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A_Introduo__Psicopatologia_Psicanaltica_Kusnetzoff

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Introdução à Psicopatologia Psicanalítica 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Juan Carlos Kusnetzoff 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro 
 
1982 
 
 
 
EDITORA NOVA FRONTEIRA 
 
 
FICHA CATALOGRÁFICA 
CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte 
Sindicato Nacional dos Editores de Livros. RJ. 
CDD— 157 616.8917 
CDU— 159.97:615.851.1 615.851.1 
© 1982 by Juan Carlos Kusnetzoff 
Direitos de edição da obra em língua portuguesa adquiridos pela 
EDITORA NOVA FRONTEIRA S.A. 
 
 
 
Kusnetzoff, Juan Carlos. 
K98i. Introdução à psicopatologia psicanalítica / Juan Carlos Kusnetzoff. — Rio 
de Janeiro: Nova Fronteira, 1982. 
(Coleção Logos) 
Bibliografia. 
1. Psicanálise 2. Psicopatologia 
1. Título II. Série 
82-0127 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dedico este livro 
ao Prof. Dr. Eustáquio Porteila Nunes. 
Com ele, aprendi que ainda preciso ser aluno. 
Ao Dr. Moisés Groismam. 
Com ele, aprendi a ser amigo. 
Ao Dr. Carmine Matuscelio Neto. 
Com ele, aprendi o quanto me ensinam os que penso que aprendem comigo. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
Introdução - 09 
 
CAPÍTULO 1 
Aspectos genéticos. O conceito de causalidade psicopatológica. 
As séries complementares de Freud - Pág. 17 
A ilusão da causa única - 17 
A ilusão do encadeamento - 18 
A insuficiência da causa múltipla - 19 
Feedback ou causalidade de ação recíproca - 20 
As séries complementares de Freud. As causas em psicopatologia psicanalítica 
- 21 
Resumo sobre as causas ou motivações em psicopatologia psicanalítica - 23 
Problemas e questionamentos sobre a ilusão da causa única - 24 
Problemas e soluções do feedback – 25 
 
CAPÍTULO II 
Etapas da evolução psicossexual 
Características da sexualidade infantil - Pág. 27 
Estágio oral - 30 
a. Fonte - 30 
b. Objeto - 31 
c. Finalidade pulsional - 32 
1. Divisões da oralidade - 32 
a. Oral primário - 32 
b. Oral secundário ou canibalístico - 33 
2. O relacionamento de objeto - 33 
3. O primeiro objeto: a mãe - 34 
4. A relação de dependência com o objeto primário - 35 
5. A evolução no conhecimento dos objetos - 35 
6. O desmame - 37 
Estágio anal - 38 
a. Fonte - 39 
b. Objeto - 40 
c. Finalidade pulsional - 42 
1. O relacionamento do objeto na fase anal - 45 
a. O sadismo - 45 
b. O masoquismo - 46 
c. A ambivalência - 46 
d. Bi e homossexualidade; atividade e passividade; narcisismo anal - 46 
Estágio fálico - 48 
1. O desenvolvimento psicossexual - 49 
O erotismo uretral - 49 
A masturbação infantil - 50 
a. A curiosidade sexual infantil - 52 
A descoberta da diferença sexual anatômica - 52 
A cena primária ou primitiva - 54 
A escopofilia ou voyeurismo - 55 
b. As teorias sexuais infantis - 56 
Teorias infantis sobre a fecundação - 56 
O parto anal - 56 
A idéia do coito sádico - 57 
2. O aspecto narcísico e pré-genital do estágio fálico - 57 
a. A ilusão narcísica - 58 
b. A descoberta e sua negativa - 59 
3. Angústia de castração - 59 
a. A angústia de castração no menino - 61 
b. A angústia de castração na menina - 62 
Estágios genitais - 63 
1. O complexo de Édipo - 63 
 a. Formas do complexo - 64 
 b. Alguns conceitos básicos em relação ao Édipo - 65 
 Hipótese natural - 68 
 Hipótese dualista - 68 
 Hipótese social - 69 
2. O problema da estrutura pré-edipiana - 70 
3. O relacionamento de objeto edipiano - 73 
4. O complexo de Édipo no menino - 74 
5. O movimento exogâmico do menino - 75 
6. O complexo de Édipo na menina - 77 
A importância da mudança de objeto - 77 
As decepções estruturantes - 78 
Consequências da inveja do pênis - 79 
A procura do pai - 81 
Os restos da fixação à mãe - 82 
7. A finalização do complexo de Édipo - 82 
8. Algumas considerações sobre a importância do estudo do complexo de 
Édipo - 84 
 
CAPÍTULO III 
O Ego, o Superego, o Ideal do Ego - Pág. 87 
A identificação - 87 
a. Identificação primária - 88 
b. Identificação secundária - 90 
e. Fixação, identificação e Édipo completo - 91 
1. Genética e dialética das identificações. Identificação primária, narcísica e 
edípica - 93 Algumas definições e conceitos ligados à identificação usados em 
psicopatologia - 98 
1. Identificação total - 98 
2. Identificação parcial - 98 
3. Identificação permanente - 98 
4. Identificação transitória - 98 
5. Identificação introjetiva - 98 
6. Identificação projetiva - 99 
7. Identificação com objeto total - 99 
8. Identificação com objeto parcial - 99 
9. Identificação progressiva - 99 
10. Identificação regressiva - 99 
11. Incorporação - 99 
12. Assimilação - 99 
13. Introjeção - 100 
14. Ejeção - 100 
15. Projeção - 100 
16. Internalização - 101 
17. Imitação - 101 
18. Identidade - 101 
As instâncias do ideal do ego e do superego –102 
Funções do ego, do superego e do ideal do ego - 103 
 
CAPÍTULO IV 
Latência, Puberdade, Adolescência - Pág. 105 
Período de latência - 105 
1. Desenvolvimento psicossexual do período de latência - 106 
2. O relacionamento de objeto - 107 
A puberdade - 108 
1. Desenvolvimento psicossexual da puberdade - 108 
a. A pubescência - 108 
A adolescência - 109 
1. A masturbação - 110 
a. Fatores externos de pressão - 112 
b. Fatores internos de pressão - 112 
2. O relacionamento de objeto e a escolha objetal na adolescência - 113 
 
CAPÍTULO V 
Noções de metapsicologia freudiana - Pág. 117 
O que é um “modelo” - 118 
O ponto de vista tópico ou topográfico - 120 
1. O primeiro tópico - 120 
a. O sistema percepção-consciente ou consciência - 122 
b. O pré-consciente - 122 
c. O inconsciente - 123 
d. Censura - 125 
2. O segundo tópico - 126 
a. O id - 129 
b. O ego - 129 
c. O superego - 131 
O ponto de vista econômico - 133 
1. Energia livre e energia ligada - 135 
2. Processo primário e processo secundário - 136 
3. Princípio do prazer e princípio da realidade - 137 
O ponto de vista dinâmico - 139 
1. Teoria das pulsões - 142 
Primeira etapa - 143 
Segunda etapa - 145 
Terceira etapa - 148 
a. Compulsão à repetição - 149 
b. A problemática do sadismo, o masoquismo e a agressão - 150 
Recapitulação e revisão das teorias pulsionais - 151 
Teoria da angústia - 152 
1. Primeira teoria da angústia - 153 
a) Considerações sobre a angústia real ou a realidade da angústia - 154 
b) Susto, angústia, ansiedade e medo - 155 
2. Segunda teoria da angústia - 157 
a) A importância do complexo de castração na segunda teoria da angústia - 
158 
b) Inibição, sintoma e angústia - 159 
Angústia automática - 159 
“Angústia-Sinal” ou o sinal de angústia - 161 
 
CAPÍTULO VI 
Sonhos, fantasias e função imaginária - Pág. 165 
Sonhos - 165 
Fantasias, devaneios, nível imaginário - 171 
1. Fantasias originárias ou primitivas - 178 
a. Cena primária ou originária - 179 
b. Fantasia primordial de sedução por um adulto - 179 
e. Fantasia primordial de castração - 180 
CAPÍTULO VII 
Defesas, mecanismos de defesa - Pág. 183 
a) O papel do mundo exterior na defesa - 184 
b) O papel do superego e do sentimento de culpa - 185 
c) O papel da angústia na motivação defensiva - 185 
Os mecanismos de defesa do ego - 187 
1. Dois mecanismos fundamentais: A repressão (recalque) e a divisão (cisão) - 
188 
a) Repressão, recalque - 188 
b) Divisão, cisão. Recusa, rejeição, renegação - 190 
Algumas considerações sobre a importância da cisão (Spaltung) em 
psicopatologia psicanalítica - 195 
 
CAPÍTULO VIII 
Os critérios de diagnóstico e as operações defensivas - Pág. 199 
1. Parâmetros principais para o diagnóstico funcional em Psicopatologia - 201 
a) Diagnóstico estrutural - 201 
b) Diagnóstico de níveis de integração neurótica OU psicótica - 202 
c) Diagnóstico de clivagem e estereotipia dos níveis organizativos - 203 
d) Diagnósticos de níveis e graus de dependência-independência - 203 
e) Diagnóstico de índices do neurotismo e do psicotismo - 204 
As operações defensivas - 206 
a) Considerações gerais - 206 
b) Defesa e contracatéxia - 207 
e) Classificação dos mecanismos de defesa - 209 
Projeção - 210 
Repressão, recalque - 213 
Deslocamento - 213 
Regressão parcial - 214 
Introjeção - 215 
Isolamento - 216 
Inibição - 216 
Formaçãoreativa - 217 
Sublimação - 217 
Negação (negativa) - 218 
Identificação projetiva - 219 
Divisão - 220 
Renegação (forclusion) - 220 
Regressão total - 220 
Identificação introjetiva - 220 
 
 
 
