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CRIMINALIDADE, SOCIEDADE, VIOLÊNCIA E CONTROLE SOCIAL pdf 3

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- -1
CRIMINALIDADE, SOCIEDADE, 
VIOLÊNCIA E CONTROLE SOCIAL
CAPÍTULO 3 – PODER JUDICIÁRIO E 
CRIMINOLOGIA: QUE ATUAÇÕES 
CORROBORAM NA SELETIVIDADE PENAL E 
NO CONTROLE SOCIAL PERIFÉRICO?
Ronaldo Félix Moreira Júnior
- -2
Introdução
Certamente é importante conhecer as contribuições dos diversos campos das ciências no que diz respeito ao
fenômeno da criminalidade e violência, mas o retorno à seara da Criminologia é sempre constante para que
alguns aspectos fundamentais sobre esses temas sejam aprofundados.
A seletividade penal e sua atuação por meio do Poder Judiciário possibilita uma análise mais completa para que
se possa compreender questões como: qual o papel da atuação dos magistrados no que diz respeito ao
encarceramento?
Para que se entenda melhor o fenômeno da seletividade é preciso compreender aspectos inerentes à própria
história brasileira. Se muitos conflitos contemporâneos foram potencializados pela modernidade tardia, já
imaginou qual a origem desses fenômenos? Essa questão é abordada num estudo sobre a gênese da favela no
cenário brasileiro, havendo uma ligação necessária entre escravidão, periferia e cárcere.
O terceiro tópico do presente capítulo faz uma necessária análise entre controle informal e formal, trazendo
informações a respeito do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN) para que se possa compreender melhor a
extensão dos sistemas de controle.
Finalmente, é preciso mencionar a relação entre o encarceramento em massa e o fortalecimento das facções
criminosas. Já pensou na relação existente entre cárcere e organizações criminosas? Esses fenômenos também
derivam de uma atuação seletiva por parte do Poder Judiciário. Acompanhe!
3.1 Seletividade Penal e seletividade penal no Judiciário
Sabe-se que mesmo com o fim da ditadura militar no Brasil no final da década de 1980 e a transição para os
meios democráticos de governo não se logrou êxito em acabar com o fenômeno da violência no país, um
fenômeno endêmico que remonta ao período da própria colônia. Contudo, algumas mudanças nesse período
tiveram grande importância no contexto dos rumos tomados pela política criminal brasileira, bem como em
relação ao encarceramento. Um importante ponto a ser mencionado é a adoção, pelo Brasil, de políticas
criminais embasadas nas políticas neoliberais norte-americanas.
Entende-se como política criminal o conjunto de princípios e de recomendações com capacidade de transformar
ou reformar a produção legislativa e os órgãos responsáveis por sua aplicação (BATISTA, 2011). Essas políticas,
como mencionado, sofreram grande influência de um neoliberalismo emergente nos países do norte do
Atlântico.
Por isso é importante mencionar que na década de 1980, nos Estados Unidos e no Reino Unido, nasceu um
projeto neoliberal complexo que: 1) exigia menor ingerência do governo no que diz respeito às prerrogativas do
capital; 2) exigia maior ingerência governamental para o mascaramento das consequências sociais nocivas
decorrentes da deterioração da proteção social (WACQUANT, 2001).
- -3
Percebe-se, portanto, o nascimento de uma política na qual os gastos em habitação, saúde e educação foram
diminuídos enquanto aqueles relacionados às políticas de segurança sofreram um considerável aumento. Pode-
se concluir, então, uma necessária relação de complementação entre as políticas econômicas e as políticas
punitivas desse período.
Para Wacquant (2003), trata-se de uma clara atuação de um Estado disciplinar que atua utilizando serviços
sociais mínimos, mas como instrumentos de vigilância e controle, enquanto faz uso do encarceramento e
extermínio como forma de repressão.
Não é surpresa que esse tipo de política criminal acabou por sendo exportada para países periféricos, como o
Brasil.
3.1.1 O giro punitivista e as consequências nos países periféricos
As políticas mencionadas tiveram o efeito de levar um sentimento de segurança para a parcela branca da
sociedade enquanto tratava as comunidades latinas e negras com violência e repressão. É certo que não houve
grande diferença nesse sentido no Brasil que, ao adotar tais políticas, fomentou ainda mais as mazelas sociais.
Globalizaram-se as políticas de tolerância zero.
Um dos maiores exemplos de aplicação dessas políticas (baseadas na “Teoria das janelas quebradas” – na qual é
necessário impedir pequenos delitos para que delitos maiores e mais graves deixem de ocorrer) está na
chamada “Guerra às Drogas”, considerada o eixo central da demanda punitiva, responsável por criar a
simbologia dos inimigos internos, ainda mais quando os países latino-americanos passaram a ser considerados
responsáveis por parte do consumo interno das drogas nos Estados Unidos (WACQUANT, 2001).
VOCÊ QUER VER?
