicos). No entanto, o que se observa é que uma parte do preço mais alto do orgânico é por conta de canais de distribuição. Se o consumidor optar pela aquisição de produtos Fundamentos do Agronegócio – 170 – orgânicos diretamente do produtor, como em feiras, por exemplo, ele pode ter uma despesa menor do que se comprar produtos tradicionais em redes de supermercados. 6.4 A dimensão promoção A promoção reúne todas as estratégias envolvidas na comunicação entre empresas e consumidores relacionadas aos produtos. Ela aborda a divulgação do produto, bem como demais estratégias para simplesmente informar ou persuadir os consumidores a adquirirem-no. Alguns fatores são importantes para a promoção, como o meio que será veiculada tal comunicação, o local que será coberto por ela, o momento para o anúncio, o grupo de consumidores etc. Ressalta-se que a tecnologia de informação e as redes sociais têm contribuído sensivelmente para a segmentação do mercado consumidor. Dessa forma, as promoções atingem parcelas específicas do público-alvo. Para as empresas fornecedoras de insumos, é comum que a comu- nicação ocorra em ambientes propícios, como feiras e exposições, pois concentram potenciais consumidores. É comum também a disseminação e a consolidação das marcas por meio de ações institucionais, ou seja, aque- las que visam tornar a empresa conhecida e com reputação positiva no segmento em que atua. Visitas diretas aos produtores são também bastante disseminadas nesse segmento. Para os produtos provenientes da agropecuária, por diversas razões, a comunicação é bastante incipiente. Como dito anteriormente, os grandes produtores de commodities, que possuem capacidade finan- ceira, não detêm nenhum interesse em realizar ações de promoção, pois não conseguirão influenciar o comportamento do mercado sobre isso. Já os produtores de outros tipos de bens muitas vezes se defrontam com problemas financeiros e falta de conhecimento técnico do assunto, por exemplo. Dessa forma, a promoção é canalizada diretamente por esforços de venda. Há casos em que produtores pequenos e médios se organizam em cooperativas.Nessa situação, a cooperativa se respon- sabiliza por desenvolver toda uma estratégia de promoção, e se com- – 171 – Marketing no Agronegócio porta como uma empresa qualquer. Vale ressaltar que normalmente as cooperativas também atuam como processadoras, adicionando maior valor ao produto. Já as empresas de alimentos com maior dimensão e também com maior capacidade financeira se utilizam dos métodos tradicionais de comunicação em massa, tendo, por exemplo, propagandas nos principais meios de comunicação. Há casos, como os de empresas do setor de bebi- das, das cervejarias, que apresentam uma despesa extremamente elevada por conta das propagandas televisivas. 6.5 A dimensão praça Praça é o conjunto de fases necessárias para que o produto seja trans- ferido do produtor para o consumidor. Essa transferência exige, na grande maioria dos casos, movimentação física dos produtos, bem como sua alo- cação em pontos determinados para distribuição. São extremamente essenciais as atividades de distribuição, à medida que elas materializam a relação entre empresa e consumidor. Elas não se restringem apenas aos produtos finais: englobam também todos os insu- mos e matérias-primas ao longo da cadeia de produção. O setor de insumos apresenta algumas características próprias. Em relação às máquinas e equipamentos, há toda uma cadeia de concessio- nárias que, além de atuarem como expositoras e vendedoras, também são prestadoras de serviço de manutenção e de garantias, configurando uma das características fundamentais do produto. Em relação aos produtos químicos envolvidos na produção agropecu- ária, como fertilizantes e defensivos, há formas variadas de deslocamento até o consumidor. Da unidade de fabricação, os produtos podem seguir direto até o produtor, como é o caso dos fertilizantes, mas pode também passar por agentes intermediários, como cooperativas e demais distri- buidores até chegar ao produtor rural. Como boa parte da matéria-prima dos fertilizantes é importada, a exemplo do potássio, que é 90% advindo dos mercados internacionais, existem casos em que a cooperativa atua também como importadora e unidade de produção de tais fertilizantes. A Fundamentos do Agronegócio – 172 – cooperativa, independente de ser produtora ou revendedora, comercializa tanto para membros cooperados quanto para o consumidor não cooperado. Para os defensivos, normalmente o bem é transportado da fábrica para as unidades de venda. Normalmente as empresas de defensivos têm representantes exclusivos de venda, mas também podem ser mediados por cooperativas e lojas genéricas de produtos agropecuários. Essas unidades devem ter um engenheiro agrônomo responsável pela indicação, dosagem e aplicação do defensivo. Um dos aspectos essenciais dos defensivos é a logística reversa, que é amparada pela Lei 12.305 de agosto de 2010, que institui a política nacio- nal de resíduos sólidos. Segundo Hernandez, Martins e Castro (2012, p. 446), a logística reversa é a área da Logística Empresarial responsável pelo planejamento, operação e controle dos fluxos reversos de matérias-primas, esto- ques de processo, produtos acabados e as respectivas informações desde o ponto de consumo até o ponto de origem, com o propósito de recapturar valor ou adequar seu destino, podendo gerar diversos benefícios que originam ganhos de competitividade e se refletem nas esferas econômica, social e ambiental. O Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos (SINIR) atribui responsabilidade pela embalagem de agrotóxicos à empresa titular do registro, conforme podemos constatar6: As empresas titulares de registro, produtoras e comer- cializadoras de agrotóxicos, seus componentes e afins, são responsáveis pelo recolhimento, pelo transporte e pela destinação final das embalagens vazias, devolvi- das pelos usuários aos estabelecimentos comerciais ou aos postos de recebimento, bem como dos produtos por elas fabricados e comercializados A produção rural propriamente dita é dispersa espacialmente, e os centros de processamento e as indústrias da cadeia produtiva estão loca- lizadas nos centros urbanos. Uma vez que o bem agropecuário foi produ- zido na propriedade rural, ele deve ser transportado até: 6 http://www.sinir.gov.br/web/guest/embalagens-de-agrotoxicos – 173 – Marketing no Agronegócio a) mercado consumidor final – por meio de feiras e outras formas de comercialização; b) unidades de processamento – visando a transformação do bem; c) unidades da alfândega brasileira (portos, aeroportos e fronteiras terrestres) – para que o bem seja exportado. Para que isso aconteça, é necessária a mobilização de toda uma cadeia logística visando o transporte dos bens. Alguns deles, como hor- taliças, devem ser transportados rapidamente até o mercado consumidor, pois são um bem altamente perecível. Outros bens, como grãos, podem ser armazenados em grandes silos. Normalmente o armazenamento deve- -se à espera de melhores condições de comercialização por meio de pre- ços mais elevados que ocorrem no período da entre-safra. A figura 6.5 mostra o exemplo de silos para a armazenagem de grãos como soja e milho, por exemplo. Figura 6.5 – Silos para armazenagem de grãos Fonte: Shuttestock.com/Andreia Durante. Pelo fato dos bens agropecuários terem, em média, baixo valor agre- gado, o impacto do custo de transporte eleva o preço final do bem. A tabela 6.2 mostra o valor do frete da soja para diversas origens e diversos des- tinos. Por exemplo, um caminhão carregado com 40 toneladas de soja proveniente de Montividiu (Goiás) com destino ao porto de Guarujá (São Paulo) percorrerá 1079 km, totalizando R$ 6775,20. Fundamentos do Agronegócio – 174 – Tabela 6.2 – Valores para o frete da soja (R$/t em fevereiro de 2018) Origem UF Destino UF Frete (R$/t) Caiapônia GO São Simão GO 62,68 Campo Verde MT Alto Ara-guaia MT 69,29 Campo Verde MT Itiquira MT 62,88 Campos de Júlio MT Porto Velho RO 139,78 Canarana MT São Simão GO 126,62 Confresa MT São Luís MA 211,24 Dourados MS Maringá PR 88,87 Ipiranga do Norte MT Paranaguá PR 317,53 Lucas do Rio Verde MT Araguari MG 219,82 Montividiu GO Guarujá SP 169,38 Fonte: Sifreca7. Vale ressaltar que grande parte do transporte da produção agropecu- ária é realizado pela modalidade rodoviária, e muitas rodovias brasilei- ras são inadequadas, como pode ser visto na figura 6.6. Isso significa um acréscimo ao valor do transporte, bem como uma maior demora para a entrega do produto. Figura 6.6 – Veículos de transporte de grãos na BR-163 no Estado do Pará em 2017 Fo nt e: T V C A /M at o G ro ss o. 7 http://sifreca.esalq.usp.br/mercado-de-fretes/soja/ – 175 – Marketing no Agronegócio O agronegócio também envolve o processamento e a distribuição dos bens agropecuários. Por se tratarem de bens distintos, o meio de trans- porte é também diferenciado. Alguns bens, como carnes processadas, por exemplo, exigem transporte refrigerado. Outros podem ser transportados em veículos abertos. Para os bens processados, os centros de comercialização são os merca- dos. Há grandes redes, incluindo aquelas estrangeiras, e também pequenos estabelecimentos. Eles estão em todos os centros urbanos, independente do tamanho e da renda. Mas também existem feiras de produtores rurais. Ampliandos seus conhecimentos A Importância do marketing no setor agropecuária8 O marketing (parte da administração de empresas voltada para as estratégias de mercado) é uma das mais poderosas armas para se aumentar vendas, negócios e os lucros de qualquer empresa. Por que isso deveria ser diferente no setor agropecuá- rio? É claro que não deve ser, mas o marketing ainda não é uma estratégia tão difundida e utilizada na agropecuária quanto nos demais setores da economia. Grandes empresas nacionais e estrangeiras, nos mais diversos segmentos como veterinária, maquinário agrícola, insumos etc. já utilizam avançadas estratégias de mercado para aumentar e manter suas posiçõesde liderança. O que chama a atenção no setor rural é que pequenas e médias empresas (incluindo os agricultores e pecuaristas), ainda não perceberam a importân- cia de investir em marketing e divulgar seus produtos o que, certamente, aumentaria sua penetração no mercado e seria um diferencial sobre a concorrência. 8 http://www.ruralnews.com.br/visualiza.php?id=748 Fundamentos do Agronegócio – 176 – Já existem casos muito bem sucedidos de fazendas de gado lei- teiro ou de gado de corte que criaram marcas que, atualmente, são amplamente conhecidas em âmbito regional ou mesmo nacional. Difundindo-se o produto ao para o consumidor final, isso faz com que os pontos de venda procurem atender à demanda consumidora, facilitando a venda do produtor para atacadistas, distribuidores, entrepostos comercias e mesmo para os pontos de venda, como grandes redes de supermercados. Esta estratégia de fazer com que o produto agropecuário obte- nha um reconhecimento por parte do público final é a melhor arma para se utilizar nas negociações com os intermediários, que vislumbram maiores lucros e compram mais. Todo produtor deve ter em mente que a receita para o sucesso, como em toda a empresa de qualquer setor é: ter bons produtos, com boa qualidade; preços competitivos, mesmo que pouco superiores ao da con- corrência mais próxima; adotar estratégias mercadológicas eficientes, entre elas, a publi- cidade dirigida; dispor de uma boa rede de distribuição, que pode ser ampliada graças à utilização de boas estratégias de marketing. Como aumentar vendas no setor agropecuário com o uso do Marketing Rural9 A competitividade no agronegócio, como em outros segmentos da economia, está fazendo com que empresas do setor se preo- cupem, cada vez mais, com o planejamento estratégico na área de marketing. Desta forma, o marketing rural está se tornando uma das áreas prioritárias em diversas empresas do setor, mas, mesmo assim, muitas insistem em ignorar as novas tendências de mercado e manter uma política conservadora, sem priorizar estratégias mercadológicas. 9 http://www.ruralnews.com.br/visualiza.php?id=1043 – 177 – Marketing no Agronegócio O maior problema das empresas nacionais, no setor rural, são os baixos investimentos em marketing o que, de uma maneira geral, faz com que as vendas e a competitividade do negócio sejam comprometidas. Podemos dizer que uma boa estratégia de marketing pode e deve elevar a marca da empresa, fortalecê-la e criar valor agregado aos produtos fabricados ou comercializados. Isto leva ao aumento das vendas e à facilidade no processo de abertura de novos mercados, sejam eles no Brasil ou no exterior. No Brasil, existem alguns determinados segmentos dentro do agronegócio que já estão criando ou já incorporaram uma polí- tica eficiente de marketing. Os setores de máquinas, implemen- tos e insumos são os que mais investem no planejamento e em ações direcionadas. Além destes, os de saúde animal e defensi- vos também estão aumentando seus investimentos. Já não pode ser dito o mesmo de setores como os de sementes, grãos e cere- ais, carne e muitos outros. O que os empresários do setor precisam entender é que um bom plano de marketing, com um investimento coerente, cria uma reação em cadeia levando ao êxito de uma política de expan- são dos negócios. Todas as ferramentas de marketing devem ser consideradas e utilizadas de maneira racional. As políticas de preço, logística, distribuição, publicidade, promoção de vendas, etc., são de vital importância para que sejam obtidos resulta- dos crescentes. De nada adianta, por exemplo, uma estratégia baseada na competitividade de preços e que seja ineficiente em publicidade ou na promoção de vendas. Nos dias de hoje, a utilização da tecnologia nas estratégias de marketing rural também está sendo muito valorizada. Cam- panhas em mídias eletrônicas como a TV e a Internet estão se mostrando bastante eficientes, pois possibilitam aos anuncian- tes uma comunicação direcionada a um público bastante quali- ficado. Desta forma, os objetivos das campanhas são mais facil- mente atingidos. Fundamentos do Agronegócio – 178 – Atividades 1. Qual a importância do mix de marketing? 2. Tomando o caso da soja, explique as três dimensões que interfe- rem no seu preço. 3. Analise e justifique a seguinte frase: pequenos produtores rurais não têm instrumentos para diferenciar seus produtos. 4. Por que produtores rurais não adotam ferramentas de marketing? 7 Derivativos agropecuários Embora a produção de bens agropecuários seja umas das mais antigas atividades econômicas da humanidade, ela ainda oferece um conjunto de dificuldades muito grande para os produ- tores. De fato, dominar as técnicas produtivas de cada cultura é apenas uma das habilidades do produtor rural. A produção rural está repleta de riscos, como os climáticos, os provocados por doenças e os ocasionados pelas variações nos preços. Ao longo da história, os agentes econômicos envolvidos com a produção agropecuária vêm desenvolvendo mecanismos que visam minimizar as oscilações de preço dos bens, garan- tindo, dessa forma, melhor equilíbrio financeiro dos agentes e maior capacidade de planejamento. Um dos mecanismos mais eficientes é o contrato futuro, também chamado de derivativo. Os contratos futuros são negociados em bolsas de mercadorias e futuros, a exemplo da BM&FBovespa, que está localizada no Brasil. Na BM&FBovespa são transacionados contratos de açúcar, boi gordo, álcool (anidro e hidratado), café-arábica, milho e soja. Existem também outros derivativos, mas são financeiros. Fundamentos do Agronegócio – 180 – O presente capítulo apresenta os principais conceitos do mercado futuro, enfatizando uma das estratégias mais elementares, o hedge, que é adequado para os produtores que detêm o produto físico. Estratégias de hedge minimizam o impacto das oscilações de preço que os produtores se defrontam. 