11 
 
Introdução 
 
A psicopatologia psicanalítica é uma encruzilhada de vários caminhos. 
Nela desembocam o conhecimento da teoria psicanalítica geral, o 
conhecimento da psiquiatria dinâmica, o conhecimento das contribuições 
técnicas psicanalíticas, assim como os enquadramentos epistemológicos 
modernos que testam e avaliam todas essas produções discursivas. 
Hoje, não resta dúvida sobre a imensa revolução científica que significou 
a entrada em cena da psicanálise no início deste século. A sistematização dos 
seus modelos para a compreensão da conduta normal e anormal do homem, 
assim como a interpenetração de fatores biológicos, psicossociais e culturais 
na produção sintomatológica, foram — e continuam sendo — de valor 
inquestionável. 
Mas, simultaneamente ao seu desenvolvimento como ciência, a 
psicanálise tornou-se cada vez mais sofisticada. Sofisticação que alcançou 
tanto o nível teórico quanto o nível de ensino. Entretanto, no meio de um vasto 
e às vezes confuso florescimento de escolas, surgiram tendências e 
redescobertas, novas gerações de estudantes de psicologia, medicina, 
assistência social, sociologia, antropologia, e até da própria psicanálise clínica. 
Como processo lógico, foi impossível a essas gerações, especialmente as dos 
últimos vinte anos, ter acesso às leituras teóricas simples, explicadas com certa 
candura. 
Um dos efeitos dessa complicada pedagogia psicanalítica foi um 
desprezo, carregado de temor, pelo estudo dos conceitos elementares que 
sustentam o trabalho clínico. Outro efeito, tão daninho quanto o primeiro, foi o 
fato de ser considerado como cientista, apenas o psicólogo, o médico 
psiquiatra, o psicanalista, que se expressasse em “dialeto difícil”. Os 
profissionais acabaram falando em teoria psicanalítica, porém são poucos os 
que podem explicar o que dizem, a importância de seu conhecimento e — 
sobretudo — sua articulação com a clínica cotidiana. Parece existir uma 
espécie de consenso não explícito segundo o qual, quanto mais obscura, mais 
complicada e mais “barroca” a explicação, mais “científica” ela é. Talvez 
minhas afirmações sejam ingênuas. Efetivamente, pretendo ser ingênuo. 
A ingenuidade consiste, por exemplo, em pretender ensinar as fases 
clássicas da evolução psicossexual, pensando clinicamente nelas. Ou seja, 
explicando de maneira relativamente simples a importância clínica de seu 
estudo e posterior aplicação. A ingenuidade consiste em querer mostrar os 
modelos metapsicológicos freudianos da forma mais clara, para depois refletir 
sobre eles. 
Um esclarecimento importante: pretendo ensinar a psicopatologia 
psicanalítica a partir dos textos de Freud. Isso não significa desconhecimento 
dos autores que em grande parte contribuíram e contribuem para o 
enriquecimento da clínica psicanalítica. Mas, conforme foi dito acima, penso 
que é fundamental “começar desde o início”. 
Este livro destina-se principalmente àqueles que precisam “pensar 
‘psicopatologicamente’ com a ajuda da teoria psicanalítica”. Também pode ser 
Yara
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12 
 
consultado com proveito por aqueles que precisam alinhavar conhecimentos 
dispersos. Por exemplo: que relação existe entre a oralidade e os transtornos 
psicossomáticos da pele? Qual a importância do estudo do complexo de 
Édipo? Quais são os vínculos teórico-clínicos entre a identificação, a pulsão e a 
fantasia? Quais são os mecanismos de defesa fundamentais do aparelho 
psíquico? Qual a diferença e a importância prática dos conceitos de “susto”, 
“medo” e “angústia”? E assim por diante. 
Ou seja: o livro pode ser lido como uma espécie de “alfabetização” em 
psicopatologia psicanalítica, ou como uma pequena obra de consulta de alguns 
conceitos não muito divulgados na bibliografia clássica. 
De qualquer maneira — e como acontece com textos similares — o leitor 
só terá um conhecimento cabal de alguns temas numa segunda ou terceira 
leitura, além de consultar a bibliografia mínima referida em cada caso. 
Desde o aparecimento do Vocabulário da Psicanálise de Laplanche e 
Pontalis, sua leitura, consulta e releitura tem-se tornado indispensável para o 
estudioso da psicanálise. Esse livro deve ser o acompanhante natural do 
estudo dos temas psicanalíticos. Contudo, a leitura dessa obra tão profunda 
não substitui a dos textos freudianos originais. 
A presente Introdução à Psicopatologia Psicanalítica pretende, através 
das transcrições textuais da Edição Standard Brasileira e de comentários de 
textos, incentivar o leitor a pesquisar no coração da obra do criador da 
psicanálise. Por formação e conhecimento, sou freudiano, sem saber muito 
bem que coisa é “ISSO”. Há muitos anos leio Freud, ouço falar de Freud e me 
aventuro em novos “retornos” a ele. Porém, em absoluto não acredito em 
nenhuma “pureza” de leitura, ou em grupos que se autodeterminam 
“verdadeiros” seguidores ou detentores da ortodoxia, do espírito de Freud. Não 
acho que a verdade exista de uma vez por todas; antes, creio na multiplicidade 
com que ela se manifesta e que permite criar, burilar, transformar. 
Esta Introdução não teria sido feita sem a inestimável ajuda de Celina 
Portocarrero. Ela “traduziu” meu pensamento falado num português correto e 
sintaticamente bem articulado. Minha eficiente secretária, Mariza de Fátima da 
Silva Ramos, colaborou intensamente, datilografando uma e outra vez as 
correções. 
Merece palavras especiais a colaboração direta do Dr. Carmine 
Matusceilo Neto. Introduzido no âmago de minhas intenções pedagógicas, foi 
ora um leitor delicado, ora um crítico hábil. Fez correções com paciência e 
sugestões com fino tato quando considerou que o texto estava obscuro ou 
incompreensível. Foi a única testemunha de meus devaneios docentes e 
ajudou corajosamente a lhes dar luz. 
Todo autor pretende a imortalidade... Por que escreveria se não fosse 
assim? Nesse sentido, este livro pretende também veicular, ser porta-voz da 
palavra de um gênio: Freud. Mas pretende também que a sua imortalidade não 
seja dogmática, repetitiva, estéril. Os tempos de hoje reclamam criatividade, 
transformações, voltando-se para as necessidades dos que começam a 
percorrer a trilha complicada e apaixonante da clínica psicopatológica. Os 
pacientes serão os verdadeiros beneficiários. 
 
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13 
 
CAPÍTULO 1 
Aspectos genéticos 
O conceito de causalidade psicopatológica 
As séries complementares de Freud 
 
Um estudo dos fenômenos psicopatológicos tal como se apresentam aos 
olhos do clínico requer, antes de tudo, que este tenha permanentemente 
presente alguns princípios básicos relativos ao conceito de etiologia ou 
causalidade. Seguiremos o ordenamento pedagógico exposto por José Bleger 
em Psicologia de la Conducta (Ed. Eudeba, 1963, Buenos Aires). 
A singular complexidade das manifestações psicopatológicas torna 
necessária a discriminação dos diferentes tipos de causalidade que se 
apresentam em nosso estudo científico. Abordaremos mais detalhadamente o 
conceito empregado por Freud, de uso corrente na comunidade psicanalítica 
atual. 
É preciso esclarecer que estudar causalidade é estudar motivações e, 
portanto, responder ou tentar responder aos porquês: 
Por que alguém adoeceu em determinado momento? Por que um 
paciente fez uma esquizofrenia e não uma neurose obsessiva? Quais as 
razões existentes para que, numa mesma família, alguns membros 
desenvolvam certos tipos de condutas patológicas e outros não? Os cientistas 
descrevem diversos conceitos decausalidade: 
 
A ILUSÃO DA CAUSA ÚNICA 
 
Também chamada monocausalidade unidirecional: é a forma mais 
simples de se responder a um porquê determinado. Diz-se, igualmente, 
causalidade mecânica, por supor uma única causa atuando num determinado 
corpo que a ela reage, e cujo efeito esgota-se posteriormente. 
 
A descrição desse tipo de causalidade simples é importante por se tratar 
da base dos conceitos descritos a seguir, e da modalidade mais comumente 
utilizada por cientistas jovens, que abordam ingenuamente fenômenos 
sumamente complicados, cuja explicação é tornada insuficiente quando se 
emprega esse tipo de conceituação. Frisamos que nunca os sintomas ou as 
doenças mentais reconhecem uma única causa produtora ou desencadeante. 
Pensar desta maneira é pensar ilusoriamente, o que pode conduzir o 
profissional a erros graves. 
 
 
 
 
Yara
Realce
Yara
Realce
Yara
Realce
Yara
Realce
14 
 
A ILUSÃO DO ENCADEAMENTO 
 
Esta é uma variação da anterior, observando-se aqui uma causa que 
atua sobre um determinado corpo e produz efeitos que, por sua vez, se 
transformarão em estímulos para outros corpos, e assim sucessivamente. Um 
exemplo clássico seria o jogo de sinuca, no qual um toque na primeira bola 
provoca o movimento subsequente de várias outras. A duração do movimento 
será proporcional, entre outras variáveis, à força do estímulo. 
Observando o tipo de causalidade de que se está tentando expor, 
veremos que ele é válido também para esse segundo conceito de 
monocausalidade encadeada ou linear, onde a ilusão da causa única está 
potencializada mecanicamente. 
 
A INSUFICIÊNCIA DA CAUSA MÚLTIPLA 
 
Esse tipo de causalidade corrige as falhas do mecanismo implícito das 
duas anteriores, adaptando-se melhor, porém, ao pensar psicopatológico. 
Esta visão tenta explicar a complexidade fenomenológica mediante uma 
extensa gama de causas que atuam em diferentes ângulos e em diversas 
direções, incidindo sobre determinado corpo. Como resultado, teremos um 
somatório das forças intervenientes. 
Este conceito de causalidade foi abordado e desenvolvido por Kurt 
Lewin (Lewin, K. Principies of Topological Psychology, McGraw Hill, New York, 
1936), sendo importante na explicação de determinados fenômenos que 
acontecem com o indivíduo, tanto em contato com seu grupo imediato, como 
com a comunidade. Os riscos de erros são, aqui, consideravelmente menores, 
mas a complexidade dos fatores intervenientes torna esta concepção ainda 
insuficiente. 
* Os riscos de erros são tão grandes quanto os da concepção anterior. 
 