O documentário , de Maria Augusta Ramos (2004), retrata as salas de audiências doJustiça
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, mostrando os diversos servidores do Poder Judiciário e a
relação entre eles com réus e seus familiares. A obra retrata as estruturas de poder existentes,
abordando a criminalização da pobreza, mostrando não apenas como o chamado “acesso à
Justiça” é, para grande parcela da população, algo inalcançável. Conforme o documentário
avança, é possível perceber que para esses grupos marginalizados a única faceta do Poder
Judiciário conhecida é uma faceta autoritária e desigual. O documentário está disponível em:
< >.https://www.youtube.com/watch?v=qUWZHNWcj7U
https://www.youtube.com/watch?v=qUWZHNWcj7U
- -4
Figura 1 - Mesmo com a transição da ditadura para a democracia, a adoção da política de tolerância zero não foi 
capaz de reduzir a criminalidade.
Fonte: M-SUR, Shutterstock, 2018.
A droga passa a ser considerada um grande mal; e o traficante, um inimigo interno. Para Carvalho (2010), além
da constante criminalização e do controle violento das camadas pobres e negras da sociedade, há um
deslocamento agravador desse processo: o inimigo interno político – considerado subversivo –, passa a dar lugar
ao traficante – um inimigo interno político-criminal.
Dentro desse giro punitivista, o tráfico de drogas ganhou uma nova dimensão a partir do enfraquecimento das
políticas sociais, assim como em virtude da pressão econômica da crise nos anos 1980 e dos baixos índices de
crescimento econômico, da intensificação do mercado de armas de fogo e do reforço ao discurso do medo,
insegurança e manutenção de estereótipos criminais. Não obstante, a expansão do consumo da cocaína e uma
maior divisão do trabalho tiveram como efeito o estímulo dos jovens ao ingresso no tráfico de drogas (BATISTA,
2003).
3.1.2 A lógica da tolerância zero no encarceramento: o papel do Poder 
Judiciário
Mesmo com as constantes denúncias realizadas pela criminologia crítica latino-americana, a racionalidade
etnocêntrica racista acabou por se infiltrar na América Latina como um discurso e ideologia capaz de configurar
as práticas punitivas autoritárias, um processo certamente agravado pela adoção das políticas de tolerância zero.
A participação do Poder Judiciário dentro desse processo é evidente, o que corrobora para o processo de
encarceramento em massa, principalmente da juventude negra.
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É importante frisar, por exemplo, a lei de crimes hediondos 8.072 (BRASIL, 1990). Para Carvalho (2015), houve
uma demora de um período de mais de 15 anos para que o dispositivo que determinava o cumprimento de pena
em regime integralmente fechado fosse declarado inconstitucional.
Ressalta também o autor que em um sistema considerado democrático, os poderes deveriam exercer funções de
controle e também de limitação dos excessos, cabendo ao judiciário fixar diretrizes mínimas com o objetivo de
racionalizar o sistema penal, principalmente por meio do controle de constitucionalidade.
Figura 2 - A submissão do Poder Judiciário às demandas das políticas de “Lei e Ordem” corroboram para a 
agravação da crise carcerária.
Fonte: Ruslan Grumble, Shutterstock, 2018.
Além da legislação mencionada, os dados trazidos por Carvalho (2015) apontam que a condenação pelo artigo
VOCÊ QUER LER?
“Difíceisganhos fáceis: Drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro” (2003), é uma excelente
obra, pertencente à coleção Pensamento Criminológico, da autora Vera Malaguti Batista, que
trata do envolvimento da juventude pobre brasileira com o tráfico de drogas. Com clareza, a
obra narra as diferentes formas de repressão existentes: aquela contra os jovens de classe
média e alta e aquela em relação ao jovem negro e pobre. A autora expõe como a droga é
utilizada como forma de refúgio para os jovens excluídos e como isso é uma das características
responsáveis pela entrada desses indivíduos no mundo do tráfico.
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Além da legislação mencionada, os dados trazidos por Carvalho (2015) apontam que a condenação pelo artigo
33 da atual Lei de drogas 11.343 (BRASIL, 2006) é, seguido pelo roubo, artigo 157 do Código Penal, a que mais
contribui para o encarceramento nacional. Clique na interação a seguir para continuar lendo.
Pode-se dizer que devido às indeterminações normativas no momento de qualificação de uma conduta como
tráfico e da já extensa margem de punibilidade abstratamente prevista às condutas incriminadas, o Judiciário
deveria ser responsável pela definição de diretrizes básicas de imputação, mediante a criação de guias de
interpretação capazes de restringir a vagueza e a ambiguidade provocadas pela legislação vigente.
Conforme Carvalho (2015), a determinação do Judiciário para que haja o cumprimento de pena desses delitos
em regime fechado ou semiaberto, sem que haja a conversão em pena restritiva de direito, é algo justificado
apenas por força da incidência do instituto da reincidência. O Supremo Tribunal Federal (STF), nesse sentido, e
contrariando boa parte da doutrina nacional e internacional, acabou por não declarar a inconstitucionalidade do
instituto, em 2013 (Recurso Extraordinário 453.000, Rel. Min. Marco Aurélio).
A manutenção desses problemas favorece não apenas uma discriminação clara no que diz respeito aos alvos
primários do sistema penal, mas também, ao fomentar o encarceramento, aumenta a violência existente (que se
reflete até fora desses complexos) e contribui para o exercício do poder do crime organizado dentro dos
presídios.
A seguir, falaremos da estrutura social brasileira e controle social periférico. Acompanhe!
