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Paulo F. Santos Quatro Séculos de Arquitetura 1 - l ' r coleção iab Introdução Como na História Política, a da Arquitetura da Cidade pode ser dividida em três períodos: COLO- NIAL, IMPERIAL, REPUBLICANO. No período COLONIAL, todas as nações colonia- listas da época - Espanha, Holanda, França, Ingla - ter ra-, tinham monopó lio de comércio com suas colônias. O nosso só se faz ia através de Portugal: comércio de bens materi ais e das prendas do espí - rito também. Exportávamos matérias-primas e exo - t ismos - já houve quem o disse - e recebíamos produtos manufaturados: os da cultura inclusive da arqui tetur a, nos chegavam de lá prontos para se- rem aplicados. · As fontes em que Port ugal se abast ecia estavam muitas vezes fora: na Europa - principalmente na Itália, dado o avassalante prestígio da Renascença; um pouco na Espan ha, mais perceptível durante os anos em que as duas coroas esti veram unidas (1580-1640) ; e um pouco também na França - preponderantemente no século XVI 11; mas mesmo nesse século a influência italiana foi maior. Hou ve muita& ou;ras infl!1ências: da mesma Europa e tam- bém aa Asia e Africa, que não cabe citar numa esquisse relativa ao Brasil. No qlle tange às fortif i· cações, por exemplo, à influência italiana - qu ase a única no século XVI -, seguiram-se a holandesa na primeira metade do século XVII e a francesa na segunda metade desse século e nu XVI 11. Na Itália, nos séculos XVI ao XVIII, a arquitetura teve quatro fases: Renascentista, Maneirista, Barro- ca e Rococó. Portugal, depois do magnificente surto Manuelino de curta duração, acusou também com espíri to diferente mas com as mesmas raízes, 14 essas quatro tendências: mais t endênci as est ilísticas do que fases. A expr essão Arq uitetu ra Maneirist a empregada em relação a Portugal é relat ivamente recente. Data do relevo conferido ao Maneirismo pelos emine nt es historiadores e críticos de língua inglesa R. Wittko - wer, Anthony Blunt e Nikolaus Pevsner , em estu- dos estendidos à arquitetura portuguesa por outros críticos de I íngua inglesa: John Bury (em caráter exper imental ) e Robert Smith, com boa receptivi- dade dos portugu eses Mário Chicó e Jorg e Paes da Silva - também eles f iguras de alta categoria da mod etna Histór ia da Arte. O Brasil, cujos primeiros cinqüenta anos foram de rudi ment ares realiza ções, só alcançou as três últi - mas te ndênci as, a primeira sendo aqui chamada de Jesuítica , aind a qu e nela se inclua arquitetura que não pertence à Companhia de Jesus, a que se seguiram a Barroca e a Rococó, não se tendo ainda te ntado subst itui r a designação Jesuítica por Ma- neirista . O Maneirism o na Itá lia foi atitude de rebeldia con tr a a gramáti ca e as ordonâncias da Renascen - ça, tomada por quem as conhecia mas delibera - damente não as seguia (Michelangelo na Laurezia- na, por exemplo), ao passo que no Brasil as formas da arquitetura de entr e Renascença e Barroco ex- pr imiram antes o arcaí smo pró prio ao meio áspero e rude do que uma maneira ou atitude contrári a às normas consag rad as. Quanto às expressões Jesuít i- ca, Barro ca e Rococó só são legí timas para a nossa arquitetura religiosa; porque a civil, quando rural, nas suas formas desataviadas era desprend ida de pretensões erud itas e ainda que com raízes tam - bém portu guesas, as teve primordialmente mergu- lhadas na nossa t erra ; e quando urb ana e naquelas rea lizações em que se possa ter a prete nsão de encontrar fil iações esti l íst icas mais definida s, usou de vocabu lário plástico de pilastras , cornijas , enta- blamentos, cimalhas de sobre-verga e frontõe s cuj a sintaxe foi marcada durante todo o período CO- LONIAL pelos compa ssos da Renascença. Uma ou outra vez o Barroco se insinuo u em portadas volu- tas, quartilhas de começo de escada, cartela s e quejandos ace ssórios , mas a orgânica da co mpos i- ção dos espaços man te ve-se estática, à moda da Renascença, e não dinâmica, que é a caracterí st ica fundamental do Barroco. Do Rococó - cuja con- tribuição à arquitetura cívil consistiu principa lmen- te em introdu zir forma s mais sensíveis , delicadas e caprichosas - pode dizer -se aproximadame nte a mesma coisa. No período IMPERIAL, com a Abertura dos Por- tos decretada pelo. Prín cipe Regente quando em 1808 fugindo da il'ivasão napoleônica t ransferiu a Corte para o Brasil, passamos a receber toda sorte de inf luências, na arquitetu ra e nas artes em gera l predo minando paradoxalmente as da França, resul- tado da vinda em 1816 de uma missão de artistas desse país para o Rio de Janeiro. Assinalam-se no período duas influ ênc ias princ ipais - uma estilísti- ca, o Neoclassicismo, qu e fo i aqui antes uma revives- cênc ia de forma s ainda uma vez da Renascença, do qu e um retorno às fontes pr imár ias da Gréc ia e Roma ant igas, como na França, 1 nglater ra e Ale- manha; outra, como tendên cia do espír ito, o Ro· mantismo, com variadas expressões formais. Em meados do século XIX com a inauguração da navegação a vapor transa tlân tica seguida do telé- grafo subm arino , entramos em rápido contato com todos os povos. Consegüência : mesc la de influ ên - cias que, com a REPÚBLICA e as invenções do aeropl ano , do cinema e intens ifica ção da imprensa, fizeram que todo o Ocident e t ivesse uma fase de Eclet ismo. No Brasil, foi no Rio de Janeiro com as grandes obras de remodelação da cidade empreen- didas pelo Prefe ito Passos, qu e o Eclet ismo atingiu suas formas mais desenvo ltas. A década de 1920-1930, do Pós-Guerra, foi ta m- bém para todo o Ocidente uma fase de reno vação à procura de rumos. Na arqui tetura, toda a América proc urou renovar-se seguindo dois caminhos: um voltado para o passado, o Neocolonial; outro para o futuro, o Moderno, que acabar ia por prevalece r. A arquitetura do Rio de Janeiro - por que no Bras il foi aqui , com arquite tos daqui, que a revira- volta se deu - rap idamente vai situar-se : não mais subserviente a Portugal, como no per iodo Colo - nial; não mais subserv iente à França, como no perí odo Imper ial; mas dona de seus próprios desti - nos, no primeiro plano da arquit etu ra universal. Período Colonial ' l) 1 ;") a - 1 } .__ç::t~' 2 ('. <, . 0> .,,, ,,/' /'J ,...::, , / -7 ( A Cidade e sua 1 './../. 7 .J:9-' '.? - ::, Arquitetura Militar / ./ "!.,,! ;l' ' t .. (_ ✓ A Cidade Velha no Cara de Cão e a Cidade Nova no Castelo A Guanabar a, devid o à sua situação geográfica, era um lugar privilegiado ; ali uma grande cidade teria fatalmente de surgir, por maiores que fossem os obstác ulos à sua expansão urbanísti ca - disse Albert o Lamego; e haveria inevitavelmente de per- tencer - é ainda dele a observação - à categoria das capitais naturais de que fala Vallaux - , cidades que teriam sido vivas e populosas como núcleos de relações industri ais, comerciais e agrícolas, mesmo se o Estado não houvesse feito delas o centro de sua atividade. A cidade de Estácio de Sá na Praia do Cara de Cão não passavp. de um arraial de precár ias instalaçõ es: balua~tdbertos de telhas vindas~e S. Vicente, casas cobertas de pa lma, a ermida "'em que oficia- ram os jesuítas. O sítio era ex ígup só explicável pela sua significação militar como senti nela da barra e trampolim para a conquista da baía, então ainda em poder dos homens de Villegaignon. Mes- mo assim serviu por dois anos: março de -~a janeiro-março de J,961. Al,%>15 At7o'7 Expulsos os franceses, Mem de Sá, nos dezesseis meses em que esteve na Guanabara ( 18 de janeiro de 1567 a maio de 1568) constrói a nova cidade no Morro de S. Január io depo is conhecido como do Castelo. Descreve-a ele próprio, corroborado por testem unhas no "Instrumento" dos seus servi- ços (1570); cercando-a de muros com muitos ba- luart es chei os de art ilhar ia e construindo no in- , J .( , .. ) .. ? ~ 17 ',; .li'/l..,._::.,;, , - ::i ,>,, '/ , < 7✓ - .>. J ~- /~ > terio r: a Casa da Câmara, sobradada, telhada e grande; a Cadeia; os Armazéns da Fazenda Real, também sobradados, te lhados e com varandas (isto é: sacadas) ; a Igreja dos padr es de Jesus "te lhada e bem consertada" e a Sé de três naves, " també m telh ada e bem consertada"; dando ainda "ordem e favor" para que fizessem muitas outras casas •~ il!!Qas..e,..sobradadas''.. Mudada a cidade, a do Cara de Cão passou a chamar-se Cidade Velha ou Vila Velha. A localização da cidade no alto, já adotada pelos romanos, visigodos e muçu lmanos no território depois ocupado por Portuga l, foi também de tradi· ção portuguesa como mostra o Livro das Fortale- zas de Duarte Darmas, escudeiro de D. Manuel 1. A Lisboa muçulmana, no ano da sua conquista pe los cristãos (1147) tinha o seu castelo com uma mu· ralha em volta. Se Salvador foi a Forta leza Forte de que fala o Regimento de Tomé de Souza, Rio foi o Castelo , de proteção da costa sul - , ambas refe ridas nos documentos como praças fortes, o que equivale a dizer: com os RJanos urbanísticos subordinados aos militareS:-- A Praça Forte dos Primeiros Anos Em princípios do século XVII havia na cidade: no sopé do Morro do CastEtl9., o Forte de São Tiago (depois, do Calabouço); na Cidade la, o Baluarte Cidadela, o Forte de São Sebastiãoe o Baluarte da Sé, ligando esse Baluarte ao Forte de São Tiago, a muralha em que ficava a Porta da Cidade, onde até pouco tempo at rás existia o Beco da Música; na ...... 