7.1 Risco É natural em uma economia de mercado, naquela em que os preços são livres e determinados pela oferta e pela demanda, os preços oscilarem ao longo do tempo. Essa oscilação pode ser tanto de alta quanto de baixa, ou seja, os preços podem se elevar ou diminuir ao longo do tempo. O que determina tal oscilação é um conjunto de fatores, como as condições climáticas, as expectativas dos produtores, a tecnologia e o nível de renda dos consumidores, por exemplo. A figura 7.1 mostra a oscilação do preço da soja, medido em dólares, entre janeiro de 2016 e fevereiro de 2018, colocada no porto de Paranaguá, no estado do Paraná. Figura 7.1 – Evolução do preço da soja (US$/ saca de 60 kg – porto de Paranaguá) 16 18 20 22 24 26 28 30 Fonte: Centro de Pesquisas Econômicas Aplicadas – CEPEA/USP. – 181 – Derivativos agropecuários Como é possível observar no gráfico, o preço se comporta de maneira oscilatória. Em determinados momentos, como em meados de 2016, pode- mos observar uma elevação significativa, com valores superiores a 28 dóla- res. Antes, porém, os preços estavam baixos, com valores inferiores a 20 dólares a saca. No segundo semestre de 2017, podemos observar uma rela- tiva estabilidade dos preços, entre 22 e 23 dólares. E no início de 2018, constatamos uma ligeira alta, quando os preços ultrapassaram os 24 dólares. Quando o preço da soja é elevado, ou de qualquer outro produto, independentemente se agropecuário ou industrial, gera-se uma maior ren- tabilidade ao produtor. Por outro lado, essa maior rentabilidade ao produ- tor implica igualmente em uma maior despesa ao comprador, o que pode, dependendo das condições de mercado, afetar negativamente a rentabili- dade desse comprador. Naturalmente, os produtores desejam preços mais elevados e os con- sumidores querem preços mais baixos. É justamente da interação entre o desejo dos produtores e igualmente dos consumidores que temos a deter- minação do preço de equilíbrio de mercado. Mas, conforme salientado anteriormente, os fatores determinantesda oferta e da demanda se modifi- cam ao longo do tempo e impactam no preço. No capítulo 2 fizemos uma breve explanação dos fatores que interferem sobre a oferta e a demanda. Por conta dos preços oscilarem, os produtores e também os consu- midores (produtores que utilizam os bens agropecuários como matéria- -prima) podem ter ganhos elevados ou perdas significativas na lucrati- vidade do negócio. Isso significa que ambos os agentes econômicos se defrontam com risco. Risco é uma palavra originária do italiano antigo (resicare) e tem o significado de ousar. O termo risco é associado a um conjunto expressivo de situações, como riscos financeiros, risco operacional, risco de mercado, risco político, e tantas outras situações. Todas elas representam uma pos- sibilidade real da perda de algo. Tecnicamente, risco é quando se conhece a natureza do fenômeno, ou seja, todas as situações que podem ocorrer, e igualmente a distribuição de probabilidade para cada uma das situações. Suponha a situação: um agricultor planta 100 hectares com uma determinada cultura a um custo de R$ 10.000 por hectare plantado. Se as Fundamentos do Agronegócio – 182 – condições climáticas (chuvas) forem normais, ele terá um faturamento de R$ 15.000 por hectare. Se houver escassez de chuvas seu faturamento será de R$ 8.000 por hectare e se houver excesso de chuvas seu faturamento será de R$ 10.000. A tabela 7.1 mostra as probabilidades para cada um dos eventos climáticos. Tabela 7.1 – Distribuição de probabilidades Evento Probabilidade Escassez de chuva 20% Excesso de chuva 30% Chuvas normais 50% Fonte: elaborada pelo autor. Por meio da tabela podemos perceber que, para cada evento, ou seja, tipo de ocorrência, há uma probabilidade associada. Uma pessoa que se defronte com a mesma situação descrita acima pode ganhar, pode perder ou pode não ganhar nem perder. Portanto, na média, tudo é indiferente, correto? Não, esse raciocínio está errado! Para saber se, na média, é um bom negócio realizar a produção, deve- mos conhecer o valor esperado, que é uma média ponderada pelas proba- bilidades. Para isso precisamos conhecer o lucro do produtor. E sabemos que o lucro é determinado pela receita (faturamento) menos o custo de produção. A tabela 7.2 acrescenta à tabela 7.1 os dados de lucro. A terceira coluna da tabela 7.2 leva em consideração a diferença entre Faturamento e Custo. Dessa forma, se o agricultor se depara com escas- sez, seu faturamento será de R$ 8.000 por hectare e o custo será de R$ 10.000, gerando uma perda de R$ 2.000, que é representada na tabela por meio do sinal negativo (-). Tabela 7.2 – Distribuição de probabilidades e lucro Evento Probabilidade Lucro (Faturamento - Custo) Escassez de chuva 20% - R$2.000 Excesso de chuva 30% R$0 – 183 – Derivativos agropecuários Evento Probabilidade Lucro (Faturamento - Custo) Chuvas normais 50% R$5.000 Fonte: elaborada pelo autor. A tabela 7.2 nos informa que o produtor terá lucro de R$ 5.000 por hectare com probabilidade de 50%, ou 0,5; terá prejuízo de R$ 2.000 com probabilidade de 20%; ou não terá nem ganho nem prejuízo, com proba- bilidade de 30%. Por meio desses dados, podemos calcular o valor esperado1, que é obtido por meio da seguinte operação matemática: Valoresperado � � �� � � � � �0 2 2 000 0 3 0 0 5 5 000, . , , . Valoresperado � � � � �400 0 2 500 2 100. . Assim, podemos constatar que, em média, o agricultor terá um lucro esperado de R$2.100 por hectare. O resultado mostra que o agricultor, mesmo se defrontando com possibilidades de perdas, ele consegue, na média, ter lucro. Na estatística, o valor esperado é determinado pela espe- rança matemática, que é dada pela seguinte expressão: E X X P X X P X X P X X P Xn n i i i n � � � � � � � � � � � � � � � � �1 1 2 2 1 , em que são todos os resultados possíveis de uma variável aleatória e é a probabilidade. Como o valor esperado (esperança matemática) depende também das probabilidades, uma mudança nas probabilidades irá alterar o resultado final. Por exemplo, se as condições climáticas se agravam, de tal forma que a probabilidade da escassez de chuva é de 50%, do excesso de chuva 30% e de chuvas normais de 20%, o valor esperado seria: Valoresperado � � � � � � � �0 5 2 000 0 25 0 0 25 5 000 250, ( . ) , , . 1 Esperança matemática, que é uma média ponderada pela probabilidade. E devemos também recordar que o somatório de todas as probabilidades é 1, ou 100%. Fundamentos do Agronegócio – 184 – Dessa forma, o agricultor continuaria tendo um lucro, mas seria ape- nas de R$250, o que representa um ganho de 11,9% em relação ao lucro anterior, E tudo isso se deve à mudanças nas probabilidades. E caso ainda a situação climática se agrave, o produtor se defrontaria com prejuízos. A situação hipotética acima descrita mostra um dos tipos de risco que o produtor se defronta e que irá afetar sua lucratividade. Para muitas situações, conforme foi descrito no capítulo 3, há instrumentos para evi- tar perdas financeiras, como o seguro rural e o Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro). Para outros tipos, como perdas patri- moniais, há empresas que oferecem seguros, como seguros residenciais e de automóveis, por exemplo. Mas o que poderia evitar perdas decorrentes das variações “naturais” do preço? O mercado de derivativos existe justamente para minimizar o efeito das oscilações de preços nos agentes econômicos. Os aspectos fundamen- tais do mercado de derivativos serão analisados nas próximas seções. 7.2 Mercado de Derivativos – conceitos fundamentais Derivativos podem ser compreendidos como instrumentos exclusiva- mente financeiros, cujos preços estão relacionados a outros ativos (finan- ceiros ou não) de referência. O mercado futuro de soja é um tipo de deri- vativo que está atrelado à soja. O mesmo acontece com o café, o ouro e o dólar, por exemplo. No mercado de derivativos existem diversos agentes com finalidades específicas. Os novos mercados financeiros de futuros e de opções servem a um propósito econômico bastante útil, qual seja, fornecer uma forma pela qual os riscos inerentes à atividade econômica - como os de mercado, de taxas de juros e de taxas de câmbio, possam ser transferidos das pessoas físicas e juríticas que desejem evitá- -los àqueles que estejam dispostos a assumi-los. Essa função desejável de transferência de risco provavelmente se estenderá a outras instituições financeiras e comerciais e aumentará em magnitude, à medida que experiência seja adquirida com esses novos mercados e impedimentos legais a seu uso seja modifi- cado (BM&F, 1998, p. 1). – 185 – Derivativos agropecuários O primeiro deles é o chamado hedger, que tem preocupação central em se precaver contra as oscilações de preço. Sua intenção não é obter ganhos nesse mercado, mas sim evitar perdas. Normalmente o hedger tem operações no mercado físico, seja como produtor, seja como condumidor. O segundo agente é o especulador. Sua característica essencial é que ele não tem negociação no mercado físico, e está presente no mercado de derivativos visando obter lucros. O especulador é visto como um agente importante no mercado, na medida em que ele contribui para elevar a liquidez no mercado. Se o mercado de derivativos fosse formado apenas por hedgers, haveria maior dificuldade para comprar e vender os contra- tos. Com a presença de mais agentes, como o especulador, aumenta a pos- sibilidade de compra e venda, tornando as negociações mais fáceis. E o terceiro agente é o arbitrador. Da mesma forma que o especula- dor, o arbitrador está interessado em lucro, mas, diferentemente do espe- culador, ele não tem nenhum risco. Isso se deve ao fato de que ele compra em mercados onde o bem tem preço mais baixo e vende em mercados onde o preço é mais elevado. No mercado de derivativos há três tipos: mercado a termo, mercado futuro e o mercado de opções2. No mercado a termo, os agentes, um com- prador e um vendedor se comprometem em uma datafutura a comprar e a vender uma quantia de um bem por uma preço estabelecido. O mercado a termo pode funcionar tanto em bolsa, como a BM&FBovespa, quanto no mercado de balcão, ou seja, no ambiente fora da bolsa. O mercado futuro tem estrutura semelhante ao mercado a termo, mas pode ser operado somente na bolsa. E a bolsa conta com uma série de instrumentos e regras para garantir a execução do contrato, algo que pode não ocorrer no mercado a termo. O mercado de opções é constituído pelo direito, em uma data futura, de comprar ou vender um determinado ativo por um preço fixo. O mercado de opções é semelhante ao mercado de seguro, como o seguro de vida ou de bens. Quem compra o seguro paga um prêmio ao vendedor. O compra- 2 Alguns autores consideram o swap como uma modalidade de derivativo, que tem com- portamento semelhante ao do mercado a termo. Para maiores informações consultar http:// www.bmfbovespa.com.br/pt_br/produtos/mercado-de-balcao/derivativos/swap.htm Fundamentos do Agronegócio – 186 – dor tem o direito de exercer a compra ou a venda do ativo, dependendo do comportamento do preço, e o vendedor tem o dever de realizar a transação quando o comprador executar sua opção. As principais características dos mercados de derivativos podem ser vistas no quadro 7.1. Quadro 7.1 – Características fundamentais dos mercados de derivativos Mercado a termo Mercado futuro Mercado de opções Onde se negocia Balcão ou bolsa Somente bolsa Balcão ou bolsa O que se negocia Compromisso de comprar ou vender um bem por preço fixado em data futura Compromisso de comprar ou vender um bem por preço fixado em data futura Os compradores adquirem o direito de comprar ou vender por preço fixo em data futura Posições Ausência de inter- cambialidade Intercambialidade Intercambialidade Liquidação A estrutura mais comum é a liqui- dação somente no vencimento. Há contratos em que o comprador pode antecipar a liqui- dação. Presença de ajuste diário. Comprado- res e vendedores têm suas posições ajustadas finan- ceiramente todos os dias, de acordo com as regras do contrato. Liquidam-se os prêmios na contra- tação da operação. No vencimento, apura-se o valor da liquidação a par- tir do exercício do direito dos compra- dores. Fonte: BM&FBovespa (2017) 7.3 Os diferentes tipos de mercados Comecemos nossa discussão por meio de um exemplo. Suponha um produtor de café que está localizado no interior do estado de São Paulo e uma torrefação de café localizada na capital. Como o café produzido na fazenda não está apto ao consumo final, ele necessita passar por alguns estágios de produção, como a torrefação e a moagem, por exemplo. Após essas etapas, ele pode ser embalado e disponibilizado para o consumo final nos vários pontos de comercialização. – 187 – Derivativos agropecuários Devemos deixar claro que no momento de início da produção, o pro- dutor não sabe qual será o preço no momento da colheita, pois, como já foi discutido em outras partes do livro, o produtor de commodities não determina o preço de venda do seu bem, que é determinado pelo mercado e está sujeito a inúmeras variáveis. Sabemos também que a colheita de café ocorre em um período de tempo relativamente curto, cerca de 3 meses, enquanto o seu consumo ocorre o ano todo. Isso implica que, uma vez colhido, alguns dos agentes envolvidos na cadeia produtiva do café deverão se responsabilizar pela armazenagem e pelo transporte, o que gera custos. Como o café é uma commoditie e há muitos produtores de café, o seu preço é estabelecido pelas forças de mercado. O produtor do café deseja que o preço seja o mais alto possível, pois assim conseguirá obter lucros elevados. Mas se o preço estiver alto, a empresa de torrefação e moagem terá ganhos pequenos. Por outro lado, o desejo da empresa é comprar o café do produtor a preços baixos, situação que poderá gerar baixos ganhos ou mesmo prejuízos ao produtor de café. A figura 7.2 mostra a evoluação do preço do café arábica (saca de 60Kg). Figura 7.2 – Evolução do preço do café arábica (R$/ saca de 60 kg – posto na cidade de São Paulo) 400 410 420 430 440 450 460 Preço Preço “justo" Tendência Fonte: Centro de Pesquisas Econômicas Aplicadas – CEPEA/USP. Fundamentos do Agronegócio – 188 – Como podemos observar, o preço da saca no início do mês de janeiro de 2018 estava em torno de R$ 455. Nos três meses que seguiram, nota- mos que o preço apresentou uma tendência de queda, de tal forma que, no final de março, estava perto de R$ 425 por saca. Nesse período houve uma queda de R$ 30 por saca, que representa uma variação negativa de 4,4%. Nesse contexto, o produtor perde e a empresa processadora ganha. A linha de tendência exibe a queda média do preço do café no período. Há diversas formas de comercialização entre o produtor do café e a empresa processadora. A mais simples é por meio do pagamento à vista e entrega imediata da mercadoria. O preço da transação é o de mercado, que pode ser benéfico para o produtor e a empresa processadora. Essa forma de comercialização é também conhecida pela denominação de mercado spot. Uma segunda forma de comercialização é o chamado mercado a termo. Nessa modalidade, os agentes acertam a transação para ser rea- lizada em data futura e a um preço acordado. Quando a data específica chegar, há a entrega física da mercadoria e o pagamento é realizado. No entanto, o preço não é o do dia, mas aquele que foi combinado previa- mente. A vantagem do mercado a termo em relação ao mercado spot que é os agentes conseguem se blindar das variações de preço que ocorrem ao longo do tempo. Suponha que a transação seja negociada no dia 2 de janeiro de 2018, para ser liquidada no dia 29 de março. E suponha que o preço acordado entre as partes seja aquele que não onere nenhuma das partes, digamos R$ 440 por saca de café. Esse valor é representado pela linha reta e horizontal na figura 7.2, e percebam que ela permanece constante ao longo do tempo. Portanto, a transação está isenta das variações de preço que acontecem no mercado. Percebam que nesse caso ambos os agentes se encontram em uma posição intermediária em relação ao preço. Como a transação no mercado a termo é um contrato privado entre as partes interessadas, ele pode estar sujeito à ações oportunistas. Suponha que o comprador, vendo o preço da saca do café cair, não deseje honrar o cumprimento do contrato. Assim, ele poderia comprar no mercado spot e pagar R$ 425 por saca de café e não R$ 440 como estava estabelecido no contrato, obtendo um ganho de R$ 15 por saca de café. Caso essa quebra – 189 – Derivativos agropecuários de contrato realizasse, ela traria um grande benefício financeiro ao com- prador e, por outro lado, um prejuízo ao vendedor, que, nesse caso, seria uma perda de R$ 15 por saca. Mas vale ressaltar que, se o preço assumisse uma tendência de alta, seria o vendedor que poderia quebrar o contrato, gerando prejuízo do comprador. Percebe-se que os agentes que transacionam no mercado a termo não assumem a ideia de prejuízo, mas sim como algo que não foi possível ganhar. Essa concepção e essa atitude é fundamental para permitir elimi- nar as incertezas que afetam os preços. 