3.2 Estrutura social brasileira e controle social periférico
Como tem sido mencionado, o controle social, principalmente em relação ao controle formal exercido pelo poder
punitivo, tem se direcionado para as regiões periféricas do país. Nesse contexto, muito se discute a criminalidade
e repressão que tem acontecido em favelas, mas para que se possa compreender de maneira aprofundada esses
fenômenos, é preciso entender como se formaram esses complexos habitacionais e em que circunstâncias.
Sobre esse assunto, Lícia do Prado Valladares (2005) lembra que a primeira aglomeração a realizar uma
ocupação irregular de um território surgiu no Rio de Janeiro, formada em boa parte por soldados que lutaram na
Guerra de Canudos.
Ainda é importante mencionar que mesmo após a libertação dos escravos, nunca houve um efetivo processo que
livrasse esse grupo de indivíduos dos estigmas a ele imposto durante o decorrer dos últimos séculos, como
trataremos mais a seguir.
VOCÊ SABIA?
Grande parte dos municípios brasileiros possuem favelas. No início do século XXI, 23% de
1.269 prefeituras consultadas pelo IBGE confirmaram a existência desse tipo de ocupação.
Esse número tem claramente aumentado. Aproximadamente foram identificadas 16.433
favelas no país, com um total de 2.362.708 domicílios, um número que pode ser bem maior,
tendo em vista que apenas 13% das administrações municipais contatadas forneceram dados
de cadastro desse tipo de moradia. A região sudeste é a que mais abriga esse tipo de ocupação,
com um total de 1,405 milhão de domicílios distribuídos em um total de 6.106 favelas (RAMOS,
2007).
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3.2.1 A gênese da favela
A Guerra de Canudos – conflito ocorrido na comunidade de Canudos, na Bahia, com início em 1896 por conta dos
problemas econômicos e sociais que a região, caracterizada por latifúndios improdutivos, enfrentava na época –
teve seu fim no ano de 1898, com a vitória do exército sobre os sertanejos. Entretanto, os soldados que lutaram
no confronto não foram pagos como havia sido prometido, o que fez com que fossem para o Rio de Janeiro (até
então capital do Brasil) para realizar uma pressão sobre o Ministério da Guerra. Ainda assim, esses soldados não
conseguiram reaver o pagamento e, impossibilitados de prosseguir para qualquer outro local, acabaram se
instalando no Morro da Providência, chamado posteriormente de Morro da (VALLADARES, 2005).Favella
Pode-se concluir que, da mesma maneira, muitos grupos periféricos no país deixaram seus locais de origem e
acabaram ocupando as periferias das grandes cidades. Muitos desses grupos eram formados por ex-escravos.
3.2.2 Subcidadania e poder punitivo
Jessé Souza, com sua obra “A invisibilidade da desigualdade brasileira”, teve a importante tarefa em desconstruir
um mito já arraigado na sociedade de uma falsa igualdade. Ao mencionar autores clássicos como Sérgio Buarque
de Holanda (autor de Raízes do Brasil) e Gilberto Freyre (Casa-Grande & Senzala), Souza (2006) salienta que eles
incorrem no erro de considerar os indivíduos da sociedade brasileira como se fossem semelhantes. Sem que
houvesse uma divisão de classe, apenas a renda os diferenciaria.
Nesse contexto, é importante mencionar as ideias de “estigma” trazidas por Bacila (2015), baseadas nos estudos
de Goffman. Bacila entende que uma das consequências dos estigmas é a exclusão da relação social normal,
assim como a falta de percepção de quaisquer qualidades da pessoa estigmatizada. Ao mencionar Goffman,
Bacila (2015) salienta que as discriminações são tantas que são reduzidas as chances de vida do indivíduo
estigmatizado. Há uma ideia de inferioridade e de perigo que o estigmatizado supostamente representa, fazendo
com que ele seja tratado como um estranho, um .outsider
VOCÊ SABIA?
“Favela”, termo latino para “pequena fava”, é o nome de uma região da Bahia de onde vieram
migrantes que se instalaram no Rio de Janeiro em elevações similares às que habitavam em
seu estado de origem. A expressão acabou por ser utilizada para designar qualquer
aglomeração irregular construída no país (VALLADARES, 2005).
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Figura 3 - As favelas são resultado de uma ocupação ocorrida no Morro da Providência após o fim da guerra de 
Canudos em 1898.
Fonte: Michal Staniewski, Shutterstock, 2018.
Mencionada invisibilidade e esses estigmas da população dessas regiões de periferia (em sua grande maioria
negra) podem ser representadas em dois aspectos do próprio Poder Público. Clique nos itens a seguir para
conhecer estes aspectos.
• 
1) Um aspecto omissivo.
• 
2) Um aspecto comissivo.
A costumeira omissão do Poder Público (tratando-se do primeiro aspecto) em relação a esse tipo de grupo de
indivíduos e no que diz respeito à sua atuação em habitações irregulares pode mais uma vez ser verificada no
que tange às favelas, já que o governo se manifestou oficialmente pela primeira vez sobre elas apenas no ano de
1937, com a edição do Código de Obras que, pela primeira vez, reconheceu a existências desses locais e proibiu
que outros similares fossem criados (VALLADARES, 2000, p. 12). Essa omissão acabou por fazer com que, ao
contrário do previsto, o fenômeno se expandisse e fosse recriado em diferentes regiões do país.