FEEDBACK OU CAUSALIDADE DE AÇÃO RECÍPROCA 
 
Este tipo de causalidade é um aperfeiçoamento do tipo anterior, já que 
se admite nele a multiplicidade causal, mas acrescentando que os efeitos 
produzidos por essas causas retroagem sobre essas mesmas causas, 
produzindo-se um condicionamento mútuo às vezes extremamente complexo. 
Se A fosse uma mãe superprotetora e B seu filho que chora, cada vez 
que houvesse um afastamento entre ambos, se daria uma troca de estímulos 
que, na linguagem da Teoria da Comunicação, seria chamada de informações 
mutuamente condicionadas. A mãe estará sempre presente tão logo o filho 
manifeste necessidade de sua presença. Este estímulo é qualificado de 
superprotetor. Ele provocará o desaparecimento do pranto do filho, o que se 
constituirá em informação para a mãe de que o filho recebeu a mensagem por 
Yara
Realce
Yara
Realce
Yara
Realce
Yara
Realce
Yara
Realce
Yara
Realce
15 
 
ela emitida. O filho, por sua vez, provocará a superpresença da mãe cada vez 
que chore. 
Arbitrariamente digamos que C, em nosso esquema mental, é um outro 
filho desta mesma mãe que com estímulos apropriados faz chorar a seu 
irmãozinho B, desencadeando com isso todo o esquema de superproteção 
descrito acima. 
Nesse esquema podemos constatar que existem setas diretas que 
vinculam a mãe A ao filho C. Facilmente se deduzirá a informação que chega a 
C quando A está com B e a que chega a A, ou parte de C, quando este está 
com B. 
É necessário esclarecer que este fenômeno de ação recíproca é muito 
mais complexo, já que os personagens de toda ação se modificam e são 
modificados cada vez que são sujeitos e/ou objetos dos estímulos produzidos. 
Isto é, embora aparentemente as causas atuantes sejam iguais, nunca sua 
qualidade é a mesma. Cada momento é um momento diferente, singular e 
distinto. Dentro destes pensamentos, diremos que não há começo e fim. As 
causas são sempre mutuamente interdependentes. 
É importante também acentuar que o fundo contextual, ou cenário, onde 
os fenômenos se dão, atua por sua vez como causa, interatuando e 
aumentando a complexidade das relações dos personagens. Em nosso 
exemplo, a configuração que arbitrariamente escolhemos por A, B e C se dá 
sob um fundo mais ou menos constante, que poderia ser, por exemplo, a casa 
onde vivem. Mas será suficiente mudarmos o cenário e transportá-los a outro 
contexto para que os fenômenos tanto dos personagens quanto do novo 
cenário adquiram uma configuração diversa. 
A importância do princípio de ação recíproca está no fato de que é a que 
melhor que se adapta ao modelo de causalidade oferecido por Freud, o que 
será abordado a seguir. 
 
AS SÉRIES COMPLEMENTARES DE FREUD. 
AS CAUSAS EM PSICOPATOLOGIA PSICANALÍTICA 
 
Esta é a teoria dos “porquês” introduzida por Freud e que é válida e 
pertinente como modelo explicativo dos fenômenos psicopatológicos. 
(“Conferências Introdutórias sobre Psicanálise”, Standard Brasileira, vol. XVI, p. 
423 - 1916/17.) As séries complementares são assim chamadas precisamente 
por descreverem uma sequência interdependente de causas que interatuam 
entre si. 
Como podemos observar, a primeira série está constituída pelos 
elementos transmitidos geneticamente e também pelos que se desenvolveram 
durante a vida intrauterina. 
A segunda série complementar se encontra composta pelas 
experiências infantis que, como ensinou Freud, adquirem relevante importância 
pela idade em que ocorrem, e são decisivas na formação da personalidade. 
Yara
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As duas séries em conjunto e combinando-se em proporções variáveis 
dão como resultado a disposição que interatuará com os diversos fatores atuais 
ou desencadeantes, produzindo a sintomatologia psicopatológica. Como 
facilmente se deduz, um sintoma ou um conjunto deles é o produto final de 
uma complicada série de fatores e situações que aparecem hoje, mas que na 
realidade se originaram em outro tempo e em outro lugar. 
Este último conceito é sumamente importante e também foi desenvolvido 
por Kurt Lewin. Seguindo sua linha de pensamento poderemos dizer que os 
fatos passados não existem agora. O do passado e sua influência são 
indiretos. 
Assim, uma mulher aos 30 anos com paralisia histérica terá um ou vários 
“porquês”, que devem ser buscados em seu passado, tanto infantil, quanto 
congênito ou hereditário. Mas ainda que estes dados expliquem a paralisia, não 
nos fornecem o porquê do seu aparecimento em um dado momento, em uma 
dada situação e vinculada a um certo tipo de objeto. 
Esta maneira de observar o campo psicopatológico faz com que o 
presente e o passado se articulem em uma interação constante, o que não nos 
impede, contudo, de hierarquizar sempre os fatores causais, podendo dar 
prevalência aos mais atuais, que não só desencadeiam condutas, mas também 
permitem sua persistência. 
Para encerrar este capítulo, será interessante transcrever um parágrafo 
de Luiz Alfredo Garcia-Roza: “Frequentemente ouvimos a confirmação de que 
a psicanálise adota um conceito histórico de causalidade porque explica os 
fatos presentes por fatos passados ocorridos na infância. Parece que há aí um 
engano. Freud não considera que a causa de um determinado distúrbio atual 
seja um fato localizado na infância. Uma coisa é a gênese histórica deste fato, 
isto é, como ele se localiza num processo histórico individualque teve origem 
no nascimento e de que maneira ele se relaciona com outros acontecimentos 
ou momentos deste processo; outra coisa é a pergunta sobre a causa deste 
fato, isto é, qual a dinâmica da situação presente, que tem como resultado o 
comportamento em questão. Na verdade, para Freud não fazia qualquer 
diferença se o fato passado apontado como a causa do atual tivesse realmente 
existido ou não. Ele considera que um histérico é uma pessoa que sofre de 
reminiscências. Portanto, é a sua referência a um passado que está afetada e 
não este passado considerado em si mesmo”. (Psicologia Estrutural, Ed. 
Vozes, Petrópolis, RJ, 1972.) 
 
RESUMO SOBRE AS CAUSAS OU MOTIVAÇÕES EM PSICOPATOLOGIA 
PSICANALÍTICA 
 
1. Todo fato psicopatológico se origina no passado, mas só se manifesta e se 
mantém devido a fatores presentes. 
2. Não existe a simplicidade causal. Um fato psicopatológico é 
multideterminado e se conserva em permanente movimento: ele é criado pela 
interpenetração de fatores históricos presentes. Por sua vez, ele interatua com 
seu meio atual modificando-o e sendo por ele modificado. 
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3. Deduz-se dos parágrafos anteriores que não pode ser único ou estático o 
diagnóstico em psicopatologia. Um diagnóstico abrangente deverá contemplar 
os processos que deram aos sintomas atuais assim como também as causas 
situacionais presentes que o perpetuam. 
 
PROBLEMAS E QUESTIONAMENTOS SOBRE A ILUSÃO DA CAUSA ÚNICA 
 
A principal crítica a esta concepção é a dos que pensam que os fatos se 
originam e se mantêm linearmente, o que deveria supor, forçosamente, uma 
causa de origem. Esta é precisamente a armadilha em que cai o profissional 
iniciante — e a que geralmente possui o paciente quando é solicitado a dar 
uma explicação sobre fatos psicopatológicos atuais. 
Se nós supusermos que o encadeamento histórico dos fatos tem um 
começo absoluto, automaticamente se infere que houve a participação de uma 
CAUSA PRIMEIRA. 
 
1. A Suposição de uma Causa Primeira é, na prática, uma suposição teológica 
(Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, vol. 1, cap. 46, art. 2, Réplica ao 
Objeto 7). Facilmente se compreende que só uma deidade (divindade) pode 
ser tão eficaz para resumir nela mesma todas as Causas Primeiras das coisas, 
deixando em segundo plano as assim chamadas Causas Secundárias ou 
Naturais. 
Outro problema que apresenta a Causalidade Linear ou Única é exigir a 
regressão ao infinito se não se admite a hipótese da Causa Primeira. Quer 
dizer: retroceder em procura de alguma explicação. Bem próximo aos 
inconvenientes teológicos da Causa Primeira, o postulado do assim chamado 
regressus ad infinitum eleva este infinito à categoria de divindade. Assim, se a 
intenção é tentar explicar o desconhecido atual mediante o conhecido histórico, 
a regressão ao infinito faz exatamente o contrário: — explica as situações 
presentes mediante um passado totalmente desconhecido, hipotético, mítico. 
Talvez em psicopatologia a maior limitação deste modo de pensar seja sua 
extrema ambiguidade, que a exigência é retroceder em busca de causas, sem 
nos determos em algum fato ou estágio do desenvolvimento. O pensar 
psicopatológico psicanalítico não pode prescindir de níveis ou etapas definidas 
(como p. ex. as etapas da evolução psicossexual) num processo contínuo 
dentro de novas possibilidades que vão produzindo saltos qualitativos, o que 
torna descontínuo este mesmo processo. 
 
PROBLEMAS E SOLUÇÕES DO FEEDBACK 
 
Os modelos da monocausalidade e da causalidade linear afirmam a 
dependência de um princípio geral, o princípio da causa-efeito, e levam em 
consideração uma atividade, mas não a retroatividade. A partir do início do 
século XIX alguns cientistas e filósofos começaram a admitir que as causas 
naturais sofrem sempre mudanças, as quais fazem parte de sucessivos 
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processos mais abrangentes que, por sua vez, produzem outras mudanças. A 
unidirecionalidade da causa antecedeu o moderno conceito de interação. Os 
modernos conceitos de retroação ou feedback incluem, entre outros aspectos 
de interesse para o psicopatologista, o mecanismo de controle. Em qualquer 
aparelho elétrico, como a geladeira, o calefator, etc., uma parte dos efeitos 
produzidos pela entrada da eletricidade é reenviada a um dispositivo especial 
que se chama “controle” e este realimenta a entrada de energia, corrigindo e 
regulando-a em todo o sistema. 
O aparelho se autorregula desta maneira e também com a intervenção 
externa indispensável, fazendo subir ou descer a temperatura, conforme 
programações prévias. 
Este modelo tem então significativa relevância para os estudos 
Psicopatológicos modernos. Assim, toda vez que as funções — Vistas de forma 
muito simplificada — podem ser ocupadas por diferentes personagens de um 
grupo familiar, podemos explicar a manutenção auto-regulada de uma doença 
mental: Esta autorregularão servirá de resistência a qualquer mudança, pois o 
doente mental incluído dentro deste sistema estará cumprindo funções 
reguladoras de equilíbrio homeostático. 
 