7.4 As bolsas de mercadorias e futuros Perceba que não há garantias para que o contrato, uma vez determi- nado conforme o item anterior, seja cumprido pelas partes. E isso é justa- mente uma falha grave no mercado a termo. Para eliminar essa falha há as bolsas de mercadoria e futuro. Segundo o Banco Central3, As bolsas de mercadorias e futuros são associações privadas civis, com objetivo de efetuar o registro, a compensação e a liquidação, física e financeira, das operações realizadas em pregão ou em sistema eletrônico. Para tanto, devem desenvolver, organizar e operacionalizar um mercado de derivativos livre e transparente, que proporcione aos agentes econômicos a oportunidade de efetuarem operações de hedging (proteção) ante flutuações depreço de commodities agropecuárias, índices, taxas de juro, moedas e metais, bem como de todo e qualquer instrumento ou variável macroeconômica cuja incerteza de preço no futuro possa influenciar negativamente suas atividades. Possuem autonomia financeira, patrimonial e administrativa e são fiscalizadas pela Comissão de Valores Mobiliários. Portanto, as bolsas de mercadorias e futuros são organizações que visam regulamentar e cumprir as transações entre agentes que operam no mercado de derivativos de tal forma que os riscos das variações de preço mercado sejam minimizados. E as bolsas têm um conjunto muito amplo de mecanismos para garantir que os contratos sejam cumpridos, indepen- dente do desejo dos agentes. 3 https://www.bcb.gov.br/pre/composicao/bmf.asp Fundamentos do Agronegócio – 190 – Tradicionalmente muitos contratos eram negociados no chamado mercado de balcão. Segundo a CVM4 (2005): O mercado de balcão organizado é um ambiente administrado por instituições auto-reguladoras que propiciam sistemas informatiza- dos e regras para a negociação de títulos e valores mobiliários. Estas instituições são autorizadas a funcionar pela CVM e por ela são supervisionadas. Tradicionalmente, o mercado de balcão é um mercado de títulos sem local físico definido para a realização das transações que são feitas por telefone entre as instituições financeiras. O mercado de balcão é chamado de organizado quando se estrutura como um sistema de nego- ciação de títulos e valores mobiliários podendo estar organizado como um sistema eletrônico de negociação por terminais, que interliga as instituições credenciadas em todo o Brasil, processando suas ordens de compra e venda e fechando os negócios eletronicamente. O quadro 7.2 mostra as principais diferenças entre o mercado de bal- cão e o da bolsa; Quadro 7.2 – Características do mercado de balcão e da bolsa Características Mercado de balcão Mercado organizado (bolsa) Liquidação do con- trato Estipulado a partir da necessidade das partes Padronizado Ambiente de negociação Qualquer Em ambiente comum de negociação Fixação de preços Negociação Cotação aberta Flutuação de preços Livre Limites de preços (alta e baixa) Relação entre as partes Direta Por meio da câmara de compensação 4 https://investidor.cvm.gov.br/portaldoinvestidor/export/sites/portaldoinvestidor/publica- cao/Cadernos/CVM-Caderno-7.pdf – 191 – Derivativos agropecuários Características Mercado de balcão Mercado organizado (bolsa) Regulação Não existe Regulação gover- namental e autorregulação (bolsa) Liquidez Baixa Ampla nos mercados consolidados Fonte: adaptado de BM&F (2007). Além das características retratadas no quadro 7.2, vale ressaltar que no mercado de balcão as liquidações são realizadas integralmente na data do vencimento do contrato. E caso a diferença do preço de mercado e do preço acordado seja elevado haverá maior propensão para ações oportu- nistas entre os agentes. Já no mercado da bolsa, os ajustes ocorrem dia- riamente, evitando grandes variações. Além disso, pelo fato dos contratos serem padronizados, há também maior facilidade de liquidação. Tudo isso possibilita maior transparência entre os agentes. Como os contratos negociados na bolsa são padronizados dentro de características consideradas ideais, essa característica facilita a tran- sação de compra e venda entre os agentes. Mas a grande característica distintiva da bolsa de mercadorias e futuros é a presença da câmara de compensação (clearinghouse). O fluxo diário de pagamentos necessita de controle e de garan- tias. Daí, a importância da câmara de compensação, ou clearing, no cumprimento das obrigações assumidas pelos participantes, pois ela se torna compradora de todos os vendedores e vendedora de todos os compradores, controlando as posições em aberto de todos participantes e realizando a liquidação de todas as operações. Esse sistema de liquidação diária e de garantias não só permite que os hedgers utilizem os mercados futuros com e ciência, mas também que outros investidores com objetivos distintos, como especuladores e arbitradores, participem desse mercado por meio de grande variedade de estratégias operacionais. (BM&F, 2007, p. 33). Fundamentos do Agronegócio – 192 – Figura 7.3 – Interação da câmara de compensação com demais agentes Fonte: www.tabbforum.com. A câmara de compensação é o órgão dentro da bolsa de mercadorias e futuros que é responsável por garantir que todas as transações sejam hon- radas. De maneira operacional, a câmara de compensação é uma central de custódia que centraliza todos os depósitos de garantias provenientes dos operadores de mercado. Mas a bolsa, por meio de suas regras, tem outros mecanimos de garantia dos contratos. O mais elementar deles é o ajuste diário. Segundo a BM&F (2007, p. 30), o “ajuste diário é o mecanismo de equalização de todas as posições no merca- do futuro, com base no preço de compensação do dia, resultando na movimentação diária de débitos e créditos nas contas dos clientes, de acordo com a variação negativa ou positiva no valor das posições por eles mantidas”. Por meio do mecanismos de ajuste diário, os agentes atualizam dia- riamente todas as posições (ganhos ou perdas) decorrentes das variações do preço do bem transacionado até a data de vencimento do contrato. O ajuste diário é um mecanismo presente apenas da bolsa e contribui para que o risco de não cumprimento do contrato seja minimizado. A tabela 7.3 mostra o funcionamento do ajuste diário para o comprador e vendedor. – 193 – Derivativos agropecuários Tabela 7.3 – Ajustes diários do vendedor e do comprador Periodo Preço de mercado Preço da transação Vendedor Comprador Ajuste Saldo Ajuste Saldo t 455 455000 10000 10000 t+1 457 457000 -2000 8000 2000 12000 t+2 457 457000 0 8000 0 12000 t+3 454 454000 3000 11000 -3000 9000 t+4 453 453000 1000 12000 -1000 8000 t+5 450 450000 3000 15000 -3000 5000 t+6 452 452000 -2000 13000 2000 7000 t+7 449 449000 3000 16000 -3000 4000 t+8 445 445000 4000 20000 -4000 0 t+9 443 443000 2000 22000 -2000 -2000 t+n 439 439000 4000 26000 -4000 -6000 Fonte: elaborada pelo autor Para compreender as informações do ajuste diário, devemos esclarecer que a pessoa que deseja adquirir um contrato futuro tanto de compra quanto de venda deve se cadastrar (abrir uma conta) em uma corretora, que é a empresa responsável por oficializar a operação dos clientes no ambiente da bolsa. Ao se cadastrar em uma corretora, o cliente deve depositar um determinado valor no qual sejam creditados seus lucros e debitados seus prejuízos diariamente. Além do valor relacionado com o ajuste diário, há também a margem de garantia. Segundo Marques et al. (2006, p. 91), a margem de garantia é um depósito (em dinheiro ou em ativos aceitos pela Bolsa) exigi- dos de todos os clientes para cobrir o risco de suas posições, den- tro de cenários preestabelecidos pelo Comitê de Risco da Bolsa. A Margem de Garantia fica depositada na bolsa até o término da operação e serve para cobrir uma eventual falha no pagamento do ajuste diário. A Bolsa aceita depósito em dinheiro, certificado de depósito bancário (CDB), carta de fiança, ouro, ações ou títulos do governo. Encerrada a operação e todos os compromissos sido saldados, a margem é devolvida. Com base na tabela 7.3, estamos supondo que um agente adquiriu 10 contratos de venda de café, em que cada contrato é composto por 100 Fundamentos do Agronegócio – 194 – sacas de café de 60 quilos. Portanto, o agente detém o equivalente a 1000 sacas de café a um preço de R$ 455,00 por saca. Como ele detém 1000 sacas, o valor total do contrato é de R$ 455.000,00. Como os contratos são padronizados, temos, do outro lado, um outro agente (ou vários) que adquiriu 10 contratos de compra de café com as mesmas condições. Con- forme a regra da bolsa, eles devem aportar, além da margem de garantia, um valor para o ajuste diário. Digamos que esse valor seja de R$10.000,00.Dessa forma, podemos observar na tabela 7.3 que a primeira coluna se refere ao período de transação. A letra t indica o período atual (hoje), t+1 é o período atual mais um dia; t+2 é o período atual mais dois dias, e assim sucessivamente. A segunda coluna mostra o preço de mercado, que não é conhecido previamente; ele somente é conhecido no momento. A terceira coluna é o valor a preço de mercado de toda a transação, ou seja, o preço das 1000 sacas de café. A quarta e quinta coluna se refere ao agente que está “vendendo” café. O vendedor tem duas colunas de informações, sendo que a primeira é o ajuste e a segunda é o saldo. O ajuste decorre da variação do valor do seu contrato, como ele está vendendo 1000 sacas de café, as variações do preço das 1000 sacas serão contabilizadas no ajuste. E o saldo é o valor depositado para o ajuste diário corrigido pelo saldo. Posição semelhante é a do comprador. Como a aquisição dos contratos na bolsa “travam” o preço, variações do preço no mercado físico implica em ajustes. O vendedor deseja receber R$455,00 por cada saca, totalizando R$455.000,00, se o preço do café subir, ele irá perder, caso o preço da saca diminuir, ele irá ganhar. O racio- cínio, embora inicialmente nebuloso, é bastante simples. Estamos supondo que há, de fato, um produtor de café, cujo receio é dos preços caírem. Uma vez que ele detém o produto físico, as 1000 sacas de café, ele está na bolsa visando evitar as variações de preço. Como ele deseja receber R$455,00 por cada saca, caso o preço no mercado físico tenha uma alta, digamos, para R$ 457,00, ele vende o seu bem no mer- cado físico pelo preço de mercado, e entrega a diferença de R$ 2,00 por saca (R$457,00 - R$455,00) para a bolsa. Como estamos tratando de 1000 sacas, a diferença de torna R$ 2.000,00. Esse mecanismo faz com que o vendedor receba, indepedente do preço no mercado físico, R$455,00 por – 195 – Derivativos agropecuários cada saca. Se, por outro lado, a saca do café seja cotada no mercado físico R$ 453,00, ele venderá no mercado físico por esse preço, e receberá da bolsa uma valor complementar para ter, financeiramente, R$ 455,00 por saca de café. Dessa forma, se o preço no mercado físico cai, ele recebe da bolsa (ganha), e caso o preço suba, ele paga à bolsa (perde). Quando usamos a expressão entregar e receber da bolsa, é uma maneira simplista, pois a bolsa intermedia a transação até o outro agente, ou seja, até o comprador. Notem que o comprador tem uma posição con- trária, pois ele deseja pagar R$ 455,00 por saca de café. Caso o preço do café suba no mercado físico, digamos, para R$ 457,00 por saca, ele irá comprar no mercado físico por esse preço e irá receber da bolsa R$ 2,00, o que fará com que ele pague, efetivamente, R$ 455,00 por saca. Assim, se o preço no mercado físico cai, ele paga à bolsa (perde), e caso o preço suba, ele recebe da bolsa (ganha). Levando em consideração esse raciocínio, podemos perceber que no final da transação exemplificada na tabela 7.3 (t+n), o vendedor, que se defrontou com uma queda do preço no mercado físico, obteve um ganho de R$ 16.000. O valor na coluna saldo se refere à soma do que ele tinha como depósito do ajuste diário (R$ 10.000) mais o ganho, totali- zando R$26.000,00. Por outro lado, o comprador, diante da queda do preço, teve uma perda de igual valor, ou seja, de R$16.000,00. Portanto, o seu saldo foi de R$ 6.000 negativos. Aqui vale uma observação. Quando o valor para o ajuste diário está próximo a zero, a corretora chama o agente para mais um depósito, assim, a conta sempre apresentará valores positivos. Se o agente se recusar a realizar esse depósito, a bolsa irá fazer uso da margem de compensação. Percebe-se, dessa forma, que por meio do ajuste diário e da margem de garantia os contratos têm garantias de cumprimento. Vale dizer que, a qualquer momento, o agente pode encerrar o con- trato. Para isso, basta mudar de posição. Se inicialmente um agente tem um contrato de compra, basta ele ter um contrato de venda nas mesmas especificações, que eles se anulam e permitem que o agente saia da bolsa. Ressalta-se que no exercício não foram incorporadas as taxas de correta- gem e demais taxas pagas à bolsa. Fundamentos do Agronegócio – 196 – 7.5 Formação de preços futuros A formação de preço futuro é uma atividade bastante complexa, pois envolve um conjunto bastante amplo de elementos. Além disso, previsão é sempre um elemento incerto, ou seja, que está sujeito a condições não previstas efetivamente e que alteram o valor construído. De forma, bastante simplista, a relação entre preço futuro e preço a vista é dada pela seguinte equação: PF PV i CC en� �� � � �1 onde: PF = preço futuro em data estabelecida; PV = preço à vista; i = taxa de juros diária; n = número de dias até a data estabelecida; CC = custo de carregamento, como custos logísticos e de armazenagem; e = erro aleatório. Pelo fato de o preço futuro ser algo incerto, a equação necessita de um termo de erro, que mensura todos os elementos de incerteza. Isso se deve, no caso das commodities agropecuárias, à ocorrência de eventos naturais que não podem ser devidamente “precificados” e também às questões de assimetria de informação entre agentes. Por ser uma variável de erro, ela não pode ser conhecida previamente, apenas na data futura. Como exemplo, suponha 1000 sacas de 60 quilos de café que estejam sendo negociadas a R$ 450 a saca. Suponha também que o custo mensal de armazenamento de cada saca é de R$ 0,50 por mês, e que a taxa de juros seja de 10% ao ano. Vamos supor que desejamos conhecer o preço de 60 dias. O preço do contrato futuro dessas 1000 sacas que ocorrerá a 60 dias é dado por: PF � � � �� � � � �450 1000 1 0 1 2 0 50 100060 252, ,/ – 197 – Derivativos agropecuários Percebam que a taxa de juros é de 10% ao ano, e deseja-se saber o preço futuro em 60 dias. Dessa forma, a taxa anual deve ser convertida em taxa diária. Isso é feito por meio da divisão entre o número de dias dese- jados e a quantidade de dias úteis que se tem durante um ano 60 252/� � . O custo de carregamento CC� � é de dois meses, sendo que o custo por casa é de R$ 0,50 por saca por mês. Portanto, o custo de carregamento das 1000 sacas durante dois meses é dado pelo produto 2 0 50 1000× ×, . Finalmente, podemos chegar ao resultado do preço futuro: PF = 461 328 55. , A figura 7.4 mostra a evolução do preço ao longo do tempo. Podemos constatar que o preço é crescente, pois o tempo afeta duplamente essa relação, tanto por meio da capitalização quanto do custo de carregamento. Figura 7.4 – evoluação do preço futuro em relação ao tempo (dias) 425000 430000 435000 440000 445000 450000 455000 460000 465000 470000 475000 480000 485000 490000 495000 500000 505000 Preço Futuro Fonte: elaborada pelo autor. Fundamentos do Agronegócio – 198 – 7.6 Importância de base O conceito de base é a diferença entre o preço de um ativo negociado na bolsa e o preço físico específico onde o agente se encontra. Essa dife- rença, como apontam Marques et al. (2007, p. 107) se deve a: 1. o ativo a partir do qual é feito o hedge poderá ter diferenças com os especificados no contrato futuro. 