É importante destacar, para a finalidade do presente capítulo, a ligação da exclusão e invisibilidade com
fenômenos como o mercado informal e a própria marginalidade. Carvalho (2003) aponta que uma das
consequências das inúmeras contradições sociais é a violência e insegurança que, na América Latina e
principalmente no Brasil, não está ligada unicamente com a incapacidade da atuação policial (ou sua atuação
arbitrária e violenta), mas também com a ausência de políticas sociais urbanas eficazes, que sejam capazes de
reconhecer e efetivar os direitos da populaçãosem que haja restrição a seu acesso, nem mesmo o estigma das
diferenças que conformam seus diferentes segmentos.
•
•
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Quadro 1 - Cidades com o maior número de favelas registradas pelo IBGE no início do século.
Fonte: RAMOS, 2007, p. 78.
Em relação ao segundo aspecto (comissivo), é preciso mais uma vez retornar ao constante discurso da “Lei e da
Ordem” ou o discurso da “segurança cidadã”. Como mencionado, tem ocorrido um considerável aumento da
legislação penal. Esse aparato legislativo serve para aumentar ainda mais a repressão por parte de grupos de
periferia e contribuir para o já inchado aparato legislativo, que trata como questões criminais situações que
poderiam ser solucionadas por outras searas do Direito. É importante mencionar que a destinação desse aparato
é em relação ao grupo periférico estigmatizado, invisível em relação ao bem-estar fornecido pelo Poder Público,
mas estigmatizado pelas políticas de segurança pública. É certo que tais legislações são plenamente incapazes de
contribuir efetivamente para a redução da criminalidade, servindo apenas para a manutenção discurso da
insegurança e também para a inflação do cárcere brasileiro.
O Brasil, portanto, é marcado por um controle da população marginalizada por meio do Direito Penal, que
despende grandes quantias em comparação com as políticas públicas positivas na proteção dos membros da
sociedade não-excluídos e principalmente de seus bens.
Destaca-se, mais uma vez, a exclusão de duas vias. Clique nos cards a seguir.
Primeira via
Enquanto a não utilização das políticas mencionadas mantém a segregação espacial (vistas mais comumentes
nas grandes cidades e cidades médias) devido ao não acesso à devida propriedade ou à “expulsão branca” –
como é chamado o processo de deslocamento habitacional ocorrido em áreas de periferia devido às pressões da
especulação imobiliária
Segunda via
A adoção de políticas criminais gera a segregação por meio do encarceramento e eliminação sistemática da
população negra e pobre.
Em relação às condições carcerárias, há visível piora. Bacila (2015) lembra que nas cadeias que suportavam um
máximo de dez presos eram colocados aproximadamente cem indivíduos. É curioso o fato de que o discurso da
ressocialização do detento era algo feito ao mesmo tempo em que se vivenciava condições desumanas dentro
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ressocialização do detento era algo feito ao mesmo tempo em que se vivenciava condições desumanas dentro
dos presídios brasileiros. Havia um discurso de prevenção criminal baseado na educação e no trabalho, mas que
é completamente desligado da realidade no cotidiano dos presídios.
Indivíduos que cometem todo tipo de delito: sejam aqueles que praticaram roubos, homicídios (pelas mais
diversas motivações), extorsões mediante sequestro, estupro e tráfico de drogas; todos, conforme Bacila (2015),
são amontoados em um local completamente insalubre e submetidos a riscos de agressões físicas e também
serem assassinados ou agredidos sexualmente. Ainda correm o risco de contraírem doenças graves. Muitos
desses detentos, como já informado, estão presos nesses lugares mesmo que tenham praticado delitos com
mínima periculosidade, como pequenos furtos e tráfico de pouca quantidade de drogas. Interessante mencionar
que a denúncia feita pelo autor se assemelha ao que foi descrito por John Howard há 200 anos, ao criticar as
péssimas condições das penitenciárias inglesas.
Importa dizer que, ao se estigmatizar o preso e tratá-lo nas condições citadas, cria-se nele um inimigo comum, e,
por conseguinte, são fornecidas todas as condições para que esses presidiários se unam para reagir a tantas
atrocidades (BACILA, 2015). Isso quer dizer que o discurso da insegurança e do medo em relação ao indivíduo
dessas camadas sociais pode fazer com que alguém preso, por exemplo, por ter praticado um pequeno furto,
acabe por se tornar, na prisão, a imagem de insegurança e medo que é disseminada na sociedade. Trata-se do
que é chamado de “profecia autorrealizável”.
Bacila (2015) também menciona os atentados provocados pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) no Estado de
São Paulo nos últimos anos. Os alvos atingidos e as pessoas que foram mortas simbolizam a normalidade social.
O autor ressalta que, ainda que se discorde das ações praticadas contra a população “normal”, é preciso
compreender que este é, em alguns casos, o resultado do tratamento de pessoas como estigmatizadas, ou
verdadeiros inimigos públicos.