Então passam a ser entendidos alguns fenômenos que ocorrem com as 
outras partes do sistema familiar, quando um doente melhora, pois tende (o 
resto do grupo familiar) a apresentar distúrbios de conduta que anteriormente 
não possuía. 
Deveremos aqui advertir que o conceito de ação recíproca ou feedback 
tem limitações, e que seu uso abusivo pode ser perigoso, apesar de ser muito 
útil aos objetivos de algumas explicações, não só no terreno dos vínculos 
objetais como no de todo sistema aberto. 
A maior parte dos estudiosos da epistemologia moderna alertam contra 
a tendência da localização das causas e efeitos em forma simétrica, excluindo 
radicalmente alguns níveis de predominância dos fatores intervenientes, assim 
como conexões genéticas estruturais absolutamente irreversíveis. 
Descobrir a complexidade de ligações encerradas em si mesmas dentro 
de um fato psicopatológico e sua respectiva manutenção através de vínculos 
atuais é, portanto, de extrema importância. O fenômeno da interação não 
esgota todas as possibilidades causais, já que não está inteiramente 
comprovado que as mudanças significativas sejam apenas o resultado dessa 
interação dos diversos componentes entre si. Realmente, podem produzir-se 
mudanças ou efeitos de alta significação apenas pela predominância clara de 
um dos determinantes em jogo, embora devamos reconhecer que esta 
predominância se concretiza a longo prazo e por fatores externos a ela. 
 
 
 
 
 
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CAPÍTULO II 
Etapas da evolução psicossexual 
Características da sexualidade infantil 
 
Será necessário captar bem o que é a sexualidade para a teoria 
psicanalítica a fim de melhor entender os quadros psicopatológicos e agir 
operativamente com eles. 
Mais adiante (ver p. 139) nos ocuparemos com mais detalhes do modelo 
dinâmico, o qual explica e fundamenta esta sexualidade, porém adiantaremos 
agora o ponto de partida pelo qual Freud concebeu este conceito. 
Freud observou que as crianças que mamam no peito, após a satisfação 
de sua fome, continuavam a ter uma série de movimentos labiais ou mesmo de 
toda a extremidade cefálica, inclusive chupando o dedo polegar ou a mão 
inteira. O princípio elementar a que o grande observador recorreu foi levantar a 
hipótese de que, se o neném tinha satisfeito já os instintos que demandavam a 
alimentação específica, essa continuação dos movimentos era explicada porum excesso de energia não satisfeita e que demandava, em consequência, 
objetos não alimentícios (o ato de roçar a pele, as sensações de movimento 
músculo-esquelético, a sensação de suspensão ao colo, etc.). 
Freud denominou a primeira classe de instintos de autoconservação e a 
segunda de instintos sexuais. Como facilmente se deduz, os instintos de 
autoconservação têm objetivo específico neste caso, o leite — e sua satisfação 
não pode ser adiada. Por outro lado, os instintos sexuais não têm objeto 
especifico - podem ser satisfeitos com a pele, com o roçar de uma coberta ou 
lençol, com o movimento rítmico de um carrinho, etc. — e, além disso, não 
exigem satisfação imediata. Este último conceito exige um esclarecimento: 
quando nós dizemos que os instintos sexuais podem ser adiados na obtenção 
e sua satisfação, estamos dizendo que o seu não-cumprimento, tanto total 
quanto parcial, não compromete a vida do sujeito, ao contrário dos instintos de 
autoconservação, cujo cumprimento é imperioso e inexorável para que a vida 
do sujeito não fique comprometida. 
Devemos ressaltar que o conceito de sexualidade em Freud tem, sem 
nenhuma dúvida, um suporte biológico, mas, como o leigo facilmente 
compreenderá, a sexualidade aparece como secundária, como manifestação 
cuja ordem de importância vem depois de serem atendidas as necessidades 
básicas de sobrevivência. Esta sexualidade ainda tem pouco a ver com a 
genitalidade, pois está ligada a carinho, a afeto, a modalidades de 
relacionamento, ou seja, significações. Portanto, enquanto para o biólogo, 
médico-pediatra, interessará a frequência das mamadas do neném, a 
quantidade do líquido ingerido, o aumento ou a diminuição do peso — 
elementos sem dúvida de grande importância — para o psicólogo ou o 
psicanalista o que interessa é o como se realiza essa alimentação, pois nesse 
como é que se poderão observar as modalidades pelas quais serão satisfeitos 
os instintos sexuais. 
 
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Após esta pequena introdução, podemos dizer que a sexualidade 
infantil, sob o ponto de vista descritivo, não tem nada a ver com a sexualidade 
adulta, e apenas que, sob o ponto de vista do processo, esta é uma 
continuação direta daquela. 
Talvez a diferença mais importante entre uma e outra resida naquilo que 
corriqueiramente se entende por sexualidade adulta, que é predominantemente 
genital, enquanto que na infantil, como no exemplo acima, a predominância é 
muito variável, quase sempre não genital e, na maior parte das vezes, 
desorganizada, disputando primazias no percurso de seu desenvolvimento: 
ora anal, ora, genital, ora oral-genital, e assim por diante. 
Assim, pode-se compreender também porque alguns autores 
denominaram aspectos da sexualidade infantil de fase “perverso-polimorfa”. 
Com este termo fazem alusão ao fato de que a primeira sexualidade não chega 
ainda às fases de liderança genital, mas sim que se apresentam em forma 
multifacetada, variada, com escassa organização. Outra característica da 
sexualidade infantil, que a difere da do adulto, é que seus fins não tendem ao 
relacionamento de coito. Estes, então, e pelo próprio impedimento biológico, 
ficam apenas na fantasia, referida necessariamente ao próprio sujeito, donde a 
denominação de sexualidade autoerótica. 
Além do mais, a sexualidade infantil é composta por diversos fragmentos 
que agem como se fossem diversas estações que vão aparecendo e tomando 
lideranças e predominância dentro de todo um todo organizável. A sexualidade 
infantil é composta por impulsos parciais. Só no adulto normal é que ela 
alcança níveis totais, ou seja, integrativos, níveis sintetizadores desses 
fragmentos. 
Uma última característica, que a diferencia da sexualidade adulta, é o 
fato de agir como se fosse uma massa de excitações cuja origem ou fonte se 
encontrasse em qualquer parte do organismo. Este último conceito é de capital 
importância do ponto de vista psicopatológico. Enquanto um adulto, na maioria 
das vezes, consegue distinguir o lugar de origem de uma excitação, o tempo 
que transcorre até alcançar seu clímax e a posterior satisfação, a criança, de 
um modo geral, carece de uma diferenciação nítida entre excitação e 
satisfação. Praticamente se confundem, se interpenetram, devendo-se 
ressalvar que, embora tradicionalmente se estudem pontos de liderança 
biológica funcionando à maneira de organizadores o conceito de sexualidade 
infantil não se reduz unicamente aos clássicos pontos — oral, anal, fálico, etc. 
Como já dissemos, qualquer ponto do organismo é capaz de se converter em 
fonte excitável e, portanto, de satisfação: a atividade mecânica músculo-
esquelética, a atividade intelectual, os estímulos proprioceptivos e 
exteroceptivos, ou, inclusive, a própria dor. À medida que o tempo passa — e 
esse tempo é muito variável — é que a sexualidade infantil vai se definir, se 
adultificar, isto é, as zonas genitais irão adquirir maior importância, podendo 
sua excitação, manipulação e descarga adquirir formas ou modelos 
semelhantes ao orgasmo do adulto. 
A isto se chama a “primazia genital”, ou seja, o pênis, o clitóris, a vagina 
e toda a zona genital passam a ser capazes de concentrar toda a energia, toda 
a excitação que anteriormente se encontrava espalhada, repartida em outras 
zonas. 
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Não há dúvida de que, sob o ponto de vista do ordenamento e do 
processo, este segue diversas etapas em seu desenvolvimento. Mas é 
importante salientar que essas etapas não se dão nunca de um modo claro e 
seguindo uma cronologia etária definida. Existe sempre uma evidente 
interpenetração das etapas que aumenta à medida que nos aproximamos das 
etapas genitais. A genitalidade é quem ordena todo o processo anterior 
enfileirado por trás dela. 
 
ESTÁGIO ORAL 
A) FONTE 
 
Definimos como estágio oral aquele primeiro período onde a fonte 
corporal das excitações pulsionais se dá predominantemente na zona bucal. 
É preciso compreender que embora a boca proporcione um referencial 
concreto e preciso, deveremos tomá-la apenas como um modelo de 
relacionamento nesta etapa. Queremos dizer que a boca não é apenas aquela 
cavidade anatômica que cumpre determinadas funções de ordem biológica, 
mas também qualquer outro sistema ou atividade corporal que preencha os 
requisitos essenciais deste modelo — corpo oco, aconchegante, com 
movimentos de inclusão e expulsão, etc. — será entendido como boca. Assim, 
por exemplo: 
— o complexo aerodigestivo, incluindo, sobretudo na primeira etapa, todo o 
trato gastrintestinal; 
— os órgãos da fonação e da linguagem; 
— todos os órgãos dos sentidos: olfato, paladar, visão e audição, são todos 
cavidades em direta relação com o mundo exterior e que servem como 
intermediárias para a interiorização e exteriorização, cada um dos quais com 
seu material específico; 
— a pele, com todas as suas funções superficiais (tato) ou profundas 
(sensações proprioceptivas). 
Este conceito ampliado da boca como modelo proporciona, então, base 
e fundamento para pensar nas doenças ou transtornos asmáticos, por 
exemplo, como problemas relacionáveis a este período do desenvolvimento. 
Pensar nestes termos implicará também imaginar que quando o bebê se sente 
no colo da mãe, ele vivencia sensações de ser “contido”, “tomado”, “chupado”, 
“tocado” por uma imensa boca. Neste período do desenvolvimento, o bebê, em 
seu íntimo, não pode diferenciar o que é uma mão, uma perna, ou uma boca 
propriamente dita. E, muito menos, onde termina ele, com seus músculos e sua 
pele, e onde começa o outro, com seus músculos e sua pele e todos os 
estímulos externos procedentes. Isto é, o neném não pode distinguir a origem 
do estímulo,se vem de dentro dele ou se é de outra pessoa. Mais ainda: não 
podendo distinguir a origem do estímulo, não pode distinguir o conteúdo do 
mesmo. Daí conclui-se que funcionará como alimento o que o neném tocar ou 
aquilo que o tocar. Falar e ser falado será para ele, em certo nível e em certa 
época, como tocar e ser tocado. E assim por diante. Só raciocinando deste 
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modo, reportando-se ao vínculo filho-mãe, o psicopatologista pode explicar a 
confusão aparentemente sem sentido de determinados sintomas delirantes, ou 
o pensamento sensorializado da esquizofrenia, por exemplo. 
 