2. não se sabe com antecedência a data exata em que o ativo será comprado ou vendido no mercado físico. 3. devido a alguma estratégia, o contrato futuro poderá ser encer- rado antes mesmo da data de vencimento. A base é constituída por dois elementos centrais. O primeiro está rela- cionado aos custos de transporte, e isso reflete no preço à vista em que a produção do bem ocorre e os pontos de entrega do ativo. Como exemplo, o local de entrega da soja é no porto de Paranaguá, o café é na cidade de São Paulo. O segundo se dá em função do preço à vista entregue no local de entrega em relação ao preço futuro no mesmo local. Essa diferença é por conta dos diversos custos associados especificamente à transação, como lucro de vendedores, e a outros elementoslogísticos, como armazenagem e custos com a mão-de-obra. Marques et al. (2007) ressaltam que, embora haja riscos de base, ou seja, variações nos custos, eles são muito mais previsíveis do que os riscos do próprío preço do bem. Dessa forma, os agentes internalizam os riscos de base e eliminam os riscos de preço. A base possui três dimensões: tempo, espaço e qualidade, ou seja, ela pode ser explicada pelo custo de carregamento de um mês para outro, transportar o produto da cidade onde se localiza para o ponto de entrega, impostos, qualidade do produto, demanda local, barrei- ras sanitárias, etc. Nas nossas discussões não nos preocuparemos em explicar os componentes da base, mas em reconhecer sua existência e mostrar como a mesma pode influenciar os resultados das opera- ções com contratos futuros (MARQUES et al., 2007, p. 110). Isso permite intuir que o preço em determinado local é sempre inferior ao preço da bolsa, o que se deve, como afirmado anteriormente, a todos os custos para que, pelo menos teoricamente, o produto seja entregue no local – 199 – Derivativos agropecuários especificado pela bolsa. Mas vale ressaltar que não é desejo dos agentes (compradores e vendedores) realizarem a entrega física do produto, pois o que realmente interessa a eles não é “vender” o produto, mas sim encontrar condições de não serem afetados pelas oscilações de preço. 7.7 Nível ótimo da quantidade de derivativos Uma das principais preocupações que todo agente econômico tem está relacionada com a proporção da produção (vendida ou comprada) que deve ser segurada pelos instrumentos de derivativos. Ao longo da histó- ria do funcionamento dos mercados futuros, muitos modelos matemáticos foram desenvolvidos para determinar, dado um nível de produção, qual é a quantidade ótima que deverá ser segurada. Esses modelos incorporam o nível de risco e a variabilidade do mercado. Marques et al. (2007, p. 115) destacam quatro pontos fundamentais: a) faça a melhor análise possível sobre a expectativa do mercado quanto à subida ou descida de preço; b) faça hedge apenas daquela porção da mercadoria que precisa para garantir compromissos assumidos. Este volume poderá ser maior ou menor em função do resultado da análise de mercado; c) vá encerrando algumas posições e assumindo outras à medida que o mercado se movimenta favorável ou contrário; d) o importante é conseguir um preço médio bom e não tentar acer- tar na mosca do “melhor” preço. Existem várias corretoras no mercado que operam com contratos futuros. Uma busca de informações nos endereços eletrônicos dessas cor- retoras pode ajudar a conhecer melhor o funcionamento dos mercados de derivativos e também a conhecer outros mecanismos de proteção além de hedge, como as opções e swaps. Todos esses demais mecanismos têm particularidades próprias que podem minimizar os riscos do mercado. Essas mesmas corretoras podem ajudar a definir qual é a melhor estratégia para o agente, como também indicar a possibilidade de reali- zar o cross-hedge, que nada mais é do que escolher um bem no mercado Fundamentos do Agronegócio – 200 – futuro que tenha comportamento similar ao que se deseja transacionar. Por exemplo, há um contrato futuro na BM&FBovespa para o boi gordo, que pode ser utilizado como instrumento de cross-hedge para o boi magro. 7.8 Características dos contratos futuros na BM&Fbovespa Como salientado anteriormente, os contratos negociados na BM&FBovespa e igualmente em outras bolsas de mercadorias e futuros são padronizados. Como ressalta BM&FBovespa ( 2017, p. 108): A padronização dos contratos é condição imprescindível para que a negociação possa ser realizada em bolsa. Imagine um pregão no qual cada um dos participantes negociasse determinado tipo de boi ou café com cotações e unidades de negociação diferentes. A nego- ciação de pregão seria impraticável. Graças à padronização, os produtos em negocia- ção se tornam completamente homogêneos, tornando indiferente quem está comprando ou vendendo a merca- doria. Todas as condições sob as quais os ativos serão transferi- dos de uma contraparte para outra são estabelecidas por meio das especificações do contrato, definidas pela Bolsa. Apenas dois itens podem variar na BM&FBOVESPA: o número de contratos oferta- dos e o preço negociado entre as partes. O quadro a seguir mostra as características de todos os contratos futu- ros agropecuários transacionados na BM&FBovespa. Quadro 7.3 – Características de todos os contratos futuros agropecuários transacionados na BM&FBovespa Café - Características Técnicas Objeto de negociação Café cru, em grão, de produção brasileira, coffea ara-bica, tipo 6-25 (6/7) ou melhor, bebida dura ou melhor. Código de negociação KFE Tamanho do contrato 100 sacas de 60kg líquidos (equivalentes a 6 tone-ladas métricas). Cotação Dólares dos Estados Unidos por saca, com duas casas decimais. Variação mínima de apregoação US$0,05. Lote padrão 1 contrato. – 201 – Derivativos agropecuários Café - Características Técnicas Último dia de negociação Última sessão de negociação do mês de vencimento do contrato. Data de vencimento 6º dia útil anterior ao último dia útil do mês do ven-cimento. Meses de vencimento Março, maio, julho, setembro e dezembro. Local de entrega Armazéns credenciados pela BM&FBOVESPA. No caso de entrega em localidade diferente do município de São Paulo (SP), haverá dedução do custo de frete para apuração do valor de liquidação. Período de aviso de entrega 1º dia útil do mês de vencimento ao 7º dia útil ante-rior ao último dia útil do mês de vencimento. Liquidação no vencimento Física. Boi Gordo - Características Técnicas Objeto de negociação Bovinos machos, com 16 arrobas líquidas ou mais de carcaça e idade máxima de 42 meses. Código de negociação BGI Tamanho do contrato 330 arrobas líquidas. Cotação Reais por arroba líquida, com duas casas decimais. Variação mínima de apregoação R$ 0,05. Lote padrão 1 contrato. Último dia de negociação Última sessão de negociação do mês de vencimento do contrato. Data de vencimento Última sessão de negociação do mês de vencimento do contrato. Meses de vencimento Todos os meses. Liquidação no vencimento Financeira. Açúcar cristal - Características Técnicas Objeto de negociação Açúcar cristal especial, com mínimo de 99,7º de polarização, máximo de 0,08% de umidade, máximo de 150 de cor ICUMSA, máximo de 0,07% de cinzas. Código de negociação ACF Fundamentos do Agronegócio – 202 – Açúcar cristal - Características Técnicas Tamanho do contrato 508 sacas de 50kg líquidos (equivalentes a 25,4 toneladas métricas). Cotação Reais por saca, com duas casas decimais. Variação mínima de apregoação R$0,01. Lote padrão 1 contrato. Último dia de negociação Dia 15 do mês de vencimento. Data de vencimento Dia 15 do mês de vencimento. Caso não houver sessão de negociação, a data de vencimento será a próxima sessão de negociação. Meses de vencimento Fevereiro, abril, junho, setembro e dezembro. Liquidação no vencimento Financeira. Etanol anidro - Características técnicas Objeto de negociação Etanol anidro carburante, conforme as especifi- cações técnicas da Agência Nacional de Petróleo (ANP). Código de negociação ETN Tamanho do contrato 30m³ (equivalentes a 30.000 litros). Cotação Reais por metro cúbico, com duas casas decimais. Variação mínima de apregoação R$0,50. Lote padrão 1 contrato. Último dia de negociação Última sessão de negociação anterior ao mês de vencimento. Data de vencimento Última sessão de negociação anterior ao mês de vencimento. Meses de vencimento Todos os meses. Local de entrega Os pontos de entrega da mercadoria, na condição “sobre rodas” são as bases de distribuição no Muni- cípio de Paulínia (SP) ou no terminal portuário em Santos (SP). Período de aviso de entrega Entre o 6º dia anterior ao mês de vencimento e até uma hora após o encerramento da sessão de negociação do penúltimo dia útil anterior ao mês de vencimento. – 203 – Derivativos agropecuáriosEtanol anidro - Características técnicas Liquidação no vencimento Física. Milho - Características Técnicas Objeto de negociação Milho em grão a granel, com odor e aspectos nor-mais, duro ou semiduro e amarelo. Código de negociação CCM Tamanho do contrato 450 sacas de 60kg líquidos (equivalentes a 27 tone-ladas métricas). Cotação Reais por saca, com duas casas decimais. Variação mínima de apregoação R$0,01. Lote padrão 1 contrato. Último dia de negociação Dia 15 do mês de vencimento. Data de vencimento Dia 15 do mês de vencimento. Caso não haja sessão de negociação, a data de vencimento será a próxima sessão de negociação. Meses de vencimento Janeiro, março, maio, julho, agosto, setembro e novembro. Liquidação no vencimento Financeira. Soja - Características Técnicas Objeto de negociação Soja em grão a granel tipo exportação, com os seguintes limites máximos: 14% de umidade; 1% de matérias estranhas e impurezas; 30% de quebrados; 8% de esverdeados; 8% de avariados, dos quais se permite até 6% de grãos mofados, até 4% de grãos ardidos e queimados, sendo que esse último não pode ultrapassar 1%; e 18,5% de conteúdo de óleo. Código de negociação SFI Tamanho do contrato 450 sacas de 60kg líquidos (equivalentes a 27 tone-ladas métricas). Cotação Dólares dos Estados Unidos por saca, com duas casas decimais. Variação mínima de apregoação US$0,01. Lote padrão 1 contrato. Fundamentos do Agronegócio – 204 – Soja - Características Técnicas Último dia de negociação 2º dia útil anterior ao mês de vencimento. Data de vencimento 2º dia útil anterior ao mês de vencimento. Meses de vencimento Março, abril, maio, junho, julho, agosto, setembro e novembro. Liquidação no vencimento Financeira. Fonte: BM&F (2007). Ampliando seus conhecimentos Quem planta e cria já está acostumado a lidar com adversida- des. Clima atípico, problemas operacionais, e oscilações de pre- ços são corriqueiros. 5 A luta é diária! Antes mesmo de se plantar, é preciso planejar a safra; e comprar (parte) dos insumos. E durante a safra, existem todas as adversidades possíveis, e, principalmente, o risco de não colher o que se espera. Soma-se a isso, o medo dos preços caírem, e não conseguir pagar os custos. Por questão de tradição e, sobretudo, falta de comunicação, as principais ferramentas de proteção agrícola, disponíveis no mercado financeiro, são de difícil acesso aos produtores rurais. O agricultor que acredita estar fazendo “o melhor” sem conhe- cer essas ferramentas está, no mínimo, desinformado (com todo o respeito, pois sou um agricultor, também). O “modus ope- randi” de comercialização agrícola pode ser muito melhor do que costumeiramente é. Ora bolas, que agropecuarista nunca sofreu perdas de receitas em função de quedas de preços de produtos agrícolas. Produtores de soja, milho, algodão, criadores de boi, e afins. Quem nunca teve seus produtos comercializados bem abaixo do esperado? 5 http://maissoja.com.br/hedge-agropecuario/ – 205 – Derivativos agropecuários Aqueles que são mais dolarizados, quem nunca sofreu um baque devido à variação do dólar? Os que se endividaram em dólar, simplesmente “quebraram”, em momentos de alta da cotação. E aqueles que tinham recebíveis em dólar (exporta- dores, por exemplo), tiveram quedas gigantescas de receita, em função das quedas da cotação. Uma prática comum na agricultura são os pacotes de troca, os Barters. Por eles, agricultores utilizam sua (expectativa) de safra futura como moeda de troca para custear a safra. Na prática, são contratos a termo, no qual o preço da negociação é estipulado “ex-ante”, e não se tem alterações de valor, nem para a queda nem para a alta, dos preços. Uma parte assume o compromisso de pagar, e a outra parte, recebe o valor combinado. Previne-se contra a queda de preços, entretanto, excluem-se, as chances de ganhar com a, possível, alta dos preços. Além disso, assume- -se um risco maior, o de entregar a mercadoria, risco cada vez maior, com regimes climáticos atípicos, como os atuais. O mesmo vale para o pecuarista, afinal: e se o gado não engordar? Bem melhor do que os pacotes de troca são os travamentos de preços de Bolsa de Mercadorias e Futuros (BMF). As vantagens estão na ausência de compromisso de entrega física, apenas ajustes financeiros. Na BMF existem duas modalidades, 1) os contratos futuros, e 2) as opções. O primeiro a citar, são os contratos futuros. Se “trava um preço”, tal qual um barter, com a vantagem de não entrega da mercado- ria, e a desvantagem de se ter ajustes diários. Outra vantagem são os valores menores de investimentos, apenas uma fração do total a se proteger, uma “margem”. Quando o mercado vai con- tra a expectativa, ganha-se no mercado físico, mas perde-se no mercado financeiro, na BMF. A perda de um mercado anula o ganho da outra, mantendo o preço original estável. O segundo a citar são as opções, na quais também não se tem compromisso de entrega de mercadoria, nem ajustes diários. Pelas opções, tem-se a chance ganhar no físico, se Fundamentos do Agronegócio – 206 – subir o preço, ou assegurar uma receita mínima, caso os pre- ços caiam. O ganho em um mercado não elimina o do outro. É, sem dúvida, a melhor opção para seguro de preços a gropecuários, e a melhor opção como forma de garantia de receita (mínima). Atividades 1. Calcule o ajuste diário, tanto para o vendedor quanto para o pro- dutor, com base nas informações contidas no quadro a seguir: Periodo Preço de mercado Preço da transação Vendedor Comprador Ajuste Saldo Ajuste Saldo t 100 10000 5000 5000 t+1 105 10500 t+2 103 10300 t+3 100 10000 t+4 98 9800 t+5 101 10100 t+6 103 10300 t+7 106 10600 t+8 106 10600 t+9 108 10800 t+10 110 11000 2. Calcule o preço futuro de uma commoditie com base nas seguin- tes informações: PV = 1000; i = 6,5% ao ano; n = 30; CC = 100; 3. Qual a diferença entre mercado a termo e mercado futuro? 4. Diferencie hedge e hedge cruzado (cross-hedge). 