3.3 Integração e controle social: SISBIN e Controle informal
Até o momento, utilizamos o termo “controle social”, mas não houve ainda uma explicação completa de seu
funcionamento e de suas principais características. Neste tópico vamos trazer essa explicação, bem como
apontar as justificativas legais do direito de punir realizado pelo Estado.
Essa discussão faz, portanto, com que seja necessário discutir os fins que são atribuídos ao Estado e que
justificam sua própria existência e também os fins dados às punições, consideradas o principal instrumento
utilizado pelo sistema penal para a coerção social.
VOCÊ QUER LER?
“Criminologia e Estigmas: Um Estudo sobre os preconceitos”, escrito por Carlos Roberto Bacila
em 2015, é um interessante material que trata da origem histórica dos principais preconceitos
existentes (preconceito racial, por gênero, ganhos econômicos, religioso etc.). Um aprofundado
estudo sobre a gênese do preconceito é de vital importância para entender como podem ser
combatidos.
- -11
3.3.1 O direito de punir e suas justificativas
As aulas de Direito Penal e Direito Processual Penal costumam passar rapidamente pelo assunto “os fins das
penas”, usualmente chegando à conclusão de que o Direito Penal tem como objetivo apaziguar os conflitos
sociais e que as penas devem existir para coibir a prática criminosa e ressocializar aquele que pratica a conduta
delituosa. Esses argumentos frequentemente são rasos e ignoram a realidade da sociedade brasileira, conforme
já foi apontado inúmeras vezes.
O objetivo do direito de punir, tema já trabalhado por inúmeros autores, até hoje traz diferentes perspectivas, de
modo que serão apresentadas as principais teoria a seguir.
O primeiro conjunto de teorias se trata das . Na interação a seguir, falaremos sobre esta teoria.teorias absolutas
Clique para ler.
As possuem origem no idealismo alemão e no pensamento de Immanuel Kant. Frisa-se queteorias absolutas
para essas teorias, a pena configura uma retribuição dada a um indivíduo que cometeu algum mal. Trata-se de
uma exigência de cumprimento de justiça. 
Kant ainda compreende que a pena não pode servir para fomentar outro bem, ainda que para o delinquente em
si ou para a sociedade, tendo em vista que o homem jamais poderia ser utilizado como meio senão para si
próprio, não podendo ser confundido com objetos de direito real, como propriedades ou qualquer outro bem
inanimado (PRADO, 2004).
Ainda se tratando das teorias absolutas, Georg Wilhelm Friedrich Hegel é um autor que não pode ser esquecido,
partindo da ideia de que a pena é negação do delito que, por sua vez, é a negação do direito (a pena seria a
negação da negação).
Para Hegel, pena não diz respeito à justiça, mas a realidade do Direito, que deve residir em sua necessidade ao
reconciliar-se consigo mesma por meio da supressão da violação do direito por meio do delito (PRADO, 2004).
Na figura a seguir, Immanuel Kant, representante das teorias absolutas.
- -12
Figura 4 - Kant sustenta que não pode haver uma função da pena além da retribuição, pois o indivíduo não pode 
ser utilizado pelo Estado como uma espécie de exemplo.
Fonte: Nicku, Shutterstock, 2018.
Posteriormente, surgiram as que se dividem em: 1) prevenção geral; e 2) prevenção especial.teorias relativas,
Cada uma dessas vertentes possui ainda um caráter negativo e um caráter positivo. Pode-se dizer, ainda, que o
fundamento em comum de todas é a necessidade de coibir a prática de futuros delitos e não uma necessidade em
aplicar a pena por si mesma.
A prevenção geral negativa, de caráter intimidatório,está ligada à própria necessidade de criação de uma
legislação penal eficiente no que diz respeito à coibição da prática delitiva.
Essa corrente de pensamento é defendida porAnselm von Feuerbach, que busca refutar as bases metafísicas da
- -13
Essa corrente de pensamento é defendida porAnselm von Feuerbach, que busca refutar as bases metafísicas da
teoria retributiva afirmada por Kant. Atualmente, a teoria da prevenção geral positiva serve de base para as
teorias funcionalistas de Claus Roxin, que possuem como característica a inserção dos objetivos (funções) da
política criminal no contexto do sistema jurídico-penal (PRADO, 2004).
Prado (2004) também menciona os efeitos que se vislumbram dentro do âmbito de atuação da pena baseada na
prevenção geral positiva, que tem como objetivo gerar um sentimento de confiança na população em relação a
suas leis por meio do estabelecimento de determinadas diretrizes de atuação (conduta) para toda sociedade,
demonstrando a importância da proteção dos bens jurídicos. Caracteriza-se, portanto, pelos elementos
apresentados a seguir. Clique e acompanhe!
• 
1) O efeito de aprendizagem, representado pela possibilidade de recordar ao sujeito as regras
sociais básicas cuja transgressão não pode ser suportada pelo direito penal.
• 
2) O efeito de confiança, obtido quando o cidadão vê que o direito é eficaz.
• 
3) O efeito da pacificação social, produzida quando uma infração de uma norma legal é resolvida
pela intervenção estatal, sendo restabelecendo a paz jurídica.
A prevenção especial, ao contrário, não está ligada à sociedade em si, mas ao próprio criminoso. Tem como
objetivo impedir a prática de delitos futuros. Como já mencionado, também possui um caráter positivo e um
caráter negativo.