B) OBJETO 
O objeto da etapa oral é o seio, ou seja, tudo aquilo que se refere ao 
seio materno ou o substitui. É necessário destacar que o seio materno vai 
satisfazer não só a necessidade biológica da alimentação, mas também outros 
tipos de necessidades, como por exemplo o prazer de tocar a mucosa bucal ou 
a mão no peito ou outro fragmento da pele da mãe, ou a sensação de calor que 
toda extensão espacial do corpo da mãe transmite à criança. Como se pode 
observar, o conceito de objeto não é redutível só ao seio, anatomicamente 
falando. “Seios” também são os braços da mãe, os músculos que seguram o 
neném, a VOZ que fala contemporaneamente à incorporação do leite, etc. 
É enorme a importância do vínculo seio-boca neste período, porque ele 
é herdeiro do vínculo estabelecido entre o feto e a mãe; isto é, o seio será o 
substituto do cordão umbilical. A diferença fundamental entre os dois tipos de 
vínculo é que, enquanto o cordão umbilical é uma conexão contínua, o seio é 
uma conexão descontínua, embora concreta. Como se poderá deduzir, o ar, o 
espaço aéreo, é definitivo, é fundamental como interposição entre o neném e 
sua mãe. Assim, todos os autores aludem às fantasias neste período e não 
deixam de mencionar o alimento como restituidor do vínculo perdido: a 
simbiose biológica intra-uterina. 
 
 
c) FINALIDADE PULSIONAL 
 
Neste período, a finalidade pulsional, isto é, o alcance ou a obtenção da 
descarga (satisfação), é dupla: 
— por um lado, a incorporação do sustento biológico, cujo representante 
máximo é o leite, sem o qual o sujeito não pode subsistir. Compreender-se-á 
com facilidade que dar satisfação a estas pulsões chamadas de 
autoconservação é uma premissa básica, porque sem elas, que funcionam à 
maneira de suporte, não existirá psicologia nenhuma. 
— por outro lado, simultaneamente com a satisfação trazida pela incorporação 
do leite materno, o sujeito obtém um plus de satisfação que é consequência de 
um excesso de energia que acompanha a pulsão oral de autoconservação. A 
este excesso se dá o nome de pulsão sexual, e sua satisfação se estende além 
do limite espacial da boca em si mesma (estimulação lábio com lábio, dedos 
com dedos, dedos com boca, boca com dedos) e do limite temporal (antes e 
depois de mamar a pulsão se satisfaz em diversas partes do corpo). 
 
 
 
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1. DIVISÕES DA ORALIDADE 
Karl Abraham dividiu o período oral em dois subperíodos: 
 
A) ORAL PRIMÁRIO 
Estágio oral primário ou de sucção, que se estende até os 6 meses de 
idade, aproximadamente. Ë também conhecido pelos nomes de fase pré-
ambivalente, estágio narcísico-primário ou estágio anaclítico. Este subperíodo 
tem as seguintes características: 
— predominância da incorporação proveniente do mundo externo sob a 
liderança das necessidades biológicas de autoconservação; 
— a satisfação auto-erótica como substituto compensatório nos momentos em 
que o objeto outorgante da satisfação não está presente; 
— tal como já foi dito anteriormente, existe uma indiferenciação no íntimo do 
neném entre ele próprio e qualquer outra coisa que se encontre no mundo 
exterior. Simplificando ele ainda acredita encontrar-se no útero; 
— uma característica muito discutida por diversos autores: a ausência de amor 
e de ódio propriamente ditos. Quer dizer, neste primitivíssimo período do 
desenvolvimento, não há dúvida de que existem os assim chamados afetos, 
mas titulá-los de Amor e de Ódio, como o faz, por exemplo, Melanie Klein, seria 
adultificar e, portanto, deformar um processo, retirando características que lhe 
são próprias. 
 
B) ORAL SECUNDÁRIO OU CANIBALÍSTICO 
 
Estágio oral secundário ou canibalístico — este estágio, que transcorre 
no decorrer do segundo semestre do primeiro ano de vida, é caracterizado pelo 
aparecimento dos dentes, daí o nome de canibalístico. Nessa época a criança 
se vincula pela primeira vez com o mundo exterior, mordendo. A incorporação 
dos objetos agora é predominantemente sádica, destrutiva, e o objeto 
incorporado é vivido dentro do aparelho psíquico primitivo e ainda rudimentar 
da criança como mutilado, atacado, no sentido descritivo. 
Será importante voltar a este estágio e suas consequentes fantasias, 
quando falarmos de depressão e melancolia. 
 
2. O RELACIONAMENTO DE OBJETO 
 
Referimo-nos à relação ou relacionamento de objeto na teoria 
Psicanalítica como ao vínculo dialético que compreende duas as diferentes 
modalidades de como o sujeito organiza seus objetos internos e externos e 
também o modo pelo qual estes modelam a conduta do sujeito. 
 
 
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3. O PRIMEIRO OBJETO: A MÃE 
 
O fato contido neste subtítulo, aparentemente óbvio, exige uma pequena 
explicação. Embora, em sentido amplo, seja indiscutível que o primeiro objeto 
com o qual o ser humano se relaciona é sua mãe, nem sempre esta mãe 
precisa ser sua, nem esta em si precisa ser mãe. Este pequeno trocadilho quer 
frisar que a mãe para o psicopatologista é mais que um conceito, é uma função 
que ocupará um lugar com determinadas significações para cada criança em 
particular. Simplificando: chamaremos mãe ao ser humano que alimente o 
neném e lhe proporcione calor, sustentação espacial, contato dérmico, 
estímulos auditivos, etc. Essas funções podem ser realizadas por qualquer 
pessoa, independente de sexo, idade ou vínculo de parentesco com a criança. 
Há um outro ponto que torna problemática a noção objeto: é que 
inicialmente não existem imagens completas de objeto no sentido psicológico 
do termo. O neném carece do sentido de vinculação entre uma representação 
sensorial e outra. Para a visão, a audição, as multivariadas e caleidoscópicas 
sensações provenientes de infinitas fontes, são fragmentos de uma realidade e 
por isso são denominadas parciais, e não-unificadas. 
Se alguma consciência pode ter o neném nas primeiras semanas de 
vida, é um tipo de consciência muito arcaica, neurofisiológica, que depende 
totalmente das percepções polares tensão e relaxamento. Assim é que ele 
observa e codifica o mundo em torno dele. Ou seja, ou o mundo é tenso e sem 
prazer, ou o mundo é relaxado e prazeroso. 
Outra ressalva, que se deduz do que foi dito anteriormente, refere-se à 
fragmentação objetal, esta parcialidade de objeto, que nunca é simples, nítida, 
recortada, pois estes objetos parciais se encontram condensadamente 
constituídos por fragmentos daquilo a que chamamos “mãe” e por fragmentos 
das próprias sensações corporais do neném, visto que obviamente ele ainda 
não tem noção alguma do que é seu e do que pertence aos outros. 
O conceito de dependência é de capital importância em psicopatologia. 
Simplificando, o homem é o único ser da natureza que nasce desarvorado, isto 
é, sem poder sustentar-se nem sequer engatinhar ou tatear em busca de 
alimento, como o faz um filhote de cachorro. Isto quer dizer que se não houver 
uma ajuda externapara socorrê-lo, alimentá-lo, abrigando-o, sustentando-o, 
contendo-o, este recém-nascido morrerá inexoravelmente. Esta posição 
dramática de dependência de outro ser humano coloca o recém-nascido à 
mercê dos objetos exteriores. O sujeito tem de aceitar como condição 
indispensável da vida esta extrema dependência inicial que marcará para 
sempre seu desenvolvimento psicológico. Uma das primeiras consequências 
que se pode deduzir do parágrafo anterior é que somente outro ser humano 
pode humanizar (ver p. 87). 
Uma segunda consequência é que para poder aprender, a criança 
pagará o elevado preço da dependência, já que incorpora não só o leite e seus 
derivados posteriores, mas também o complicadíssimo conjunto de sinais que 
os seres humanos lhe transmitirão, entre eles a linguagem. 
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Encontramos então um paradoxo fundamental e básico: para poder ser 
independente, tem que depender. E, a posteriori, para poder se tornar 
independente deverá livrar-se das marcas da dependência. 
Observe-se a construção linguística: independência significa literalmente 
incorporação, interiorização de uma dependência. Resumindo, o sujeito 
independente e autônomo do futuro levará para sempre a marca indelével da 
dependência inicial que lhe foi necessária para sobreviver. 
 
 
4 A RELAÇÃO DE DEPENDÊNCIA COM O OBJETO PRIMÁRIO 
 
O conceito de dependência é de capital importância em 
psicopatologia. Simplificando, o homem é o único ser da natureza que nasce 
desarvorado, isto é, sem poder sustentar-se nem sequer engatinhar ou tatear 
em busca de alimento, como o faz um filhote de cachorro. Isto quer dizer que 
se não houver uma ajuda externa para socorrê-lo, alimentá-lo, abrigando-o, 
sustentando-o, contendo-o, este recém-nascido morrerá inexoravelmente. 
Esta posição dramática de dependência de outro ser humano coloca o 
recém-nascido à mercê dos objetos exteriores. O sujeito tem de aceitar como 
condição indispensável da vida esta extrema dependência inicial que 
marcará para sempre seu desenvolvimento psicológico. Uma das primeiras 
conseqüências que se pode deduzir do parágrafo anterior é que somente 
outro ser humano pode humanizar (ver p. 87). 
Uma segunda conseqüência é que para poder aprender, a criança 
pagará o elevado preço da dependência, já que incorpora não só o leite e 
seus derivados posteriores, mas também o complicadíssimo conjunto de 
sinais que os seres humanos lhe transmitirão, entre eles a linguagem. 
Encontramos então um paradoxo fundamental e básico: para poder 
ser independente, tem que depender. E, a posteriori, para poder se tornar 
independente deverá livrar-se das marcas da dependência. 
Observe-se a construção lingüística: IN-dependência significa 
literalmente incorporação, interiorização de uma dependência. Resumindo, o 
sujeito independente e 
autônomo do futuro levara para sempre a marca indelével da dependência 
inicial que lhe foi necessária para sobreviver. 
 