8 Responsabilidade Social e Ambiental no Agronegócio Mais do que qualquer outra atividade econômica, o agro- negócio, e especificamente a agropecuária, necessita de serviços ambientais. Embora uma denominada “revolução verde” tenha ocorrido ao longo do século XX, tornando a produção agropecu- ária mais eficiente por meio da mecanização, da seleção genética e do uso de agrotóxicos, o ciclo de produção ainda é fruto da ação da natureza. Não importa qual semente seja introduzida no solo, são os serviços ambientais que a tornam planta e que garantem a produção. Fundamentos do Agronegócio – 208 – É inegável que a técnica produtiva se tornou muito sofisticada, mas sem os serviços ambientais ela se tornaria inócua. Isso é plenamente per- ceptível nas áreas desérticas, onde os serviços ambientais são extrema- mente escassos e a produção, quando existe, é irrisória. No entanto, o crescimento da população mundial e o avanço da economia estão gerando impactos extremamente severos ao meio ambiente. Mudanças climáticas, erosão dos solos, desmatamento, poluição e perda da biodiversidade são alguns exemplos com que nos defrontamos de maneira mais intensa nas últimas décadas. Os problemas gerados pela ausência de serviços ambientais estão se tornando cada vez mais severos. Exemplos são os casos extremos do regime pluvial, em que as chuvas ora se mostram intensas, provocando enchentes, alagamentos e destruição, ora se tornam escassas, dificultando o acesso à água, tanto no campo quanto na cidade. Além dos problemas ambientais, são recorrentes problemas relacio- nados aos direitos humanos. Nas áreas rurais ainda são frequentes casos de grilagem (falsificação de documentos para tomar posse indevida de terras), perseguição a fiscais, morte de defensores de direitos ambientais e escravidão, por exemplo. O presente capítulo visa apresentar, de maneira panorâmica, alguns dos problemas enfrentados nas atividades rurais, tanto na agricultura quanto na pecuária.Inicialmente, faremos uma breve discussão sobre os movimentos que a sociedade tem sobre a natureza. Na sequência, trata- remos de dois grandes problemas ambientais: o desmatamento e o uso excessivo de agrotóxicos. Na parte final, discutiremos o trabalho escravo. 8.1 Movimentos em relação à natureza Para termos um pouco mais de clareza sobre a questão ambiental e também a social, necessitamos primeiramente compreender as diferentes visões que a sociedade tem sobre o meio ambiente, pois, embora tenham origens distintas, em determinado momento elas se convergem. Essa com- preensão se torna necessária na medida em que a sociedade é formada por diferentes grupos de interesses que se manifestam nos mais diversos – 209 – Responsabilidade Social e Ambiental no Agronegócio campos, incluindo o ambiental e o social. As visões da sociedade sobre a natureza têm variado ao longo do tempo, mas, de modo geral, podemos encontrar três grandes concepções. A primeira advém de uma visão extremista e antropocêntrica, na qual o homem se encontra em situação privilegiada. Essa concepção está amparada em uma visão utilitarista da natureza, ou seja, de que a natureza existe para garantir exclusivamente os meios necessários à subsistência da vida humana. Dessa forma, todos os recursos minerais, vegetais e animais são para a plena utilização humana. Essa visão não leva em consideração o próprio valor de existência desses elementos, vivos ou não. Essa mesma concepção apoia-se nos direitos de propriedade para atingir a eficiência na exploração dos recur- sos. Caracteriza-se essa visão por não ter uma preocupação com ques- tões intrageracionais (questão de justiça), ou seja, por desconsiderar uma divisão equitativa dos recursos gerados e produzidos. Essa visão também carece de preocupações intergeracionais, na medida em que também não se preocupa com as gerações futuras. De maneira sintética, podemos afirmar que essa visão está cen- trada na apropriação de recursos naturais para garantir o bem-estar da atual geração. Porém, desconsidera uma distribuição com pretensões mais igualitárias. A preocupação central dessa concepção é encontrar uma espécie de regra que otimize o rendimento econômico das organizações – por exem- plo, a quantidade de minérios que deve ser extraída ao longo do tempo, ou a quantidade de pescados. Sobre esse procedimento de otimização, há uma linha de economistas e outros acadêmicos, entre eles Hardin (1968), que apregoam que o uso dos recursos deve ser privado, pois a privatiza- ção de recursos naturais traz uma lógica mais racional de exploração, o que, segundo tal corrente, favoreceria a manutenção do recurso por mais tempo, principalmente os renováveis. Portanto, segundo essa visão, transformar os recursos comuns, ou seja, aqueles que todos podem ter acesso, em recursos exclusivos a um proprietário é uma forma indireta de garantir a existência do recurso por mais tempo. A água, a terra e todos os recursos, segundo essa corrente, Fundamentos do Agronegócio – 210 – devem ser bens privados e transacionados no mercado. Essa visão tam- bém apregoa que os meios tecnológicos são perfeitamente capazes de resolver os desequilíbrios ambientais e igualmente suprir a escassez de recursos naturais. Situada em um outro extremo, temos a visão da ecologia, que se ori- gina por volta da segunda metade do século XIX. A principal característica da ecologia está no entendimento de que as leis humanas e sociais fazem parte de um contexto mais amplo, que são as leis naturais. Nesse entendi- mento aflora a crença de que a humanidade está essencialmente ligada ao mundo natural, e que as condições do ecossistema têm prioridade sobre os interesses particulares da humanidade. Inicialmente, as procupações estavam pautadas em ações preserva- cionistas e também conservacionistas. Após a Segunda Guerra Mundial, quando o mundo vivia o boom econômico que ocasionou o consumo em massa, o uso excessivo dos recursos naturais trouxe uma preocupação adi- cional. Por conta disso, foi criada em 1948, sob a chancela da Unesco, a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN). Em um primeiro momento, os princípios norteadores da UICN eram para a con- servação, mas havia também o entendimento de que recursos eram desti- nados às necessidades humanas. No entanto, a partir de 1970, houve uma reorientação em prol dos controles da poluição gerada, principalmente, pela queima de combustíveis fósseis. Em 1972, foi publicada uma obra de grande impacto, chamada Limites do crescimento, em que constatava que a produção econômica excessiva estaria colocando a vida em perigo. O alerta desse estudo suscitou a primeira conferência das Nações Unidas sobre a temática ambiental e criou, também em 1972, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Houve a proposta de diminuir o ritmo de crescimento tanto econômico quanto populacional, que foi aceita pelos países industrializados, mas que sofreu rejeição dos países em desenvolvimento. A terceira visão surge justamente do impasse entre os países desen- volvidos e em desenvolvimento. Essa visão se assenta no conceito de desenvolvimento sustentável, apresentado pela Comissão de Brundtland, – 211 – Responsabilidade Social e Ambiental no Agronegócio em 1987. O relatório da Comissão de Brundtland adota uma posição antropocêntrica, pois assume a defesa da qualidade de vida humana. Nasce, assim, o conceito de desenvolvimento sustentável, que atende as necessidades do presente sem comprometer a possibilidade das gera- ções futuras de atenderem as sua próprias necessidades. A sustentabili- dade, dessa forma, tornou-se um termo aceito por nações e igualmente organizações. Ela engloba três dimensões: a ecológica, a social e a eco- nômica. Para algo ser sustentável, deve ser socialmente justo, ecologica- mente correto e economicamente viável. 8.2 Desmatamento: o principal problema ambiental do Brasil Um das características da agropecuária é que, tradicionalmente, ela necessita do solo sem a cobertura vegetal natural para produzir. Para que essa condição aconteça, há a decisão de desmatar extensas áreas. Deve- mos lembrar que praticamente todo o território do Brasil foi originalmente coberto por vegetação nativa até o início da colonização portuguesa. A partir desse momento, iniciou a conversão das áreas florestais em áreas de cultivo. Algumas regiões, como a dos Pampas, localizada no Rio Grande do Sul, cuja vegetação natural era de campos, favoreceu a atividade pecu- ária. Dessa forma, não houve a necessidade de alteração da paisagem natural para a exploração econômica. No entanto, o avanço das atividades agropecuárias que ocorreu em outras parcelas do Brasil, como nas regiões nordeste, sudeste e sul, neces- sitou eliminar a cobertura vegetal e substituí-la pelas culturas de plantas exógenas, tanto para a produção agrícola quanto a pecuária. Com exceção da região amazônica, pouco se restou da cobertura vegetal natural no Bra- sil. Essa exploração se deve, além do avanço da agricultura e da pecuária, também à extração de madeira. O desmatamento é, provavelmente, o principal problema ambiental enfrentado no Brasil atualmente, principalmente onde a agropecuária está avançando: região amazônica. A figura 8.1 mostra a evolução do desma- tamento na Amazônia. Fundamentos do Agronegócio – 212 – Figura 8.1 – Evolução do desmatamento na Amazônia Legal entre 1988 e 2017 (km2) 0 7.500 15.000 22.500 30.000 37.500 Fonte: elaborada pelo autor com dados do INPE. Na figura 8.1, podemos perceber que o desmatamento na Amazô- nia atravessa períodos de maior intensidade e de menor intensidade. Por exemplo, em 1995, por conta do Plano Real, podemos observar um aumento significativo do desmatamento na região, chegando próximo a 30 mil km2 no ano. Logo após uma queda nos anos finais da década de 1990, o desmatamento recrudesce nos anos iniciais da década de 2000. Vale res- saltar que, a partir de 2006, o desmatamentoentra na sua fase mais baixa, apresentando valores inferiores a 8 mil km2 ao ano. Mesmo assim, desde a contabilização do desmatamento na Amazônia, já foram registrados 428,4 mil km2 de área desmatada. Nesses 30 últimos anos de monitoramento, a região já perdeu a cobertura florestal em uma área semelhante a soma dos territórios da Alemanha e da Escócia. Na figura 8.2, podemos observar a evolução do desmatamento entre os estados que compões a região amazônica. Nitidamente podemos notar dois grandes estados que se destacam. O primeiro é o estado do Pará, que – 213 – Responsabilidade Social e Ambiental no Agronegócio nesse período já desmatou mais de 145 mil km2. O segundo é o estado do Mato Grosso, cujo desmatamento entre 1988 e 2017 foi da ordem de 142 mil km2. O terceiro estado de maior desmatamento é Rondônia, com quase 60 mil km2 no período. Esses três estados totalizam mais de 80% do desmatamento em toda a Amazônia. Figura 8.2 – Evolução do desmatamento entre os estados da Amazônia Legal 0 7500 15000 22500 30000 37500 1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2014 2016 AC AM AP MA MT PA RO RR TO Fonte: elaborada pelo autor com dados do INPE. Entre os estados da região que ainda mantém grande parte da vegeta- ção está o Amazonas, que nesse período, perdeu 24,4 mil km2 de floresta. O Amapá perdeu 1.566 km2 de sua formação florestal original, sendo, dessa forma, bastante preservado. Vários problemas sérios decorrem do desmatamento. O primeiro deles é a repetição de um modo de ocupação que ocorreu nas demais regi- ões brasileiras, como o desmatamento indiscriminado, desrespeitando áreas extremamente importantes ambientalmente e sensíveis à mudanças, como as áreas de encostas e próximas aos cursos de água. E o que se nota no avanço da ocupação da região amazônica é justamente o desmatamento sem nenhum tipo de critério ou conhecimento sobre as áreas mais propí- cias para a retirada da cobertura florestal. Fundamentos do Agronegócio – 214 – Como se bem sabe, algumas áreas são mais frágeis do ponto de vista ambiental do que outras, principalmente os mananciais, que são áreas onde nascem os rios. Isso implica que há a necessidade de pre- servar tais áreas em condições naturais. No entanto, o desmatamento e a ocupação ocorrem à revelia de tais preocupações. A figura 8.3 mos- tra duas áreas distintas, a primeira, à esquerda, exibe um curso d’água com vegetação florestal no seu entorno, a segunda expõe uma outra área sem a cobertura florestal, onde sequer foi respeitada a legislação para a manutenção da mata ciliar. Figura 8.3 – Rio com mata ciliar (esquerda) e rio sem mata ciliar (direita) Fonte: Shutterstock.com/Filipe Frazao/ Vladimir Melnikov. Um segundo problema decorrente do desmatamento, que se agrava dependendo do manejo utilizado pelo produtor agropecuário, é a erosão. Erosão é a perda do solo, principalmente da camada mais fértil, decor- rente, na sua grande maioria, das chuvas. Em áreas florestais, o impacto das chuvas é minimizado pela cobertura vegetal. Em áreas desmatadas, a chuva arrasta para os rios grandes quantidades de solo, ocasionando o assoreamento dos rios, isto é, o acúmulo de partículas nos rios. Isso tem vários efeitos perversos, contribuíndo para a “morte” do rio. A figura 8.4 exibe comparativamente um ambiente com cobertura florestal e um sem a cobertura. – 215 – Responsabilidade Social e Ambiental no Agronegócio Figura 8.4 – Impacto da retirada da cobertura florestal sobre o ambiente Fonte: arroba.com.br. Na figura 8.4, podemos perceber na imagem à esquerda que a cober- tura florestal exerce várias funções, incluindo a manutenção da umidade na atmosfera, a diminuição do impacto das chuvas no solo, o armazena- mento da água no lençol freático e a retenção de sedimentos que pode- riam assorear os rios. A figura 8.5 mostra a imagem de um pequeno curso d’água assoreado. Figura 8.5 – Efeito do assoreamento e “morte” do rio Fonte: Natércia Rocha. Fundamentos do Agronegócio – 216 – O terceiro problema do desmatamento é a interrupção dos “rios voa- dores”. Rios voadores é a denominação de grandes quantidades de umi- dade que provém da região amazônica para outras regiões do Brasil e também para outros países da América do Sul. Como grande parte do território brasileiro está localizado nas áreas equatorias, principalmente a Amazônia, há o recebimento de uma imensa quantidade de umidade proveniente da evaporação das águas do Oceano Atlântico. Essa massa de umidade entra no território brasileiro no sentido leste-oeste e acompanha a linha do equador. Essa umidade se precipita na forma de chuva e retorna à atmosfera por meio do processo de evapotranspiração realizado pela floresta. Nova- mente na atmosfera, a umidade se desloca um pouco mais e assim se dirige em diração à Cordilheira dos Andes, que é uma barreira natural e força a massa de umidade a se deslocar rumo ao sul da América do Sul. A figura 8.6 mostra a trajetória dos “rios voadores” . No entanto, essa trajetória da umidade necessita da floresta para se deslocar. Caso não tenha floresta para repor a umidade na atmosfera, a umidade permanece represada e não alcança regiões ao sul, gerando estia- gens extremamente severas, que afetam a produção agropecuária, a gera- ção de energia elétrica, o sistema de transporte hidroviário, o curso dos rios, a indústria de transformação, incluindo as atividades do agronegócio, os reservatórios para abastecimento urbano de água e todo o sistema de saneamento, por exemplo. Portanto, o desmatamento descontrolado bene- ficia alguns poucos produtores rurais e prejudica uma extensa parcela da sociedade brasileira e de outros países sul-americanos. Dessa forma, a sociedade necessita urgentemente debater qual cami- nho deseja prosseguir, pois a dependência da expansão do agronegócio pode gerar perdas irreparáveis à natureza e igualmente a todos os demais setores da sociedade, mesmo aqueles que não apresentam qualquer rela- ção com o agronegócio. – 217 – Responsabilidade Social e Ambiental no Agronegócio Figura 8.6 – Rios voadores e a transferência de umidade para outras regiões da América do Sul Fonte: viabiodiversidade.com.br. Fundamentos do Agronegócio – 218 – 8.3 Brasil: campeão no uso de agrotóxicos Segundo dossiê elaborado pela Associação Brasileira de Saúde Cole- tiva (CARNEIRO, 2015), em parceria com o Ministério da Saúde – Funda- ção Osvaldo Cruz, desde 2008, o Brasil é o maior consumidor de agrotóxi- cos no mundo. Em 2010, o consumo de agrotóxicos representou uma soma de US$ 7,3 bilhões, equivalente a cerca de 20% do mercado total de agro- tóxicos no mundo. Os impactos são imensos e abrangem tanto a natureza quanto a sociedade. Como ressalta o relatório, desde que o Brasil se orien- tou para a produção e exportação de bens primários, o consumo de agrotó- xicos vem progressivamente aumentando. Mais de um terço dos alimentos consumidos rotineiramente no Brasil estão contaminados com agrotóxicos, ou seja, a quantidade encontrada é superior à