18 "\ . , , , Praia de Manuel de Brito, onde se ergue a Igreja da Cruz dos -Militares,'"" a primitiva Santa Cruz (cons- truída por Martim de Sá em 1605); na barra, as fortalezas de São Teodósio e Nossa Senhora da Guia, nomes depois trocados para S. João e Santa Cruz, cujos balaços fizeram retrocedei· em 1599 a esquadra de Oliver Van Noort. Mais tarde far-se-(a o Forte de São Bento no morro desse nome. Des- sas fortificações, a de Santa Cruz é a única de que se conhece a traça - indicada com clareza num canto do mapa Capitania do Rio de Janeiro do Cosmógrafo João Teixeira Albernaz (o avô) (que pelas legendas se vê ser posterior a 1625 e anterior a 1631) -, traça de compromisso entre j Idade Média e a Renascença; cortinas com ~eias igando entre si cubelos e baluartes - estes com a forma cilíndrica detÕrres, quando o baluarte geralmente compreendia quatro faces i:>lanas, as duas do cen- tro em forma de cunha saliente';ou em ponta de lãnçaTalvez a Cidãdeâo7i.itõ'rro que Memde Sá disse ter baluartes, os tivesse também cilíndr icos, porque Gabriel Soares (1587) a descreve como tendo torres e Frei Vicente (1627), quatro caste- los. Descida para a Várzea A descida da cidade para a Várzea começou ainda no século XVI, em que se fizeram as ermidas ali situadas de São José, Santa Luzia, Nossa Senhora do ó e Ajuda, em to rno às quais foi se agrupando o casario, e também o Hospital da Misericórdia, que em 1582 atendia às vítimas da epidem ia que grassou na armada de Valdez, e que Cardim (1583-90) disse ficar na praia. Em 1568 (ano se- guinte ao da mudança), já aparece uma escritura de doação de sesmaria: tudo cercado, com casas co - meçadas na Praia de Manuel de Brito, e dali a quinze anos, duas outras, uma na mesma Praia de Manuel de Brito, outra no Caminho do Boqueirão (Vieira Fazenda). A ocupação nada teve de arbitrária. Apalpava-se o terreno em busca das partes enxutas. Daí ter ela começado no sopé do morro ( Rua da Misericór- dia), infletindo pelas restingas arenosas, de um lado rumo ao Boqueirão (Lapa), do outro - e foi o principal -, rumo à Várzea de Nossa Senhor a (Pra- Paulo F. Santos ça XV), seguindo pela Praia de Manuel de Brito ( Rua Direita, hoje Primeiro de Março) até o Morro de S. Bento , formando o conjunto uma linha ar- queada que serviu de base ao traçado das ruas; as transversais da Rua Antônio Nabo (S. José) à dos Pescadores (Visconde de lnhaúma) ficando nor- mais ao arco; as longitudinais, a começar da Rua Detrás do Carmo (Carmo), agenciando -se aproxi- madamente paralelas aos segmentos de corda do mesmo arco. No princípio do século XVII a Cidade da Várzea já seria extensa, porque Dick Ruiter, capitão de mari - nha holandês aprisionado em 1618 , conta ter leva- do uma boa meia hora a percorrê -la ao longo da prai\ (Boxer) e uma dezena de anos depois, o mapa Capitania do Rio de Janeiro já mostra o povoamento atingindo S. Cristóvão, lnhaúma, lrajá e até Magé e S. Gonçalo do outro lado da baía. Mas pouco ocupada, porque o mesmo cap itão - que também se refere à existência de ruas e diz não serem pavimentadas-, consigna dez ou doze casas apenas, muitas baixas e escuras. A parti r de 1623 os rumores de próxima invasão holandesa que se admitiu pudesse visar o Rio, provocam pân ico e um re,trocesso na descida para a Várzea: - referem-se os muros da Cidadela do Castelo; reforçam -se apressadamente as fortifica- ções da barra; manda -se (Carta Régia de 17-X-1632) que "a Cadeia e a Casa da Câmara se conservem no sítio alto e se não mudem para a Várzea ... "; insiste-se em que "por nenhuma via se faça obra nem casa fora das fortificações" (P. Calmon). Até as legendas do mapa de João Teixei- ra falam na tomada de Salvador pelos holandeses , que acabara de ocorrer, traindo essa preocupação. A part ir de 1637, Salvador Correia de Sá (filho de Martim de Sá) assumindo a governança sem mais respeito a proibições começou a instalar os mora- dores na cidade em baixo (P. Calmon). Da Casa da Câmara e Cadeia, que em 1631 os membros do Conselho dizem estar muito velha e num deserto, em 1633, para erguer outra na Várzea, se manda modelo a el- Rei e em 1639 contratam -se as obras com <;> pedreiro Francisco Monteiro (V. Fazenda). Entra em decl ínio a Cidadela, de que em 1656 o poeta R. Flecknoe afirma só as ruínas de casas e a grande igreja que ainda permanece testemunham a ex istência (Boxer). (Refere-se à Igreja de S. Sebas- tião e esquece a do Colégio). O Traçado das Ruas No Cast~ o_ traçado das ruas eraJrregula r_§JTlQd.a T edieva l eort.!:!auesa; mas na Várze1Ld1t$..d.!LQ._prj- meiro século e começo do segundo já se fala em éodeamento, .!ifilDarcação_,_ruas direitas conforme às mais,d e trinta palmos, etc. - e há uma relativa regulariêlaae que reflete as idéias da Renascença, postas em voga por Alberti (na sua interpretação de Vitruvio), Filarete, Scamozzi, etc., idéias que tiveram muito maior aplicação nas cidades da América do que nas da Europa, - já o disseram Pierre Lavedan e Robert Smith - e comprova-o a comparação ent re os p lanos destas, reunidos por Lavedan e os daq uelas, existentes no Arquivo de lndias em Sevilha reproduz idos por Chueca e Sai- bas. E a regularidade fo i maior nas de colonização hispânica (Buenos Aires e Santiago do Chile, por ex., de que existem os planos quinhentistas) do que nas de colo nização lusa, que Luís Silveira publicou em Cidades Portuguesas de Ultramar: como Salvador, Rio de Janeiro e S. Luís do Ma- ranhão. Antonelli, Filicaia, Frias, Lescol les Quatro engenheiros podem ter interferido no tra- çado da cidade: Batt ista Antone lli, de nac ionali- dade ital iana, que durante vinte anos foi o maior fortificador da Amér ica, esteve em 1582 sete me- ses no Rio com 70 artíf ices, quando sugeriu a Salvador de Sá erguesse as duas fortalezas da barra ., (origem de Santa Cruz e S. João) e em 1604 fo i · mandado à América para fazer plantas topográficas · de todos os portos, inclusive do Rio de Janeiro. Baccio da Filicaia, também italiano, que permane- ceu no Brasil de 1596 a 1607 e reformou os portos a mando do governador Francisco de Souza, que ·o .convidou a voltar ao Brasil para a construção de . uma cidade. Francisco de Frias da Mesquita, portu- 1guês, egresso da au la (escola) de Arquitetura Civil ')dos Paços da Ribeira de Lisboa (primeirade Portu- 'gal, fundada a mando de Felipe li pelo arqu iteto ital iano Felipe Terzi), chegou ao Brasil em 1,603 Arquitetura 19 como engenheiro-mor do Reino, e em 1617-1618 esteve no Rio, logo depois de ter projetado, com as ruas se -~rtando em ân_gJ:!ló reto f mªn .eira q~ Renascenca1 a cidade de S. Luís do Maranhão (re- produzida por Barleus (1647} e Santa Teresa {1698) - primeira do Brasil com traçado desse gênero). Michel de Lescolles, francês , tomou posse na Câmara do Rio (1649) como engenheiro de S.M., sendo encarregado pelo Conde de Castelo Maior de fazer as plantas da cidade {fez ao todo sete, de que há menção em documentos do Arqui- vo Ultramarino, dadas como perdidas). Século XVII Em 1647 cria-se em Lisboa a au la de Fortificações e Arquitetura Militar, em que pontifica Luís Ser- rão Pimentel, cujo curso, publicado em 1680 com o nome O Método Lusitânico, revela bom nível de cultura técn ica. Cogita também da arquitetura, com o sobrecarregado gosto italiano do tempo e citações de Vitrúvio. Sérlio e Scamozzi. Engenhei- ros em maior número vão sendo mandados para o . 'Brasil. Oesenvolve-""se a ãffiã e construir (Bahia é o -melhor exemplo). Com_ a fundac;ãoem 1680d a Colônia do Sacramento, o Rio cresce de significa · ção estratégica e com a descoberta do ouro nas Minas na última década do século , adquire relêvo econômico como porto de embarque do metal para a metrópole. Conseqüência: cobiça de corsá - rios (da França, que estava em luta com Portugal) . A cidade tem então 12 mil habitantes. Para defen- d~la cria-se nela uma aula de Fortificação {1699) e reforçam-se suas fortificações que não impedem a invasão de Du Clerc (1710) e a conquista de Du Guay Trouin (1711 ). João Massé e a Planta de 1713 Para corr igir o sistema de fortificações foi man· dado um compatriota dos invasores, o Brigadeiro João Massé1 _gue faz o mapa da ciçl_ade, o primeiro com traçado das ruas (porque os dos do is Teixeiras além de- incorretos são sumários e os de Antone lli e Lescolles não se sabe como seriam). Nele vê-se que a cidade terminava na Rua dos Ourives, protegida da parte de terra ( porque foi desse I ado que Du /1 - ,~:-.,, ~ • ..r., , ..... ~ ___, -::5-J-r_ ,-<_, I ,,.J a_,.,-~~ O,,,,,-, \) ,F -~"'- , ~ (l__,,c.,, -~ ,,, ' .__._._.... , / • - ,i~.,;:I O<'X '!. • """\ oi', C _j, -,{•(' -,, , I ;... ,(2, : f' r r r, _(' Ir- I '-'1,.~ ; vV!,,,6,~ 20 <""\ --::., / / Paulo,J, Santos • :_y;._,,,,.., -,/,.~,. , .. ,, ,,-,. , (.r_(_.,_,...(_,..., · ~~ '//'.,,r...r_..r ~- ✓~ -,).,, ,,_, :::::_,., Guay Trouin a atacou), por u~ muro com escalo- se alguma coisa havia que fôsse regular (!