5. A EVOLUÇÃO NO CONHECIMENTO DOS OBJETOS 
 
A descoberta real dos objetos, tanto no sentido qualitativo como 
quantitativo se faz, como é lógico, gradualmente. 
a. Como a vida aérea, extrauterina, inaugura o ritmo de contato e 
interrupção de alimento que não existia previamente, favorecido pelo 
progressivo desenvolvimento neurofisiológico, os momentos de ausência terão 
fundamental importância. Isto significa que as distinções entre a presença ou 
ausência do seio, assim como (e decorrente disso) os pequenos estados de 
Yara
Sublinhado
Yara
Realce
Yara
Realce
Yara
Sublinhado
Yara
Realce
Yara
Sublinhado
Yara
Realce
Yara
Sublinhado
Yara
Realce
Yara
Sublinhado
Yara
Realce
Yara
Sublinhado
26 
 
consciência, dependerão da sensação de espera que a criança começa a ter 
daquele objeto-seio que lhe satisfez anteriormente. 
b. A diferenciação das percepções começa a ser feita progressivamente 
e, em vez da codificação tenso x relaxado que vimos anteriormente, agora 
teremos confiança ou conhecidos x estranhos ou duvidosos. Estes últimos é 
que são sentidos como perigosos e serão o embasamento daquilo a que nós 
chamaremos Ódio, em oposição aos outros que outorgarão confiança e serão a 
base do Amor. 
c. Não resta dúvida que a comunicação humana vai-se enriquecendo à 
medida que se produzem as diferenciações entre as diversas percepções. A 
criança principia a sintetizar os sinais procedentes do complicado jogo não 
verbal e verbal de sua mãe. A manipulação que os adultos exercem sobre ela 
são “pacotes” de informação que servem como pontes entre ela e o mundo 
exterior que vai “emergindo”. 
d. Inicialmente e pelas causas acima descritas (indiferenciação do 
mundo interno e mundo externo, confusão entre o que origina o prazeroso e o 
sem prazer, etc.), o mundo fantástico do neném é bivalente. Isto é, ele organiza 
suas percepções sentindo que existem alguns objetos que lhe dão prazer, 
satisfação, e outros radicalmente distintos, que lhe causam desprazer e 
insatisfação. 
Isto é o que se conhece, na teoria kleiniana, como objetos bons e 
objetos maus. 
Como se compreenderá, tais qualificativos não têm nada a ver com 
valorizações de ordem moral no que diz respeito aos objetos, ou fragmentos 
deles, aqui envolvidos, O máximo que podemos dizer, do ponto de vista 
operacional, é que o neném, neste período, construirá seu mundo interior com 
aquilo que sinta lhe está proporcionando a primeira experiência de prazer. Seja 
de que origem for, essa experiência, impossível de ser traduzida em palavras, 
nós, cientistas, adultos, tentamos explicá-la com metáforas. Assim, dizemos: 
estes são objetos bons, protetores, calmantes, etc. Ao contrário, todas as 
experiências que causam desgosto, como por exemplo, a tensão da fome, o 
incômodo da primeira irritação epidérmica provocada pelo retardamento na 
troca das fraldas, a ausência prolongada da mãe, etc., serão vivenciadas como 
provenientes de objetos maus, destrutivos, persecutórios, etc. 
Mais adiante, particularmente a partir do segundo semestre do primeiro 
ano de vida, e transitando já pela segunda fase oral, o mundo começa a ser 
sentido como ambivalente. Isto quer dizer que pouco a pouco, e com as 
sínteses que vão se produzindo em todos os níveis, a criança começará a 
compreender que suas sensações nem sempre serão produzidas por 
diferentes objetos, e que, quase sempre, um mesmo objeto é origem de 
sensações opostas. O neném terá impulsos de aproximação, ou seja, de amor 
primitivo e também de afastamento e destruição (ódio primitivo) em relação à 
mesma pessoa. 
 
 
 
Yara
Realce
Yara
Sublinhado
Yara
Realce
Yara
Realce
Yara
Sublinhado
Yara
Realce
Yara
Realce
Yara
Realce
Yara
Realce
Yara
Sublinhado
Yara
Sublinhado
27 
 
6. O DESMAME 
 
Entende-se por desmame o período, em torno dos doze meses de idade, 
em que é retirado definitivamente ao neném o contato com o seio materno. 
Temos que fazer duas ressalvas: a primeira é que a data de doze meses é 
absolutamente relativa, variando para cada mãe, para cada criança, para cada 
grupo social e para cada cultura. Em segundo lugar, sublinhamos nessa data 
aproximada o último contato com o seio materno, a definitiva separação dele 
como fonte alimentar e, concomitantemente, de prazer. Deduz-se facilmente 
que esta experiência, que aparece perante os olhos do observador externo 
como brusca e dramática (e que de fato às vezes assim o é), na realidade vai-
se produzindo paulatinamente, a cada mamada. 
Os intervalos existentes entre elas, cada vez mais tolerados pela 
criança, culminam, em dado momento, com aquilo a que chamamos de 
desmame definitivo. Compreende-se também que na imensa maioria dos casos 
coexiste um período de alimentação mista, no qual o neném experimentará 
diversos modos de vínculos alimentares que lhe proporcionarão experiênciasenriquecedoras de contato e comunicação entre ele e o mundo. Isto significa 
que quando se der o corte oral definitivo, este terá tido um processamento 
histórico de diversos afastamentos precedentes. 
É necessário repetir que aqui entendemos por seio não só o “seio de 
carne”, mas também o seio artificial, proporcionado pela mamadeira e seu bico 
de borracha, já que, como o leitor lembrará, o conceito de mãe não se reduz 
somente ao aspecto biológico-alimentar puro. É preciso que se ofereçam ao 
neném, juntamente com a boa qualidade e quantidade de leite, condições de 
tranquilidade, calor, aconchego, contenção, estímulos táteis, auditivos e 
olfativos, para que o constructo mãe se incorpore exatamente da mesma 
forma. 
Deste modo poderemos dizer que uma mulher que ama naturalmente 
seu filho pode não cumprir os requisitos psicológicos para que o neném possua 
as marcas sensório-perceptivas daquilo a que convencionalmente 
denominamos bom objeto, ou boa mãe. Por outro lado, um homem que 
alimente artificialmente seu neném, cumprindo esta função com requisitos de 
atenção e profunda intimidade senso-perceptiva, proporcionará a este neném 
os tijolos necessários e adequados para a formação de seu ego.1 
 
1 Talvez aqui também se pudesse acrescentar que mesmo alimentando 
naturalmente o filho, ou seja, mesmo cumprindo os requisitos de calor, 
aconchego, contenção, etc., isto pode não ser suficiente para transmitir-lhe a 
sensação de mãe boa, porque a vivência da mãe má ou persecutória pode se 
instalar enquanto o bebê tem simplesmente fome e chora, no lapso de tempo 
que decorre até que chegue o leite. Quer dizer, a vivência pessoal, individual 
de cada criança contribui significativamente para determinar a forma como 
aquela criança vai apreender aquela situação. (Carmine Matuscello Neto. 
Comunicação pessoal.) 
 
Yara
Sublinhado
Yara
Realce
Yara
Sublinhado
Yara
Realce
Yara
Sublinhado
Yara
Realce
Yara
Sublinhado
Yara
Realce
Yara
Realce
28 
 
Em resumo, o conceito de mãe, como se observa, é relativo. E, como tal, 
deverá ser pesquisado e explorado em cada situação e em cada caso. 
 
ESTÁGIO ANAL 
 
No curso do segundo e terceiro anos de vida, a criança já se encontra 
muito desenvolvida em comparação com os primeiros meses de sua vida 
extrauterina. Embora ainda não seja de todo independente, possui uma série 
de funções que lhe permitem um afastamento progressivo e relativamente 
autônomo de seus objetos primários (mãe, pai). Essas ditas funções são: a) 
engatinhar e andar; b) a linguagem; c) O progressivo aprendizado de funções 
fisiológicas que requerem primordialmente controle motor: comer sozinho (sem 
ajuda de terceiros) e controle esfincteriano. 
 
A) FONTE 
 
É preciso dizer que a região anal se encontra em funcionamento desde o 
começo da vida, mas não adquire grau de ativação nem caracteres libidinais 
até que as condições neurofisiológicas de amadurecimento e meio ambientais 
ressaltem a musculatura voluntária como o centro principal do 
desenvolvimento. 
No nosso entender, este estágio se denomina anal porque o ato da 
defecação ocupa um lugar importantíssimo no desenvolvimento psicossexual 
da criança; porém não se resume apenas no controle esfincteriano. Este serve 
de modelo para o controle motor em geral, sensações de domínio, prazer na 
expulsão ou na retenção, etc. 
Portanto a fonte pulsional corporal, ou zona erógena parcial, de onde 
emanam as pulsões neste período é a mucosa ano-retal, que terá a seu cargo 
sensações conscientes de um processo muito importante para a 
autoconservação: a eliminação dos resíduos alimentares indigeríveis. Mas, 
observado sob este ponto de vista, a fonte pulsional neste estágio é muito mais 
ampla. Estende-se desde o esfíncter pilórico (que separa o estômago do 
intestino) até a zona fronteiriça anal, que separa o interior corpóreo do mundo 
exterior. 
O leitor, familiarizado já com a explicação dos fenômenos psicossexuais 
através dos modelos estruturais de funcionamento do aparelho psíquico (ver. 
30), poderá agora ver o ânus como uma nova boca, enquanto separa e une 
dois mundos, em dois movimentos diferentes. O mundo exterior, que na etapa 
oral era representado pelo peito, e que, como já vimos, a criança não distingue 
nem diferencia, passa agora a ser nitidamente discriminado como elemento 
distinto do mundo interior. E é o esfíncter anal que faz esta delimitação, as 
fezes passando a ser vivenciadas como conteúdos internos que são 
exteriorizados. 
 