O aspecto positivo dessas teorias está embasado na ressocialização do agente, mas de uma forma que se trate o
infrator como uma espécie de “doente”, uma ideia que trouxe muitas críticas. Conforme Prado (2004), ao se
pretender reeducar ou ressocializar uma pessoa de maneira a modifica-la em outra diferente da que ela é, parte-
se de uma ideia de que há um modelo ideal de indivíduo a ser alcançado, cujo perfil seria desenhado pelo próprio
Estado. Isso seria uma violenta intromissão na esfera privada.
Por sua vez, o aspecto negativo dessas teorias diz respeito à neutralização da periculosidade do indivíduo por
meio da sua eliminação ou segregação. O caráter principal da sanção penal nesse ponto é o de uma ferramenta
neutralizadora. Certamente esse aspecto não está livre de críticas, principalmente quando se fala na seletividade
existente.
As teorias contemporaneamente predominantes são as e buscam conciliar ateorias ecléticas ou unitárias
exigência da retribuição jurídica da pena com os fins de prevenção geral e especial (tanto nos aspectos positivos
quanto negativos), mas procurando sempre observar os direitos e garantias fundamentais existentes. Prado
(2004) ainda menciona que essas ideias estão estabelecidas no Código Penal, ao fixar, em seu artigo 59, os
parâmetros a serem seguidos pelo juiz no ato de individualização da pena. Determina o artigo que a medida da
pena deve ser aquela necessária e suficiente para reprovação (característica da teoria absoluta) e prevenção do
crime (característica das teorias da prevenção geral e especial da criminalidade). Vale dizer que Roxin (1997)
tece uma crítica a todas essas finalidades, ao dizer que elas vislumbram apenas o aspecto da pena e não tratam
efetivamente das políticas criminais – sendo o funcionalismo, assim, uma nova via – chamada de Teoria dialética
unificadora.
•
•
•
- -14
Nesse entendimento, é necessário frisar que a pena justa é aquela que assegura as melhores condições de
prevenção geral e prevenção especial, enquanto potencialmente compreendida e que seja acatada pelos cidadãos
e pelo autor do delito, que só encontra na pena justa a possibilidade de reconciliação com a sociedade.
A ideia unitária da pena considera que é possível deixar de aplicar a pena ou aplica-la abaixo da medida do
injusto culpável, quando considerações de caráter preventivo assim recomendarem (PRADO, 2004).
3.3.2 Controle formal e informal
O processo de regulação social não é algo automático, tendo em vista que requer um constante processo de
comunicação e interação social baseado em expectativas recíprocas entre os indivíduos de um mesmo grupo
social. Essas expectativas estão relacionadas no fato de que haverá respeito às normas de convivência social,
reguladas ou não por uma instituição (GUIMARÃES, 2013).
VOCÊ O CONHECE?
Claus Roxin, nascido em 1931, é um autor influente no campo do Direito Penal alemão,
alcançando prestígio internacional. Além de ser um dos primeiros a tratar do chamado
“princípio da bagatela”, é um dos expoentes de uma das mais importantes correntes do
funcionalismo penal, tratando da utilização necessária da política criminal no contexto do
sistema penal como um todo. Roxin entende que é necessário que haja uma visão abrangente e
sistemática do Direito Penal, de modo a haver uma compatibilidade entre políticas criminais e
decisões judiciais, para que haja maior adequação aos casos concretos.
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Figura 5 - O controle informal é realizado mesmo sem o controle de uma instituição estatal, já que sua atuação 
decorre da própria sociedade.
Fonte: Shutterstock, 2018.
No que diz respeito à chamada regulação social informal, a quebra da mencionada expectativa pode gerar
inúmeros efeitos no contexto das instituições ligadas ao grupo do controle social em questão. Essas instituições
podem ser: família, igreja, escola, comunidade, local de trabalho etc. Muitas são as consequências possíveis com a
quebra da expectativa: as penitências religiosas, a suspensão de determinadas atividades escolares, a exclusão
do time de futebol, demissão do emprego etc.
Quando se fala em controle social formal punitivo, também pode ocorrer essa quebra das expectativas que,
contudo, são reguladas pelo direito. As punições derivadas desse controle formal podem ser analisadas sob
diversas interpretações, convergindo, entretanto, para dois principais pontos apontados por Guimarães (2013).
Clique na interação a seguir para conhecer estes pontos.
1 ) V i é s
utilitário
Técnica de controle da criminalidade.
2 ) V i é s
filosófico
Preocupando-se com a justificativa, inclusive sob o aspecto moral, para que haja a aplicação
das penas 
É dentro do controle social formal que se pode falar no Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN). O SISBIN é
um conjunto de órgãos governamentais – atualmente 39 – que são destinados à produção de conhecimentos de
interesse das atividades de inteligência realizadas pelo país. Normalmente vinculadas à relações exteriores e
segurança interna.
A lei nº. 9883, de sete de dezembro de 1999, foi responsável pela criação do Sistema Brasileiro de Inteligência
- -16
A lei nº. 9883, de sete de dezembro de 1999, foi responsável pela criação do Sistema Brasileiro de Inteligência
juntamente com a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN). O SISBIN, contudo, foi criado com o escopo de
integrar as ações de planejamento e execução das atividades de inteligência. Busca-se, assim, o fornecimento de
subsídios ao Presidente da República nos assuntos vinculados ao chamado “interesse nacional”.