}; e man nados e revelins i ligando os morros Conceição e da vir o Tenente General Henrique de Bohm e o Castelo (abandonado três ou quatro lustros de- Brigadeiro Jacques Funk (1768) que na opinião do pois), no qual mapa além das igrejas e edifícios Conde de Oeiras eram tudo o que de mais distinto públicos aparecem as fortificações : de São Sebas - tinha o exército português; e de Funck: dos melho· tião do Castelo, ligada ao Baluarte da Sé; da Con- res oficiais ... na engenharia e artilhar ia ... que ceição; da Ilha das Cobras ; de São Tiago (no Cala- possuía a Europa ... onde havia um tesouro enco· bouço). Esta tinha dois baluartes e urp, reve lim ao berto. Funck faz entre outros bons projetos, o de centro do lado do mar e uma tenalha com revelim acréscimo do Arsenal do Trem (1770). do lado de terra. As traças são bastante singelas se comparadas às de Antoine de Ville, Conde de Pagan e Vauban, os três engenheiros de maior brado na opinião de Manuel de Azevedo Fortes em O Engenheiro Português (1728-1729) -, livro tão importante para a primeira metade do século XVI 11 quanto O Método Lusitânico para a segunda metade do século XVII, e que D. João só deixou publicar depois de passar pela censura do Brigadei- ro João Massé, o que mostr a o prestígio desse engenheiro. O Século XVIII O governador Vahia Monteiro (1725-1732) ainda que contrário ao Muro de Massé, que preferia substituído por um canal, não permitiu se cons- truíssem casas do lado de fora, do que resu ltou acerba contenda com a Câmara, terminada ao tem· pode Gomes Freire (1733·1763) pelo abandono do Muro, que na planta do Capitão André Vaz Figueira ( 1750) aparece ultrapassado pelas atuais ruas da Carioca, Sete de Setembro, Alfândega, S. Pedro e Largo de São Francisco. Em 1738 Gomes Freire de Andrade funda uma Academia de Artilharia cuja direção entrega ao engenheiro de sua confiança, Brigadeiro José Fer- nandes Pinto Alpoim. Este constrói a Casa do Trem, que tinha também a finalidade de abrigar a Academia. No vice-reinado, o Conde da Cunha (1763-1767) incumbe o Sargento-mor Manuel Vieira Leão de levantar o mapa da capitania do Rio de Janeiro (o mais importante da Cartografia Colo nial). Junto ao Forte de Santiago e fazendo com a Casa do Trem um só conjunto - hoje Museu Histórico Nacio• nal - , ergue o Arsenal do Trem (1764). Muito severo com Bobadela, diz que de Alpoim não sab ia O Conde de Azambuja ( 1767-1769) transforma o Colégio dos J esuítas em Hospital Militar e ante a probabilidade de guerra com a Espanha inicia com Bohm e Funck um plano de fortif icação, elabora- do pelo segundo { 1768) de que subsistem um relatório e 14 plantas aquareladas (Bibliotec a Na· cionál). Completa -o o Marquês de Lavradio (1769-1779), que constrói ou reforma com cuida· dbsos est udos de t iros cruzados, as fortificações do Pico, Leme, S. Clemente, S. Bento, Santa Cruz, S. João, Lage, Villegaignon, Ilha das Cobras, Gra· goatã, Boa Viagem, S. Tiago, Praia Vermelha; me- lhora a Casa do Trem; incumbe o Brigadeiro Funck, o Coronel José Custódio de Sá e Faria e o Capitão Francisco João Roscio de faze r cada qual a sua plant a de defesa da cidade e ao Tenente-gene· ral Bohm de se pronunciar sobre elas. Merece elo- gios a de Sá e Far ia, mas é preferida a de Roscio, de quem o Vice· Rei disse ser ... talvez o único em toda esta capitania de quem se possa acredi tar as cartas e plantas que tem feito porque põem em papel senão o que ele viu, mediu e examinou, o que todos os outros fazem pet o contrário, riscando a maior parte das vezes por info rmação ou est ima- ção (1776). Roscio fez o seu projeto, em verdade mais de um projeto inspirando-se em Vauban . O mais completo (repudiado por Lavradio, que lhe pediu para refund i-lo) compreendia uma seqüência de baluartes emergindo de uma cortina contínua; baluartes simples, sem os orelhões que já estavam em uso no sécu lo anterior (aparecem, por exem- plo, no livro de Bétanvieu, que é de 1674), e foram comuns na obra de Vauban (plano para Saint-Mar- t in-Ré, por ex.), mas que, talvez por serem muito dispendiosos, Roscio não quis empregar. Além des- se plano - existe, do mesmo ano, um plano da cidade do Rio de Janei ro, de t raçado menos com - plexo - que D. Isa Adonias, pelo desenho, colori- do e letra, identifica agora como sendo o de Sá e • .... I -e> ') ,,,.' / ' / ::> ., ,, ) ~' ) , ' / 7 ,, .,,__,, .,. -< ~ ,,...2A .,, ,1 ,. / _ • ..,; 1 / .,.__,,,,_ J /. / O .,,i " 1 ( /,.,,;;, ,,,.,,,,.?~t 1 ,,:,.,,,_,~ ~ --· o_, "' , 1 y -) J 1 ..., _; ,7_, ,, :;:, , ~•.::? )?'\l../lfl_:;, f Quatro Séculgs de A_r.quitetur~ , )/ 2 1 ' '.l ~ ;,i-: J . . ~ ,rL ·✓ ,.,., , ,, . - .,, , , ..: Faria -, ~ o_._m,~r~ende.nci~ ám r{,~r~ começ~ndo no OS JESUff AS. ~~ ip~d~undação da_ cidad~, , Valonguinho e terminando na Praia de Santa Lu- os jesuítas tiveram na C idade Velha sua primeira 'Y zia, com cortinas abaluartadas (do Valonguinho ao ermida, a de S. Sebastião, '~Era de palha e algumas \ Morro de Santo Antônio onde incluía um forte de vezes a furaram as flechas dos Tamoios". Na Cída- , quatro baluartes em ponta de lança) e escalonado de Nova, Mem de Sá lhes const ruiu igreja, que do outro lado, e tendo por fora o canal com água tomou o nome de Santo lnácio,'.í)porque o de do mar que fôra de resto preconi zado, na terceira S. Sebastiãopassou para a Sé. Esta, com as suas ,.~~ ) década do século, pelo governador Vahia Montei- três naves, e na fachada frontão ladeado de torres ro. O canal atravessava a Lagoa do Boqueirão (Pas- arre matadas em pirâmide, obedecia a um partido r, ~ seio Público) e alimentava um fosso com os bordos comum no Reino; a outra, e o colégio anexo, em talude, deixando do lado de dentro os morros foram reconstruídos em 1585 com projeto do Ir- \ do Castelo, S. Bento, Conceição, Santo Antônio e mão Francisco Dias, que foi o arquiteto também ~ toda a Várzea, só ficando do lado de fora o Valon- dos colégios da Bahia e Olinda, e chegou em 1577 go, a Capela de Santana {que deu o nome ao de Lisboa, onde, com projeto de Afonso Alvares, 0 , campo, hoje Praça da República) e os seminários fôra o construtor da Igreja de São Roque. Da -~ , da Lapa e Ajuda e inclu indo três redutos de quatro coleção de desenhos jesuíticos existentes na Biblio· , r pontas em Sta. Teresa, S. Diogo e na praia. Nem teca de Paris, tra~ida de Roma no século XVI li ...._, esse nem o projeto de Roscio chegaram a ser pelo Bailio de Bréteuil, figuram plantas como sen· construídos, prevalecendo no fim do seculo a idéia do do Colégio do~io, de fato adotadas no de generalizada na Europa, de ciâaâe aberta, corrente Olinda, onde a igreja é até hoje a mesma. A do Rio nos tempos modernos . era menos profunda e não tinha a capela-mor nem A Arquitetura Religiosa Edificações Monásticas Tendo um santo por nome de batismo, a cidade cresceu sob o signo da rei igião que , nos séculos XVI e XVII, com os jesuítas , beneditinos , francis- canos e carmelita s, teve na -arquitetura cõ nventual ou monástica, suas obras mais significativas. I /,-1. .rA.Â:;, y,;> - .,,,. '/.,,. r 7 Colégio dos Jesuítas. Morro do Castelo - RJ. Projeto do Irmão Francisco Dias. Início: 1583 os nichos que na pernambucana a ladeiam; o teto era em masseira, com caibros aparentes e pinturas de motivos fitomorfos 0 geometrizados; a fachada arrematava com frontão de ponto alto e portada à moda da Renascença, tratados com a frieza e o ascetismo próprios da arquitetura dos jesuítas, e no interior, possuía três belos retábulos de fins do XVI ou princípios do XVI 1, ainda existentes na Igreja do Bonsucesso da Santa Casa da Misericór- dia, todos de estilo plateresco espanhol (estava-se ,,,,., r:·'_? .,_., , l , Á.--, ~~r ) / /,,,. (".,G , ,,.;;é'.(' ✓7 J y./ J,,,,--.,,. -- / 2. r ,. 22 na época da Dominação), feitos com madeira bras i- leira (freijó), que Lúcio Costa admite tenha sido exportada para Portugal e vinda de lá já tr;:ibalha - da, e Seraf im leite lembra ser madeira existente nas proximidades do Rio de Janeiro, e já haver no Colégio nessa época, entalhador que os pudesse ter executado. OS BENEDITINOS. Chegados ao Rio eJIL15~86 os beneditinos instalaram-se na ermida de Nossa Se- nhora do ó ( Praça XV), transfer indo-se a seguir para o morro depois conhecido como de S. Bento, onde já havia uma capela, junto à qual começaram a construção de um mosteir inho singelo de taipa de pilão, o qual, ampliado entre 1620 e 1624, aparece com a sua galilé de três arcadas na vista do Rio publicada nesse últ imq ano na Holanda, e persistiria até 1652.L quando começou a conste.u~ do_ moste~tua l. Este, D. Clemente da Silva Nigra baseado nomanuscrito de 1684 Declarações de Obras do Monge Beneditino Frei Bernardo de São Bento e no Dietário da Ordem, reconstituiu o projeto, provando ser o mesmo de Franc isco de Frias da Mesquita (1ôn-1618): era em quaara com um páffo- central rodeãdÕ-de um claustro, e, na singeleza de suas apuradas proporções, não teve paralelo na colônia em sua época. Mosteiro de São Bento. Morro de São Bento - RJ. Projeto de Francisco de Frias da Mesquita. Inicio: 1617-1618 Paulo F. Sa ntos A Igreja, começada em 1633, ocupava um dos lados da quadra, tinha uma nave só, sacristia do lado da epístola, frontispício com frontão de pon- to alto, torres de seção quadrada arrematando em pirâmides, e na entrada, um pórtico ou galilé de três arcadas, característ ico de quase todas as igrejas da Ordem. Modificou-a Frei Bernardo, a partir de 1670, transpondo a sacristia para os fundos e acrescentando à nave colaterais. Outros aumentos se fariam depois: na igreja, a capela do Santíssimo Sacramento , e no mosteiro, a das rei íquias , as partes altas do soberbo claustro (obra de Alpoim) o refeitório, os corredores, com seus tetos de arma- ção tratados em cor escura de austero efeito etc. Nessas obras trabalharam arquitetos, escultores e pintores, os quais se tiraram ao monumento a concisão e a clareza do projeto de Frias, to rnara m- se no que hoje é: um tratado ilustrado da arquite · tura re ligiosa no Rio de Janeiro colonial, em que todas as épocas deixaram a sua marca. O frontispí- cio da Igreja, atribuído a Frias, é de filiação renas· centista. A portada da portaria do Mosteiro, com os lados do frontão inter romp idos para inserção de um nicho com a imagem da Senhora do Monserra- te (obra seiscentista do escultor Frei Agostinho de Jesus) e a nave da Igreja tal como a teria conceb ido Frias, são maneiristas. Porque esse arquiteto tendo Mosteiro de São Bento. Morro de São Bento - RJ. Projeto de Francisco de Frias da Mesquita. Início: 1617-1619 sido discípu lo de Nicolau de Frias, como este o fora de Felipe Terzi na aula de Arquitetura Civil do s Paços da Ribeira em Lisboa, tivera formação ta mbém maneirista. Dele teriam sido ainda: a abó- bada em berço e as pilastras da Ordem Colossal, de vez que tais pilastras, postas em voga na Itália por MichelangP.lo e em Portugal pelos discípu los de Terzi, admitimos já existissem na igreja primitiva, e seria uma explicação para o que Frei Bernardo chamou "pilares" e uma escritura de 1717, "gigan- tes". As arcadas que Frei Bernardo criou na nave par a acesso às capelas, teriam contribuído para reforçar a solução maneirista. A marcenaria, a talha, a imaginária decorativa, a prataria , empregadas na Igreja e no Mosteiro por Frei Agostinho de Jesus (segundo quarte l a meados do sécu