recomendada. Isso mostra que há um abuso dessas substância químicas no controle de pragas e doenças. No período de 2001 a 2014, o crescimento do valor da produção agro- pecuária foi de 66,7%. No entanto, o consumo de agrotóxicos foi muito maior. A figura 8.7 mostra a evolução do consumo de herbicidas em com- paração com a evolução do valor da produção agropecuária. Figura 8.7 – Evolução do valor da produção agropecuária (US$ milhões) e do consumo de herbicidas (toneladas de substância ativa) 0 55000 110000 165000 220000 275000 0 25000 50000 75000 100000 125000 Herbicidas Valor da Produção Agropecuária Fonte: elaborada pelo autor com dados da FAO. – 219 – Responsabilidade Social e Ambiental no Agronegócio Podemos observar na figura que o Brasil utilizou 88,3 mil toneladas de herbicidas em 2001. Em 2002, houve uma ligeira redução, quando o consumo foi de 83,8 mil toneladas. Em 2003, constatamos um significa-tivo aumento, ano em que o consumo foi de mais de 110 mil toneladas. A trajetória de crescimento se mantém até o último ano da série, quando o consumo foi de 215,7 mil toneladas. Ao longo desses 14 anos, podemos constatar que o aumento no consumo foi de 144%, lembrando que o valor da produção agropecuária foi de 66,7%. Os inseticidas também apresentaram um crescimento extremamente grande no período. Em 2001, seu consumo foi de aproximadamente 30 mil toneladas. Em 2014, já alcançava a marca de mais de 77 mil toneladas, o que representa um crescimento da ordem de 158,5%. A figura 8.8 mostra a evolução do uso de inseticidas no Brasil. Figura 8.8 – Evolução do valor da produção agropecuária (US$ milhões) e do consumo de inseticidas (toneladas de substância ativa) 0 20000 40000 60000 80000 100000 0 25000 50000 75000 100000 125000 Inseticidas Valor da Produção Agropecuária Fonte: elaborada pelo autor com dados da FAO. A figura 8.9 mostra o consumo de fungicidas e bactericidas no Bra- sil. Da mesma maneira que os demais agrotóxicos, podemos perceber um crescimento ao longo do período. Em 2001, o Brasil aplicou 18,6 mil toneladas dessas substâncias, chegando a um pico de 56,2 mil toneladas Fundamentos do Agronegócio – 220 – em 2011. Nos anos seguintes o uso caiu para níveis menores. A série de dados se encerra com um consumo de 36,3 mil toneladas. Ao longo desse período podemos constatar que o aumento do uso dessa categoria de fun- gicidas e bactericidas foi de 95,2%, novamente bem acima da taxa de crescimento do valor da produção agropecuária. Figura 8.9 – Evolução do valor da produção agropecuária (US$ milhões) e do consumo de fungicidas e bactericidas (toneladas de substância ativa) 0 15000 30000 45000 60000 0 25000 50000 75000 100000 125000 Fungicidas e Bactericidas Valor da Produção Agropecuária Fonte: elaborada pelo autor com dados da FAO. Os agrotóxicos constituem um sério dano à todas as formas de vida, incluindo, obviamente, a dos seres humanos. O quadro 8.1 mostra os prin- cipais tipos de intoxicação devido à exposição, manuseio e ingestão de alimentos com agrotóxicos. Quadro 8.1 – Problemas decorrentes dos agrotóxicos por categoria Praga que controla Grupo químico Sintomas de intoxicação aguda Sintomas de intoxicação crônica Inseticidas Organofosforados e carbamatos Fraqueza, cólicas abdominais, vômitos, espas- mos musculares e convulsões Efeitos neurotóxicos retar- dados, alterações cromossomiais e dermatites de contato – 221 – Responsabilidade Social e Ambiental no Agronegócio Praga que controla Grupo químico Sintomas de intoxicação aguda Sintomas de intoxicação crônica Organoclorados Náuseas, vômitos, contrações muscu- lares involuntárias Lesões hepáticas, arritmias cardíacas, lesões renais e neu- ropatias periféricas Piretroides sintéticos Irritações das conjuntivas, espirros, excitação, convulsões Alergias, asma brônquica, irritações nas mucosas, hipersen- sibilidade Fungicidas Ditiocarbamatos Tonteiras, vômitos, tremores muscula- res, dor de cabeça Alergias respiratórias, der- matites, doença de Parkinson, cânceres Fentalamidas Teratogêneses Herbicidas Dinitroferóis e pentaciclorofenol Dificuldade respiratória, hiper- termia, convulsões Cânceres (PCP – formação de dioxi- nas), cloroacnes Fenoxiacéticos Perda de apetite, enjoo, vômitos, fasciculação mus- cular Perda de apetite, enjoo, vômitos, fasciculação mus- cular Dipiridilos Sangramento nasal, fraqueza, desmaios, conjuntivites Lesões hepáticas, dermatites de contato, fibrose pulmonar Fonte: Abrasco (2015). Sobre o uso de Agrotóxicos na produção do agronegócio, vale desta- car o artigo publicado em dezembro de 2012 no Jornal Folha de S.Paulo pela senadora Kátia Abreu: As recentes denúncias de irregularidades praticadas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) no registro de produtos fitossanitários, vulgarmente conhecidos por agrotóxicos ou defen- Fundamentos do Agronegócio – 222 – sivos agrícolas, são apenas a ponta mais visível do iceberg de ine- ficiência dessa agência que tem empacado o agronegócio. O uso desses produtos não é uma opção. É uma imposição para proteger a nossa agricultura tropical das pragas e das ervas daninhas, assim como é fundamental para melhorar a produtivi- dade das lavouras, em qualquer parte do planeta. Mas, no Brasil, a agência reguladora trabalha sem transparência e a passos de cágado, fingindo desconhecer os prejuízos impostos ao produtor, a ponta mais frágil desse mercado gigantesco que movi- menta US$ 50 bilhões por ano ao redor do mundo. Inicialmente, é curioso o argumento utilizado pela senadora, pois como visto nas figuras sobre evolução do uso do agrotóxico, todos eles cresceram mais que a própria produção, mesmo diante de uma suposta lentidão da Anvisa, como foi alegado pela senadora. Além disso, como ressalta o trecho, a agricultura brasileira é tropical, mas, como podemos notar na figura 8.10, o uso de agrotóxicos é maior nos estados da região Sul do Brasil, onde o clima se caracteriza como sendo subtropical. Figura 8.10 – Utilização de agrotóxicos no Brasil Fo nt e: IB G E (2 00 6) . – 223 – Responsabilidade Social e Ambiental no Agronegócio Independentemente do uso excessivo ou não de agrotóxicos, há a necessidade do correto manuseio do produto, incluindo o transporte após a aquisição, o armazenamento, a aplicação seguindo as orientações, o uso dos equipamentos de segurança adequados e também o descarte correto das ambalagens após o uso. No entanto, o que podemos observar é que essas práticas não são devidamente seguidas. Na figura 8.11, podemos observar o descarte incorreto das embalagens em uma lâmina d’água, agravando a contaminação. Figura 8.11 – Descarte indevido de embalagens de agrotóxicos em área não apropriada Fonte: www.ma.gov.br. Sobre o descarte correto das embalagens, segundo o Instituto Nacio- nal de Processamento de Embalagens Vazias (INPEV, 2018): 2 compete ao agricultor lavar a embalagem e inutilizar, armazenar temporariamente até devolver no local indicado na nota fiscal e guardar o comprovante por período de um ano; 2 é dever das cooperativas e unidades de venda indicar ao agricul- tor o local de devolução (esse local deve constar na nota fiscal), ter um local próprio para recebimento, emitir comprovante de entrega da embalagem ao agricultor e orientar e conscientizar os agricultores; 2 o fabricante se responsabiliza pela retirada das embalagens dos locais de recebimentos, oferecer destino correto, por meio da incineração ou reciclagem, e orientar e conscientizar os agricultores; Fundamentos do Agronegócio – 224 – 2 e cabe ao poder público educar, orientar, conscientizar, licenciar e fiscalizar os agricultores. O uso excessivo e igualmente indevido do agrotóxico está gerando, além de todos os danos ambientais, um grave problema de saúde pública. No município de Sorriso (figura 8.12), localizado no estado do Mato Grosso, que se destaca por ser um grande produtor de soja, há vários pro- blemas de saúde da população local gerados pelo agrotóxico. Figura 8.12 – Vista aérea da cidade e entorno agrícola de Sorriso – MT Fonte: Google Maps. Como podemos observar na figura, as áreas de produção de soja são vizinhas à cidade, tornando exposta a população local às contaminações provocadas pelo uso excessivo de agrotóxicos. No município são encon- trados números discrepantemente maiores relacionados a casos de pessoas – 225 – Responsabilidade Social e Ambiental no Agronegócio com câncer, morte de fetos, contaminação do leite materno e de muitas outras doenças decorrentes de contaminação. Em estudo sistemático, Curvo, Pignati e Pignatti (2013, p. 16) observam: Os achados neste estudo indicam que a exposição desde o nas- cimento às transformações ocasionadas pelo modelo produtivo, especialmente aos agrotóxicos, tem relação estatisticamente significante comos indicadores de morbidade e de mortalidade por câncer em menores de 20 anos nos municípios do estado de Mato Grosso, nos períodos estudados. Recomendam-se como medidas de promoção da saúde e prevenção do câncer: estabelecer um sistema intersetorial de vigilância do uso agrícola de agrotóxicos e notificação de casos de câncer infantoju- venil; monitorar a notificação de casos de câncer infantojuvenil em municípios com intensa atividade agrícola e fiscalizar a utilização de agrotóxicos potencial e comprovadamente cancerígenos estabelecendo ações para a proibição do uso e minimização de risco no nível municipal. Além dos danos à saúde humana, outro impacto extremamente severo é sobre os agentes polinizadores, principalmente sobre as abelhas. Como bem se sabe, as abelhas, para produzir o mel que se destina à alimentação de vários animais, incluindo os seres humanos, utilizam o pólen, que é coletado das flores. A aplicação de agrotóxicos faz com que as abelhas, ao coletarem o pólen, acabem se defrontando igualmente com as substâncias nocivas. Em estudo realizado por Irado, Simon e Johnston (2013, p. 6), ficou evidenciado o impacto de inseticidas nas abelhas: 1) Efeitos fisiológicos, que ocorrem em múltiplos níveis, e foram medidos em termos de taxa de desenvolvimento (ou seja, tempo necessário para atingir a idade adulta), e taxas de malformação (ou seja, nas células dentro da colmeia), por exemplo. 2) Perturbação do padrão de forrageamento, por exemplo através de efeitos aparentes na navegação e comportamento de aprendizagem. 3) Interferência no comportamento alimentar, através de efeitos repelentes, antialimentantes ou de capacidade olfativa reduzida. 4) Impactos de pesticidas neurotóxicos nos processos de aprendi- zagem (isto é, reconhecimento de flores e ninhos, orientação espa- cial), que são muito relevantes e foram estudados e largamente identificados em espécies de abelhas. Fundamentos do Agronegócio – 226 – Porém, o impacto mais severo é a extinção de grande quantidade de abelhas. Segundo estudo de Pires et al. (2016), a morte sistemática de colônias de abelhas não pode ser provocada por qualquer patologia, mas sim por intoxicações decorrentes do uso do agrotóxico. E a diminuição das colônias de abelhas implica na diminuição da produção de alimentos, principalmente de frutas, que dependem diretamente da polinização. Pesquisas indicam que cerca de 35% da produção de alimentos no mundo são dependentes de agentes polinizadores, a exemplo das abelhas e outros insetos. Além disso, a polinização é vital para mais de 70% das espécies vegetais cultivadas em todo o mundo. Portanto, uma diminuição dos agentes polinizadores provocada pelos agrotóxicos coloca barreiras na produção de alimentos. 8.4 Trabalho escravo se concentra no campo Um dos problemas extremamente graves que ainda persistem no Bra- sil, e principalmente nas atividades agropecuárias, é o trabalho em condi- ções análogas à escravidão, ou simplesmente trabalho escravo. Mais de cem anos após o fim do sistema escravagista que sustentava a economia brasileira, são recorren- tes casos de trabalho escravo em diversos segmentos econômicos. Recentemente, são notórios os casos envolvendo imigrantes na atividade de confecção em gran- des centros, a exemplo de São Paulo. No entanto, é na atividade rural que o trabalho escravo per- siste de maneira contínua. Na figura 8.13, podemos verificar as principais atividades econômicas em que são encontra- dos trabalhadores em consições análogas à escravidão. 65% 10% 3% 2% 1% 11% 8% Desmatamento e pecuária Carvão Cana-de-açúcar Reflorestamento Extrativismo Outras lavouras Outra atividade ou não informado Figura 8.13 – Trabalho escravo por atividade econômica Fonte: escravonempensar.org.br. – 227 – Responsabilidade Social e Ambiental no Agronegócio Conforme levantamento da organização não governamental Escravo Nem Pensar, o perfil dos utilizadores de trabalho escravo indica que a maioria tem ensino superior, são fazendeiros, pecuaristas, agricultores, veterinários e administradores e médios e grandes proprietários de terras. Embora sejam residentes da região sudeste, suas propriedades estão loca- lizadas nas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste. Normalmente, o argumento utilizado para justificar a utilização de trabalho escravo é de que os trabalhadores já estão acostumados com a miséria, pois provêm de áreas de extrema pobreza. Além disso, o que oferecem é melhor do que o que os trabalhadores poderiam encontrar na região de origem. Em outubro de 2017, o Ministério do Trabalho publicou a portaria 1.129, alegando suposto aprimoramento da segurança jurídica ao redefinir conceitos sobre trabalho forçado, jornada exaustiva e condições análo- gas às de escravo. O procurador do trabalho Angelo Costa (ANPT, 2017) assim define a Portaria 1.129 do Ministério do Trabalho, que redefine o trabalho em condições análogas às de escravo: Assim, o trabalho escravo contemporâneo evidencia-se quando alguém exerce sobre uma pessoa atributos do direito de proprie- dade, reduzindo-o à condição de coisa, o que já foi reconhecido pelo STF e pela Corte Internacional de Direitos Humanos que, inclusive, condenou o Brasil no caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs. Brasil, em que se previu que não poderia haver retrocessos na política de erradicação do trabalho escravo, o que foi desconsiderado pelo Governo, ao reduzir a caracterização do trabalho escravo unicamente a situações de restrição de liberdade e, com isso, retornando ao século XIX, onde tínhamos grilhões, correntes e chibatas. Segundo os especialistas, a portaria flexibilizou o entendimento de trabalho escravo, o que dificulta a fiscalização e punição de empreendi- mentos que se utilizem dessa forma degradante de trabalho. A flexibili- zação das regras aumenta a probabilidade de ocorrência de escravidão. A figura 8.14 exibe justamente as áreas onde há maior propensão para encontrar escravidão em todo o território brasileiro. Fundamentos do Agronegócio – 228 – Figura 8.14 – Índice de probabilidade de ocorrência de escravidão e presença de escravos Fonte: Théry et al (2009). A figura nos revela que a maior concentração está no estado do Pará, divisa com Maranhão e Tocantins. Mas podemos perceber também casos em Mato Grosso, Tocantins, Goias, Mato Grosso do Sul, Bahia, Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná. Notadamente, as áreas de maior concentração são justamente aquelas em que o desmatamento é maior. Periodicamente, o Ministério Público do Trabalho publica o Cadas- tro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo. O cadastro de abril de 2018 evidencia 165 estabele- cimentos que foram autuados por utilizar trabalho escravo. Nesse cadastro foram encontrados 2.264 trabalhadores escravos. Embora o cadastro não – 229 – Responsabilidade Social e Ambiental no Agronegócio seja exclusivo a algum setor econômico particular, podemos perceber a maior frequência de produtores rurais, fato que confirma com o mapa de probabilidade de trabalho escravo. Ampliando seus conhecimentos Governo de MT ocultou dados de exploração ilegal de madeira - Fa- biano Maisonnave Relatório oficial, referente a 2014 e 2015, mostra que 61,7% do corte do estado não é autorizado Um relatório mantido oculto pelo governo de Mato