B) OBJETO 
Yara
Sublinhado
Yara
Sublinhado
Yara
Sublinhado
Yara
Realce
Yara
Realce
Yara
Realce
Yara
Sublinhado
29 
 
 
Assim como era fácil distinguir o objeto da fase oral, é bem mais difícil 
fazê-lo no estágio anal. O aparelho psíquico relativamente simples da etapa 
oral foi adquirindo maior complexidade graças ao contato com maior número de 
objetos e ao amadurecimento sensório-motor. É necessário dizer que embora 
estejamos estudando a etapa anal de maneira isolada, só pedagogicamente é 
assim. Na realidade, ela é herdeira da etapa oral, ficando esta ativa, mas 
superada pelas novas formas que as exigências do crescimento vão 
determinando. Ou seja, a etapa anal tem características específicas que a 
distinguem, mas não é possível estudá-la sem levar em conta seus 
antecedentes históricos. 
A mãe continua sendo o objeto privilegiado da criança, só que agora é 
um objeto visualizado por completo (objeto total). Porém, psicologicamente, 
passa a ser para a criança uma função que além de alimentar, dar aconchego 
e conter, demonstra interesse em sua capacidade de controlar ativamente 
esfíncteres, mãos, deslocamentos espaciais, etc. 
Daí que, para a criança, “mãe” será tudo aquilo que tentar manipulá-la, e 
que, por sua vez, ela também manipulará, tendo como modelo o controle e a 
“manipulação” das fezes.* 
É preciso lembrar que uma das primeiras descobertas da psicanálise foi 
justamente o controle e a manipulação que os neuróticos obsessivos fazem 
com os objetos reais, e até com os pensamentos, tratando-os como se fossem 
“bolos fecais”, que se retêm, que se expulsam, e com os quais se obtém 
prazer. 
 
* Este manipular x ser manipulado é próprio da estrutura binária pulsional 
antitética deste período do desenvolvimento. O “corpo” é já uma representação, 
uma projeção do nível biológico concreto. A realidade exterior é uma extensão 
do próprio corpo, aparecendo este como um articula- dor com o outro. 
 
Assim o ruminar obsessivo de um pensador qualquer tem sua origem e 
modelo na capacidade de controlar a musculatura esfincteriana. O assim 
chamado “bolo fecal” se constitui num objeto intermediário entre a criança e o 
mundo exterior, e um verdadeiro “terceiro elemento” num conjunto em que, até 
então, haviam existido apenas dois. A importância que adquire o bolo fecal 
como campo de disputa e de controle entre os desejos do meio ambiente (mãe, 
pai, familiares, etc.) e os desejos da própria criança, torna-o apto para se 
constituir, por um lado, em herdeiro do objeto-peito da fase oral precedente — 
e, por outro, no antecessor do pênis, objeto privilegiado da fase psicossexual 
subsequente. 
De tudo isto, podemos resumir do bolo fecal o seguinte: 
a. Como elemento concreto, é um excitante da mucosa ano-retal e, em 
tal sentido, totalmente equiparável ao relacionamento existente entre o peito e 
a boca. Em ambos os estágios, podemos questionar se a sensação de prazer é 
primariamente fisiológica ou secundária, adquirida pelo aprendizado, ou as 
duas coisas juntas. 
30 
 
b. O bolo fecal é expulso do corpo da criança, é um elemento que dele 
se desprende em definitivo. Observe-se a diferença entre o período oral e este: 
no primeiro, o movimento do objeto-peito é “centrípeto”, tomando como eixo 
central a criança; na fase anal, o movimento é “centrífugo”, ou seja, há uma 
exteriorização dos conteúdos internos. Neste sentido, o bolo fecal contribui 
para modelar a importante noção do que é interno e do que é externo ao 
sujeito.Compreender-se-á agora que o medo de ser deglutido na fase oral é 
substituído, na fase anal, pelo medo de ser despojado do conteúdo corporal. 
Esta fantasia adquire vários matizes: ser arrancado, ser violentado, e, 
sobretudo, ser esvaziado. 
c. Pelas características de intermediação acima comentadas, o bolo 
fecal vai representar um valor de troca entre a criança e o mundo exterior. Eis 
aqui o substrato psicossexual das equivalências descritas por Freud entre as 
fezes — presentes que se oferecem ou se recusam — e o dinheiro, 
constituindo-se, assim, este último, entre os adultos, na representação daquilo 
que se oferece em troca de alguma coisa e que adquire determinado valor (que 
deve estar, portanto, além do que está escrito nos números do papel-moeda). 
Esse valor, que, para o adulto, se encontra além dos números, tem sua origem 
na fase anal, nas maneiras — múltiplas maneiras — mediante as quais as 
fezes foram valorizadas ou desvalorizadas. Um exemplo simples: quando a 
criança demonstra os primeiros indícios de autocontrole, a mãe responde com 
sinais de satisfação. Produz-se aí um ponto de ancoragem, de enlaçamento, de 
“sujeição”, de união e separação simultâneas, onde a criança aprende que em 
troca do controle do bolo fecal obtém, no mínimo, a satisfação da mãe. O bolo 
fecal começa então a adquirir características de valor. Esta mesma criança, 
convertida em adulto, terá também valores que atribuirá às coisas próprias ou 
alheias. 
Assim, o “belo”, o “feio”, o que vale a pena, o desprezível, e assim por 
diante, terá tido sua origem remota na maneira peculiar como ela foi tratada 
e/ou manipulada neste período do desenvolvimento. Compreende-se assim 
como o papel-moeda corrente (dinheiro) se constitui na representação mais 
comum do que originalmente foi o bolo fecal. Um indivíduo adulto será 
avarento, “pão-duro” ou generoso, “mão-aberta” quanto ao USO particular de 
seu dinheiro, conforme tenha sido uma criança retentiva ou tenha mais 
docilmente atravessado o complexo aprendizado de seu controle esfincteriano". 
 
c) FINALIDADE PULSIONAL 
 
A finalidade pulsional é complexa tanto no que se refere à sua 
explicação quanto no que diz respeito ao objeto. É evidente que a satisfação 
proporcionada pela função fisiológica defecatória exige uma explicação mais 
complexa do que aquela fornecida pela fisiologia. 
* Deste modo, o valor adquire historicidade concreta. Não é o valor 
segundo Platão, para quem as coisas tinham valor por si mesmas. O valor, 
para Freud, é valor enquanto desejabilidade. Ou seja, enquanto existam 
desejos de um indivíduo dirigidos para uma determinada coisa, essa coisa 
31 
 
estará encaixada na história desse desejo. A história do valor será a história do 
desejo. Freud se insere desta maneira dentro da problemática filosófica de 
Spinoza, Hegel, Nietszche e Marx, os quais desenvolveram uma crítica dos 
valores insistindo em torno de sua subjetividade. 
 
Com efeito, tanto a expulsão do produto intestinal como a protelação 
deste ato são de um poder erogênico indiscutível. 
Karl Abraham descreveu classicamente dois subestágios: 
1. A Primeira Fase Anal ou Fase Expulsiva — o prazer desta primeira 
fase é fornecido por três vias: 
a. A via fisiológica, que oferece agradáveis sensações na zona ano-retal, 
cada vez que se produz a eliminação das fezes. Este prazer como facilmente 
se compreende, é auto-erótico, pois é fornecido pelo ato em si. 
b. A via “social”, que, apoiando-se na via fisiológica natural, outorga 
importâncias a estas funções anais e conduz a criança a reforçar o interesse na 
função evacuatória e em tudo o que ela conota: puxar, empurrar, fazer esforço, 
libertar-se de uma tensão, etc. 
c. A via contingente, constituída pela introdução na zona anal de 
medicamentos como supositórios ou tomadas de temperatura, ou lavagens 
frequentes, além de sua necessidade ocasional. Tais ações proporcionam uma 
série de sensações erógenas que podem (não necessariamente) se constituir, 
em conjunto com as outras vias analisadas em a e b, em predisponentes para 
estruturas psicopatológicas da personalidade. 
Esta Primeira Fase Anal Expulsiva proporciona dois aspectos que 
deverão ser salientados: l.°) o autoerotismo, como vimos acima, que é 
equivalente ao prazer autoerótico proporcionado pela passagem da língua 
entre os lábios ou pelo roçar de lábio contra lábio durante a fase oral. 2.°) o 
aspecto sádico do período anal, aspecto este que para alguns autores adquire 
enorme importância, denominando- se todo o estágio como sádico-anal. 
É preciso esclarecer a dupla origem do sadismo na fase anal: 
a. Por um lado, o ato fisiológico da expulsão, e as fezes em si, são 
vivenciados pela criança como atos e objetos de escasso valor e que é por isso 
mesmo que acontece o ato da expulsão (observe-se aqui o sentimento de 
descrédito, de desprezo, ao comum nas fantasias dos pacientes). Toda essa 
rede de significações desliza facilmente para a linguagem cotidiana através as 
expressões “caguei”, “fui cagado”, e assim por diante, que significam: “expulsei 
sem remorsos”, “fui expulso sem consideração”. 
b. O outro aspecto do sadismo está ligado a diversos fatores sociais, que 
“ensinam” a criança a instrumentalizar esta propriedade fisiológica expulsiva 
para desafiar a autoridade dos pais, que querem justamente o contrário: 
ensiná-lo a reter, a se limpar, a ser “educado” 
2. A Segunda Fase Anal ou Fase Retentiva — aqui, ao contrário da fase 
anterior, o prazer se encontra no ato de retenção das fezes, mas a origem 
desse prazer é igual nas duas fases, embora instrumentalizado de maneira 
diferente. 
32 
 
a. A criança vai descobrindo progressivamente que a mucosa anal pode 
ser não apenas estimulada pela expulsão, mas também pela retenção. 
Existe um acordo geral de que aqui se encontraria a descoberta do 
prazer auto erótico masoquista, que é um componente da sexualidade normal. 
É preciso grifar que masoquista, neste contexto, quer dizer uma série de 
sensações despertadas passivamente, ou seja, a criança sente que o acúmulo 
das fezes na parte terminal do intestino provoca-lhe sensações de prazer. É 
num segundo momento que este prazer se une ao ato voluntário da retenção. 
Aqui, então, a busca desta sensação de prazer será ativa. 
b. Como na fase anterior, o prazer na retenção das fezes está 
constituído pela enorme importância que os adultos lhe atribuem. Daí que a 
criança começa a saber como manipular as pessoas através da retenção das 
próprias fezes. Observemos, aliás, a reemergência do sadismo nesta Segunda 
Fase Anal. 
A criança terá duas alternativas, a esta altura de sua evolução psicossexual: 
1. Pode utilizar-se de suas fezes como um presente, para satisfazer os 
desejos dos outros, agradá-los, conquistar e manter seu carinho, ou 
simplesmente como uma demonstração de afeto, ou 
2. Numa outra alternativa, que é reter as fezes durante certo tempo, o 
que será, na maioria dos casos, entendido como hostilidade dirigida a seus 
pais que estão preocupados com a produção das fezes e seu respectivo auto-
heterocontrole. 
 