lo XVI); Frei Domingos da Conceição e Alexandr e Machado Pereira (fins do XVII e princí- pios do XVI 11 ); José da Conceição da Silva e Simão da Cunha (fins do primeiro quartel e mea· dos do XVIII); e Inácio Ferreira Pinto (Mestre Inácio) e Valenti m da Fonsec a e Silva (Mestre Valentim) (últ imo quarte l do sécu lo XVIII) - , cuja s atribuições de autoria só em algumas peças pude ram ser autenticadas - , completaram a crono- log ia estilíst ica, acrescentando-lhe as formas alen- Igreja do Mosteiro de São Bento - RJ. Interior, com telha de frei Domingos da Conceição. Fim do século XVII e século XVII Quatro Séculos de Arqu itetura 23 tadas e vigorosas do Barroco e as caprichosas e sensíveis do Rococó. Da capela do Santíssimo e da capela-mor existem desenhos do século XVII 1, que se tem atribu ido a Inácio Ferreira Pinto em razão de ter sido com ele contratada a execução da talha da última capela (1787). Mas tais desenhos não têm o fini, e nas legendas, o cu rsivo de calígrafo dos que se sabe terem sido executados por esse entalhador-pedreiro-arquiteto para o Arsena l de Marinha (1819), publicados por Juvena l Greenhalg. O interior da Igreja, em que se inserem imagens de corpo inteiro de vários desses esculto- res e pinturas de Frei Ricardo do Pilar, foi dos primeiros do Brasil, em chave com o da Capela Dourada do Recife, como o colo cou Germa in Bazin -, a usar talha dourada revestindo todas as paredes, o que no próprio Portugal só teria come- çado a aparecer - notou-o Robert Smith - no último quartel do século XVII, inaugurando lá, o que os portugueses gaa maram igreja toda de ouro. OS CARMELITAS. Em 1590 vieram os carmelitas,. instalando-se na mesma ermida de Nossa Senhora do Ó, desocupada pelos beneditinos, junto à qual, em terreno doado pela Câmara, começaram a cons- truir em 1619 o Convento do Carmo com do is dormitó r iosde treze janelas cada um, que através dos séculos receberia acrescentamentos até ser in- corporado em 1809 à Casa Real e a Capela guinda· da à Catedral. A ermida cuja h°istória se apresenta de mistura com a lenda, tendo desabado, os frades começaram em 1761 a Igreja atua l: de três portas de entrada, uma só nave, cobertura em berço per- fur ado de lunetas, formando em planta, com as duas capelas fundas do transepto, cruz latina, e tendo três outras cape las não comun icantes de cada lado, encimadas de tribunas providas de va- randas de grac ioso rendi lhado, pintadas de branco, também existentes nas capelas do transepto e que dir -se- ía serem as primitivas, embora Moreira de Azevedo tenha descrito estas como douradas e de balaústres. Malgrado as reformas que lhe alteraram os interiores e o frontispício, aqueles conservam a talha Rococó do século XVIII - começada em 1785 por Inácio Ferreira Pinto, então no apogeu de sua carreira -, talha que é toda sobreposta, desintegrada das extensas superfícies que decora, ao contrár io do que se fez na fase anterior noutras 24 igrejas, em que a talha revestia todas as superfícies, sem de ixar ver o fundo. Da fachada, Marques dos Santos possui um desenho com um alongado ático centra l e duas tor res que adm ite seja da igreja setecentis ta, e cujo motivo de coroamen t o lembra o da Igreja do Bonsucesso . OS FRA NCISCANOS . Em 1592 chegaram os fran- ciscanos , instalando-se ~a e rmida de SantaLUZÍâ, - õnd e func ionava uma confra ria, passando-se da li para o sopé do então Outeiro do Carmo (antes cedido aos carmelitas, que não o quiseram) (1606), onde já existia uma ermida de Santo Antônio, e ali construíram (segundo Jaboatão), "uma casa térrea co m seu clau stro e igreja", a qua l em 1877, More i- ra de Azevedo ainda viu e descreveu , também referida como "recolhimento". Dele, no começo do século XVI 1, fizeram prelado Frei Vicente do Salvador, sob cuja direção, no a lto do morro - que tomo u o no me de Santo Antônio - "se lançou no Primitiva Sé. Mo rro do Castelo - RJ, Sdculos XVI -X VII Paulo F. Santos . fundo dos alicerces a primeira pedra aos corredores do convento" (1608}, cont inuando com as obras o novo Prelado Frei Estevão dos Anjos, e o seguinte, Frei Francisco dos Santos. Este, autor da traça do s conventos de Olinda e Paraíba, Frei Basílio Rower diz, entre aspas, ter sido "quem planejou e deu o risco do Conven to", sem esclarecer de onde tirou a informação, que Jaboatão, no "Novo Orbe Será· fico", não registra. Sob Frei Bernardino de Sant'lago (1617-1620), terminam as obras da Igre- ja a qua l, segundo a t radição francisc ana, tinha apenas três a ltares, e de 16 19 a 1622, j á recebia do lado - como por todo o Nordeste foi comum-, a Capela dos Terce iros . Mas, ainda que o seu núcleo tenha sido conse rvado o mesmo, na última década do século XVII aumentam-na para a frente de quase tr ês metros, com uma galilé de três arcos , comunicando com a nave por uma porta só - outra aproximação com suas irmãs do Nordeste. Em fins do primeiro quar te l do século XVII 1, encompridam-lhe a capela-mor de cerca de 3,5 m e revestem -na de talha, decoram- lhe a abóbada com pinturas e refazem-se-lhe os três ret ábu los ao gosto do tempo. No terceiro qu artel do século XVI 11, reco nstrói-se o Convento, e na Igreja, incorpora-se a galilé à nave e substituem-se os tr ês arcos pelas portas atua is. Na terceira década do século XX, subst itui-se o frontão tr iangular do frontispício pelo vulgar coroamento que lá está, eleva-se desme- suradamente o arco cruzeiro, que fica de gritante despr oporção, co mp letand o-o com ta lha de esti lo dife rent e da anterior -, resultando disso tudo o abastardamento do monumento . Do ant igo se con - servam: - uma bo11ita portaria cwn tet o plaiiõ decor ado com p inturas; uma pequena capela do· méstiç_a cõm barr á de azu lejos,_retábu lo Bococó ao fund o e pinturas; e uma sacristia - das mais lindas do Rio_::.,~ n~no piso _mác_more Extremoz, teto plano moldurado de desen ho movimentado e pin- turas narran do a história de Santo Antôn io de Convento de Santo Antônio . Morr o de Santo Antônio -RJ. tnício : princípio do Século XVII O.Uatro Sécu los de Arquitetura 25 Pádua, nas paredes do is estupendos painéis de azu- lejos, arcaz de linhas ondula ntes , portadas também ondulantes, não muito em harmonia com o dese- nho reco rtado pelo miúdo dos painéis que enci- mam o arcaz. No compartimento contíg uo (segun· da sacristia), há Üm lavabo magnífico de mármo res portugueses coroado pela estátua da Pureza. OUTROS CONVENTOS. No século XVI 11, com pro jet os do Sargento-mor engenheiro José Fernan· des Pinto Alpoim, foram construidos: o Hospício dos Barbonos , dos frades Barbadin hos, na rua da- quel e nome (1740), de que aind a ex istem a planta e a fachada assinadas pelo engen heiro; o convento de freiras de Nossa Senhora da Ajuda (1745), onde hoje f ica a Cinelân dia; o convento, também de freiras, de Nossa Senhora do Desterro ( 1750), de· po is conhecido como~ San.ta Teresa, no morro desse nome. ?\ ,...) ..e< ---_, ....::?. -y I 26 .O< , / r <:. , .1,..-.,.-_J ,;' • _..~__, f, J '~ e. ~ ~ O. -, ' f O~r ,"""'J ~-- :,_;, .,.,_,__; .,,, ,, r::' ..G-1'. > ...,,, ,, :) ? .✓ , , ,Paulo F. Santos .. ~ Igrejas Paróquias, de Ordem Terceiras e de Irmandades No Rio setecentista, domina a influência da arqui- tetura oosmopolita de Lisboa. Na primeira metade do século destacam-se as igrejas de N. S. da Glória do Outeiro - a jóia do século -, $. Pedro dos Clérigos e S. Francisco da Penitência. A da Glória - sobre a qual Augusto da Silva Telles acaba de preparar uma substanciosa e erudita mo· nografia -, e que, com a sua graciosa silhueta branca enobrec ida de embasamento, pilastras , cor- j inas e coruchéus de cantaria, domina o outeiro, frente à barra, é dada por Moreira de Azevedo como iniciada em 1714, ano em que, segundo o Santuário Mariano a Irmandade já possuía recursos para construir a igreja; em 1735-1740, já estaria construída, porque essas crê-se serem as datas dos azulejos da nave, capela-mor e sacristia feitos espe- cialmente para cada lugar (Santos Simões) o que co incide com o que diz M. de Azevedo, que a dá como terminada em 1738. A planta tem uma única torre à frente , seguida de um oito formado por dois octógonos entre laçados - polígonos em moda no princípio do século XVIII (igrejas do Bom Jesus da Cruz de Barcelos (1701 ), e Menino Deus de Lisboa (1711) ambas de João Antunes}; envasa• duras em arco abat ido, já típicas desse século; teto em abóbada de alvenaria (usada na Igreja das Bar- rocas em Aveiros - 1722); cobertura em terraço (empregada na Igreja de Barcelos); primeiro pavi· mento da to rre, de cantaria, com almofadas em losangos nos embasamentos e massa no segundo pavimento (repetindo S. Bento do Rio); pequena espessura da cornija superior em relação ao alto pano da parede (arcaísmo de sabor românico} e forma característica dos coruchéus (de sabor góti· co }. As portadas late rais, em Lioz, de estilo Roco- có, devem ser da segunda metade do sécu lo XVI 11 e a portada central, no mesmo Lioz, com o meda- lhão da Virgem ao alto, e os retábulos de altar, do últi mo quartel desse século. Na nave a atmosfera luminosa da baía ace ntua os contrastes das pilas- tras e entablamento de cantaria (também usados na Igreja de S. Pedro dos Clérigos do Recife ), com as notas claras das paredes caiadas e as alegres e _,, Jr.