Grosso estima que 61,7% da exploração da madeira no estado ocorre em áreas não autorizadas. O estudo leva em conta o período compreendido entre junho de 2014 e outubro de 2015. Em comparação com o levantamento anterior (2013/2014), a área de exploração ilegal cresceu 27%. Figura 8.15 – Madeira cortada ilegalmente em pátio em Col- niza (MT) Fonte: portaljipa.com.br. Fundamentos do Agronegócio – 230 – A maior parte desse período se refere ao atual governo Pedro Taques (PSDB), que tomou posse em janeiro de 2015. Trata- -se do número oficial mais recente sobre exploração ilegalde madeira – após atrasos, a Sema (Secretaria de Estado de Meio Ambiente) promete um novo relatório no final de maio. Os percentuais são calculados a partir de imagens de satélite que identificam a atividade madeireira. Em seguida, essas ima- gens são contrastadas com áreas onde a exploração florestal é permitida. Ao todo, foram mapeados 287.336 hectares, o equi- valente a quase dois municípios de São Paulo. Desde março de 2017, o relatório está disponível em um link den- tro do site da Sema (Secretaria de Estado de Meio Ambiente), mas o governo de Mato Grosso não deu nenhuma publicidade ao estudo – desconhecido até semanas atrás por pessoas que acompanham o setor – nem o citou quando foi questionado sobre dados de exploração ilegal. O diagnóstico oficial se mostra mais sombrio do que um estudo do Instituto Centro de Vida (ICV) divulgado em meados de fevereiro, quando foi tema de reportagem da Folha e recebeu críticas do governo Taques. Usando uma metodologia semelhante, a ONG calculou que 41% da exploração de madeira em Mato Grosso, entre agosto de 2013 e julho de 2016, ocorreu em áreas não autorizadas. Entre agosto de 2014 e julho de 2015, o período mais próximo ao estudo do governo, o ICV estimou em 43% o percentual de ilegalidade. Coautor do estudo do ICV, Vinicius Silgueiro afirma que a discrepância se deve à periodização maior do relatório oficial. “Esses cinco meses de diferença, justamente nos meses de seca, o auge do período exploratório da madeira, representam muito em termos de área explorada”, diz. – 231 – Responsabilidade Social e Ambiental no Agronegócio Reação Apesar da projeção menor de ilegalidade, o estudo do ICV foi rechaçado pelo governo de Mato Grosso. Em nota enviada à Folha na época, a Sema contestou o relatório ao afirmar que a ilegalidade no setor madeireiro está em queda, embora os números oficiais disponíveis demonstrem o contrário. A Sema não mencionou a existência do estudo oficial sobre madeira, mas citou dados sobre a queda no desmatamento. A exploração madeireira, porém, não é medida dessa forma, já que é feita por meio de corte seletivo, e não pela erradicação de toda a floresta. Outro lado Questionada sobre a ausência dos números oficiais sobre a ati- vidade na resposta, a Sema afirmou: “Nos ativemos a responder aos questionamentos feitos pelo jornalista sobre os dados do estudo em debate. Em nossa nota, discutimos justamente o que aconteceu no passado e o que vem sendo feito pela gestão desde 2015 para aperfeiçoar os processos, diminuindo as ilegalidades em todos os setores de utilização dos recursos naturais”. Sobre o fato de não ter dado publicidade aos números de madeira ilegal no ano passado, a Sema se limitou a dizer que fez ampla divulgação de informações relativas à pasta e que “a transparência na divulgação das informações vem sendo apri- morada e impulsionada a cada dia”. Sem apresentar números, a Sema novamente afirmou que a ile- galidade está em queda e que agora quer unificar sua metodo- logia com a do ICV. “Não há má-fé, há ciência, engenharia e métodos que realizam as análises”, afirma a nota. O estudo e a reportagem da Folha também foram questionados pelo vice-governador e ex-secretário de Meio Ambiente Carlos Fávaro (PSD). Ele renunciou ao mandato no último dia 5 para disputar uma vaga no Senado ou se lançar a governador. Fundamentos do Agronegócio – 232 – Em carta ao jornal publicada em fevereiro, Fávaro disse que a reportagem omitiu dados enviados pela Sema e afirmou que, sob sua gestão (2016-2017), houve um aumento de autuações ambientais, mas tampouco citou os dados oficiais sobre a explo- ração ilegal de madeira. Questionado sobre por que não mencionou o relatório oficial sobre madeira ilegal concluído em sua gestão, Fávaro informou, via assessoria de imprensa, que os dados são anteriores à sua época como secretário de Meio Ambiente. MAISONNAVE, F. Governo de MT ocultou dados de exploração ilegal de madeira. Folha de São Paulo, São Paulo, 13 abr. 2018. Atividades 1. O conceito de sustentabilidade é um dos mais importantes da atualidade, justamente por conciliar duas linhas distintas. Nesse aspecto, identifique o que o conceito de sustentabilidade apre- senta de semelhança em relação à visão antropocêntrica e à visão ecológica. 2. Comente a respeito de três problemas decorrentes do desmata- mento. 3. Por que é fundamental o uso correto de agrotóxicos? Justifique sua resposta. 4. Qual seria a razão de os maiores números de trabalhadores escravos estarem na atividade agropecuária? Argumente em sua resposta. 9 Tecnologias Aplicadas ao Agronegócio Para produzir qualquer tipo de bem ou de serviço é neces- sário algum grau de conhecimento e de técnica. Dessa forma, quando empregamos conhecimento técnico na produção de um produto, estamos nos referindo à tecnologia. Em um ambiente de concorrência entre empresas e de larga produção, a adoção de tecnologias que tornem a produção mais eficiente tecnica e economicamente é um dever de qualquer empresa. A tecnologia nos ajuda das mais diferentes formas: poupa trabalho, economiza energia, eleva a produção, melhora a qualidade e torna os bens mais seguros e confiáveis para o consumo. No entanto, para conseguir todos esses feitos, há a necessidade de um grande esforço de muitas organizações e dos mais diversos tipos. Gerar tecnologia é uma atividade ampla, complexa e de custo extremamente elevado. Além disso, exige trabalho qualificado e técnico. Embora tenhamos uma tendência para crer que a tecnologia se manifesta em aparelhos eletrônicos e automóveis, por exemplo, a tecnologia ocupa indistintamente todos os setores da economia, incluindo as mais diversas áreas do agronegócio. Fundamentos do Agronegócio – 234 – É fundamental o papel da tecnologia para a produção de alimentos, pois as projeções indicam que, em 2050, a população mundial será de dez bilhões de pessoas. Isso significa um aumento de 70% na necessidade de alimentos. Soma-se a esse crescimento o fato de que a população se con- centrará ainda mais nos centros urbanos, tornando a alimentação profun- damente dependente de proteína animal. Para compreender melhor a importância da tecnologia, o presente capítulo apresenta e discute inicialmente alguns conceitos sobre a tecno- logia. Na sequência, trataremos sobre quais são as principais tecnologias já consolidadas e quais são as tendências tecnológicas que irão ingressar no mercado do agronegócio. 9.1 Tecnologia e inovação Segundo a definição de Abetti (1989, apud Silva, 2003) tecnologia é “um corpo de conhecimentos, ferramentas e técnicas, derivados da ciência e da experiência prática, que é usado no desenvolvimento, projeto, produção, e aplicação de produtos, processos, sistemas e serviços”. A definição de Abetti destaca as fontes da tecnologia, que podem ser proveniente da ciência e da experiência prática. O conhecimento científíco, adotado nas universidades, centros de pesquisa e, mais recentemente, nas empresas, é um tipo de conhecimento que se contrói com base nos expe- rimentos e nas observações a que está voltado, sempre tendo um método de apoio. É uma norma que o conhecimento científico deva ser submetido à verificação para constatar se ele realmente é uma explicação para um determinado objeto. Lopes (1999, p. 106) define o conhecimento cientí- fico como “todo conhecimento objetivo, verdadeiro em termos absolutos, não ideológico por excelência, sem influência da subjetividade e, funda- mentalmente, descoberto e provado a partir dos dados da experiência, adquiridos por observação e experimentação”. Ele é alcançado de forma sistematizada e racional e por meio de pessoas treinadas. Já o conhecimento prático, também chamado de conhecimento empí- rico, é o conhecimento popular, sem o rigor metodológico. Diegues et al. (2001, p. 73) entendem que o conhecimento popular é aquele que reune – 235 – Tecnologias Aplicadasao Agronegócio um “conjunto de saberes e saber-fazer a respeito do mundo natural, sobre- natural, transmitido oralmente de geração em geração”. Tanto o conhecimento científico quanto o prático são formas dife- rentes ou alternativas para se conhecer algo. Vale ressaltar que o conhe- cimento científico pode se apoiar no conhecimento prático e vice-versa. O conhecimento científico, por requerer condições específicas, é normal- mente desenvolvido em universidades, centros de pesquisa, institutos e empresas. Nota-se que tanto organizações públicas quanto privadas con- tribuem para o conhecimento científico. As universidades tendem, com exceções, a gerar um tipo de conheci- mento sem uma finalidade específica, pois o que busca é o conhecimento. Esse tipo de conhecimento é denominado Ciência e Tecnologia (C&T). Já o conhecimento que está materializado em algo, como um novo produto ou processo de produção, é denominado como Pesquisa e Desenvolvi- mento (P&D). Obviamente há uma clara interação entre C&T e P&D. No campo mais prático, ou seja, aquele mais aderente com a pesquisa e o desenvolvimento, estão as inovações geradas pelas organizações que contribuem para novos produtos e processos. Dessa maneira, a inovação é a razão para haver mudanças técnicas, ou seja, para a introdução de novas tecnologias. Segundo Schumpeter (1942), a inovação torna as empresas mais com- petitivas e a economia com maior dinamismo. Segundo Mendes (2015, p. 26), Schumpeter considerava inovações como “os novos bens de con- sumo, novos métodos de produção ou transporte, os novos mercados e as novas formas de organização industrial criadas pela empresa capitalista”. Nota-se, nesse entendimento, que a inovação pode ser bastante ampla, pois abrange diversos ramos econômicos. Por conta disso, é fundamental pensar em sistema de inovação, que é uma rede entre organizações, tanto do setor público quanto do setor privado, cuja finalidade é desenvolver, modificar e difundir novas tecnologias. Pelo fato do sistema de inovação envolver diversos atores e estar em um ambiente específico, é comum esse ambiente ser tratado como um sis- tema nacional de inovação, o qual é constituído por organizações privadas e públicas cujas atividades culminam em novas tecnologias, envolvendo Fundamentos do Agronegócio – 236 – sua geração, sua aquisição, sua modificação e sua difusão. Nesse ambiente, a aprendizegem é um elemento fundamental. O quadro 9.1 apresenta as características do sistema nacional de inovação. De acordo com John e Prates (2015, p. 125), os sistemas nacionais de inovação são observados com o envolvimento de toda a nação e podem ser divididos entre as instituições que apoiam a inovação (gover- nos, universidades/institutos de pesquisa e empresas) ou entre as empresas que têm a inovação como principal motor. Nessa última perspectiva, tende-se a olhar para o impacto que a cooperação e a confiança têm na empresa ou para o nível da rede de inovação e extrapolar esses resultados para o nível nacional. Quadro 9.1 – Elementos, funções e características do Sistema Nacional de Inovação Sistema Nacional de Inovação Elementos Diversidade entre os atores: institutos de pesquisa, uni- versidades, iniciativa privada. Interação entre os atores: produzir, difundir e usar conhe- cimentos. Funções Do governo: formulação de políticas, regulação, aloca- ção de recursos. Do governo e demais atores relacionados à inovação: financiamento, pesquisa e desenvolvimento, transferên- cia de tecnologia, capacitação de recursos humanos. Características Superação da visão linear de pesquisa-difusão-aplicação, evoluindo para uma visão interativa de inovação. Influência de fatores econômicos, sociais, políticos, orga- nizacionais e institucionais para a geração, a difusão e o uso de inovações. Atores públicos e privados inovam conjuntamente. As instituições (normas, regras, políticas e padrões de comportamento) interferem nas relações entre os atores. Abrangência de todos tipos de inovação. Fonte: Mendes (2015). – 237 – Tecnologias Aplicadas ao Agronegócio Independentemente do setor de atividade econômica, sempre foi desejo da humanidade um elevado nível de tecnificação. E na produção agropecuária isso não foi diferente. Como ressalta Wilde (2016), entre o final da década de 1950 e início da década de 1960, o jornal norte-ame- ricano Chicago Tribune publicou semanalmente uma série de desenhos sobre o futuro, demonimados “mais perto que pensamos” (“closer than we think”), e vários desses desenhos retratavam a produção agropecuá- ria. Na visão do autor dos desenhos, o futuro da agricultura teria elevado nível de tecnificação, no qual a mão-de-obra seria substituída pelo uso de máquinas e equipamentos dos mais diversos tipos. Além disso, haveria uma grande presença de cientistas no desenvolvimento de plantas e ani- mais. Os bens produzidos pela agropecuária teriam tamanhos gigantescos. As figuras a seguir mostram dois desses desenhos. Figura 9.1 – Tecnificação da agricultura publicada em 1958 na série Closer than we think do Chicago Tribune Fonte: Wilde (2016). A figura 9.1 mostra uma espécie de estufa muito grande onde os bens agrícolas são produzidos por meio do uso de máquinas “sofistica- das”. O desenho também nos indica um nível elevado de automação da produção, em que a mão-de-obra é substituída por máquinas sofisticadas e “modernas”. A figura 9.2 mostra um cientista examinando a produção de tomates gigantes. Podemos observar também grandes unidades de armazenamento que conduzem o alimento até o estábulo, onde os animais ficam confina- dos para seu crescimento e engorda. Novamente, a produção agropecuária se assemelha a uma indústria de transformação com processos automati- zados e baixa atuação humana. Fundamentos do Agronegócio – 238 – Figura 9.2 – Tecnificação da agricultura publicada em 1961 na série Closer than we think do Chicago Tribune Fonte: Wilde (2016). De certa forma, a agropecuária vem se transformando progressiva- mente por meio da adoção da tecnologia. No entanto, e como ressaltado anteriormente, a tecnologia advém de outros setores do agronegócio, tanto das empresas à montante quanto à jusante. As empresas à mon- tante se preocupam em fornecer insumos mais eficientes à agropecuária, tornando-a mais produtiva, menos dependente de mão-de-obra e ener- gia, com produtos de melhor qualidade, maior durabilidade e melhor valor nutricional. Por sua vez, as empresas à jusante visam desenvolver novos produtos a partir da produção agropecuária, criar novos merca- dos, otimizar os processos produtivos e aumentar a eficiência logística, por exemplo. Para ter uma melhor compreensão do desenvolvimento de tecnologia, a figura 9.3 mostra os investimentos tecnológicos no agrone- gócio por categorias. Na figura 9.3, podemos observar que o maior gasto em tecnologia está relacionado com a comercialização eletrônica (E-commerce) de ali- mentos, com 32% de todo o investimento. Na sequência, há os gastos com pesquisa na área de bioquímica e biomateriais, totalizando 14%. Depois, os gastos com tecnologia de solo e de colheita, correspondendo a 9%, e tecnologias de decisão e drones e robôs, ambos com 8%. Proteínas alter- nativas representaram um investimento de 5%, segurança alimentar e ras- treabilidade e irrigação e água 4%, e com 3% a distribuição da fazenda ao consumidor e a nutrição animal e saúde. – 239 – Tecnologias Aplicadas ao Agronegócio Figura 9.3 – Investimentos em tecnologia no agronegócio 32% 14% 9% 8% 8% 5% 4% 4% 3% 3% 10% Comércio Eletrônico de alimentos Bioquímica e biomateriais Tecnologia de solo e de colheita Tecnologia de suporte