A ABIN, como órgão central do SISBIN, tem os seguintes objetivos: planejamento, execução, supervisão e
coordenação das atividades de inteligência no Brasil.
Como já mencionado, muitas foram as teorias criadas para explicar a necessidade da pena no âmbito do Direito
Penal, inclusive busca-se justificativa por certos grupos para que sejam aplicadas medidas graves, como prisões
perpétuas ou pena de morte. Ainda assim, dessas teorias, boa parte se vale de conceitos abstratos como: paz,
harmonia social, segurança jurídica, disciplina, entre outros.
3.4 Hiperencarceramento: organizações criminais e 
facções criminosas
Uma vez que já se analisou a existência das várias justificativas para a aplicação da pena, bem como também já
podeser apontado o hiperencarceramento como uma das consequências da adoção de determinadas políticas
públicas de segurança, notadamente aquelas ligadas às políticas de “lei de ordem” norte-americanas (ligadas à
chamada “Teoria das janelas quebradas” – como mencionado, vinculadas à ideia de que delitos de menor
importância devem ser coibidos para que delitos maiores não ocorram).
É importante que se tenha uma melhor noção das consequências do encarceramento em massa por meio da
análise da peculiaridade do encarceramento brasileiro, principalmente no que diz respeito ao crescimento das
facções criminosas.
3.4.1 Hiperencarceramento: gênese e complexidade
Há uma grande dificuldade em se realizar uma pesquisa estatística sobre dados do encarceramento no Brasil.
Fernandes (2015) lembra que entre os fatores que constituem esses entraves está a existência das chamadas
cifras ocultas (casos que seriam passíveis de submissão ao controle estatal, mas que não são investigados ou
processados).
CASO
Uma determinada comunidade possui suas próprias regras. Certamente essas regras podem
estar em sintonia com as regras estabelecidas pelo Estado, mas nem sempre. Por exemplo,
pode se dizer que em uma comunidade extremamente religiosa, o fato de um indivíduo não
comparecer à igreja para as missas ou cultos pode ter uma repercussão negativa para essa
pessoa. Ela pode ser vista com desconfiança, não ser convidada para eventos sociais e ser
evitada pelos demais membros da comunidade. Trata-se, assim, de um controle social
informal, que tem o claro objetivo de manter a integridade religiosa daquelas pessoas. Esse
fato, contudo, não é um ilícito penal ou civil e, portanto, não é do interesse do Estado.
Entretanto, se um indivíduo dessa comunidade é conhecido por realizar estelionatos, além de
ser censurado pela própria comunidade (controle informal) também será perseguido pelo
poder estatal (controle formal).
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processados).
São notórias as péssimas condições existentes nas prisões brasileiras. O uso do cárcere como principal
instrumento de controle formal, principalmente após a adoção da tradição de "guerra às drogas", tem
aumentado consideravelmente, o que também fez com que as situações miseráveis se agravassem.
Vale lembrar que, no ano de 2015, o Supremo Tribunal Federal julgou as medidas cautelares requeridas na ADPF
n. 347. No julgamento mencionado, os ministros reconheceram por unanimidade a existência de um estado de
coisas inconstitucional no sistema prisional brasileiro (FERNANDES, 2015).
O que foi mencionado pelo STF como esse "estado de coisas inconstitucional" pode ser verificado pela existência
das violações a direitos dentro do ambiente carcerário. Como exemplo maior está a própria superlotação que,
por decorrência, acaba por gerar outras mazelas. A atuação, tanto comissiva quanto omissiva dos poderes, em
especial o Poder Judiciário, tem contribuído não para uma redução da criminalidade, mas fomentado os
problemas já existentes – conforme Carvalho (2015).
3.4.2 Crime organizado e cárcere
De maneira geral, uma organização criminosa pode ser tratada, segundo Araújo e Fonseca (2015) como um
grupo social que tenha objetivos próprios que são dissociados da vontade geral da sociedade. O crime
organizado é caracterizado por uma espécie de “planejamento empresarial”, com previsão de lucros, hierarquia,
divisão de trabalho e, claramente, uma vinculação necessária com o Estado. Pode-se dizer que esse vínculo
ocorre tanto em momentos posteriores à formação desse grupo, como acordos feitos por milícias, quanto
durante a gênese do grupo, ainda no sistema prisional.
VOCÊ SABIA?
Há um número cada vez mais crescente de indivíduos em estabelecimentos prisionais sem que
houvesse, para eles, uma condenação prévia? Esses números ultrapassaram os duzentos e
cinquenta mil indivíduos, conforme um levantamento realizado pelo Departamento
Penitenciário Nacional (2015).
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Figura 6 - O crime organizado, além de possuir estrutura e características empresariais, como hierarquia, 
também possui ligações com o poder público.
Fonte: Naypong Studio, Shutterstock, 2018.