~ ~__,_,,_,., r""-1 , ../ • coloridas dos silhares t!e azulejos, criando efeitos de contraponto em que a pintura de cobalto tem vibrações que chegam a ser violentas de tal forma o azul se apresenta nítido e destacado (Santos Si· mões), efeitos que se ate nuam nos pa inéis de sob o coro, cape la-mor e sacristia. Esta é enriquecida com do is chafarizes de mármo res policromos e um arcaz, que tem por cima um frontal de pinturas representando os Doutores da Igreja. Igreja do Glória do Outeiro - RJ. Projeto atribufdo ao Tenenw-Coronel José Cardoso Ramalho. Principio do século XVIII J A Igreja de S. Pedro dos Clérigos (demolida para a abert ura da Avenida Presidente Vargas) (1942), foi projetada pelo Coronel José Cardoso Ramalho (1733) a quem Moreira de Azevedo - sempre tão veraz - baseado em informação de descendentes do Coronel, atribui também a autoria da igrejinha da Glória, hipótese que, reforçada embora pela ana logia das plantas - el ítica e octogonal - , só pode ser aceita com reservas: - Na da Glória_a originalidade da planta não apaga a rigidez dos traçados retil f neos, a contenção de propósítõs eõ peso da construção (espessura das paredes); na tje S. Pedro o traçado amolece nas formas polilobadas dos nichos laterais e do pórtico, e a maneira por que entre uns e outros se inserem as elaboradas torres (em que o círculo e o quadrado se entreco r- tam), revela virtuosismo amaneirado, ou seja: pro- Igrejas da Glória do Outeiro e de São Pedro do Cl(Jrígos - RJ. Projetos atribuídos ao engenheiro Tenente-coronel José Cardoso Ramalho. lníâo: século XVIII. Plantas baixas ! ••••••••• Quatro Séculos de Arquitetura 27 jetista de temperamento diverso do da outra Igreja. Nas elevações, a,,~ Glória tem agradáveis propor- ções, modenatura- duidada, valorização das escalas, e as notas arcaizantes exprimem sensibilidade e bom gosto; ao passo que a de S. Pedro - pelo menos a que chegou até nós-, justifica observa- ções: as bonitas portadas das torres repetem em escala menor o partido da portada principal - o que raramente acontece nos edifícios de alta cate· goria; há semelhança nos dois volumosos entabla- mentos, o superior e o intermediário da fachada lateral, ambos com modenatura seca, convenc io- nal, talvez resultado de alguma reforma; nas torres, são gritantes as desproporções das envasaduras (veja-se o desmesurado arco abaixo do arco-sineiro, por exemplo, o qual, sendo semicircular, deve já ser do século XI X, ao passo que na igrejinha da .... r :;;, 28 --;, Paulo F. Santos ~?.,..,,---~~ .. ,,.,.J_.,-,~ .. ,.,;-;~ · ... _;;,~""' ,· c::>:J ,,.,.),-' ..-,.,:, .. -:,',:..,..,,r ./ _, _,,, - ✓ ( / v~• - ~ . /-- Glória as envasaduras são proporcionadas pelo S. Bento, onde aqueles ornatos, ainda que encerra- miúdo ). O encanto da Igreja - ql!e era muito dos em volumosos e rígidos apainelados, que se grande, apesar de tudo, e que a fotografia, apagan- admitiria uma limitação ao ímpeto criador, partici- do os detalhes e suprimindo a monotonia da cor pam de urna atmosfera contrita de fervor religioso, que resultava de ela ser toda de massa, favorecia -, que falta na da Penitência, mas é compensada, o seu encanto resultava, nos exteriores, do envol- nesta, pela mestria de artistas consumados - verda· vente jogo dos volumes, e nos interiores - estes deiros chefes de escola, cuja influência se exerceu muito bons - , dos delicados estucados Rococós na talha do Rio em gera l (inclusive na de S. Bento (obra já da segunda metade do século) , os quais de meados do século) e na de Ouro Preto, para adornavam as movimentad as superfícies, que a luz, onde Francisco Xavier de Brito se transfe rindo jorrando em feixe da abertura central da abóbada, (1741), ali executou, no mesmo estilo opu lento e valorizava, criando faixas de intens idade variáveis. tumultuado, os retábu los de altar da Igreja de Sta. A planta el ítica, ao em vez de or iginada na da lfigênia e Matriz do Pilar. igrejinha da Glória, pode ter sido imposição da Ordem de S. Pedro dos Clérigos, porque foi adota- da nas igrejas da mesma Ordem: de Recife, de D. Jacome (1728); do Porto, de N. Nazzoni (1732); e de Mariana (1785); e as formas curvas polilobadas, já eram comuns no Reino (projeto de João Nunes Tinoco para a Igreja de Santa Engra- cia) (século XVI 1). A Igreja de S. Francisco da Penitência, iniciada na década 1650-1660, na de 1720-1730 ainda se cons - truía. Tinha : nave e capela-mor retangu lares,exte - rior plano sem torres, portada ao centro, entabla- mento corrido, pequeno frontão (depois modifi- cado). No interior : talha, realizada alternadamente por dois entalhadores, mas com unidade de con - cepção: Manuel de Brito (altar-mor e púlpito - 1726 e 1732); Francisco Xavier de Brito (arco-cru- zeiro, cornija da nave e seis retábulos laterais - 1735 e 1736) outra vez Manuel, cujo risco foi o preferido - o que prova que houve outros (preen- chimento dos claros das paredes do coro e nave entre os retábulos e a cornija - 1739) . A ele Germain Bazin atribui a talha da capela do novicia- do da mesma Igreja, e crê seja ele próprio o enta- lhado r de mesmo nome que decorou o santuário lisbonense de S. Miguel de Alfama (1723), referido por Reinaldo dos Santos (A Escultura em Portu- gal) hipótese que o ajuste de datas nas pesquisas !deste a pedido daquele (até 1723 teria estado em Lisboa, e a partir de 1725, no Rio - já se sabia só se ignor ando tratar-se da mesma _p.,essoa), parece confirmar. No desenho há rocalha ~ assimétricas, e a fatura dos acantos é mais livre do que a empre - gada por Domingos da Conceição e seus continua- dores do primeiro quartel do século XVII I em No começo da segunda metade do século XVIII, reeditam-se as plantas curvas, ainda que parcial- mente, nas igreías da Lapa dos Mercadores, N.S. Mãe dos Homens e Conceição e Boa Morte. A da Lapa dos Mercadores (1747-1750), muito remode- lada (1869-1872), se apresenta hoje, com uma galilé de três arcadas encimada de janelas rasgadas e sobre elas um complicado medalhão e outros motivos , tendo ao centro uma porta abrindo para a nave oval, coberta com cúpula e lanternim, e con- jugada a uma capela-mor retangular profunda , tam- bém com cúpula e lantern im - uma e outra rica- mente decoradas. Completam o programa aos fun- dos, sacristia, consistório, etc . A de N.S. Mãe dos Homens (iniciada em 1752), tem nave octogonal ladeada de corredores, capela -mor retangular com retábulo de Inácio Ferreira Pinto (1790) e cons is- tório e sacristia aos fundos. A Igreja da Conceição e Boa Morte, projeto de José Fernandes Pinto Alpoim, e també m octogonal (no cruzeiro) e com abóbada, tem nave e colaterais prov idos de arcadas e tr.ês altares de cada lado, e na capela -mor, ta lha de Mestre Valentim, autor igualmente do risco da J'.)ortada. . .,,,. :;>y) ,, • , ,,., 7 . ' ,~ ' , ~ .. .,, Duas igrejás retdmam o partido tradicional no Rei- no, de duas to rres, nave retangular ladeada de corredores, capela-mor ladeada de sacristia e cape la privativa: as das Ordens Terceiras . de N.S. do Car- mo (1752) e S. F-ranciSCÕde Paula (1752). Ambas têm as fachadas movimentadas, frontões curvi l Í· :v neos de cantaria, torres .com coroamentos bulbosos ~ já de meados do século XI X, emergindo do cent ro de terraço s com ba laustradas, tra ,tados pelo miúdo, com revestimentos de azulejos coloridos (comuns nesse século), sugerindo vagamente a forma de minaretes. A do Carmo é toda revestida de granito - como passou a ser freqüente-, e com uma bon ita portada em Lioz vinda de Lisboa em 1760, encimada por um medalhão da Virgem com o bambino, de influência italiana , e na fachada late- ral outra portada igualmente em Lioz, mais fina e delicada. O desenho, de um Rococó tardio, procu - rado das guarnições das envasaduras, é de um vir- tuos ismo que não elimina a secura de linhas, tam- bém das plantas, estas resolvidas com erudição, mas como aplicação de preceitos hauridos em mo· delos gastos de tanto uso, em que a vida não palpita . Na Igreja do Carmo - que tem na sacristia um bonito lavabo, de mármores portugueses poli- Igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo - RJ. Sdculo XVIII Quatro Séculos de Arqu it etura 29 cromos-, distingue-se a capela do nov iciado , que passa por ser toda ela de Mestre Valentim, cuja talha em torno ao altar-mor tem dei icadas vergôn- teas de composição em diagonal, destacadas do fundo, tipicamente Rococós (1772 e seguintes),que se antecipam nesse tratamento à cape la do Santíssimo, de S. Bento; e nas ilhargas - altares retábulos, espelhos-, formas novamente alentadas de f im de sécu lo, aparentadas com as da capela- mor de S. Bento. Na de S. Francisco de Paula a Capela de N .S. das Vitórias - em que Valentim trabalhava quando morreu (1813) - o friso de guirlandas no alto das paredes (tão empr.egados pelos Adams), indica automatismo academizante, e o advento do Neoclassicismo . Assim também o retábulo do altar-mor da Igreja, com empertigadas -- Igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo - RJ. Portada vinda de Lisboa em 1760 ,·· 30 colunas de caneluras verticais, igualmente atribuí• do a Valentim -, e que a nosso ver é das suas obras menos expressivas. A talha das naves das duas igrejas, é já obra do século XIX, realizada com espírito de imitação e de que a vida igualmente não participa. Na segu_nda metade do século XVIII, predominou a tendência italianizante e o gosto do monumental, mais um anúncio do retorno ao Classicismo . A prime ira das igrejas com esse caráter, foi a monu · mental Sé, projeto de Alpoim a qual na planta de André Figueira (1750), já aparece e Ender (1817) reproduziu erguida muitos metros acima do solo. O projeto de Carlos Mardel foi preferido no Reino ao de Alpoim, que com ele concorrera para a igreja, mas este, por ser de menos dispendiosa execução, acabou por ser o adotado (Moreira de Azevedo). Segue-se a igreja iniciada pelos jesuítas no Morro do Castelo (1744), que - é de Bazin a dedução - teria plano articu lado e cúpula no cru- Igreja de São Francisco de Paula - RJ. Século XVII Paulo F. Santos zeiro à romana, da qual só subsistem a iconografia da elevação, as portadas (transferidas para a Igreja de Santo Inácio na Rua S. Clemente) e peças avu l- sas (na Escola de Belas Artes). A Igreja da Cruz dos Militares - projeto do engenheiro José Custód io Sá e Faria (1780) -, tem nave retangular ladeada de corredores, capela-mor com a sacristia do lado , fachada sem torre (há uma só torre do lado aos