à decisão Drones e Robôs Proteína Alternativa Segurança alimentar e rastreabilidade Irrigação e água Fazenda ao consumidor Nutrição animal e saúde Outros Fonte: Lee et al. (2017). Lee et al (2017) apontam sete dimensões tecnológicas importantes para o agronegócio: 1. análise; 2. automação; 3. negócios e gestãooperacional; 4. ferramentas de construção de capacidade; 5. mercados 6. inovação em produtos e em processos; 7. melhoria na utilização de recursos. Fundamentos do Agronegócio – 240 – 9.1.1 Análise O segmento de análise está baseado na agricultura de precisão, que engloba a coleta e a análise de informações para cada planta. Soares Filho e Cunha (2015, p. 690) definem agricultura de precisão como sendo aquela que leva em consideração a análise da variabilidade espacial, sendo caracterizada pelas eta- pas de coleta de dados, gerenciamento da informação, aplicação de insumos a taxa variada e, por fim, a avaliação econômica e ambiental dos resultados. Coletar dados significa quantificar a variabilidade existente e identificar sua localização no campo, tanto na produtividade dos cultivos como nos fatores que influen- ciam na produção. Os dados obtidos são processados e plotados em mapas. A partir daí, buscam-se as relações de causa e efeito entre a produção e os fatores, propõem-se estratégias de gerencia- mento e faz-se a aplicação localizada dos insumos e das práticas, visando à correção das anormalidades verificadas. A análise leva em consideração a tecnologia de monitoramento, tam- bém conhecida como sensoriamento remoto, que pode ser obtida por ima- gens de satélites, fotografias aéreas e, mais recentemente, por meio de imagens geradas por drones, como na figura 9.4. Figura 9.4 – Agricultura de precisão – uso de drones para coleta de dados da lavoura Fonte: Shutterstock.com/EAKNARIN JITONG. – 241 – Tecnologias Aplicadas ao Agronegócio As imagens capituradas pelos drones vão além do espectro visível, abrangendo também imagens multiespectrais, as quais podem revelar pro- blemas como umidade, variação do solo, mudanças no rebanho, erosão e doenças, por exemplo (LEE et al., 2017). Essa tecnologia tem bastante impacto no rendimento do produtor. Lee et al. (2017) ressaltam ainda que a adoção da agricultura de precisão gera uma redução nos custos na ordem de 15% e aumento médio de produtividade de 13%. Um outro elemento que gera um ganho muito amplo para a atividade agropecuária é a internet das coisas. Segundo Fletcher (2015, p. 19), a internet das coisas reune: 2 A capacidade de conectar, comunicar e gerenciar remotamente vários dispositivos automatizados via rede pela Internet; 2 O momento em que mais “coisas ou objetos” estão conectados à Internet do que pessoas; 2 Uma rede mundial de objetos interconectados endereçável exclusi- vamente com base em protocolos de comunicação padrão; 2 A interconexão via internet de dispositivos computacionais embu- tidos em objetos do cotidiano, permitindo que eles enviem e rece- bam dados. Os sensores, o monitoramento de satélite e outras tecnologias de informação estão permitindo acompanhar a evolução da cultura e da cria- ção de animais em tempo real, tornando a produção de alimentos mais eficiente, com maior produtividade, menor consumo de energia e mais sustentável. Esses avanços implicam em um conjunto mais amplo de racionalidade aplicado ao agronegócio. 9.1.2 Automação O segundo ponto se relaciona com a automação, em que máquinas e equipamentos têm autonomia e são controlados remotamente, como na figura 9.5. Há também sistemas de irrigação que coletam dados do solo e da planta e determinam o momento adequado para irrigar e adicionar nutrientes automaticamente. Fundamentos do Agronegócio – 242 – Figura 9.5 – Trator sem cabine e autônomo Fonte: Shutterstock.com/Scharfsinn A automação ocorre de duas maneiras. A primeira é chamada de auto- mação básica, e que apenas substitui o trabalho manual, tornando-o mais produtivo. A segunda, denominada de automação inteligente, é aquele tipo que, além de substituir o trabalho manual, pode tomar decisões por meio de dados e tornar a produção mais eficiente e eficaz (LEE et al., 2017). Segundo Wield (2016, p .30): Os robôs costumam ser usados para conforto e segurança ou para economizar custos. Na agricultura inteligente os robôs executam de forma autônoma; Os sensores permitem que eles avaliem uma situação e tomem decisões. Os dados desses sensores podem ser usados para compilar conjuntos de dados em constante expansão (big data) para aprimorar suas habilidades de tomada de decisão. Os robôs oferecem muitas oportunidades para a automação do setor de agro e alimentos, incluindo cultivo e colheita, automação do preparo de alimentos e automação da logística de alimentos. Atualmente, os robôs são usados na Holanda para produção de bro- tos, proteção de cultivos, triagem e empacotamento. Experimentos já estão em andamento na colheita (tomate, pepino, morango, etc.), controle de ervas daninhas, colheita de pimentões e rosas, embala- gem de alimentos e manuseio de produtos moles. A figura 9.6 mostra um dos diversos tipos de robôs idealizados para a atividade agropecuária. Esse robô pode cavar o solo, introduzir a semente e cobrir a cavidade. Além disso, ele também pode aplicar tanto fertilizan- – 243 – Tecnologias Aplicadas ao Agronegócio tes quanto demais defensivos. Esse robô foi planejado para trabalhar em conjunto com demais robôs do mesmo tipo, formando o que se conven- cionou chamar de enxame. Dispositivos possibilitam que eles se comuni- quem entre si, visando auxiliar a tarefa. Figura 9.6 – Uso de robô na agricultura Fonte: dorhoutrd.com . Algumas características do uso de robôs na agropecuária devem ser ressaltadas. Segundo Paulssen et al (p. 26), os robôs com finalidade para uso no ambiente rural possuem as seguintes características: 2 Configurabilidade – capacidade de ser programado para executar uma tarefa determinada; 2 Adaptabilidade – flexibilidade para reconhecer diferentes objetos; 2 Interação – os sistemas carecerem de outros mecanimos de intera- ção que não seja a programação; 2 Movimentos – executa ações repetitivas; 2 Decisão – os robôs já têm grande autonomia, conferindo a tomada de decisão sobre determinadas situações; 2 Cognição – sistemas ainda carecem de melhor capacidade de aprendizagem. A conciliação da análise, por meio da agricultura de precisão e da automação tem conduzido à chamada “fazenda inteligente”. Conforme ressalta Wield (2016, p. 44), Fundamentos do Agronegócio – 244 – A agricultura inteligente permite a produção customizada de pro- dutos específicos para clientes específicos. A produção persona- lizada leva a um aumento na diversidade de produtos e métodos de produção. Desenvolvimentos recentes em agricultura inteli- gente incluem troca de dados cada vez maior entre máquinas, sistemas de gerenciamento e provedores de serviços, desenvol- vimento de sistemas de injeção, queimadores de ervas daninhas e enxágues específicos para as linhas de cultivo. A indústria de estufas já usa robôs, por ex. na cultura de tecidos vegetais, e GNSS (Global Navigation Satellite System), que permite o posi- cionamento dentro de uma parcela ou cultura com uma precisão de poucos centímetros. Mas não é apenas o setor agropecuário que tem se beneficiado da automação. A atividade de produção de alimentos é uma que está tendo um impacto muito amplo por meio da introcução de impressoras 3D para a produção de alimentos. Segundo Lee et al. (2017, p. 9): A produção de alimentos usando impressoras 3D é uma tendência pequena, mas crescente, na indústria de manufatura. Os ingredien- tes dos alimentos são colocados em uma impressora 3D, que então realiza a extrusão dos insumos em um projeto estrutural, permi- tindo a produção de novos tipos de alimentos. Por exemplo, o Culi- nary Lab é um espaço de aprendizado, colaboração e exploração onde os chefs e outros inovadores de alimentos podem renovar seu ofício tradicional de cozinhar por meio do uso da impressão 3D. Se a impressão 3D, em última instância, se ampliar ainda mais, novos designs de alimentos poderão se consolidar e o cozimento automa- tizado para os consumidores finais poderá crescer. O funcionamento é simi- lar ao de uma impressora 3Dconvencional, com a diferença de que o resultado da impres- são é comestível. A figura 9.7 mostra um dos diversos tipos de impressoras 3D para ali- mentos disponíveis. E a gama de alimentos é relativamente variada, contendo pizza, quiches, chocolates, mas- Figura 9.7 – Impressora 3D para alimentos Fonte: Shutterstock.com/MarinaGrigorivna – 245 – Tecnologias Aplicadas ao Agronegócio sas, hambúrgueres, pasta, doces e sobremesas, por exemplo. Espera-se que em breve uma variedade ainda maior de alimentos possa ser produzida por meio de impressoras 3D. 9.1.3 Negócios e gestão operacional O terceiro ponto se relaciona com os negócios e a gestão operacio- nal. E isso está passando por uma ruptura bastante grande provocada pela tecnologia da informação (TI). A TI contribui para que o produtor rural tenha uma visão mais completa do seu negócio, incluindo igualmente os diferentes métodos de produção. Mas a tecnologia de informação também possibilita que o produtor tenha um melhor acompanhamento dos merca- dos, o que permite uma melhor gestão das variáveis financeiras. 9.1.4 Ferramentas de construção de capacidade O quarto ponto se refere às ferramentas de construção de capacidade, que visam a divulgação de informações entre agricultores, principalmente aqueles localizados mais distantes e com dificuldades para ter acesso aos meios formais de acesso à informação. Umas das formas é por meio das redes sociais, em que os produtores rurais e pessoas especializadas, como os agrônomos, compartilham suas dúvidas, bem como as soluções encon- tradas para determinado problema. Notadamente, esse tipo de rede social é uma forma barata para agri- cultores terem mais assertividade em suas decisões, pois, como sabemos, o setor agropecuário em países em desenvolvimento apresenta grande hete- rogeneidade entre os produtores, sendo que uma parte significativa deles padece sensivelmente de informações. Como destacam Lee et al. (2017), o grande incentivador dessa iniciativa são as organizações públicas e as organizações não governamentais, pois a plataforma não tem viabilidade comercial, por atender justamente um segmento de menor rentabilidade. 9.1.5 Mercados O quinto ponto são os mercados, principalmente com as formas de comercialização. Nesse ponto, a tecnologia tem contribuído para que a Fundamentos do Agronegócio – 246 – comercialização inclua formas de comércio eletrônico (E-commerce) e não se atenha apenas aos locais físicos tradicionais. Albertin (1998, p. 58) destaca que o comércio eletrônico: 2 conecta diretamente compradores e vendedores; 2 apoia a troca de informações totalmente digitais; 2 elimina os limites de tempo e lugar; apoia a interatividade e então pode adaptar-se dinamicamente ao comportamento do cliente; 2 pode ser atualizado em tempo real, mantendo-se sempre atualizado. Ainda no entendimento de Lee et al. (2017), essas novas formas de comercialização aumentam a eficiência, a qualidade e a produtividade nas operações, e elas também contribuem para eficiência na cadeia de supri- mentos. Os novos mercados facilitam o acesso a seguros e produtos finan- ceiros, bem como à compra ou concessão de equipamentos. Eles também possibilitam maior integração dos produtores agropecuários à indústria de transformação, e também dos produtores rurais ao consumidor final. 9.1.6 Inovação em produtos e em processos O sexto ponto levantado pelos autores é a inovação de produtos e processos, principalmente por meio da engenharia genética e agricultura celular. A engenharia genética é algo amplamente utilizado na agricultura, sendo que os últimos avanços estão relacionados com a transgenia. Sobre esse tema, Cavalli (2001, p. 43) afirma que O mundo se encontra na era do supermercado transgênico, alimen- tos com os genes modificados chegam à mesa dos consumidores, como a cenoura mais doce e contendo doses extras de beta-caro- teno, o arroz com mais proteínas, a batata com retardo de escure- cimento, o melão com maior resistência a doenças, o milho resis- tente a pragas, a soja com genes de castanha-do-pará que aumenta seu valor nutritivo, o tomate longa vida, tendo sido o primeiro ali- mento transgênico a ser comercializado e a ervilha com genes que permitem sua conservação por mais tempo. Mas além da presença de alimentos transgênicos, estamos entrando numa nova fase, que é a agricultura celular. Essa tecnologia possibilita a produção da proteína animal sem a forma convencional de extração, a – 247 – Tecnologias Aplicadas ao Agronegócio exemplo de ovos e leite, e do abate. A técnica pode ser de duas maneiras distintas. A primeira é justamente a produção celular, em que células são extraídas de animais e replicadas. O resultado desse processo é a produção de carne, como pode ser visto na figura 9.8. A segunda técnica é a produção acelular, destinada à produção de derivados, como leite, ovos e gelatina. Figura 9.8 – Esquema de produção de carne por meio da produção celular Fonte: Hoogenkamp (2016). O argumento utilizado pelos defensores dessa nova técnica de pro- dução de carnes de origem bovina se assenta em questões ambientais. Ressaltam que a produção dessa proteína ani- mal é a principal atividade emissora de metano, um gás de efeito estufa 25 vezes mais danoso que o dióxido de car- bono. Além disso, pela vasta área utilizada, é a atividade que mais impacta sobre o des- matamento. Sendo assim, a técnica produção de proteína animal sem a necessidade de abate é economicamente e ambientalmente viável. Vale destacar que a sociedade ainda carece de esclarecimentos e pesquisas sobre os impactos negativos dessa tecnologia. A figura 9.9 mos- tra os resultados da produção de carne por meio da produção celular. Figura 9.9 – Produção de carne por meio da agricultura celular Fonte: Shutterstock.com/Alex_Traksel Fundamentos do Agronegócio – 248 – Saiba mais Leite sem vaca, ovo sem galinha e carne sem bicho A Revolução Industrial acabou com as bases de sustentação econômica da escravidão. Locomotivas e automóveis eliminaram a tração animal como meio de mobilidade, que funcionou ao longo de milênios. Agricultura celular? Será que isso promete ser também uma inovação disruptiva que vai mudar a agricultura e a pecuária tradicionais ou mesmo industriais? Nesta mesma sexta-feira, na qual a matéria de capa do Rioshow é sobre a restaurantes e negócios ligados à gastronomia vegetariana, foi apro- vada em Portugal lei que estabelece que todos os menus de restauran- tes, refeitórios e cantinas administradas pelo setor público devem con- ter uma opção que não contenha quaisquer produtos de origem animal. Ou seja, além dos tradicionais pratos onde o principal é carne de boi, peixe ou frango, de agora em diante em terras lusitanas tem que ter uma opção vegetariana em cardápios de escolas e universidades, autar- quias e órgãos da administração pública, hospitais, estabelecimentos prisionais e inclusive em serviços de assistência social. A referida lei partiu de uma petição assinada por mais de 15 mil pessoas e de acordo com o espírito desta nova regulamentação a opção vegetariana deve garantir diversidade, presença de nutrientes e ser ao mesmo tempo saudável e equilibrada tanto quanto as opções tradicionais já existentes. Em dois meses a opção vegetariana já deverá estar disponível em todos os estabelecimentos administrados pelo setor público. Somando A+B, ou seja, a lei vegetariana dos nossos irmãos lusos e o crescimento da gastronomia vegetariana nestas terras brasileiras ates- tado na Rioshow, como tendência que começa a se evidenciar justa- mente nos bairros mais afluentes do Rio de Janeiro, é válido perguntar: a alimentação vegetariana está ganhando força para valer? Não estou interessado neste momento em discutir causas. Tão pouco em convencer X ou Y de que comer carne é bom ou ruim. Nem muito menos defender a saúde das pessoas ou