1. O RELACIONAMENTO DE OBJETO NA FASE ANAL 
 
É evidente que sobre a trilha da fisiologia, da expulsão e retenção das 
fezes, assim como sobre os conflitos e vicissitudes suscitados pelo controle 
exterior (educação, limpeza, ordem, etc.), a criança organizará seus vínculos 
objetais que terão quatro características básicas: 
A) O SADISMO 
 
Já terá o leitor reparado que este período do desenvolvimento está 
caracterizado pelo prazer em agredir um determinado objeto. 
Isso quer dizer que erotismo e agressividade são encontrados nas duas 
fases da analidade: na primeira, há uma tendência a destruir o objeto exterior 
(expulsão), na segunda, conservá-lo com a finalidade de controlá-lo (retenção). 
Ambas as tendências são igualmente fonte de prazer. 
O problema do sadismo proporciona facetas interessantes sob o ponto 
de vista psicopatológico, sendo que o progressivo domínio do controle 
esfincterianopermite à criança ter acesso à noção de propriedade privada 
(visto que suas fezes, ele pode “oferecê-las” ou retê-las). Quase 
simultaneamente com a noção anterior, ele constrói a noção de poder (poder 
sobre seu próprio corpo e poder afetivo sobre os objetos do mundo exterior, na 
medida em que os gratifica ou frustra mediante o controle esfincteriano) 
33 
 
Associados a estas duas noções estão os dois sentimentos peculiares e 
característicos desta fase: os sentimentos de onipotência e de superestimação 
narcísica que a criança experimenta opondo-se aos desejos de controle dos 
objetos externos sobre ela. Isto pode ser resumido na noção de posse. 
Assim, a fantasia característica deste período, e mediante a qual a 
Criança deseja, é qualquer coisa sobre a qual ela possa exercer domínio ou 
“seus direitos” em geral. Compreender-se-á que qualquer objeto é redutível 
mais primitiva possessão: as fezes. 
 
B) O MASOQUISMO 
 
Entende-se por este termo os vínculos de objeto cuja finalidade é 
passiva e que levam, como consequência, à obtenção de prazer em 
experiências dolorosas. 
É preciso ressalvar que, normalmente, sadismo e masoquismo estão 
juntos, falando-se então de sadomasoquismo. Além do mais, embora não 
existam dúvidas de que este tipo de relacionamento de objeto afunda suas 
raízes na fase anal, as explicações que os diversos autores têm oferecido são 
pouco claras e, em alguns casos, contraditórias. Assim, classicamente, admite-
se que o papel das nádegas no masoquismo é relevante porque a libido se 
desloca desde a mucosa ano-retal até a pele e a musculatura da região glútea. 
Outros autores não outorgam importância tão destacada às nádegas e sim à 
satisfação erótica associada a castigos corporais ou diversas punições sofridas 
no decorrer deste período do desenvolvimento. 
Talvez o aspecto mais interessante deste problema seja a constatação 
empírica, tanto em crianças como em adultos, das condutas de provocação 
ativas e agressivas que fazem com que os objetos exteriores, provocados e 
agredidos, terminem agredindo o sujeito. A estreita união entre sadismo e 
masoquismo ressalta aqui com toda a clareza. 
 
c) A AMBIVALÊNCIA 
 
Uma leitura detalhada dos itens precedentes mostrará como os objetos 
são vistos e manipulados de maneira ambivalente: 
a. Por um lado, os objetos podem ser expulsos, eliminados, suprimidos, 
destruídos e 
b. Por outro lado, estes mesmos objetos podem ser apropriados e 
retidos, como uma possessão altamente valorizada e querida. 
 
D) BI E HOMOSSEXUALIDADE; ATIVIDADE E PASSIVIDADE NARCISISMO 
ANAL 
 
34 
 
a. A bissexualidade humana encontra na fase anal sua expressão mais 
prototípica, já que o reto, sendo um órgão de excreção oco, permite a 
estruturação de: 
1 A masculinidade, enquanto o sujeito sente a capacidade de expulsar 
ativamente produtos que se encontram dentro dele. Não é possível entender o 
sentido desta afirmação se não se compreende a historicidade desta 
propriedade da mucosa anal. Com efeito, ela é herdeira da mucosa oral, que 
forma as paredes desse primeiro oco, onde o sujeito aprendeu a “tatear” o 
mundo exterior. Esta função ativa de tateamento alcança sua culminação nesta 
fase do desenvolvimento, quando a criança vive a sensação de saída de seu 
produto intestinal como primeira função ativa. 
2. Simultaneamente, o órgão intestinal, como órgão oco, recebe 
sensações de ordem passiva, pela passagem das fezes por sua parte terminal 
e pela possível penetração de corpos estranhos a ele. 
Daqui derivariam as tendências femininas. É preciso sublinhar que na 
hierarquia que adquirem os corpos estranhos a este oco vem em primeiro lugar 
o dedo, durante o ato da masturbação, que serve de exploração, 
descobrimento e reconhecimento das propriedades desta zona erógena. 
A masturbação se constitui assim num prelúdio importantíssimo da 
sexualidade definitiva. 
 
a. O par, atividade-passividade 
 
Enquanto a masculinidade e feminilidade definitivas ainda não foram 
alcançadas, o binômio atividade-passividade lidera os relacionamentos objetais 
nesta fase do desenvolvimento. 
Seria um erro importante pensar que este binômio é o único nesta fase 
intermediária entre o oral e o fálico. Com efeito, existem outros pares 
antagônicos que se organizam em derredor do ativo-passivo, por exemplo, 
bom-mau, lindo-feio, e, sobretudo, grande-pequeno. Deste último binômio 
procede um conjunto de fantasias subjacentes à estrutura dos jogos infantis 
neste período: médico-paciente, herói que supera perigos na selva, chefe de 
um exército imaginário, etc. Daí decorre que um os elementos da valorização 
amorosa se encontram na antinomia subjugar/ser subjugado, ou dominar/ser 
dominado. 
 
b. O problema do narcisismo. 
 
Referimo-nos, com este termo, à supervalorização que a criança atribui 
ao bolo fecal, mediante o qual e pelos fatores anteriormente expostos 
conquista o controle esfincteriano e, por extensão, o controle da musculatura 
voluntária — a marcha e o deslocamento no espaço. Assim mesmo, e pelas 
possibilidades que se lhe oferecem de ofertar e se opor ao objeto materno, se 
alimentarão sentimentos de autoestima e onipotência. Nessa época, os fins 
35 
 
sexuais são predominantemente auto eróticos, instrumentando-se os objetos 
com fantasias cuja finalidade será servir ao prazer concentrado em si mesmo. 
Finalizando, e como resumo do estágio anal, diríamos que suas 
características são as seguintes: 
1. A oposição atividade-passividade; 
2. O aspecto dual no relacionamento de objeto, querendo significar que 
ainda não é totalmente triangular edípico. 
3. A reafirmação e consolidação narcísica do sentimento de poder, que 
se encontra intimamente vinculado a fantasias de retenção-expulsão, e grande-
pequeno, entre outras. 
4. O movimento predominantemente centrípeto, ou seja, narcísico, dos 
fins sexuais. Sendo por definição, neste período, praticamente inexistente a 
diferenciação sexual, o vínculo é homossexual, qualquer que seja o sexo real 
do objeto. 
 
O ESTÁGIO FÁLICO 
 
Por volta do terceiro ano de vida, os estágios precedentes são 
abandonados, passando então a fazer parte da estrutura psicossexual da 
criança. Sobrevém então o estágio fálico, onde os órgãos genitais serão alvo 
da concentração energética pulsional, enfileirando-se todas as outras pulsões 
anteriores e parciais sob seu comando. É importante destacar que ainda não 
se trata da genitalização definitiva ou verdadeira. 
Ressalvamos também que nesta etapa fálica o conceito “sexo” é muito 
ambíguo, já que não existe, por parte da criança, uma conscientização da 
diferença sexual anatômica. Muito pelo contrário, o que conta, como o nome do 
estágio o indica, é o órgão anatômico masculino, que adquire o monopólio de 
ser o único valor de existência, tanto para o menino, que realmente o possui, 
quanto para a menina, que dele carece. 
Estudaremos neste estágio três itens: o desenvolvimento psicossexual, o 
aspecto narcísico e portanto pré-genital do estágio fálico, e a angústia de 
castração. 
 
1. O DESENVOLVIMENTO PSICOSSEXUAL 
 
O erotismo uretral 
 
Esta subetapa do desenvolvimento foi descrita por Fenichel como um 
período intermediário entre o estágio anal e o fálico propriamente dito. De 
modo geral, são atribuídas à urina as mesmas características das fezes, ou 
seja, o prazer de urinar junto com o prazer da sua retenção. Embora 
inicialmente seja auto erótico, progressivamente vai adquirindo prazeres mais 
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“centrífugos”, com fantasias as mais diversas de urinar sobre ou em outras 
pessoas. 
O prazer de urinar terá um duplo vértice. 
(1) Em ambos os sexos, existe uma significação fálica e até sádica. O 
ato de micção será equivalente a uma penetração ativa com fantasias de 
destruição, domínio e controle. 
(2) Ao mesmo tempo, as crianças sentem prazer em sentir passivamente 
o correr da urina por seus canais específicos. 
Nos meninos, este caráter passivo da urina atravessando os condutos 
uretrais é geralmente

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