fundos) e o pavimento superior mais estreito arre- matando em frontão e concordante com o térreo por meio de volutas (como nas igrejas jesuíticas romanas) e decorado com nichos providos de ima- gens de madeira, de S. João e S. Mateus (recolhidas ao Museu Histórico) atribu idas, como a primitiva talha interior (destruída por um incêndio) a Mestre Valentim. A Igreja de Nossa Senhora da Cande lária - projeto do Brigadeiro Francisco João Roscio (1775) -, tem a planta em cruz latina, com colate · rais (ladeados no século XI X, por esdrúxu los corre· dores), duas sacristias, uma de cada lado, fechadas com ordonâncias da Renascença em que domina o Igreja da Cruz dos Militares - RJ. Projeto do Brigadeiro José Custódio de Sá e Faria . Século XVIII gran ito (quase se não vendo o branco dó f undo ) à qual os perfilados nos entablamentos e as curvatu· ras ponteagudas nas sobrevergas, impr imem discre- ta revivescência barroca; nela a influência ita I iana chega ao ponto de o revestimento int erior ser (caso único na cidade) não de talha de madeira , à manei- ra portugue§Ê, mas de mármore com as abóbadas enriêjuecidfil em fins do sécu lo XI X e princípio do século XX, com p inturas de Zeferino da Costa, e portas portuguesa s em bronze, de Te.ixai.r.a-bQ.f)es. Igreja da Candelária - RJ. Projeto do Brigadeiro Francisco João Roscio . Fim do século XVJ/f e início do século XIX Quatro Séculos de Arquitetu ra A Arquitetura Civil Características Principais 31 No agenciamento dos espaços e em cada elemento da cons truç ão e da decoração, os séculos XVI ~ XVII usaram de uma linguagem direita e simples, desprovida de qualquer sofisticação ou subjetivi- dade na procura estética. Uma atmosfera de t ran- quil idade dentro e forq dâ casa era a nota domi- nant e dessa arq uitetura, feita de silêncios, a que ? coloração das janelas e portas (verde, azul, ocre, vinho ), destacada contra o f undo branco da parede caiada, produz ia, pelo contraste discreta vibração, que não chegava a pert urba r aquela atmosfera e a que cont ribuíam: a rudeza do..,.wateriaJ das guarni- ções (pedra); a horizQ_ntaliç:lage dos_tra_çados, que o beiral sacado franjado de telha s acentuava; ~ - ciência para_o __g.!:!_adrad 9 (em vez do retângu lo) nos êom parti mentos e nas envasaduras de portas e ja- nelas (estas , no Hospício dos Barbonos (1740) eram quad rada s), o predomínio do s che ios sobre os vazios - o que equivale a dizer: abafadas as vozês na composição. No século XVI 11 (_os cheios.. vão diminuindo e os vazios crescendo na altura , e vai aparecen do g arco abati qo (quase desconhec ido no sécul o XVII e raro no XI X), que se enriquece com cimalhas de sobreve rg_a~ delgagas _ (fachada laterai da casa do Bispo no Rio Comprido); ~ mesas e bem proporc ionadas (casa do Arco do Têles ); demasiadamente pesadas (Casa dos Gover- nadores); com as duas_ ~~tremidades de níve l con- ferindo ao conjunto efeito ondulante, barroco (fa- chada prTncipai da casa do Bispo-); com os ca!:l_tos côncavos e tratamento amaneirado {casa do Co· 'mendador Siqueira, em Mata-Porcos). - As jane las eram de peitor il, ou de púlpito, estas com bacias de cantaria ligadas por filetes de igual espessura, que d ividiam entre si os pavimentos, com perfilados nas pilastras dos cunhais (Santa Casa); e guarda -corpos em treliças , com balaúst res e almofadas por baixo, de ferro com peitoril de madeira ou mesmo todos de ferro. Estes tinham varas altas nas extremidades e ao centro e baixas as dema is, todas decoradas com discos ou cones. Ti· pos assim já aparecem nas gravuras quinhentistas da Lisboa representada por Braulio, e no Brasil, '\ 'I \ r: ' \ \ ~ ~:::>e..;:) ~/C L<r.r,"" ~...<~,-;l<""'.2 ~ ~~ _,?..-<-c.r r> t jÓ, ,O -,.-<-!"\ ...,Ú. ..r ,, '"I -"( _) ;(_~-;, IVÜ l _, -:,, ..< • n / r-:,""\ - ,<7_,,9.,-, J --.,. f-.1 l., - ;, g_,. • ~.., 0 7 AC~,· •'"'(,<_ ( '?__:) A,<,. <,L,,(, ,_..,_/,4E 32 ~ --:::,e_q,,,_,,.....,~ 1 -- ' 1 ....,-. • --'~ 1 ~<..-<.---l.-Paulo ,F.Santos • · · '· , .., ·'✓ , , 1 r , r:::; / ? r I e,,,, ~- , ;(.;, ;;_,,;; ª".-/ {j z., . , /· , "> ~ ;:. , , , ,_ , num desenho da ~rirneira metade do XVII para a afeiavam ás fachada( só sendo conservadas nas Casa da Alfândega da Bahia (existente no Arquivo terreas, que foram as que Ender e Debret encontra• Ultramarino) e na primeira e segunda Casas dos ram. Governadore s e na do Arco do Teles, do Rio de Ja neiro. As folhas das janelas abriam espetacjas para dentro, girando à francesa, e eram de dois tipos: de calha ou com almofadas de e~~esso mo!· durado na face e reentrant es no tardoz ;7Jenquadra- mento vasado ao centro e post igc.7b este último ti po a casa do Arco do Teles ainda conserva as primitivas. <- Vidraças, até o terceiro qua rtel do XVI 11 eram raras; John Byron (1764) só menciona as do Palá- eíõdos Vice-Reis, mas Langstead (1782) viu pou- cas, logo já havia algumas. Seriam das fábricas reinóis da Marinha Grande (fundada em 1748), da Coina (fund ada em 1719) ou do Covo (fundada no século XV) e difundiram-se só depois de 1792, porque o Almanaque desse ano acusa do ze lojas de louç a da lndia e nenhuma de vidros e o de Duarte Nunes, de 1799, nove lojas de vidros e louça fina. Começaram a ser usadas em caixilhos sobrepostos às ant igas janelas, ou nos de- guilhotinas. 7:stes, a principio - tinham vidros pequenos retangula res, de- pois (século XI X) caprichosos desenhos nas folhas superiores que variam em centenas de tipos de norte a sul do Brasil. As portas eram de calhas, ou de almofadas, estas com molcfura: só na face, ou também no tardoz. Típicas eram as tre liças feitas de delgadas fasquias cruzadas, usadas nos guarda-corpos das sacadas e avarandados (Ender, 54), ou adap tadas a janelas e portas que se diziam de rótulas-, destas, umas não atingiam a parte superior dos vãos, que termi· navam com bandeiras de moti vos recortadosou torneados; outras, formavam gelos ias, que semelha- vam armários de três faces com cimalhas no topo (Ender, 63), tendo por detrás jane las rasgadas; e ainda outras, muxarabis, que vest iam de rótulas, com ou sem almofadas nas partes baixas, extensos abalcona dos (como o que 'até o século XIX existia na Rua do Hospício). Todas essas peças g~para a_ sensibilidade dos dias presentes, são bonitas, tive- ram de ser ret iradas dos sobraâos eml809 airian- do do fnte ndente de Polícia do Príncipe Regente , Paulo Fernandes Viana, sob a acusação de que :.J ~ __ - t'\ r&'I 1í-. . Nos prédios que atingiam as divisas, os telhados ou eram em duas águas, com empenàs latera 1s, ou quatro águas com calhas dos lados; e nos de centro de terreno quase sempre em quatro águas, com a linha doce da sanca e cantos em peito de pomba. Nos de grande porte (primeira e segunda Casas dos Governadores, Arsenal do Trem), e mesmo nos de porte médio, foi igualmente comum as coberturas desdobrarem -se em vários telhados de quatro águas, de pontos ba ixos, solução que já era comum na Lisboa do sécu lo XVI retratada por Brau lio. Às vezes não tinham simet ria (Câmara e Cadeia, de que se conh ece um desenho setece ntista). Dava-se então pouca importância ao ~ lb.sldo Q.r~tendendo; se as vezes escondê -lo - , prenúncio da chegada das platibandas, que a princípio só se incluíam à fren- te, depois (e foi um dos característicos da arquite· tura do século XI X) em todas as fachadas. Nas casas urbanas as escadas, quando externas, só excepcionalmente tinham mais de dois ou t rês degraus (de cantaria) acima do passeio. E quando internas - que no mais das vezes eram de madei- ra - , ficavam metidas entre duas paredes ouàpre- se ntavam o primeiro lanço à vista no fundo do vestíbu lo, com degraus de convite e guarda-corpos que terminavam em co luna ou quartilha; o segun- do lanço, do lado do vestíbulo tinha com freqüên- cia guarnecimento de tre liça, torneado ou recorta· do, de que dá exemp lo Debret. ~s raramente eram de tijolos (como na casa da chácara do Conde da Barca) (Ender, 113). Co· mum era o uso de tabuado sobre barrQ:t.es, mesmo nas lojas ( Luccock), que tinham 1,5 a 2 ,5 palmos de largura e dois dedos de espessura, sem rodapés (desenho de Joaquim Cândido Guillobe l), no livro de Ender). Os forros quase sempre tinha m abas e cimalhas em volta, e ·o centro em sai'á ~i amísa, ou plãnõ (a encher·) côn, - mo1 uras sobrepostãs de formas barrocas (imitadas das sacristias das igre· jas). Estes eram apropriados para pinturas decorati- vas, como os da casa do Conde Von Eltz (Ender), havendo ainda os de estuque, em fasquias de ma- deira sobre barrotes. Das pintura s, Luccock, na época foi o que tratou com mais precisão. A sala - disse ele - apresenta uma mescla curiosa de pinturas magníficas e pare- des caiadas de branco. A cornija, filetes pardos, amarelos, azu is-claros, vermelhos, -cor-de-rosa e de outros matizes em arranjos variados; mas seja qual for o arranjo demonstram ser o objeto principal. O teto é dividido em caixotõe s e pintado de maneira análoga. A frente da alcova é por vezes pintada e dourada, emprestando ao cômodo uma aparência de riqueza que não se poderia esperar de outras part es dos seus ornatos, e as paredes por dentro e por fora pintadas de branco, realçando pela refie· xão o esplendor do meio-dia e produzindo, às 11\lzes, um mal-estar quase intolerável nos olhos de pessoas possuidoras de excelente vista. As aquare - las de Bates (recém-publicadas por G. Ferrez), que são de um quarto de século mais tarde, quanto ao uso das cores confirmam tudo isso, incluindo tam - bém, nas paredes, pinturas em amarelo ou rosa. Edificações Urbanas em Geral :1 '(kJ_.