Não somente por meio de acordos o Poder Público se liga ao crime organizado, tendo em vista que a situação
atual no sistema prisional brasileiro possibilitou o surgimento de uma espécie de conformação social nos mais
variados presídios, em que se formaram determinadas organizações criminosas. Como exemplo, as duas maiores
organizações criminosas do Brasil se originaram dentro do sistema penitenciário: o Comando Vermelho (CV), no
Rio de Janeiro, e o PCC (Primeiro Comanda da Capital), em São Paulo, conforme salientado por Araújo e Fonseca
(2015).
Os autores ainda mencionam que a existência de uma falta de estratégia para lidar com as precárias condições
humanas dentro dos presídios, além de problemas relacionados à administração carcerária, fez com que fosse
possível o surgimento de organizações criminosas dentro das unidades, resultando em mudanças não apenas
internas, mas fora dos muros. O Estado, por outro lado, continua com o mesmo problema: uma repreensão penal
que fomenta o crescimento das organizações criminosas dentro das prisões.
O grande crescimento das cidades médias e a atual mobilidade de capitais também fez com que o crime
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O grande crescimento das cidades médias e a atual mobilidade de capitais também fez com que o crime
organizado encontrasse determinadas condições a seu favor, nesse contexto da modernidade tardia, como
tratada por Bauman (2000). Isso implica dizer que a desigualdade nessas condições e a segregação social e
espacial acaba por dar a esse gênero de criminalidade um enorme contingente de "trabalhadores". No Brasil,
ainda há a agravante da crise da segurança pública e pela existência de um sistema de encarceramento em massa
da população pobre.
A peculiaridade da criminalidade organizada e seu enraizamento nas prisões brasileiras evidencia aspectos que
distinguem essa criminalidade nacional de outras modalidades existentes no mundo. Em muitos países, os
componentes étnicos ou raciais, ou mesmo procedências nacionais, como exemplo italianos e irlandeses nos
Estados Unidos no século XX, são primordiais para se estabelecer laços de identidade entre os membros de uma
associação dessa natureza. No Brasil, conforme Adorno (2007), a urdidura das relações de identidade desses
grupos criminosos existe no próprio conteúdo da ação criminosa, na condição de criminoso e de encarcerado.
Quadro 2 - Dados do Ministério da Justiça mostram o crescimento da população prisional, o que favorece o 
fortalecimento das facções criminosas.
Fonte: ADORNO; SALLA, 2007, p. 21.
Evidencia-se que a criminalidade organizada nas prisões brasileiras surgiu na década de 1970 e cresceu
rapidamente no restante no país nas décadas seguintes. Esse crescimento demonstrou uma mudança na lógica
de atuação de boa parte da criminalidade que, anteriormente, não formava vínculos de identidade que pudesse
manter grupos por muito tempo. Autores como Raul Cervini (1997) compreendem que os primeiros grupos de
criminosos organizados – Falange Vermelha e Serpentes Negras – se tratavam de um subproduto da convivência
entre presos políticos e presos comuns. Paixão (1987) confirma essa tese e entende que além dessa questão, o
assalto a banco e o tráfico de drogas eram atividades criminosas que criavam uma demanda cada vez maior de
uma ação organizada como requisito de eficiência. Essa capacidade de organização resultou não apenas em
ganhos econômicos para essas organizações, mas também em prestígio de alguns de seus membros no contexto
do mundo da criminalidade organizada. Esses indivíduos passaram a ter ascendência sobre a massa do restante
dos presos. Pode se afirmar que essa foi uma das bases para a construção de lideranças dentro do meio prisional
- -20
dos presos. Pode se afirmar que essa foi uma das bases para a construção de lideranças dentro do meio prisional
e também para a criação de grupos que começaram a reclamar identidade própria no mundo da criminalidadeurbana.
Síntese
O capítulo estudado possui o importante papel de apresentar a atuação das diferentes esferas de poder nos
processos de criminalização, apontando não apenas a existência de uma clara desigualdade e predisposição à
criminalização da camada mais pobre da sociedade. Não obstante, também foi apontada a importante relação
entre as políticas arbitrárias e violentas de segurança pública e a formação e fortalecimento das organizações
criminosas no âmbito do cárcere.
Neste capítulo, você teve a oportunidade de:
• relacionar a seletividade penal com o fenômeno da violência;
• compreender o fenômeno do controle social periférico;
• apontar as características inerentes ao controle formal e informal;
• reconhecer a relação entre hiperencarceramento e ação de facções criminais.
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______, Supremo Tribunal Federal. RECURSO EXTRAORDINÁRIO 453.000 RIO GRANDE DO SUL. RELATOR: Min.
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	Introdução
	3.1 Seletividade Penal e seletividade penal no Judiciário
	3.1.1 O giro punitivista e as consequências nos países periféricos
	3.1.2 A lógica da tolerância zero no encarceramento: o papel do Poder Judiciário
	3.2 Estrutura social brasileira e controle social periférico
	3.2.1 A gênese da favela
	3.2.2 Subcidadania e poder punitivo
	3.3 Integração e controle social: SISBIN e Controle informal
	3.3.1 O direito de punir e suas justificativas
	3.3.2 Controle formal e informal
	3.4 Hiperencarceramento: organizações criminais e facções criminosas
	3.4.1 Hiperencarceramento: gênese e complexidade
	3.4.2 Crime organizado e cárcere
	Síntese
	Bibliografia

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