-1 ,_;., 00 I C.,~ ) ~ r •>) Na cidade predomina : a~ a 1a~a térrea e o sobrado (ver Bates, Debret, Ferrez/Ender ), raras sendo as ae três ou quatro pavimentos, não havendo exemplo da arquitetura Pombalina de cinco e seis que ainda há na Bahia l Rua Conselhe iro Dantas). Os terrenos eram estreitos, e as casas frente de rua,-tocando -=sê" entre si, com uas ou três aberturas,desti"nadas a co mércío, moradia-, oü- ã comércio no • térreo e moradia no sobrado. As lojas - que eram de salão cor rido ou com depósitos aos fundos - , abrigavam o co mércio a varejo e as oficinas, um e outros relacionados nos Almanaques de 1792, 1794 e 1799. O sobrado servia de escritório e dormida de umpregados, ou de moradia do comerciante. As térreas t inham à frente sala de visitas ou quarto, corredor ladeado de alcovas, sala de jantar atingin - do as divisas e abrindo para um pátio com a copa do lado, aos fundos cozinha, guarto dos negros, no quintal e- telheiro à guisa de estrebarias para Ô <iavalo. Estas, · Luccock e Debret enco ntraram até ,,as que não possuíam porta traseira no quintal ou passagem independente para o animal. Nos casas de cinco, sete ou mais janelas de frent e, tllspunham-se no térr eo: vestíbulo com a escada nos fundos, depósito, grande quarto dos negros, Quatro Séculos de Arquitetura 33 qu intal e cocheira. A carruagem estacionava no vestíbulo. No soQrado ficavam: à frente a_sa1ª-..de visitas - típica do programa brasileiro de mQ.[aL- , cfue era atingida -atravé s de uma saíeta ou corredor, a que vinha ter a escada e, nas de maior testada, também o quartq principal; atrás, recolhida e ínti - ma - o que era igualmente típico da nossa maneira de morar-, a sala de jantar , com janelas abrindo para um pátio posterior; entre ela e a sala da frent e, quartos, alcovas e gabinete ou escritór io, os quais, às vezes, abriam para uma área central a que no sécu lo XIX viria incorporar-se uma clarabóia, facilitando seu uso para outras finalidades; aos fundos, atingíveis por um corredor ou saleta, e fronte iros à sala de jantar, seguiam-se: a copa, a cozinha e o quarto dos negros de dentro (Debret) - programa que amplia .se~ modificar, o da casa térrea, com a nítida dist inção entre a parte de receber e a íntima da casa. - Edificações Urbanas Importantes Dos prédi os const ruídos no século XVIII, Monse- nhor Pizarro em 1820 (VII, 23) destacou: 1C?) o Paço Real (segunda Casa dos Governadores), à Praça do Carmo; 2<?) o Erário Régio, no Campo da Polé (hoje Avenida Passos); 39) o da Provedoria da Fazenda ; (pri meira Casa dos Governado res), trans • formad o em Banco do Brasil quando da mudança do Erário para o Campo da Polé. Os governadores moravam em casas de aluguel, quando, em 1698 foi adquirida para eles, a do espólio do Provedor da Fazenda , Pedro de Souza Pereira (onde' fica hoje o Banco do Brasil), contí- gua à qual se construiu, sobre a Alfândega, a da Provedoria (171 O) - ambas incendi adas (por Ou Clerc ou Du Guay Trouin). A dos Governadores abrigou os Contos quando estes sa !ram da Praça do Carmo para construção da segunda Casa dos Go-, vernadores; foi reform ada em 1805, e em 1815 passou a abr igar o Banco do Brasil. Foi parcialmen- te reproduzida (e a da Alfândega) por Ender (1817) e no livro sobre o Banco, de Afonso Ari- nos. Tinha, no térreo, entrada nobre e um oratório ou passo saliente sobre a rna em forma de armário, e no sobrado, doze janelas rasgadas com varandas sacadas e guarda -corpos de ferro, cornija e beiral corridos. 34 A segunda Casa dos Governadores {inaugurada em 1743 - hoje Correios e Telégrafos, na Praça XV-, f.oi abastardada pelas reformas a pior das quais, a Neocolonial de 1929 {compare-se a fachada atual com a aquarela do livro de Mawe que é de 1812, em que já aparece, do lado, acrescida de um pavi- mento). Dispôs-se em quadra, com pátios fecha- dos, em torno aos quais se infileiraram os compar· timentos. A escada nobre, larguíssima, ficou no fundo do primeiro pátio, acessível através de uma portada Rococó e no prolongamento do vestíbulo. No conjunto externo - estático ao modo da Re- nascença -, o acesso se faz através três portadas, a do centro de gnaisse e Lioz com cartela Rococó e as cimalhas arqueadasdo frontão livremente inter - romp idas para inserção da bacia sacada e guarda· corpo de ferro da janela de púlpito do segundo · pavimento . O arquiteto foi o Brigadeiro José Fer- nandes Pinto Alpoim, braço direito de Bobadela, que passa (sem comprovação - Wínz) por ser tam- bém autor da Casa do Trem (inaugurada em 1762} a que se anexou o Arsenal do Trem, os quais , conjuntamente, foram transformados em Pavilhões das Grandes Indústrias da Exposição de 1922 (Neocolonial) e depois em oficinas da Revista do Casa do Bispo do Desterro, no Rio Comprido - RJ. SéculoXV/lf Paulo F. Santos Supremo, e constituem hoje o Museu Histórico Nacional . Do Arsenal se salvaram, além d.Q_go[JãQ. de Minerva, de cantaria , do pátio, que tem cornija de gneiss e opÜlento friso ondulante barroco, tam- bém as Arcadas dos Descobridores, que são dos mais nobres remanescentes do século e foram re- presentadas num bonito projeto de reforma, ainda existente na Biblioteca Nacional, de autoria de Jacques Funck (1770), a quem ocorreria atribuir o projeto inicial, não fora saber-se que ele só chegou em 1768 quando o projeto foi de 1764 (Winz). A ala da Santa Casa da Misericórdia em que se insere a igrejinha do Bonsucesso , tem cornija larga e generosa, nobreza de material, e o mais belo cunhai da cidade. A casa dos Teles de Menezes, conhecida por Casa do Arco do Teles, é plasticamente superior à dos Governadores que lhe fica fronteira: pela propor- ção dos cheios e vazios, pela cornija inferior à da Santa Casa, mas sem a secura acadêmica dos da Casa dos Governadores (pelo menos da que chegou até nós) e pela concisão do vocabulário: arco aba- tido, só na janela superior, as duas outras sendo em verga reta, ao passo que . na Casa dos Governadores os arcos (resultantes do acréscimo realizado ao tem po de Luiz de Vasconcelos) se repetem prol ixa- mente. Assim também no Hospita l da Ordem Ter- ceira de S. Francisco da Penitência, no Largo da Carioca, em que, como se vê em Debret, três arcos de diferentes alturas se superpõem. Das residênc ias: a do Bispo do Desterro no Rio Comprido, a do Comendador Joaquim de Sique ira, em Mata-Porcos e a do Ministro da Áust ria, próxi- ma à Quinta de S. Cristóvão - das quais só a primeira ainda existe - eram as de maior classe. A do Bispo que já não te m a capela e o avarandado que a ligava à casa e aparecem nas aquarelas de Ender e Debret - foi tratada com ordo nâncias renascentistas, e é a mais harmoniosa . A do Co- mendador Siqueira, de que só Ender nos deu co- nhec imento, t inha o corpo cent ral térreo com arca - das de cantaria, o sobrado com janelas de púlp ito enquadradas em ordonâncias de pilastas e entabla- mento tam bém de cantaria. Foi das casas mais monumentais do Brasil co lonia l, exprimindo no aparato dos jarrõe s que marcam as pilastras acima do te lhado e na tortura de curvas e contra-curvas amaneiradas das guarnições e sobrevergas da facha- da lateral - , uma proc ura de forma academizante, que anuncia o encerrame nto do ciclo estilístico a que pert ence . Ao contrário, a casa do Embaixador Conde Von Eltz, com suas nove janelas singelas de parapeito no sobrado e poucas aber t uras no térreo, se enquadra na linha tradicional, que nos inter iores transparece nos tabuões dos pisos-, umas e outras abert uras em contraste com a riqueza de tr ata men- to dos tetos (decorados com sinuosas molduras sobr epostas) e das paredes (providas de silhares sustentando apainelados com pinturas ou tecido de um efeito ornamenta l que só o século XI X por ia em voga)-, decorações que é muito prová vel te- nham resu ltado de acrescent ame ntos posteriores à data da construção da casa. Casas de Chácara Nenhum outro t ipo de edifi cação exprimiu co m t anta autenticidade a vida ínt ima da gente carioca o o caráter regional de sua arquitetura como a "casa de chácara", refer ida por alguns viajantes como "casa de campo", cujo program a abrangia: - -- Quatro Sécu los de Arquitetura 35 casa; senza la; jardim; horta; pomar; poço de água 1 nativa com a cacimba; galinheiro; pomba l; chique i- ( ro; estrebaria, com a vaca, burro e o cavalo; estru- meira; cocheira, com o carro rúst ico e a sege ou 1traquitana; e toda sorte de bichos caseiros: cachor - ros, gatos, cabras, papaga io, viveiros de pássaros ( (até o mico, Debret observou ser inocente passa- tempo da dona de casa) - cada u m desses elemen- tos sendo considerado não como acessório, mas como peça de um sistema, que persistiu vivo e funcionando até princípios do presente século, e só o surgimento da idade industrial, introduzindo novos valores , acabaria por destruir . Anúnc ios de venda de chácaras chegavam a mencionar as espé- cies frutíferas, os bichos, e antes da Abolição, os negros e negras com suas crias-, tudo isso em estreita associação com os atribuitfs da casa: de pedra e cal; madeiramento soalhos, portas e janelas de madeira de lei; tantas salas; tantos quartos, varanda em volta; muro e gradil. Variavam os partidos, parecendo mais característi- cos os fixados por Ender e Debret, que se inclue m nos que sob a designação de "um tipo de casa rural e semi-rural" (e não como "cas a de chácara"), Joaqu im Cardoso estudou para a DPHAN (atual SPHAN) (revista nQ 7) -, adotados por um intelec- tual erudito como o Conde da Barca (Ende r) , um diplomata requintado e mundano como o Barão de Neveu (idem) e um arquiteto com estudos em Paris e Roma, como .Qr.!ndjean de Mo_m:igny Da propriedade deste à Rua _M--ªr_quês de S. Vicen - te, foram preservados - porq ue tombados pela , DPHAN -, além da casa, esta influenciada, tam- bém, pela arqu itetura âã Toscâniâ (Flqrença -etc.}, -a chácara , com as aléias _ensombradas pelo basto arvoredo os relvados, o rio com as pontes, o poma r com as nufnêrosasã rvores frutífe ras7 das mesmas que Aires do -Casal registroü -como comuns no Rio daquela época} . . A tranqüilida de e a paz penetram o visitante no ambiente dessas chácaras, em que os verdes de todas as gamas, pintalgados de brancos, amarelos, roxos, vermelhos e azuis, são um recreio para os olhos, e o chilrear dos pássaros , um embalo para os ouvidos- , constituindo também eles, notas típicas desse programa de casa , completado com os jar· 36 dins, dos que tão viva impressão causaram a Maria Graham; jc1rdins que lembram plantações do Orien- te ... (cercados) . .. de sebes de acác ias e mimo- sas ... esplêndidas trepadeiras .. . aléias em que se cu ltivam toda espécie de flores . . . vasos de louça da China cheios de alóes e tuberosas . .. fontes e bancos debaixo das árvores . . . estátuas que se entreme iam aqui e ali ... formando em conjunto uma massa de beleza e fragrância . Debret reproduziu a planta de uma dessas casas (vol. 11, estampa 42), infe lizmente com a solução incomum de sobrado e escada nascendo da sala de jantar, tendo: varanda corrida, e na extrem idade o oratório, em que também os vizinhos e os escravos assistiam do lado de fora aos ofícios religiosos do capelão, casas havendo - é ainda de le a informa- ção-, que os possuíam, e era um luxo muito honroso para um proprietário de chácara. Esta solução tinha raízes na casa bandeirante e seiscen- tista, estudada por Luís Saia (revista SPHAN) e nas casas de engenho e fazenda~ que incluíam sempre a capela. Seguiam-se, na planta representada por De- bret, a sala de visitas, ladeada de quartos, e ma ts atrás, a sala de jantar que não passava de uma das quatro faces avarandadas de um pátio posterior, fechado ao fundo com um muro; dos lados. alco- vas, copa, cozinha e quarto dos negros doentes. A parte mais característica dessas casas era ~ varan- ga, com o seu telhado de telha vã; a sanca ·eo beiral com os caibros aparentes; as delicadas colu- Paulo F. Santos dias presentes. À mesma família arquitetônica, per- tenciam, certa casa da Penha, e três outras de Niterói, das quais uma em Porto Velho, outra em Neves (revista SPHAN n<? 7), e mais uma no Oerby Clubreproduzida (já modificada), por Ricardo Se- vero (A Arte Tradicional no Brasil, fig. 29) . Outras tinham escada monumental na do Barão de Ne- veu, por exemplo, representada sumariamente (Ender, 123), a escadaria de acesso ao ter'reno predom inava plast icamente sobre a casa; esta, que ficava engastada no ta lude, além do pavimento térreo (situado abaixo do nível do pátio lateral), tinha um corpo menor, no sobrado . Ainda outras, participavam dos dois partidos, com escada de poucos degraus para a casa e escada monume ntal para a plataforma do terreno circundante; assim certa casa da Rua Rocha Miranda na Tijuca, de que o Álbum da Prefeitura Municipal de 1922 reprodu - ziu à parte a escada a qual, de tão imponente, dir-se-ía de um casarão de sobrado, mu ito mais ambicioso. O mesmo tipo de varanda de todas essas casas, teria influ ido na solução do copiar (voltado para o jardim interno) da graciosa casa de chácara, toda murada, da família Tavares Guerra, na Praia do Caju, edificada em terreno outror a dos jesuítas, e que o Príncip~ D. João utilizou como casa de netas de base e capitel pseudo -toscano~ com ante- Casa de Chácara de São Bento, em Caxias - RJ. ceden t es (a observação é de J. êardÕSO}, nos claus - Século XVIII tros dos conven t os franciscanos do nordeste; mas usadas também em Portugal ainda que com pro· porções mais empert igadas e em casas mais aparato- sas, de materiais mais nobres, como o So lar de Pomarchão e o da Quinta do Sabão, em Arcoze lo, Ponte de Lima, ou o de S. Paio de Figueiredo em Guimarães. Raramente a varanda ficava rasa com o terreno, como na casa de Maruí (Ende r, 89). Algumas ti- nham escada de poucos degraus, como na pitoresca chácar ít)do Conde da Barca (Ende r, 112), em que o renqu /a e .co lunetas da varanda prosseguia em vol- ta sub,stituído por delgad íssimos esteios de madei- ra que pela leveza, antecipavam o moderno dos banhos (tombada pela DPHAN) na qual há uma escada monumental surpreendente para o tamanho da propr iedade e que ta lvez fosse remanescente de outra edificação. Essas casas avarandadas teriam provavelmente de - corrido de casas de engenho, algumas ainda exis- te nte s, tombadas pela DPHAN. a do Capão do Bispo (à Avenida Suburbana), que tem pátio inter - no e já existia (seria a mesma?) em 1711 (Pizarro); a de S. Bento (em Caxias), que é de 1754-17 60 (D. Clemente) ; a do Viegas (em Senador Gamará); a do Engenho d'água (em Jacarepaguá); a de Colu- bandê (em S. Gonçalo, Niterói), que já aparece nos mapas do século XVI li (só a capela seria pouco ant erior a 1822, porque só a ela se refere Pizarro). Todas participam do grup_g_e,síu dado por Joaquim Cardoso, podendo ser arroladas como ar uíteturéj do Rio âe-Janêtfõ -porque estão inc luídas na zona de recíprõéas - ,nfíuênclãs . Essas casas, na maío r parte dispunham de pavimento térreo para-depó~ sito e ce1erf91 algumas- co!Tl ~scad~ {Q_u rampaf monumental ficando a moradia no sobrado . Exce- tuam-se a "dó Engenno d'' Água e a de s. Bento que tê m moradia no tér reo e no sob~o. A de Colu- band ê, com as formas desataviadas "e acolhêd orasê a feliz disposição no terreno em aclive; da capela; do muro e portão e da escada, esta fazendo con- Casa de Chácara de Colubandê, em São Gonçal o - RJ. Séculos XVIII-XIX ., r _, _.,;) ,. ~ Quatro Séculos de Arquitetura 37 junto com a varanda; e o estirado e enorm e telha- do sonolento que domina a composição -, tem uma ,dignidade e nobreza que a situam como dos pontos mais altos dos quatro sé culos de arquite- tur a no Brasil e ademãí sê:lisso,o _grest 1_gjõ ae=.-sey u·ma dan:as ·a-s-rnais autenticamente brasileiras - o que pode ser constatãclo comparanao-acõm as reproduz idas nos Inventários da Academia de Be- las-Artes de Lisboa e na recente publicação Arqui- tetura Popular em Portugal. . . L ~ 1'fi0U \{€fO ~ A. C>11 e I A: O Abastecimento de Água Aqueduto e Chafarizes Para abastecimento de água à cidade ~o primeiro Governo de Martim de Sá (1602 -160fJT se cogitou de uma finta ; no segundo ( 1623-1 627), da constru- ção de um cano; vezes sucessivas protegeram-s e as águas afastaram-se os currais preservaram-se as ma- tas, reco nhec endo-se (1640) que a coisa de mais uti I idade para o povo era trazer à cidade a água do Carioca. Em 1660 estavam feitas 600 braças de cano que se completaram no começo do sécu lo XVIII com os depois chamados Arcos Velhos, si- tuados entre o Morro do Desterro (Santa Teresa) e a Ajuda (Praça Floriano) de que aparece uma deri- vação na Litografia da Rua dos Barbonos, assinada A.J.P. Armand Jul ien Palliére. Mas foi Aires de Saldanha (1719-1723) quem con struiu o Aquedu- to da Carioca no seu caminho atua l entre Santa Teresa e Santo Antônio o qual Aqueduto terminou antes que em Lisboa se iniciasse o das Águas Livres (1732). Foi executado não com projeto fe ito no · Rio (onde foram elaborados dois, o segundo com parecer do Tenente-Genera l Félix de Azevedo Car- neiro da Cunha, ambos rejeitado s) e sim em Lisboa mas desse os pedreiros e os engenheiros convoca- dos pela Câmara alterar am, aqui, o rumo, op inan - do pelo mais direto e econômico. No Largo da Carioca construiu-se o prime iro chafariz; ficava por fora do Muro de Massé e deu o no me ao largo; era de mármore, veio de Lisboa - e a ser o mesmo retratado por Ender (em 1817) e pelo Ostensor Brasileiro (1846) e substituído em 1829 - tinha 16 bicas de bronze e pesad:is formas arrematadas com curvas barrocas, coroadas pelas armas reais . Ao tempo de Vahia fêz-se um cano de pedra que __,r - ........ __.... ex . l ,")..-_) Jc--<-<~ 38 r A:,./°--" ,T , , f - ,, Paulo F. Santos através os Campos de S. Domingos (da Praça Tira- dentes à Rua Marechal Floriano) levava os sobejos da água à Prainha (Praça Mauá) e ao mar. E ao tempo de Bobadela, reformou-se o Aqueduto (1744-1750), obra do Brigadeiro Alpoim, com du- pla arcaria à romana, canos de pedra, calhas cober- tas de abóboda s de t ijolos. Na Praça do Carmo, com projeto do Sargento-mor Engenheiro Carlos Mardel (1747) -, que preteriu o que aqui fizera Alpoim (porque, dizia-se, era obra mais miúda do que convinha para o uso de negros), ergueu-se um "suntuoso" chafariz com bacia circular de mármo- re de Lioz, fabricado na metrópole; e na Junta (nas proximidades da Prainha) outro, fabricado aqui. Ambos recebiam água do Carioca, o do Carmo (construído em 1752-1753) através a Rua do Cano (Sete de Setembro) e o da Junta através a da Vala (Uruguaiana); tinha canos de ferro, que recebiam em cada esquina uma bica com registro de mola (imitados dos de Paris), que só deixavam passar a água enquanto a asa do balde carregava sobre eles. A partir de 1760, começaram a ser usados na cidade, canos de chumbo, embutidos em pedras perfuradas capeadas com grossas paredes de pedra e cal, vindas como os canos, de Lisboa. Estende-se o abastecimento: Chafariz da Glória (1772); o das Marrecas, obra de Mestre Valentim (1785); o do Lagarto (1786), alimentado pelo Rio Catumbi, o novo chafariz da Praça do Carmo (1789) igualmen- te de Valentim; o do Largo do Moura (1794); o do Campo de Santana (1808); o de Matacavalos ( Ria- chuelo) (1817); o de Paulo Fernandes (Frei Cane- ca) do qual uma caixa foi inaugurada ainda ao tempo do Prí ncipe D. João , em que, com projeto do Tenente -coronel Henrique Isidoro de Brito ( 1816) submetido ao Inspetor do Real Corpo de Engenheiros, João da Silva, se começou o Aquedu- to do Catumbi que alimentava esse chafariz. De- dais de água foram concedidos aos conventos, onde se ergueram chafarizes, entre os quais no da Ajuda, o das Saracuras, de Valentim. E também (informação de Aguirre, 1782) a algumas casas particulares. Outras tinham fontes com água na· tiva: a do Menino Deus em Matacavalos (1772), com água da Chácara da Bica; a Bica da Rainha, em Cosme Velho (que na sua forma primitiva seria talvez a que Maria Graham representou como Fon- te, de Saudade l (anterior 1823), etc. O mais bel o cfafariz
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